Ainda uma reflexão sobre agricultura sustentável

Em um mundo de opiniões simplificadas e superficiais, a palavra sustentabilidade tem sido abusada e aplicada sem análises mais aprofundadas. Todos querem um mundo mais sustentável, uma sociedade mais sustentável, uma agricultura sustentável. Todos querem isso e parecem  pensar que fazer ou não fazer algo sustentavelmente é uma questão de vontade, individual ou coletiva. Assim, quanto a agricultura, o consumidor bem informado e preocupado com os rumos  do mundo parece ter a impressão  que a agricultura não é sustentável porque o agricultor não quer. O ser ou não ser sustentável se torna uma medida quase moral – quem é sustentável é bom, quem não é, é mau. Serão as coisas assim tão simples?

O consumidor de hortaliças, desejoso de uma alimentação mais saudável, preocupa-se com os relatos de uso excessivo de agrotóxicos na produção olerícola e ressente-se dos maus produtores ambiciosos que assim atrapalham seu estilo de vida. A impressão que se tem é que banham as hortaliças mesmo por maldade, por se recusarem a ser sustentáveis. Por que se utilizam agrotóxicos? Por muitas razões, entre outras porque o consumidor exige hortaliças de aparência perfeita, sem injúrias, sem mordidas ou raspaduras de insetos. Além disso, dado que o consumidor exige que o alimento chegue em sua mesa a um preço baixo, para conseguir algum lucro o agricultor deve ter escala, produzir muito. Qualidade visual e quantidade, duas das razões para o uso de agrotóxicos e adubos químicos de alta solubilidade, duas exigências do mercado – e quem é o mercado?

Há clara percepção de que os produtos da agricultura orgânica apresentam menor risco químico, mas pela escassez de variedades realmente adaptadas a esse sistema de manejo e de insumos em quantidade suficiente, a produção nesse tipo de sistema é menor do que no convencional – com menor oferta, os preços são mais altos, é uma lei mercadológica básica. Os produtos podem ser mais limpos, mas apenas uma minoria pode pagar. O consumo médio de hortaliças no Brasil ainda é muito pequeno, estamos ainda na etapa de convencer a população a comer mais esses produtos, não chegamos na fase em que se pode esperar que o consumidor pague caro por isso.

Periodicamente os meios de comunicação alardeiam a notícia de que uma vez mais análises demonstraram que há resíduos de agrotóxicos não registrados em hortaliças. O que não se divulga é que para muitas hortaliças há um número muito pequeno de produtos químicos registrados apenas para citar um exemplo, até há pouco tempo, para a cultura da mandioquinha-salsa, o único produto registrado era um herbicida. Isso significa que se um produtor de mandioquinha-salsa tivesse algum problema de fungos ou insetos em sua cultura, ou ainda que se dispusesse a utilizar fungicida ou inseticida da quantidade indicada, obedecendo rigorosamente os prazos de carência, ele estaria agindo erradamente, visto que não havia fungicidas ou inseticidas registrados para uso naquela cultura.

Sustentabilidade não é um conceito simples, nem as visões do que vem a ser sustentabilidade necessariamente são as mesmas. A pesquisa científica e o diálogo sem preconceitos são urgentemente necessários para que a agricultura seja realmente mais sustentável e para que a crescente população mundial possa se alimentar melhor. A discussão mutuamente surda, baseada em visões maniqueístas do “outro lado” têm na verdade esvaziado o diálogo e conduzido o que deveria ser uma reflexão científica e técnica para um campo muito mais próximo da discórdia religiosa ao redor de dogmas irreconciliáveis, o que é um absurdo inaceitável.

Hortaliças orgânicas só podem ser produzidas com sementes orgânicas?

Carlos Alberto Lopes, pesquisador da Embrapa Hortaliças

Uma das formas mais eficientes de disseminação de patógenos de plantas, em especial a longas distâncias, é por meio de sementes contaminadas (infestadas e/ou infectadas). Por isso, para oferecer garantia de seu produto, as grandes empresas fazem alto investimento na produção e no controle de qualidade das sementes que comercializam. Na produção, levam em conta uma série de medidas preventivas de controle fitossanitário, como a escolha de local de plantio, a época de plantio, o tipo de irrigação, o monitoramento constante de pragas e as pulverizações preventivas, dentre outras. E, para dirimir dúvidas quanto à sanidade da semente produzida, utilizam técnicas modernas e sofisticadas, inclusive moleculares, conscientes de que, ao adquirir a semente “sadia”, o produtor evita importante fonte de inóculo inicial no sistema produtivo, ou seja, elimina o “patógeno” do triângulo representativo da doença: patógeno, hospedeiro e ambiente. Assim, cumpre-se o preceito epidemiológico de que, sem patógeno, não há como a doença se instalar e causar danos.

Na realidade, qualquer semente pode estar contaminada com algum patógeno, mesmo tendo sido produzida por firma idônea e mesmo que tenham sido seguidas todas as boas práticas agrícolas, inclusive com aplicação de agrotóxicos. Isso porque, em algumas situações, patógenos podem não causar sintomas visíveis nas plantas (infecção latente) na ocasião em que passam por inspeções visuais em campos de produção de sementes. Além disso, mesmo que sintomas venham a aparecer, eles podem passar despercebidos quando em baixa incidência, devido à dificuldade de coleta de amostras representativas do lote e limitações dos testes de detecção atualmente disponíveis.

Estando a semente contaminada com um patógeno, o risco de a doença que ele causa vir a se manifestar é variável, e será maior quanto mais suscetível for a cultivar e mais favorável for a condição ambiental. Por exemplo, sob clima quente e chuvoso, somente uma semente de tomate infectada com Clavibacter michiganensis subsp. michiganensis ou de repolho infectada com Xanthomonas campestris pv. campestris em um lote de 10.000 sementes é suficiente para provocar uma epidemia de cancro-bacteriano e podridão-negra, respectivamente. Assim, o produtor de alimentos, inclusive o de orgânicos, não pode abrir mão da sanidade da semente sob a pena de perder um robusto componente do controle: a supressão do inóculo inicial, ou seja, o patógeno no triângulo da doença.

Fato é que um importante aliado na produção de plantas isentas de doenças, em especial aquelas causadas por patógenos transmitidos pelas sementes, é o controle químico, principalmente por meio de fungicidas, muitos deles com alta eficácia quando aplicados de maneira e momento corretos. Poisso, se a produção de semente de boa qualidade fitossanitária em sistema convencional de cultivo já é tarefa difícil, na agricultura orgânica torna-se ainda mais complexa. Portanto, para garantir a mesma sanidade das sementes, há necessidade de o produtor “orgânico” compensar a ausência do controle químico pela adoção muito mais rigorosa das outras medidas preconizadas no controle integrado.

O aspecto complicador dessa situação é que, em países de clima tropical, como o Brasil, boa parte das medidas alternativas ou complementares ao controle químico são consideradas inviáveis em certas regiões de produção, seja por isolamento inadequado de outras lavouras, ambientes úmidos, correntes de vento desfavoráveis, solos argilosos, vegetação nativa hospedeira de patógenos e vetores etc. Assim, mesmo que muitas medidas de controle sejam executadas dentro das boas práticas culturais, existe um grande risco de ocorrência de doenças nas plantas e, consequentemente, nas sementes, levando-se em conta que as mesmas rígidas normas dos sistemas convencionais sejam seguidas nos sistemas orgânicos.

É bom lembrar que o princípio básico da agricultura orgânica, que é a possibilidade de conviver com a presença de patógenos e admitir pequenos danos na lavoura, não é tolerado para a produção de sementes. Sob o ponto de vista epidemiológico do controle eficaz, diferentemente do que pode ocorrer com a parte vegetativa da planta, a semente tem que ser sadia… e ponto final. O produtor, certamente, não admitirá arriscar a contaminação da sua lavoura e da sua área de produção pelo plantio de lotes suspeitos de sementes.

Feitas essas colocações, fica a pergunta, que pode ser subsídio a uma discussão mais ampla “do ideal e do possível” para a agricultura orgânica: Onde reside “pecado” maior: Utilizar sementes que tenham sido produzidas fazendo uso de produtos de baixa toxicidade humana  e que poderiam até ser analisadas para tolerância de resíduos? Ou correr o risco de não ter disponível um insumo (sementes genuinamente orgânicas) ou tê-lo caro e/ou desprovido de garantia e confiabilidade necessárias, visto que podem comprometer os sistemas de produção de alimentos orgânicos?

A Câmara Temática da Agricultura Orgânica, na sua última reunião de 2013, se posicionou com maturidade ao revisar a Instrução Normativa (IN) nº 46, de 6 de outubro de 2011, que proibia, a partir do dia 19 de dezembro de 2013, a utilização de sementes e mudas tratadas, permitindo apenas o uso de sementes orgânicas. Nesta reunião, a Câmara propôs a revogação do prazo desta obrigatoriedade dada à escassez de sementes orgânicas para atender ao processo de certificação da cadeia produtiva. Prevaleceu a autoridade no assunto e o bom senso do Dr. Rogério Dias, coordenador de Agroecologia do Ministério da Agricultura (Mapa):  “Se as normas forem muito complexas, desestimulam os produtores. Este esforço da Câmara consiste em enxugar e adaptar a legislação à realidade”.

Como sugestão para o estabelecimento de normas para a produção orgânica: 1) estender o uso atual de sementes convencionais, como atualmente permitido, porém aprovando sementes com baixo resíduo de agrotóxicos (empresas interessadas se encarregariam das análises de resíduos) ; 2) a médio prazo, normatizar o uso de alguns produtos químicos de baixa toxicidade, de ação exclusivamente de contato e facilmente biodegradados no solo para a proteção da lavoura destinada à produção de “semente orgânica”; 3) prospectar áreas e regiões  que possibilitem os candidatos a produtores de “sementes verdadeiramente orgânicas” (este termo não é apropriado, mas compreensível no contexto) se organizem para terem as respostas quanto à viabilidade técnica e econômica de produção, além da capacidade de atender a demanda nacional.

Fazendas Verticais, uma proposta plausível

Acabei de ler “The Vertical Farm – Feeding the World in the 21st Century“, livro seminal do microbiologista da Columbia University Dr. Dickson Despommier, o qual se propõe a divulgar para o mundo a ideia de que a agricultura em ambiente controlado feita dentro de edifícios localizados nas áreas urbanas resolveria muitos dos problemas ambientais gerados pela agricultura e ainda garantiria um suprimento adequado de comida de qualidade para uma população crescente.Problemas prementes como perdas pós-colheita, erosão, poluição por agroquímicos, desmatamento, disposição de resíduos urbanos, revitalização de áreas urbanas marginais, seriam todos grandemente melhorados, segundo a proposta de Despommier, pela adoção em larga escala das Fazendas Verticais. Por mais cético que eu seja em relação a soluções miraculosas, acho que a ideia das Fazendas Verticais deve ser seriamente avaliada.

Há quatro anos sou responsável pela Área de Pesquisa em Cultivo Protegido da Embrapa Hortaliças e apesar de minha falta de entusiasmo inicial por esse sistema de produção, as informações coligidas e os dados gerados nesse período, além da observação de numerosos empreendimentos por todo o Brasil, convenceram-me do grande potencial da agricultura em ambiente protegido – potencial de aumento de produtividade, de redução no uso de agrotóxicos e de aumento na eficiência no uso de insumos, principalmente água e fertilizantes. Apesar de ter feito um doutorado em Ciência do Solo e ser um entusiasta da área, convenci-me, antes mesmo de ler o livro de Despommier, que o cultivo sem solo pode livrar a prática agrícola de problemas de difícil resolução, além de aumentar muito a eficiência na aquisição e no uso de nutrientes pelas plantas. Enfim, a experiência profissional provavelmente me predispôs a aceitar a plausibilidade das Fazendas Verticais, e agora com grande entusiasmo.

O livro “The Vertical Farm” não deve ser lido esperando-se detalhes mecanísticos ou funcionais, não é um manual de como se construir uma estufa ou uma fazenda vertical. Na verdade, o livro é às vezes exasperantemente superficial, mas o próprio autor adverte quanto a isso ao afirmar que boa parte dos tópicos é tratada com a profundidade de um resumo executivo. Esta é, no entanto, uma obra seminal, preocupada muito mais em lançar as ideias, esperando que germinem e que outros melhor preparados tecnicamente as cultivem, preocupem-se com os detalhes. E como defesa de uma ideia o livro é magistral. Embora com generalizações questionáveis, Despommier delineia com muita habilidade a história da agricultura dos primórdios até nossos dias num texto além de agradável, informativo.

A agricultura, ao juntar os homens, permitiu o surgimento das cidades. A oferta confiável de comida, inclusive excedendo o imediatamente necessário, fez possível os artesãos e os artistas, dividindo os que produziam comida e os outros. Os outros criaram uma cultura urbana artificialmente distinta da cultura rural e dela separada. A separação e o estranhamento foram em grande parte  a causa de boa parte dos problemas ambientais dos séculos recentes. O cultivo em ambiente controlado pode desfazer este cisma milenar e, após doze mil anos, reunir a cultura agrária à cultura urbana, num parto ao contrário, reinventando ambas no processo. Essa é minha leitura.

Alguns detalhes técnicos da proposta terão que ser exaustivamente pensados e a experiência de indivíduos, empresas e instituições que trabalham com cultivo protegido deve ser ativamente buscada sob risco de insucesso ou de caminhos tortuosos. Gostaria de dar minha contribuição ao tema e discutirei aqui em posts futuros alguns temas superficialmente abordados no livro mas de importância prática crucial. O conceito das Fazendas Verticais, na primeira exposição, parece mirabolante e irrealista. Não é. O conhecimento existe, os antecedentes já existem, a necessidade existe. O mundo problemático em que vivemos precisa de ideias fora do esquadro, do antes nunca pensado. Navegar é preciso.

Republicando: Extensão rural – o elo que falta entre ambientalistas e produtores rurais

Alguém me perguntou recentemente quais seriam os principais problemas atuais da agricultura brasileira. São muitos problemas para se adotar este ou aquele mais premente. Mas como já disse e insisto em dizer, gosto de pensar por mim mesmo, sem dar muita atenção ao que os formadores de opinião-manipuladores de mente desejariam que eu, juntamente com a massa, pensasse.

O problema principal da agricultura no Brasil é a escandalosa e escandalosamente ignorada inexistência de uma política e um órgão nacional de assistência técnica e extensão rural. O visionário “estadista” Fernando Collor de Mello, com todos os Ls que a elitóide aprecia, teve a genial idéia de extinguir, durante seu grotesco mandato, a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural, Embrater, transferindo para os Estados a responsabilidade pela manutenção das atividades de extensão.

Para se começar a ter uma idéia de a quantas anda o setor no país, tenho a informação de que os abnegados agrônomos da Emater em Minas Gerais, por exemplo, ganham mensalmente um salário em torno de R$ 1.200,00. Minas Gerais, que é dos estados mais ricos da federação. Seiscentos dólares mensais para um profissional de nível superior, para atender enormes áreas, uma gama ampla de culturas, para resolver problemas que vão do projeto de irrigação ao preparo de compotas. Muitas vezes sem o mínimo necessário, como o salário para abastecer o carro da empresa. Como exercício de imaginação, sugiro ao leitor tentar adivinhar quanto ganhará um extensionista no estado que Sua Excelência o ex-presidente Collor de Mello representa no Senado da República. Nem sei se há um órgão de extensão rural em Alagoas.

E o que faz um extensionista? Idealmente, orienta os produtores quanto às técnicas e tecnologias mais apropriadas às práticas agropecuárias locais, tendo em vista a situação do produtor, a região etc. Deveria ser o intermediário entre o setor de pesquisa e os produtores rurais. Os ambientalistóides urbanos deveriam se preocupar mais com a ausência de assistência técnica eficiente no país, porque enquanto ela não existir, não há em minha opinião muita esperança de que a maioria dos agricultores adotem práticas produtivas menos nocivas ao ambiente e ao homem. Estas práticas devem ser ensinadas, mas onde estão os professores?

Imagine o leitor que alguem se lhe dirija agressivamente, um dia, reclamando que está fazendo tudo o que sempre fez de forma incorreta, mas se negue a lhe ensinar o certo. É exatamente isto o que se tem feito com o “malévolo” agricultor brasileiro. Há algum movimento ambientalista exigindo a recriação de uma empresa de assistência técnica rural de qualidade, com orçamento decente para que possa atrair técnicos qualificados para seu quadro? Creio que não.

O vazio da extensão rural é parcialmente ocupado por consultores privados, caros e limitados, e pelos técnicos de empresas de insumos agrícolas, compreensivelmente mais interessados em vender seus produtos e cumprir metas do que em educar os agricultores. Algumas ONGs, mas não todas, sofrendo da Síndrome do Colonizador Amargurado, estão mais interessadas, de forma politicamente correta, em valorizar os “saberes tradicionais”, uma forma moderna e eminentemente urbana de se reviver o mito romântico do bom selvagem, do que resolver o problema de se alimentar sete bilhões de ávidas bocas e mais ávidos corpos.

Uma velha parente minha, ao saber que eu estudava Agronomia, perguntou-me sarcasticamente se era necessário estudar por cinco anos para se saber plantar. Algum dos poucos que me leem poderá imaginar um profissional, no mundo de hoje, que possa prescindir de um preparo relativamente longo para exercer sua atividade de forma eficiente e correta? Os produtores rurais em geral serão preparados para exercer profissionalmente suas atividades? Serão educados para isto? Ao consciente ecologista de apartamento isto não parece importar. O que se deseja é que se produza comida barata e sem sem estragar o ambiente. Se o agricultor não faz isso, é porque é uma encarnação do mal. Educação, assistência técnica para este? Não, para o agricultor – cadeia e a antipatia eterna do ambientalista motorizado (em geral, com a barriga bem cheia, presumivelmente com comida, cara, produzida em comunidades tradicionais usando técnicas orgânicas, que não agride o ambiente nem chega à mesa dos pobres).

A extensão rural, que poderia sanar esta falha educacional, ainda que parcialmente, não existe, não é recompensada, não é mesmo reconhecida como ausente. Seu papel na resolução de boa parte dos problemas técnicos e ambientais da produção agropecuária brasileira deveria ser óbvio. Esta situação não deveria perdurar.

Manejo da adubação em hortaliças II – Cultivo protegido e fertirrigação

Cultivo Protegido

Há certas especificidades em relação ao manejo da nutrição mineral de hortaliças em ambiente protegido que devem ser levadas em consideração sob o risco de tornar o cultivo inviável. Uma das principais diferenças é que em ambiente protegido há pouca ou nenhuma entrada de água de chuva. A água que entra no sistema provém quase que unicamente da irrigação, muitas vezes feita de forma localizada, como gotejamento, por exemplo. Como as doses de adubo são normalmente altas, há uma tendência de acúmulo de sais em superfície, aumentando a condutividade elétrica da solução do solo. Na verdade, independentemente das condições de solo e clima, a salinização de solos em ambiente protegido é quase inevitável. Além dos problemas de toxidez, o excesso de salinidade pode trazer problemas físicos, biológicos e nutricionais.

Fertirrigação

Além da aplicação de fertilizantes convencionais ao solo, em algumas culturas, principalmente hortaliças, a adubação de plantio pode ser complementada pela aplicação de fertilizantes solúveis dissolvidos na água de irrigação – esta técnica se chama de fertirrigação. No cultivo em substrato, também chamado de semi-hidropônico, a totalidade das adubações pode ser feita via fertirrigação, sem necessidade de uma adubação de plantio.

Uma das vantagens óbvias da fertirrigação é a possibilidade de se subdividir a adubação ao longo do ciclo da cultura visando otimizar a utilização dos nutrientes pelas espécies agrícolas ao disponibilizá-los no momento mais adequado. Por momento adequado deve-se entender a cronometragem da aplicaçde acordo com as necessidades fisiológicas da espécie. A aplicação de fertilizantes solúveis junto à água de irrigação visa então prover os nutrientes certos, nas quantidades corretas, o mais próximo possível ao estádio fisiológico em que o nutriente é mais necessário. Isto só é possível se houver disponibilidade de informação quanto à curva ou marcha de absorção de nutrientes da espécie cultivada em questão, nem sempre disponível para as condições brasileiras.

As necessidades nutricionais das hortaliças em cada fase de crescimento estão predominantemente associadas a dois processos: formação de órgãos vegetativos e formação de órgãos reprodutivos. Embora exista uma dependência entre a curva de absorção de nutrientes e a curva de produção de matéria seca das plantas, não há completa coincidência entre ambas devido a diferenças no que se refere a variações no estágio de desenvolvimento e as necessidades de nutrientes específicos. Há hortaliças cuja produção é limitada a determinadas fases, enquanto outras apresentam um padrão contínuo de produção ao longo do tempo, o que leva a diferenças nas curvas de absorção de nutrientes.

Em comparação com a adubação convencional, a fertirrigação permite ajustes finos de acordo com as fases de desenvolvimento das plantas, melhorando a eficiência no uso de fertilizantes ao minimizar as perdas. Se o método de irrigação utilizado for localizado, como o gotejamento, por exemplo, a economia de fertilizantes pode ser vantajosamente associada à economia de água.

Uma das consequências do uso de fertirrigação pode ser o menor volume de raízes, principalmente no gotejamento, já que os nutrientes, assim como a água, são aplicados muito próximos ao sistema radicular. Aliás, se a informação existir, pode-se manejar a fertirrigação localizando-a nos pontos onde há maior densidade de raízes. A aplicação precoce da fertirrigação, no cultivo em solo, pode não ser completamente benéfica ao desestimular o aprofundamento do sistema radicular, criando uma dependência excessiva por parte das plantas, potencialmente danosa na eventualidade de pane temporária do sistema de irrigação.

Quando utilizada sob ambiente protegido, como estufas, há ainda o risco quase inevitável de salinização do solo, pela mesma razão por que o sistema pode ser vantajoso: pelas menores perdas do sistema. Como em geral não há entrada de água de chuva ou qualquer excesso de água no cultivo protegido, os adubos utilizados, que em gerais são sais, acumulam-se e aumentam a condutividade elétrica da solução do solo, clássico indicador da salinização. Estes problemas têm levado um expressivo número de produtores a preferirem o cultivo em substratos.

Além de ser tóxica aos vegetais, comprometendo a produção, a salinização afeta negativamente a estrutura física do solo, por causar repulsão entre as partículas de argila e de material orgânico coloidal, impedindo a formação de agregados no solo. Desta forma, o solo sofre quase uma “compactação química”, comprometendo a infiltração de água e o crescimento do sistema radicular. Se houver disponibilidade de água, isto pode ser evitado aplicando-se periodicamente lâminas de irrigação em excesso para que ocorra a “lavagem” dos sais acumulados. Idealmente, esta irrigação de lavagem deveria estar associada à drenagem adequada do lixiviado. Seriam muito interessantes também práticas que favorecessem o enriquecimento do solo em matéria orgânica e, antes de tudo, a aplicação racional dos fertilizantes.

O uso inadequado da fertirrigação em cultivo protegido em solos tem sido causa constante de desequilíbrios nutricionais que comprometem, por vezes irreversivelmente, a produção agrícola. Isso ocorre em geral pela aplicação excessiva de nutrientes, sem obedecer as necessidades do solo e da cultura. Assim como a adubação convencional, o cálculo das quantidades de fertilizantes a ser aplicados via irrigação deve ser feito a partir da análise química do solo. Se realizada sem essa ferramenta e sem o conhecimento das necessidades da cultura, a fertirrigação não passará de adivinhação, o que é impensável na moderna produção de hortaliças ou de qualquer cultura.

Conclusão

O produtor muitas vezes é levado a acreditar que o segredo das altas produções está no uso intenso de todo e qualquer tipo de tecnologia nova que apareça no mercado. Em termos de manejo da adubação de plantas, no entanto, o tipo de produto utilizado é de menor importância do que a forma com que se usa este produto. A adubação adequada, novamente, só pode ser feita sabendo-se o que a planta necessita e o que o solo oferece. Das necessidades das várias espécies de hortaliças já se tem uma boa idéia, mas o que o solo oferece só a análise química pode dizer. Por melhor e mais moderno que seja o fertilizante, sua aplicação inadequada só poderá trazer problemas.

Manejo da adubação em hortaliças I – ainda há muito a se avançar

Apesar de todos os avanços nas Ciências Agrárias nas últimas décadas, é impressionante e até certo ponto desanimador constatar-se o quanto as hortaliças no Brasil ainda são mal adubadas. Não há dúvida de que ainda há carência de informações em algumas áreas, como dados de marcha de absorção de nutrientes em várias espécies olerícolas nas condições de clima e solo do Brasil, principalmente para as variedades modernas com alto potencial produtivo. Por outro lado, práticas há muito estabelecidas, como a necessidade da análise química do solo para se calcular a aplicação de adubos, são ainda relativamente pouco utilizadas. Sem a análise dos solos e sem o conhecimento do que a planta necessita para produzir, a adubação torna-se mera adivinhação, os desequilíbrios surgem e têm surgido com frequência alarmante.

Sem saber como adubar corretamente a cultura, o agricultor e mesmo o técnico rendem-se facilmente ao assédio dos estimulantes, promotores de crescimento, enraizadores e outros produtos vendidos como milagrosos, encarecendo a produção. Estes produtos podem não ser inertes, mas são desnecessários a uma cultura bem adubada e bem nutrida. Entende-se por cultura bem nutrida aquela que recebe quantidades adequadas e no momento certo dos nutrientes minerais essenciais – nitrogênio, potássio, fósforo, cálcio, magnésio, enxofre, ferro, manganês, boro, cobre, molibdênio e zinco. Carbono, hidrogênio e oxigênio também são essenciais, mas com estes o agricultor não precisa se preocupar, porque as plantas os retiram do ar e da água.

Nutrientes e interações

Os nutrientes minerais essenciais são elementos químicos requeridos pelas plantas para completar seu desenvolvimento e, no caso de espécies agrícolas, para produzir. Dependendo das quantidades absorvidas pelas culturas, os elementos essenciais são classificados em macronutrientes (nitrogênio (N), fósforo (P), potássio (K), cálcio (Ca), magnésio (Mg) e enxofre (S)), necessários em maiores quantidades; e micronutrientes (boro (B), cobre (Cu), ferro (Fe), manganês (Mn), molibdênio (Mo) e zinco (Zn)), absorvidos em menores quantidades. A escassez de qualquer destes elementos, independente de ser macro ou micronutriente, comprometerá o potencial produtivo da cultura e sua falta poderá levar a perdas totais da produção.

Muitos agricultores e mesmo técnicos têm cometido um erro perigoso na adubação de hortaliças – confundir uma cultura bem nutrida com uma cultura nutrida em excesso. O uso excessivo de fertilizantes, sem levar em consideração o que está disponível no solo e o que a cultura realmente necessita, tem se tornado um problema recorrente e danoso em cultivos olerícolas em todas as regiões do Brasil.

Pela maior capacidade produtiva, as necessidades de nutrientes pelas hortaliças são reconhecidamente mais altas do que culturas como milho ou soja. Obviamente a aplicação de fertilizantes em uma cultura que produzirá 30t/ha deverá ser mais alta do que em uma espécie que produz 5t/ha. Deve estar muito claro, tanto para produtores quanto para técnicos, que a adubação de qualquer cultura deve ser feita criteriosamente, sob o risco de se perder dinheiro e poluir solo e água.

Qualquer recomendação de adubação ou de aplicação de corretivos deve ser feita com base em uma análise química do solo, a qual informa ao técnico a quantidade de nutrientes que o solo oferece. Se esta quantidade for menor do que a necessidade da cultura, faz-se o uso de fertilizantes. Os problemas começam a aparecer quando, apesar de o solo ter a quantidade necessária de nutrientes para as plantas, insiste-se em aplicar adubo. A aplicação de fertilizantes sem levar em conta os resultados da análise de solo e a real necessidade da cultura é mera adivinhação e uma prática impensável na agricultura moderna.

O uso excessivo de fertilizantes não é danoso apenas devido aos problemas ambientais e de perda de dinheiro. Da mesma forma que ocorre em seres humanos, o excesso de nutrientes é danoso à saúde das plantas e pode comprometer a produção da mesma forma que a falta de nutrientes. Muitos dos elementos químicos essenciais para as plantas são absorvidos na forma de íons, ou seja, na forma de elementos químicos com carga elétrica. Aqueles com carga elétrica negativa são chamados ânions, os que possuem carga positiva são os cátions. No interior das células, que é para onde vão os nutrientes, deve ser mantido um equilíbrio eletroquímico, ou seja, um equilíbrio entre a concentração de ânions e cátions.

Existem interações, sinergísticas e antagônicas, entre alguns nutrientes. Nas interações sinergísticas, a absorção de determinado elemento pode favorecer a absorção de outro, como tem sido observado entre K+ e Cl em algumas espécies. Por outro lado, nas interações antagônicas, a absorção de determinada forma de um nutriente pode dificultar a absorção de algum outro nutriente. Muito conhecida entre os técnicos que lidam com tomate é a interação antagônica que existe entre a forma amoniacal do nitrogênio (NH4+) e o cálcio (Ca2+). Como se pode observar, ambas as formas são catiônicas.

Em geral, o uso exclusivo ou excessivo da forma amoniacal de nitrogênio leva ao surgimento de sintomas de deficiência em cálcio, como a podridão apical de frutos (fundo preto). Apesar de o cálcio estar presente no solo em formas disponíveis, a planta não o aproveita porque a célula necessita manter o equilíbrio eletroquímico – o excesso de um determinado cátion impede a absorção (ou causa a saída) de outro cátion. Por outro lado, a aplicação demasiada de formas nítricas de nitrogênio (NO3), além de poder afetar a absorção de outros nutrientes na forma aniônica, pode levar à elevação excessiva do pH do solo, afetando negativamente a absorção de micronutrientes metálicos, como ferro, cobre, zinco e níquel, os quais podem se tornar indisponíveis em valores mais altos de pH. As calagens excessivas têm o mesmo efeito.

Aliás, calagem é outra prática que tem sido realizada de forma incorreta em muitos casos. A aplicação de calcário em solos tem dois objetivos principais: aumentar o pH de solos ácidos e fornecer cálcio e magnésio para as plantas. Em solos com pH ácido, em geral abaixo de 5,5, as plantas não se desenvolvem adequadamente pelo efeito tóxico do alumínio (Al3+), pela baixa disponibilidade de alguns nutrientes (cálcio, magnésio e fósforo, principalmente) e pela disponibilidade excessiva de alguns micronutrientes, como manganês e ferro, que pode causar toxidez.  A ausência ou a prática inadequada da calagem, sem levar em consideração o que o solo realmente necessita, leva muitas vezes a falta de resposta da cultura às adubações.

Outro nutriente que pode afetar a absorção de micronutrientes metálicos, se aplicado em excesso, é o fósforo. Não é raro se observar, no campo, sintomas de deficiência em zinco, apesar da aplicação do nutriente. A análise do solo em geral mostra teores muito altos de fósforo. Neste caso, a interação negativa não se dá pela manutenção do balanço eletroquímico nas células, mas provavelmente pela formação de compostos de baixa solubilidade no solo.

Fica claro que, ao contrário do que se possa pensar, adubações excessivas na verdade podem levar a uma nutrição desbalanceada devida a interações antagônicas. Da mesma forma que não se concebe um médico receitar um medicamento sem exames que lhe informem o estado do paciente, é inconcebível um agrônomo recomendar uma adubação ou uma calagem sem uma análise química do solo.

Mudanças climáticas e produção de hortaliças: uma visão geral

Os efeitos das mudanças climáticas na produção de hortaliças, onde a produtividade tem que necessariamente estar associada à qualidade do produto, têm preocupado os diversos atores ligados ao setor. Elevações, mesmo que moderadas, das temperaturas médias diurnas e/ou noturnas podem ser prejudiciais à produção olerícola. Citando como exemplo o caso do tomate, diversos trabalhos têm atribuído tal fato a danos ocorridos na fase reprodutiva devido a fatores como polinização menos efetiva, maiores taxas de respiração e redução de taxa fotossintética. Trabalhos conduzidos em regiões de clima temperado têm ainda apontado prejuízos causados pelas altas temperaturas aos cultivos de espécies exigentes ao frio tais como espinafre, batata, brócolis e alface. O estresse hídrico também pode se tornar fator limitante no futuro. Esse fato pode estar relacionado com a maior demanda de água pelas plantas para que o resfriamento delas ocorra em clima mais quente e à ocorrência de períodos secos mais intensos e longos em algumas regiões. A influência de outros eventos climáticos também não pode ser negligenciada, uma vez que é provável que eles se tornem mais frequentes em determinados locais.

Por outro lado, as condições climáticas futuras também podem ser benéficas às espécies bem adaptadas ao calor, tais como batata doce, melão, melancia, abóboras e quiabo. É possível ainda que um importante nicho de mercado se abra para variedades desenvolvidas em condições tropicais e subtropicais, potencializando a participação de institutos de pesquisa especializados em agricultura tropical.

Como forma de minimizar os impactos negativos das mudanças climáticas na produção agrícola, mecanismos adaptativos têm sido propostos. No melhoramento genético, a busca por variedades adaptadas aos estresses térmicos e hídricos, a maiores níveis de radiação, com maior albedo e mais eficientes na utilização de fertilizantes são alguns dos principais pontos discutidos. Outros mecanismos adaptativos, agora associados aos sistemas de produção, podem também surtir bons efeitos. Nesse sentido, o uso do cultivo protegido adequadamente manejado permite o controle de fatores ambientais tais como temperatura e precipitação, reduz a necessidade de uso de agroquímicos e mantêm as plantas protegidas de eventos climáticos extremos, mantendo então melhor produtividade e qualidade do produto.

Em campo aberto, a utilização de mulchings artificiais com plástico branco e opaco ajuda a reduzir a temperatura do solo e do ar próximo às plantas. A palhada formada em cultivos em sistema de plantio direto (SPD) pode fornecer efeito semelhante. Trabalhos conduzidos por pesquisadores da Embrapa Hortaliças visando a adequação de SPD para o cultivo de espécies olerícolas têm mostrado o potencial adaptativo desse sistema de manejo às novas condições climáticas, bem como o poder de mitigação da emissão de gases de efeito estufa. Aspectos como redução da temperatura do solo sob a palhada, menor perda de água e solo e manutenção de maiores estoques de carbono e nutrientes no solo têm sido observados. Outras medidas relacionadas à economia e produção de água, economia de nutrientes, uso de cercas vivas, entre outras, também devem ser considerados como possíveis mecanismos adaptativos às mudanças climáticas.

Carlos Eduardo Pacheco Lima

Produção de tomate Cereja ou Grape sob cultivo protegido: manejo cultural e genética varietal

Introdução

O cultivo protegido de tomate “cereja” ou “grape” em solos apresenta uma série de especificidades que o diferenciam muito do cultivo em campo aberto. Uma das principais diferenças é que sob cultivo protegido há pouca ou nenhuma contribuição de água de chuva. A água que entra no sistema provém quase que unicamente da irrigação,  muitas vezes feita de forma localizada, como gotejamento, por exemplo. Como as doses de adubo são normalmente altas, há uma tendência de acúmulo de sais em superfície, aumentando a condutividade elétrica da solução do solo. Na verdade, independentemente das condições de solo e clima, a salinização de solos sob cultivo protegido é quase inevitável. Além dos problemas de toxidez, o excesso de salinidade pode trazer problemas físicos, biológicos e nutricionais.

Corrigindo a salinização

A correção dos problemas advindos da salinização é difícil e onerosa. Em geral, para se corrigir a salinidade em solos cultivados sob ambiente protegido é necessário aplicar lâminas de irrigação em excesso (com água de boa qualidade) para que os nutrientes sejam lavados e levados para longe do sistema radicular, processo que se chama de lixiviação. Para que essa técnica seja realmente eficiente, a irrigação em excesso deveria estar associada a um sistema de drenagem. Muitas vezes não há disponibilidade de água em quantidade nem qualidade suficiente para que isto possa ser feito; mesmo que haja a possibilidade, não há garantia de que o problema não venha a se repetir posteriormente. Além disso, cria-se o problema de disposição deste resíduo salino, caso não haja um sistema que permita o reuso da água. A dificuldade de descarte desta água residual de fertirrigação foi uma das causas para a massiva adoção do cultivo em substrato na Holanda, por exemplo.

Vantagem dos substratos

A condutividade elétrica da solução do solo é geralmente mais alta do que a condutividade elétrica da água de irrigação. Isso se deve à dificuldade em se lixiviar os nutrientes do solo (já que as argilas retêm boa parte deles) e ainda a características físicas como a tortuosidade e a estreiteza dos poros do solo. Por outro lado, a maior parte dos substratos utilizados no cultivo sem solo permite uma rápida lixiviação e um melhor controle da condutividade elétrica da solução nutritiva. Assim, a condutividade elétrica da zona das raízes no cultivo em substrato pode ser mais baixa e facilmente controlável do que no solo, sob condições de irrigação semelhantes, diminuindo muito o risco por problemas de salinização.

Manejo de doenças em solo versus substrato

No cultivo em solo sob cultivo protegido, há uma resistência (e muitas vezes falta de opções) por parte dos agricultores em estabelecer sistemas de rotação de culturas. Dessa forma, corre-se o risco de acúmulo de doenças de solo. As condições de cultivo protegido favorecem alguns patógenos fúngicos (especialmente raças de Fusarium oxysporum f. sp. lycopersici), bacterianos (especialmente Ralstonia solanacearum) e os nematóides-das-galhas (espécies do gênero Meloidogyne). No caso do cultivo em substrato o manejo dessas doenças fica mais facilitado. Apenas a troca periódica do substrato usado já pode eliminar uma grande parte desses problemas. Alguns produtores preferem não repetir o uso do mesmo substrato por mais de um cultivo, entre outras coisas visando evitar o aparecimento de doenças, especialmente alguns oomicetos (Pythium e Phytophtora).

Características e variedades adequadas para o segmento cereja ou grape

O mercado desse segmento é muito exigente, demandando frutos com pH ideal, firmeza, boa conservação pós-colheita, coloração vermelha intensa e teor de sólidos solúveis (Brix) elevado. De fato, a principal característica que propiciou a recente expansão de consumo do segmento cereja ou grape é o sabor adocicado (ou alto Brix). Os componentes mais importantes do Brix no tomate são os açúcares (glicose e frutose) e os ácidos orgânicos (ácido cítrico e ácido málico). Estudos recentes têm mostrado que o glutamato pode também contribuir para o Brix do tomate, sendo a relação glutamato/açúcares um importante componente de sabor do tomate. As variedades disponíveis no mercado apresentam grandes variações no teor de sólidos. Portanto, na hora de escolher as variedades de tomate, os produtores do segmento cereja ou grape devem prestar atenção nessa característica, além de outros aspectos agronômicos incluindo adaptação as condições de cultivo protegido, produtividade e resistência às doenças e pragas. Variedades ou porta-enxertos com resistência a todas as raças de Fusarium e aos nematóides-das-galhas e com tolerância a Ralstonia já se encontram disponíveis no mercado.

Fatores ambientais que podem afetar o Brix em tomates

Além do híbrido/cultivar utilizado, vários fatores ambientais e fatores associados com manejo da cultura podem levar a uma variação no valor de Brix. Por exemplo, podemos citar: temperatura diurna e noturna, precipitação pluviométrica (em cultivos de campo aberto), intensidade e severidade de doenças foliares e sistemas de adubação. Regiões do Brasil onde a temperatura noturna cai rapidamente após o pôr-do-sol e se mantêm amenas (permitindo maior translocação de sólidos para os frutos) tendem a favorecer a produção de frutos com melhor Brix. O manejo inadequado da freqüência, intensidade e período de irrigação também pode levar a uma redução do Brix. Em geral, irrigações muito intensas próximas da época da colheita reduzem o Brix. Por outro lado, a paralisação precoce da irrigação pode aumentar o Brix, mas pode também afetar negativamente a produtividade. Irrigação por gotejo aumenta a produtividade, mas, em geral reduz o Brix. Manter a relação nitrogênio/ potássio N:K (1:2), manter os frutos na planta até pleno amadurecimento, suplementação de cálcio em condições de temperaturas mais elevadas são outros exemplos de práticas que, aparentemente, apresentam efeitos positivos sobre o Brix. No entanto, mais estudos são necessários para quantificar e validar o efeito benéfico destas práticas.

Ítalo M. R. Guedes

Leonardo S. Boiteux

O que Steve Jobs teria a dizer sobre uma variedade de hortaliça?

Recentemente eu e um colega conversávamos sobre uma variedade de hortaliça muito promissora com que trabalhávamos mas que mostrara uma maior susceptibilidade à deficiência de cálcio que outras sendo desenvolvidas. O cálcio faz parte da composição de pectatos de cálcio os quais auxiliam na resistência estrutural da parede celular, a qual confere firmeza ao tecido vegetal. Esse problema era de tal monta que, sob determinadas condições, o fruto chegava a rachar antes de colhido, tornando-o imprestável para o mercado.

Discutindo possíveis estratégias para minimizar ou evitar o problema, meu colega fez a sensata sugestão de determinarmos a quantidade a mais de cálcio que essa variedade precisava para os frutos não racharem e recomendarmos aos produtores que suplementassem a adubação com aplicações extras do nutriente no início da frutificação. Sem dúvida, esta seria a solução mais simples…para nós, pesquisadores.

À medida que o país se urbaniza e a renda média da população aumenta, a mão de obra no campo escasseia de forma assustadora e torna-se mais cara, em muitos casos representando a maior fatia nos custos da produção agrícola. Duas ou três aplicações suplementares de adubo podem representar a diferença no custo de produção que levarão o produtor a escolher uma outra variedade talvez não tão produtiva mas que não exija este gasto extra de mão de obra por não apresentar esta menos eficiência no uso de cálcio.

Para mim, a melhor solução (e eu me inspiro escancaradamente na visão de Steve Jobs) seria ter mais trabalho no processo de melhoramento, tentando corrigir, por meio de cruzamentos direcionados e seleção, esta menor eficiência na aquisição ou no uso de cálcio e lançando um produto mais pronto e certamente mais competitivo por vir a realmente facilitar a vida do produtor.

Ainda sobre excessos, extensionistas e divulgação científica sobre solos

Não fiquei muito satisfeito com meu post anterior, no qual discorri sobre certas questões éticas no exercício da profissão de agrônomo. Gostaria de elaborar um pouco mais sobre os problemas levantados, lançando mão de alguns exemplos reais que podem esclarecer minhas preocupações sobre este assunto.
Como comentei anteriormente, tem me preocupado muito o problema do excesso no uso de fertilizantes pelos produtores de hortaliças nas várias regiões do Brasil. Uma leitora e colega blogueira corretamente apontou a solução mais óbvia – mostrar aos agricultores, através da análise química do solo, que já há nutrientes em quantidade adequada ou demasiada e eles não adubarão mais. Acontece que é exatamente isto o que eu e muitos outros colegas temos feito ultimamente, mas o problema não parece ter diminuído. Muitos agricultores, mesmo de posse de uma análise de solo e de um laudo de agrônomo, agarram-se a um tipo de “princípio de precaução” que os leva a adubar (ou irrigar) seus campos mesmo quando assegurados de que não há necessidade. Mas esse é um problema que aflige até mesmo alguns agrônomos.
Há alguns meses assisti um agrônomo responsável pela área de produção de alho de uma grande empresa agrícola afirmar que periodicamente aplicava em torno de 12 toneladas de calcário por hectare apesar de sua análise de solo mostrar que a necessidade real era em torno de 10 vezes menos do que isso. Segundo ele, como sua cultura “não morreu”, os pesquisadores da empresa onde trabalho deveriam rever as recomendações. Em um outro trecho da conversa, o mesmo profissional nos disse que aplicava uma alta dose de fósforo, anualmente e desconsiderando as recomendações, que outros produtores aplicam em culturas que atingem produtividade de mais de 100 toneladas por hectare. Acontece que a produtividade do alho deste senhor não chega a 25 toneladas por hectare. Novamente ele sugeriu que nós pesquisadores precisaríamos refazer nossas pesquisas. Um agrônomo de uma grande empresa aplicando uma dose desproporcionalmente maior do que a necessária, novamente pelo “princípio de precaução”.
Minha preocupação com o uso excessivo de insumos agrícolas é tanto ambiental quanto econômica. Eu esperaria que aqueles diretamente envolvidos com a produção agrícola se preocupassem pelo menos com o aspecto econômico do problema. O uso de quantidades desnecessárias de insumo representa claramente um gasto extra e encarece a produção bem como o preço final do produto. Se apenas produtores cometessem este erro, eu entenderia a questão como mera falha de comunicação e divulgação, possivelmente pelo descaso com a extensão rural no Brasil, do qual falei neste texto e neste. O fato de técnicos agrícolas, agrônomos e mesmo pesquisadores da área agrícola cometerem o mesmo erro me leva a pensar que há também um problema de má formação. O que não sei é se é um problema na formação em solos ou na formação agronômica como um todo. Em qualquer dos casos, é necessário que tenhamos atenção nesta dificuldade, nesta falha técnica recorrente.

Volto à sugestão feita pelo agrônomo produtor de alho citado acima e sua sugestão de que refizéssemos as pesquisas relativas às necessidades de nutrição das hortaliças. Não direi que tudo está resolvido e solucionado em termos de nutrição de plantas. Se isto fosse verdade, aliás, meu emprego seria um gasto de dinheiro público desnecessário. Não, nem tudo está solucionado. Mas se, como sugerido, refizéssemos nossas pesquisas para mostrar que aplicar 12 toneladas por hectare de calcário a um solo com pH de 6,0, adicionar 4 toneladas por hectare de calcário a um solo com 13cmolc/dm3 de cálcio, utilizar a mesma dose de fósforo em uma cultura que produz 20 toneladas por hectare que utilizaríamos em uma cultura que produz 100 toneladas por hectare, estaríamos não só redescobrindo a roda, mas dando um atestado de incompetência. Realmente, desde que entrei na empresa na qual atualmente trabalho, tenho tido a impressão de que boa parte das demandas de pesquisa que nos chegam já têm soluções tecnológicas disponíveis. Sob o risco de parecer repetitivo, para estes problemas, muito mais do que pesquisa, é essencial uma extensão rural estatal e não-ideológica.
Além disto tudo, parece-me também que falta de nossa parte, nós profissionais da Ciência do Solo, uma maior atividade de divulgação de nossa ciência. E falo em divulgação para leigos, não apenas a produção de artigos científicos em periódicos especializados, sob o risco de nossas pesquisas parecerem irrelevantes ou inexistentes para a sociedade. Digo mais: parece-me que estamos sendo ineficientes em divulgar a Ciência do Solo de forma acessível até para os profissionais das Ciências Agrárias. Se não melhorarmos nossa performance, corremos o risco de continuarmos a ser cobrados a pesquisar o óbvio.

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