Como seqüestrar carbono em solos I

Como prometi aqui, estou lendo as idéias do Johannes Lehmann sobre a produção de biocarvão (bio-char) para a aplicação no solo visando tanto o seqüestro de carbono quanto o melhoramento das condições químicas, físicas e biológicas do solo. Mas primeiro dois esclarecimentos: aos ainda incautos, seqüestro de carbono é toda prática que remove CO2 (dióxido de carbono ou gás carbônico) da atmosfera visando reverter ou diminuir o efeito estufa causado pelo homem; segundo, a série de posts iniciados por este não se aterão a comentar os trabalhos de Johannes Lehmann, embora tenham sido inspirados em parte em suas pesquisas. Agora vamos ao que interessa. Uma das principais críticas de Lehmann em relação aos métodos tradicionais de se tentar aumentar a quantidade de carbono no solo (sob a forma de matéria orgânica) é o baixo potencial que os solos têm de acumular carbono orgânico. Isto é em geral verdade. Lembremo-nos que os solos os quais apresentam acúmulo considerável de matéria orgânica, principalmente no horizonte superficial (solos orgânicos ou Organossolos e os solos minerais com horizonte húmico), em geral se encontram sob condições limitantes ou impossíveis para a agricultura, por exemplo, solos sob clima muito frio, ou inundados periodica ou constantemente, ou solos com altos teores de alumínio ou desenvolvidos sobre material de origem (rochas) extremamente pobres quimicamente, condições que limitam a ação dos microrganismos do solo responsáveis pela decomposição da matéria orgânica. Logo em seguida vêm à menteas práticas de plantio com pouco ou nenhum revolvimento do solo, como o plantio direto na palha. Nestas práticas, os restos das culturas vão sendo deixados nos campos de cultivo depois das colheitas e não são incorporados ao solo por meio de implementos agrícolas como a grade. Também neste caso, o acúmulo de matéria orgânica nos solos se deve mais à limitação da ação decompositora dos microrganismos do que à qualidade da matéria orgânica, embora no plantio direto se use muito a palha de gramíneas, naturalmente mais difícil de ser decomposta. Ora, para que haja a decomposição do material orgânico os microrganismos precisam, entre outras coisas, de uma boa oxigenação do solo. Um dos resultados do revolvimento do solo pelos implementos agrícolas é expor material orgânico enterrado ao ar, além de promover maior aeração da camada superficial do solo, o que acelera a decomposição conseqüente evolução (liberação) de CO2 para a atmosfera, contribuindo com o efeito estufa. Não estou dessa forma dizendo que não seja interessante a adoção do plantio direto tanto como prática de conservação do solo como estratégia de seqüestro de carbono. Não. O que digo é que esta prática depende da continuação do manejo para ser eficiente, a mudança nas práticas de manejo podendo comprometer o que foi conseguido se, por exemplo, voltar-se a se revolver o solo numa área antes submetida ao plantio direto. O enfoque de Lehmann é diferente. Ele pretende seqüestrar carbono mudando as características do material orgânico aplicado ao solo. Este material acumular-se-á por ser ele próprio resistente à ação decompositora dos microrganismos do solo. Esta idéia no entanto não é nova. Como foi comentado aqui, Lehmann e colaboradores realmente basearam suas idéias a partir da observação do comportamento de certos solos arqueológicos amazônicos conhecidos como Terras Pretas de Índio, nos quais os teores de matéria orgânica mais altos do que os dos solos circundantes devem-se à deposição por centenas ou até milhares de anos de restos vegetais carbonizados, além de restos de comida e ossos, o que em conjunto conferiu características químicas, físicas e biológicas a estes solos que os tornam desejáveis do ponto de vista agrícola. Mas eu dizia que as idéias de Lehmann e colaboradores de aumentar a matéria orgânica do solo ao depositar material naturalmente resistente à ação decompositora dos microrganismos não é nova, também nos círculos científicos. No meu mestrado tratei amostras de solo com um subproduto da produção de carvão, o alcatrão vegetal, um líquido escuro, viscoso e de cheiro forte. Este composto é extremamente rico em compostos fenólicos. Pesquisas anteriores demonstravam que as frações da matéria orgânica do solo mais ricas em compostos fenólicos, como a lignina, eram mais resistentes à decomposição pelos microrganismos. Realmente observei que a aplicação do alcatrão promovia aumento do teor de matéria orgânica do solo, mas este aumento não era proporcional às quantidades de alcatrão aplicadas. A razão disto veremos em um próximo post.

Solos tropicais ou tropicalistas?

Um professor que admiro muito chamava-nos insistentemente a atenção sobre a peculiaridade dos solos formados sob condições tropicais úmidas frente aos solos que se formam sob climas temperados. Amante do embate de idéias, ele nos experimentava o espírito crítico perguntando se concordávamos com o que dizia. A tendência natural era a concordância. Pior, como bons brasileiros, tendíamos mesmo a ver aspectos especiais nos solos e na própria pedologia (estudo dos solos) do Brasil, mostrando aquela insegurança de que fala o historiador Evaldo Cabral de Mello, comum aos povos que tentam afirmar nacisistamente uma certa identidade que os distingue de todos os outros. Imune a estas veleidades, meu professor brincava “Não são todos filhos de Gaia?”, referindo-se ao modelo teórico idealizado pelo climatologista inglês James Lovelock que descreve a Terra como um grande organismo. Sim, todos são “filhos de Gaia”. Também creio que todas as evidências mostram a peculiaridade dos solos tropicais em relação aos solos temperados: a ação profunda da água como agente intemperizador, a participação exuberante dos organismos na gênese da estrutura dos solos, a permanência por longos períodos de tempo de mantos de intemperismo profundos permitindo a existência de solos muito espessos e antigos. Mas parece-me que o raciocínio inverso também é válido: em relação aos solos tropicais, os solos temperados também devem ser entidades peculiares, pois a ausência ou menor ação dos fatores citados, em regiões de clima temperado, não implicam a inexistência de solos nem que os solos porventura lá formados sejam piores ou menos interessantes que os de cá. Há solos lá, mas são diferentes, ou os fatores que lhes deram origem são algo distintos, ou os processos, sendo os mesmos, ocorrem em taxas diferentes. No entanto a Pedologia surgiu lá, primeiro na Rússia, com alguma influência na Alemanha e depois terminou de se desenvolver nos Estados Unidos. Os conceitos e ferramentas teóricas (para usar um termo querido aos das Humanidades, os paradigmas) da ciência pedológica nasceram lá em cima. Nós viemos depois, nós somos pobres, parece que por causa disto nós precisamos nos auto-afirmar, proclamando nossa peculiaridade. Realmente creio que fosse mais apropriado dizer que a Pedologia tropical (e a Ciência do Solo como um todo), por utilizar um referencial teórico e um arcabouço metotológico específico às condições tropicais, é uma entidade peculiar e distinta, mas não pior ou melhor, que a Pedologia de clima temperado. O paleontólogo e divulgador científico Stephen Jay Gould escreveu em um ensaio na Science em 2000 “For reasons that seem to transcend cultural peculiarities, and may lie deep within the architecture of human mind, we construct our descriptive taxonomies and tell our explanatory stories, as dichotomies or contrasts between inherently distinct and logically opposite alternatives“, (“Por razões que parecem transgredir peculiaridades culturais, e pode originar-se nas profundezas da arquitetura da mente humana, construímos nossas nomenclaturas descritivas e contamos nossas histórias explicativas, como dicotomias ou contrastes entre alternativas inerentemente distintas e logicamente opostas”, tradução minha). Quero crer que se Pernambuco tivera o mesmo papel cultural que a Grécia teve para a civilização ocidental e que São Paulo fosse hoje o que os EUA são, alguém lá para os nortes estaria fazendo o mesmo tipo de pergunta que hoje fazemos.

O caminho das plantas

No post passado falei sobre minha viagem à Serra do Cipó acompanhando o amigo Elton Valente em algumas coletas referentes a sua tese de doutorado. Creio que devo comentar alguma coisa sobre sua hipótese de trabalho e alguns insights que tive após a viagem. Basicamente o Elton está analisando os vários tipos de vegetação que ocorrem em determinados locais da serra e os solos associados a estas vegetações. Há lá em cima alguns capões de mata com várias espécies que aparentemente também ocorrem na Mata Atlântica. Supõe meu amigo que estas espécies ali chegaram seguindo a drenagem, ou seja, seguindo os meandros dos rios que nasciam na serra e passavam pelas áreas onde grassava a Mata Atlântica, hipótese interessantíssima. Em outubro de 2006 escrevi aqui no Geófagos um post sobre a origem do solo seguindo a colonização dos continentes pelas plantas há cerca de 400 milhões de anos, no Devoniano. Para mim, era até há pouco um problema a me desafiar a imaginação como as plantas colonizaram as terras emersas. A sabedoria chinesa tem um ditado que diz “Se queres conhecer o mundo, observa teu quintal”. Estava eu este fim de semana observando colônias de pequenas plantas conhecidas como briófitas em umas rachaduras (parecidas com pequenos rios meandrantes) no concreto do quintal da casa onde estou morando e ao mesmo tempo lembrando da hipótese do Elton quando de repente me vem destes insights nada geniais mas afortunadamente esclarecedores para os que os têm: as plantas devem ter colonizado a terra seguindo a drenagem, “ao contrário do rio, nadando contra as águas, e nesse desafio, saindo lá do mar” e ganhando a terra e a eternidade.

Fui à praia

Os leitores assíduos (espero que existam) devem ter notado minha ausência na semana que passou. Fui a uma praia…pré-cambriana! Isso mesmo, tive a oportunidade de acompanhar o amigo Elton Valente ao local onde está fazendo sua tese de doutorado, a Serra do Cipó. Os que conhecem o local devem pensar que enlouqueci, afinal a Serra do Cipó está a centenas de quilômetros da praia. Não, não tive um surto psicótico. A Serra do Cipó provavelmente foi uma extensa praia há centenas de milhões de anos, no pré-cambriano. O que atesta isso é a rocha predominante na região, o quartzito. O quartzito era originalmente uma rocha sedimentar conhecida como arenito, a qual é formada pela deposição de sedimentos arenosos (como as areias de muitas praias) ao longo das eras geológicas. Este arenito sofreu influência de pressão e temperatura, passando por uma série de fenômenos conhecidos coletivamente como metamorfismo e se transformou no quartzito atual. Tive a oportunidade de visitar várias das formações vegetais da Serra do Cipó, desde matas até complexos rupestres. Aconselho aos que puderem fazer esta viagem, de preferência acompanhados de um pedólogo.

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