Uso excessivo de fertilizantes no cultivo protegido de hortaliças

Um erro comum dos produtores de hortaliças em ambiente protegido é achar que planta bem nutrida é planta nutrida em excesso. É um engano com consequências potencialmente graves. Há pouco tempo fui chamado para avaliar um empreendimento agrícola no estado de Goiás onde se produz pimentão e tomate do tipo “grape” e que estava apresentando problemas com aparência de doença bem como constante queda na produção. A foto que se vê acima é de uma das estufas em que o pimentão estava com problemas. Embora talvez não seja possível visualizar-se com detalhes, havia uma grande irregularidade no stand, com plantas de todo tamanho e alguns focos de oídio e ácaro que não explicavam, no entanto, a quebra da produtividade.

Como não foi possível detectar no local uma causa provável para o problema, pedi para que o encarregado da propriedade me enviasse as análises de solo das estufas para que eu pudesse fazer uma análise da disponibilidade de nutrientes às plantas. Interessantemente, o mesmo encarregado me garantiu que mandaria as análises, mas ele não acreditava que o problema fosse esse, porque eles adubavam bastante as plantas. Esse “adubavam bastante” já me deixou de sobre-aviso.

Realmente, quando vi as análises constatei que minha desconfiança estava certa – praticamente todos os nutrientes estavam em excesso! E não era um excesso “razoável”, era um excesso de toxidez mesmo. Para se ter uma idéia, as “Recomendações para o uso de corretivos e fertilizantes de Minas Gerais – 5ª Aproximação” consideram que um teor de fósforo de 30 ppm no solo já é alto. Pois bem, em algumas estufas, o teor de fósforo era de quase 1100 ppm!! A hortaliça estava sendo cultivada em um solo com quarenta vezes mais fósforo do que o nível já considerado alto.

O problema não é apenas de excesso, ambiental, de toxidez – o problema é de desperdício de dinheiro. O fósforo presente naquele solo é suficiente para se produzir tranquilamente pelo menos quarenta safras de hortaliças. Se se conseguir produzir duas safras por ano, são pelo menos 20 anos sem necessidade de adubação. O pior é que se continuava aplicando fósforo, principalmente na forma de MAP, um adubo com alta concentração em fósforo.

Um outro problema, talvez o predominante no caso destas estufas, é a ocorrência de interações antagonísticas entre os nutrientes, ou seja, o excesso de um nutriente atrapalhando a absorção de outro. O excesso de fósforo, por exemplo, comprovadamente pode interferir na absorção de alguns micronutrientes como o zinco. É razoavelmente comum a ocorrência de fundo preto (deficiência de cálcio) em tomate por causa do uso excessivo de sulfato de amônio – o amônio pode interferir negativamente na absorção de cálcio, mesmo que este esteja em níveis adequados no solo.

O fósforo não era o único nutriente em excesso. Havia o dobro do cálcio necessário, alguns micronutrientes estavam até dez vezes mais altos que o teor considerado alto. Como boa parte dos micronutrientes são aplicados na forma de sulfato, o teor de enxofre estava cinco vezes mais alto do que seria necessário. Aquele solo estava na verdade uma tragédia. Os micronutrientes, como o nome já diz, não necessários em quantidades muito pequenas e qualquer excesso pode causar toxidez às plantas, principalmente se o pH está abaixo de 5,5, que era exatamente o caso destas estufas.

Ora, no caso de excesso de micronutrientes metálicos, como ferro, cobre e zinco, uma possível solução seria a elevação do pH pela aplicação de calcário (carbonato de cálcio). Como nestes solos o cálcio já estava muito alto e a relação cálcio/magnésio desequilibrada, a aplicação de calcário poderia até mesmo agravar os problemas. Em casos como este, o desequilíbrio nutricional generalizado diminui as opções que o agrônomo tem para tentar a correção, já difícil neste caso. Em um post futuro falarei de minhas recomendações para tentar corrigir os problemas comprovadamente nutricionais deste empreendimento.

Mudanças climáticas e produção de hortaliças: uma visão geral

Os efeitos das mudanças climáticas na produção de hortaliças, onde a produtividade tem que necessariamente estar associada à qualidade do produto, têm preocupado os diversos atores ligados ao setor. Elevações, mesmo que moderadas, das temperaturas médias diurnas e/ou noturnas podem ser prejudiciais à produção olerícola. Citando como exemplo o caso do tomate, diversos trabalhos têm atribuído tal fato a danos ocorridos na fase reprodutiva devido a fatores como polinização menos efetiva, maiores taxas de respiração e redução de taxa fotossintética. Trabalhos conduzidos em regiões de clima temperado têm ainda apontado prejuízos causados pelas altas temperaturas aos cultivos de espécies exigentes ao frio tais como espinafre, batata, brócolis e alface. O estresse hídrico também pode se tornar fator limitante no futuro. Esse fato pode estar relacionado com a maior demanda de água pelas plantas para que o resfriamento delas ocorra em clima mais quente e à ocorrência de períodos secos mais intensos e longos em algumas regiões. A influência de outros eventos climáticos também não pode ser negligenciada, uma vez que é provável que eles se tornem mais frequentes em determinados locais.

Por outro lado, as condições climáticas futuras também podem ser benéficas às espécies bem adaptadas ao calor, tais como batata doce, melão, melancia, abóboras e quiabo. É possível ainda que um importante nicho de mercado se abra para variedades desenvolvidas em condições tropicais e subtropicais, potencializando a participação de institutos de pesquisa especializados em agricultura tropical.

Como forma de minimizar os impactos negativos das mudanças climáticas na produção agrícola, mecanismos adaptativos têm sido propostos. No melhoramento genético, a busca por variedades adaptadas aos estresses térmicos e hídricos, a maiores níveis de radiação, com maior albedo e mais eficientes na utilização de fertilizantes são alguns dos principais pontos discutidos. Outros mecanismos adaptativos, agora associados aos sistemas de produção, podem também surtir bons efeitos. Nesse sentido, o uso do cultivo protegido adequadamente manejado permite o controle de fatores ambientais tais como temperatura e precipitação, reduz a necessidade de uso de agroquímicos e mantêm as plantas protegidas de eventos climáticos extremos, mantendo então melhor produtividade e qualidade do produto.

Em campo aberto, a utilização de mulchings artificiais com plástico branco e opaco ajuda a reduzir a temperatura do solo e do ar próximo às plantas. A palhada formada em cultivos em sistema de plantio direto (SPD) pode fornecer efeito semelhante. Trabalhos conduzidos por pesquisadores da Embrapa Hortaliças visando a adequação de SPD para o cultivo de espécies olerícolas têm mostrado o potencial adaptativo desse sistema de manejo às novas condições climáticas, bem como o poder de mitigação da emissão de gases de efeito estufa. Aspectos como redução da temperatura do solo sob a palhada, menor perda de água e solo e manutenção de maiores estoques de carbono e nutrientes no solo têm sido observados. Outras medidas relacionadas à economia e produção de água, economia de nutrientes, uso de cercas vivas, entre outras, também devem ser considerados como possíveis mecanismos adaptativos às mudanças climáticas.

Carlos Eduardo Pacheco Lima

Produção de tomate Cereja ou Grape sob cultivo protegido: manejo cultural e genética varietal

Introdução

O cultivo protegido de tomate “cereja” ou “grape” em solos apresenta uma série de especificidades que o diferenciam muito do cultivo em campo aberto. Uma das principais diferenças é que sob cultivo protegido há pouca ou nenhuma contribuição de água de chuva. A água que entra no sistema provém quase que unicamente da irrigação,  muitas vezes feita de forma localizada, como gotejamento, por exemplo. Como as doses de adubo são normalmente altas, há uma tendência de acúmulo de sais em superfície, aumentando a condutividade elétrica da solução do solo. Na verdade, independentemente das condições de solo e clima, a salinização de solos sob cultivo protegido é quase inevitável. Além dos problemas de toxidez, o excesso de salinidade pode trazer problemas físicos, biológicos e nutricionais.

Corrigindo a salinização

A correção dos problemas advindos da salinização é difícil e onerosa. Em geral, para se corrigir a salinidade em solos cultivados sob ambiente protegido é necessário aplicar lâminas de irrigação em excesso (com água de boa qualidade) para que os nutrientes sejam lavados e levados para longe do sistema radicular, processo que se chama de lixiviação. Para que essa técnica seja realmente eficiente, a irrigação em excesso deveria estar associada a um sistema de drenagem. Muitas vezes não há disponibilidade de água em quantidade nem qualidade suficiente para que isto possa ser feito; mesmo que haja a possibilidade, não há garantia de que o problema não venha a se repetir posteriormente. Além disso, cria-se o problema de disposição deste resíduo salino, caso não haja um sistema que permita o reuso da água. A dificuldade de descarte desta água residual de fertirrigação foi uma das causas para a massiva adoção do cultivo em substrato na Holanda, por exemplo.

Vantagem dos substratos

A condutividade elétrica da solução do solo é geralmente mais alta do que a condutividade elétrica da água de irrigação. Isso se deve à dificuldade em se lixiviar os nutrientes do solo (já que as argilas retêm boa parte deles) e ainda a características físicas como a tortuosidade e a estreiteza dos poros do solo. Por outro lado, a maior parte dos substratos utilizados no cultivo sem solo permite uma rápida lixiviação e um melhor controle da condutividade elétrica da solução nutritiva. Assim, a condutividade elétrica da zona das raízes no cultivo em substrato pode ser mais baixa e facilmente controlável do que no solo, sob condições de irrigação semelhantes, diminuindo muito o risco por problemas de salinização.

Manejo de doenças em solo versus substrato

No cultivo em solo sob cultivo protegido, há uma resistência (e muitas vezes falta de opções) por parte dos agricultores em estabelecer sistemas de rotação de culturas. Dessa forma, corre-se o risco de acúmulo de doenças de solo. As condições de cultivo protegido favorecem alguns patógenos fúngicos (especialmente raças de Fusarium oxysporum f. sp. lycopersici), bacterianos (especialmente Ralstonia solanacearum) e os nematóides-das-galhas (espécies do gênero Meloidogyne). No caso do cultivo em substrato o manejo dessas doenças fica mais facilitado. Apenas a troca periódica do substrato usado já pode eliminar uma grande parte desses problemas. Alguns produtores preferem não repetir o uso do mesmo substrato por mais de um cultivo, entre outras coisas visando evitar o aparecimento de doenças, especialmente alguns oomicetos (Pythium e Phytophtora).

Características e variedades adequadas para o segmento cereja ou grape

O mercado desse segmento é muito exigente, demandando frutos com pH ideal, firmeza, boa conservação pós-colheita, coloração vermelha intensa e teor de sólidos solúveis (Brix) elevado. De fato, a principal característica que propiciou a recente expansão de consumo do segmento cereja ou grape é o sabor adocicado (ou alto Brix). Os componentes mais importantes do Brix no tomate são os açúcares (glicose e frutose) e os ácidos orgânicos (ácido cítrico e ácido málico). Estudos recentes têm mostrado que o glutamato pode também contribuir para o Brix do tomate, sendo a relação glutamato/açúcares um importante componente de sabor do tomate. As variedades disponíveis no mercado apresentam grandes variações no teor de sólidos. Portanto, na hora de escolher as variedades de tomate, os produtores do segmento cereja ou grape devem prestar atenção nessa característica, além de outros aspectos agronômicos incluindo adaptação as condições de cultivo protegido, produtividade e resistência às doenças e pragas. Variedades ou porta-enxertos com resistência a todas as raças de Fusarium e aos nematóides-das-galhas e com tolerância a Ralstonia já se encontram disponíveis no mercado.

Fatores ambientais que podem afetar o Brix em tomates

Além do híbrido/cultivar utilizado, vários fatores ambientais e fatores associados com manejo da cultura podem levar a uma variação no valor de Brix. Por exemplo, podemos citar: temperatura diurna e noturna, precipitação pluviométrica (em cultivos de campo aberto), intensidade e severidade de doenças foliares e sistemas de adubação. Regiões do Brasil onde a temperatura noturna cai rapidamente após o pôr-do-sol e se mantêm amenas (permitindo maior translocação de sólidos para os frutos) tendem a favorecer a produção de frutos com melhor Brix. O manejo inadequado da freqüência, intensidade e período de irrigação também pode levar a uma redução do Brix. Em geral, irrigações muito intensas próximas da época da colheita reduzem o Brix. Por outro lado, a paralisação precoce da irrigação pode aumentar o Brix, mas pode também afetar negativamente a produtividade. Irrigação por gotejo aumenta a produtividade, mas, em geral reduz o Brix. Manter a relação nitrogênio/ potássio N:K (1:2), manter os frutos na planta até pleno amadurecimento, suplementação de cálcio em condições de temperaturas mais elevadas são outros exemplos de práticas que, aparentemente, apresentam efeitos positivos sobre o Brix. No entanto, mais estudos são necessários para quantificar e validar o efeito benéfico destas práticas.

Ítalo M. R. Guedes

Leonardo S. Boiteux

“Um subdesenvolvido erudito”

Goethe, por meio do Poeta, no “Prólogo no Palco” de seu Fausto, já reclamava que o gosto do público piorava e o teatro se rendia às necessidades comerciais. Já então, ou desde muito antes, a Alta Cultura perdia espaço para a cultura do entretenimento, substituição levada ao extremo em nossos tempos, em que um Pedro Bial posa de intelectualoide. Imaginar que um intelectual pudesse apresentar um reality show é comparável a se pensar um ativista dos direitos animais narrando com entusiasmo uma briga de galos. Mas é assim a manipulação da realidade da Globo.

Assisti ali agora uma entrevista em que esse Genetton Moraes Neto tenta conversar com o cantor paraibano Geraldo Vandré e achei o negócio todo constrangedor, embora eu tenha terminado de assistir com uma boa impressão do artista. O repórter quer o tempo todo arrancar respostas “simples e diretas”, mastigadinhas e pré-digeridas, de Vandré, que se esquiva habilmente. O cantor, na verdade, consegue ao longo de toda entrevista evitar as tentativas de espetacularização de sua pessoa que o repórter faz, suas respostas, quase inaudíveis boa parte do tempo, são sutis, lacônicas e reticentes, mas não ambíguas. Perguntado por que não canta mais, ele é bem claro – porque não há espaço mais para uma arte de qualidade, há espaço e desejo de consumo de entretenimento, de “cultura” massificada e sem significado e, como ele mesmo diz num trecho memorável, “ele não faz qualquer coisa”. Vandré me pareceu infinitamente decepcionado com o rumo do mundo, mas seu espírito não está anestesiado.

Eu penso entender a ânsia da Globo em entrevistar Geraldo Vandré. Há um momento na entrevista em que o obtuso repórter tenta constrangedoramente arrancar de Vandré um reconhecimento de decepção de que sua canção Caminhando tenha sido transformada em canção de protesto, mas não consegue, o artista não é tolo. A tentativa foi bem clara de anular, neutralizar como insignificante um momento de verdadeira cidadania, de  transcendência, embora fugaz, da História Brasileira, da resistência à podre ditadura, à qual a Globo verdadeiramente não se opôs. Mas não se trata de simplesmente diminuir um fato histórico.

A própria entrevista e a malfadada tentativa de espetacularização de um erudito subversivo faz parte de um movimento mais amplo – a neutralização da resistência à indústria de entretenimento excremental. Não é outra coisa o que se faz ao se expor constantemente a figura do escritor paraibano Ariano Suassuna ao público, ao se vulgarizar de forma rasa sua obra, para que o público não identifique Suassuna como o crítico ferrenho da massificação cultural que a própria Globo promove, mas como “o autor daquela comédia que passou na Globo”.  É uma manobra terrivelmente sutil, ardilosa. Suassuna é uma figura carismática, é um homem do espetáculo, da aula-espetáculo, que a Globo não mostra, é uma imagem que vende, certamente contra sua vontade. Este outro paraibano Vandré recusa-se até mesmo a isso: ao invés de uma peça cômica, mais ao gosto do público, anuncia que está produzindo um poema sinfônico e fecha magistralmente, “não há nada mais subversivo que um subdesenvolvido erudito”.

O que Steve Jobs teria a dizer sobre uma variedade de hortaliça?

Recentemente eu e um colega conversávamos sobre uma variedade de hortaliça muito promissora com que trabalhávamos mas que mostrara uma maior susceptibilidade à deficiência de cálcio que outras sendo desenvolvidas. O cálcio faz parte da composição de pectatos de cálcio os quais auxiliam na resistência estrutural da parede celular, a qual confere firmeza ao tecido vegetal. Esse problema era de tal monta que, sob determinadas condições, o fruto chegava a rachar antes de colhido, tornando-o imprestável para o mercado.

Discutindo possíveis estratégias para minimizar ou evitar o problema, meu colega fez a sensata sugestão de determinarmos a quantidade a mais de cálcio que essa variedade precisava para os frutos não racharem e recomendarmos aos produtores que suplementassem a adubação com aplicações extras do nutriente no início da frutificação. Sem dúvida, esta seria a solução mais simples…para nós, pesquisadores.

À medida que o país se urbaniza e a renda média da população aumenta, a mão de obra no campo escasseia de forma assustadora e torna-se mais cara, em muitos casos representando a maior fatia nos custos da produção agrícola. Duas ou três aplicações suplementares de adubo podem representar a diferença no custo de produção que levarão o produtor a escolher uma outra variedade talvez não tão produtiva mas que não exija este gasto extra de mão de obra por não apresentar esta menos eficiência no uso de cálcio.

Para mim, a melhor solução (e eu me inspiro escancaradamente na visão de Steve Jobs) seria ter mais trabalho no processo de melhoramento, tentando corrigir, por meio de cruzamentos direcionados e seleção, esta menor eficiência na aquisição ou no uso de cálcio e lançando um produto mais pronto e certamente mais competitivo por vir a realmente facilitar a vida do produtor.

Ainda sobre excessos, extensionistas e divulgação científica sobre solos

Não fiquei muito satisfeito com meu post anterior, no qual discorri sobre certas questões éticas no exercício da profissão de agrônomo. Gostaria de elaborar um pouco mais sobre os problemas levantados, lançando mão de alguns exemplos reais que podem esclarecer minhas preocupações sobre este assunto.
Como comentei anteriormente, tem me preocupado muito o problema do excesso no uso de fertilizantes pelos produtores de hortaliças nas várias regiões do Brasil. Uma leitora e colega blogueira corretamente apontou a solução mais óbvia – mostrar aos agricultores, através da análise química do solo, que já há nutrientes em quantidade adequada ou demasiada e eles não adubarão mais. Acontece que é exatamente isto o que eu e muitos outros colegas temos feito ultimamente, mas o problema não parece ter diminuído. Muitos agricultores, mesmo de posse de uma análise de solo e de um laudo de agrônomo, agarram-se a um tipo de “princípio de precaução” que os leva a adubar (ou irrigar) seus campos mesmo quando assegurados de que não há necessidade. Mas esse é um problema que aflige até mesmo alguns agrônomos.
Há alguns meses assisti um agrônomo responsável pela área de produção de alho de uma grande empresa agrícola afirmar que periodicamente aplicava em torno de 12 toneladas de calcário por hectare apesar de sua análise de solo mostrar que a necessidade real era em torno de 10 vezes menos do que isso. Segundo ele, como sua cultura “não morreu”, os pesquisadores da empresa onde trabalho deveriam rever as recomendações. Em um outro trecho da conversa, o mesmo profissional nos disse que aplicava uma alta dose de fósforo, anualmente e desconsiderando as recomendações, que outros produtores aplicam em culturas que atingem produtividade de mais de 100 toneladas por hectare. Acontece que a produtividade do alho deste senhor não chega a 25 toneladas por hectare. Novamente ele sugeriu que nós pesquisadores precisaríamos refazer nossas pesquisas. Um agrônomo de uma grande empresa aplicando uma dose desproporcionalmente maior do que a necessária, novamente pelo “princípio de precaução”.
Minha preocupação com o uso excessivo de insumos agrícolas é tanto ambiental quanto econômica. Eu esperaria que aqueles diretamente envolvidos com a produção agrícola se preocupassem pelo menos com o aspecto econômico do problema. O uso de quantidades desnecessárias de insumo representa claramente um gasto extra e encarece a produção bem como o preço final do produto. Se apenas produtores cometessem este erro, eu entenderia a questão como mera falha de comunicação e divulgação, possivelmente pelo descaso com a extensão rural no Brasil, do qual falei neste texto e neste. O fato de técnicos agrícolas, agrônomos e mesmo pesquisadores da área agrícola cometerem o mesmo erro me leva a pensar que há também um problema de má formação. O que não sei é se é um problema na formação em solos ou na formação agronômica como um todo. Em qualquer dos casos, é necessário que tenhamos atenção nesta dificuldade, nesta falha técnica recorrente.

Volto à sugestão feita pelo agrônomo produtor de alho citado acima e sua sugestão de que refizéssemos as pesquisas relativas às necessidades de nutrição das hortaliças. Não direi que tudo está resolvido e solucionado em termos de nutrição de plantas. Se isto fosse verdade, aliás, meu emprego seria um gasto de dinheiro público desnecessário. Não, nem tudo está solucionado. Mas se, como sugerido, refizéssemos nossas pesquisas para mostrar que aplicar 12 toneladas por hectare de calcário a um solo com pH de 6,0, adicionar 4 toneladas por hectare de calcário a um solo com 13cmolc/dm3 de cálcio, utilizar a mesma dose de fósforo em uma cultura que produz 20 toneladas por hectare que utilizaríamos em uma cultura que produz 100 toneladas por hectare, estaríamos não só redescobrindo a roda, mas dando um atestado de incompetência. Realmente, desde que entrei na empresa na qual atualmente trabalho, tenho tido a impressão de que boa parte das demandas de pesquisa que nos chegam já têm soluções tecnológicas disponíveis. Sob o risco de parecer repetitivo, para estes problemas, muito mais do que pesquisa, é essencial uma extensão rural estatal e não-ideológica.
Além disto tudo, parece-me também que falta de nossa parte, nós profissionais da Ciência do Solo, uma maior atividade de divulgação de nossa ciência. E falo em divulgação para leigos, não apenas a produção de artigos científicos em periódicos especializados, sob o risco de nossas pesquisas parecerem irrelevantes ou inexistentes para a sociedade. Digo mais: parece-me que estamos sendo ineficientes em divulgar a Ciência do Solo de forma acessível até para os profissionais das Ciências Agrárias. Se não melhorarmos nossa performance, corremos o risco de continuarmos a ser cobrados a pesquisar o óbvio.

A ética entre os agrônomos ou Como faz falta o extensionista rural

Desde que assumi meu atual emprego há quase três anos tive a inestimável oportunidade de conhecer de perto e com certa riqueza de detalhes produções de hortaliças em todas as regiões do Brasil, tanto em campo aberto como em cultivo protegido. Uma impressão que tive e cada dia mais tenho é a de que o produtor de hortaliças em geral e por uma série de razões aduba muito mal suas culturas. Em um número recente do Boletim da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo fiquei sabendo que os campos produtores de fruteiras no Brasil também não são muito bem adubados. Não sei dizer nada sobre a fertilização das grandes culturas, então não generalizarei minhas impressões. Infelizmente, esta má adubação de hortaliças e fruteiras é quase invariavelmente sinônima de adubação em excesso. Digo infelizmente porque me parece que é mais fácil corrigir a adubação deficiente do que a excessiva e os impactos ambientais daquela são certamente menores do que os desta.
Como já disse, as causas do uso excessivo de adubo certamente são vários mas tenho notado um tipo de ocorrência que tem me deixado perturbado e triste – a ação de agrônomos recomendando adubos e corretivos quando não há necessidade ou recomendando altas doses quando a necessidade é pequena ou mínima. Sem dúvida, talvez seja lícito em muitos casos pensar-se que não há má fé, há má formação. Mas quando um agrônomo de alguma revenda ou empregado de empresas produtoras de fertilizantes faz isso, a suspeita de má fé não me parece descabida. Pergunto-me se as escolas formadoras de agrônomos têm dado a ênfase necessária à questão da ética na atuação profissional. Esta é uma necessidade premente. Independentemente da causa, se a má formação ou a má fé, permanece o fato de que estão sendo formados ou maus agrônomos ou agrônomos maus, talvez ambos.
Uma outra faceta deste problema, a que me refiro no título, é a escassez e as más condições de trabalho dos extensionistas rurais, profissionais que deveriam levar o melhor da tecnologia e do conhecimento gerado pelas ciências agrárias para o campo. Em um outro texto, infelizmente pouco lido, falei de minha impressão de que muitos dos problemas ambientais e de outras naturezas geradas na e pela agricultura seriam muito reduzidos se tivéssemos no Brasil uma extensão rural tão forte e incentivada quanto a pesquisa agrícola. Já tivemos no Brasil uma Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural, Embrater, mas o ilustríssimo então presidente Fernando Collor de Mello cometeu o crime de extingui-la. Desde então, as empresas estaduais de extensão rural, quando existem, competem de forma ineficiente com os agrônomos e técnicos da iniciativa privada, presumivelmente mais interessados em vender seus produtos do que em realmente informar os agricultores.
Sou um entusiasta de minha profissão e acredito no papel importante da Agronomia na resolução presente e futura do grande desafio de alimentar uma enorme população humana sem destruir e de preferência melhorando o ambiente. Sei que é uma injustiça generalizar-se qualquer tipo de atitude. Creio que há agrônomos honestos e éticos mesmo na iniciativa privada mais competitiva. Mas não há como deixar o papel da extensão rural nas mãos desta mesma iniciativa privada, até porque não raro o mais moderno conhecimento gerado desaconselha o uso de muitos dos produtos vendidos como “a solução para os problemas do campo”.

Livro “Geoquímica – uma introdução”

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Geoquímica – uma introdução
Francis Albarède
Tradução: Fábio R. D. de Andrade
Novo livro detalha os fundamentos da geoquímica moderna e sua
aplicação no estudo dos mais diversos ambientes
Relativamente nova, a geoquímica apresenta-se como a vanguarda
científica de diversas áreas de conhecimento, levando-se em conta sua
interdisciplinaridade e alcance enquanto ciência. Presente em quase
todos os campos das ciências da Terra, a geoquímica utiliza princípios
da química para explicar os mecanismos que regulam o funcionamento dos
principais sistemas geológicos.
Apesar de haver periódicos dedicados à divulgação da pesquisa na área,
ainda é pequeno o número de livros de geoquímica geral que cobrem de
modo amplo os vários segmentos da geoquímica moderna. Esta é uma das
razões que fazem do livro de Francis Albarède um livro oportuno,
direcionado aos cursos introdutórios para alunos de graduação.
Brilhantemente traduzido pelo professor de geoquímica da USP, Fábio
Ramos, o livro explica de forma didática os fundamentos da geoquímica
moderna, que atua desde a medição do tempo geológico, passando pela
origem dos magmas, pela evolução dos continentes, dos oceanos e do
manto, até a compreensão das mudanças ambientais. Com exemplos e
exercícios, a obra enfatiza os princípios gerais da geoquímica e traz
informações essenciais para estudantes de ciências da Terra e ciências
ambientais.
A partir de uma introdução sobre as propriedades dos átomos e núcleos
dos elementos químicos, o autor discute os princípios de
fracionamento, mistura de isótopos e de elementos, geocronologia e uso
de traçadores radiogênicos na caracterização de reservatórios e
fontes. Explora o transporte geoquímico por advecção e difusão, o
conceito de temperatura de fechamento, cromatografia e taxas de reação
em sistemas de larga escala, como os oceanos, a crosta e o manto.
Pela abrangência e profundidade dos temas tratados e pela excelência
do trabalho de tradução, este livro certamente será bastante útil não
apenas aos estudantes da disciplina, mas a todos os interessados nos
conceitos e aplicações da Geoquímica nas diversas áreas das ciências
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Baixo uso de fertilizantes e o melhoramento de plantas

A agricultura dita convencional tem muitas vezes utilizado grandes quantidades de insumos, principalmente fertilizantes ou adubos, visando sustentar as altas produtividades almejadas pela agricultura industrial. Ralmente, não há dúvida de que um dos requisitos para se alcançar altas produtividades são quantidades consideráveis de nutrientes. Por outro lado, boa parte destes fertilizantes vêm de fontes não renováveis, como os fosfatos e o cloreto de potássio. A uréia, para piorar, é produzida com o uso de combustíveis fósseis.
Além da questão da insustentabilidade de uma agricultura grande consumidora de fertilizantes não renováveis, há o quase sempre presente problema do uso excessivo de adubos e a consequente poluição ambiental e alguns problemas de saúde humana. Este último problema, como insistimos em afirmar, poderia ser grandemente minimizado se as adubações fossem baseadas nas reais necessidades das plantas principalmente na análise química do solo.
Por tudo isto e ainda por questões de segurança alimentar em países que não detêm grandes jazidas de minérios usados na fabricação de fertilizantes, grande ênfase tem sido dada à pesquisa e à adoção de práticas agrícolas que minimizem o uso de insumos externos à propriedade. Em geral, o foco é na utilização da reciclagem de nutrientes, com grande utilização de adubos orgânicos, de preferência os gerados na propriedade. A idéia é excelente, inclusive por tentar mimetizar o que ocorre naturalmente nos ecossistemas.
Uma faceta nem sempre levada em consideração quando se propõe a adoção de práticas agrícolas com baixo uso de fertilizantes é a daptabilidade das variedades mais comuns das espécies cultivadas a este tipo de manejo. Nos últimos três anos tive a chance de participar de equipes multidisciplinares envolvidas no melhoramento de várias espécies de hortaliças. Um fato que observei diversas vezes e que tem me preocupado muito é a condução de programas de melhoramento sobre solos muito enriquecidos de nutrientes. Tenho discutido esse problema com meus colegas melhoristas e venho tentado elaborar melhor o problema.
O melhoramento de plantas é na verdade uma seleção dirigida, na maior parte dos casos. Se o que se deseja é uma planta resistente a Ralstonia, deve-se expor uma população razoavelmente grande e variável ao patógeno e se selecionar, por um número x de gerações, aquelas plantas mais resistentes ou tolerantes, utilizando-se inclusive cruzamentos entre materiais com resistência ou tolerância diferenciada. Ao final do processo, espera-se ter uma linhagem ou linhagens com a característica desejada bem fixada para que se possa comercializá-la.
No meu ponto de vista, se se conduz um programa de melhoramento sobre solos contendo altas concentrações de nutrientes, ainda que inadvertidamente, está se selecionando um material com altas necessidades de nutrientes, como dizemos na área de nutrição vegetal, materiais com níveis críticos altos. A utilização de um material com este tipo de característica em uma agricultura de baixo insumos é garantia quase certa de insucesso ou, no mínimo, de resultados aquém do esperado.
Estas variedades não foram selecionadas para ser eficientes no uso de nutrientes – pelo contrário, foram selecionadas para responder ao uso de altas doses. Para os que gostam de denunciar a Revolução Verde, isto é feito de caso pensado para beneficiar as empresas produtoras de fertilizantes. Em minha curta experiência, penso que isto é feito pela pequena participação de especialistas em fertilidade do solo e nutrição de plantas nas equipes de melhoramento.
Acredito que um programa de agricultura de baixo uso de insumos deve antes de qualquer coisa procurar utilizar variedades que sejam sabidamente mais eficientes no uso de nutrientes. Caso estes não existam ou não estejam disponíveis, deve-se criar programas de melhoramento que visem explicitamente o desenvolvimento de variedades menos exigentes e mais eficientes na utilização de nutrientes, mesmo que para isso seja necessária a utilização de técnicas de biotecnologia, caso se queira atingir altas produtividades. Esta seleção obrigatoriamente deverá ser feita expondo-se vários materiais a solos ou soluções nutritivas mais pobres em nutrientes e selecionando-se os materiais que se saiam melhor.

Uso excessivo de fertilizantes – interações entre nutrientes

Muitos agricultores e mesmo técnicos cometem um erro perigoso na adubação de culturas agrícolas, principalmente hortaliças – confundir uma cultura bem nutrida com uma cultura nutrida em excesso. O uso excessivo de fertilizantes, sem levar em consideração o que está disponível no solo e o que a cultura realmente necessita, tem se tornado um problema recorrente e danoso em cultivos olerícolas, inclusive de tomate, em todas as regiões do Brasil.
Pelas produções mais altas de biomassa comercializável, as necessidades de nutrientes pelas hortaliças são reconhecidamente mais altas. Obviamente a aplicação de fertilizantes em uma cultura que produzirá 30t/ha deverá ser mais alta do que em uma espécie que produz 5t/ha. Deve estar muito claro, tanto para produtores quanto para técnicos, que a adubação de qualquer cultura deve ser feita criteriosamente, sob o risco de se perder dinheiro e poluir solo e água.
Qualquer recomendação de adubação ou de aplicação de corretivos deve ser feita com base em uma análise química do solo, a qual informa ao técnico a quantidade de nutrientes que o solo oferece. Se esta quantidade for menor do que a necessidade da cultura, faz-se o uso de fertilizantes. Os problemas começam a aparecer quando, apesar de o solo ter a quantidade necessária de nutrientes para as plantas, insiste-se em aplicar adubo. A aplicação de fertilizantes sem levar em conta os resultados da análise de solo e a real necessidade da cultura é mera adivinhação e uma prática impensável na agricultura moderna.
O uso excessivo de fertilizantes não é danoso apenas devido aos problemas ambientais e de perda de dinheiro. Da mesma forma que ocorre em seres humanos, o excesso de nutrientes é danoso à saúde das plantas e pode comprometer a produção da mesma forma que a falta de nutrientes. Muitos dos elementos químicos essenciais para as plantas são absorvidos na forma de íons, ou seja, na forma de elementos químicos com carga elétrica. Aqueles com carga elétrica negativa são chamados ânions, os que possuem carga positiva são os cátions. No interior das células, que é para onde vão os nutrientes, deve ser mantido um equilíbrio eletroquímico, ou seja, um equilíbrio entre a concentração de ânions e cátions.
Existem interações, sinergísticas e antagônicas, entre alguns nutrientes. Nas interações sinergísticas, a absorção de determinado elemento pode favorecer a absorção de outro, como tem sido observado entre K+ e Cl- em algumas espécies. Por outro lado, nas interações antagônica, a absorção de determinada forma de um nutriente pode dificultar a absorção de algum outro nutriente. Muito conhecida entre os técnicos que lidam com tomate é a interação antagônica que existe entre a forma amoniacal do nitrogênio (NH4+) e o cálcio (Ca2+). Como se pode observar, ambas as formas são catiônicas.
Em geral, o uso exclusivo ou excessivo da forma amoniacal de nitrogênio leva ao surgimento de sintomas de deficiência em cálcio, como a podridão apical dos frutos (fundo preto). Apesar de o cálcio estar presente no solo em formas disponíveis, a planta não o aproveita porque a célula necessita manter o equilíbrio eletroquímico – o excesso de um determinado cátion impede a absorção (ou causa a saída) de outro cátion. Por outro lado, a aplicação demasiada de formas nítricas de nitrogênio (NO3-), além de poder afetar a absorção de outros nutrientes na forma aniônica, pode levar à elevação excessiva do pH do solo, afetando negativamente a absorção de micronutrientes metálicos, como ferro, cobre, zinco e níquel, os quais podem se tornar indisponíveis em valores mais altos de pH. As calagens excessivas têm o mesmo efeito.
Outro nutriente que pode afetar a absorção de micronutrientes metálicos, se aplicado em excesso, é o fósforo. Não é raro se observar, no campo, sintomas de deficiência em zinco, apesar da aplicação do nutriente. A análise do solo em geral mostra teores muito altos de fósforo. Neste caso, a interação negativa não se dá pela manutenção do balanço eletroquímico nas células, mas provavelmente pela formação de compostos de baixa solubilidade no solo.
Pelo que foi resumidamente exposto, fica claro que, ao contrário do que se possa pensar, adubações excessivas na verdade podem levar a deficiência de nutrientes devido a interações antagônicas. Da mesma forma que não se concebe um médico receitar um medicamento sem um exame de sangue do paciente, é inconcebível um agrônomo recomendar uma adubação sem uma análise química do solo.

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