Papel da pesquisa científica na produção de hortaliças no Brasil

 

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Na década de 70, a maior parte da produção de hortaliças do Brasil se concentrava na região Centro-Sul do país, principalmente nos climas mais amenos. A real tropicalização da produção de hortaliças ainda estava por vir. A adaptação das culturas nas diferentes regiões brasileiras, desde o Sul subtropical, passando pelo Nordeste semi-árido, até o Norte tropical quente e úmido, dependeu do acúmulo e aplicação de profundos conhecimentos de genética, fisiologia e ecologia dos cultivos, química, física e biologia dos solos. Atualmente o Brasil testemunha a expansão da produção de hortaliças em ambiente protegido, o que tem se tornado possível graças ao conhecimento, além do comportamento das plantas e do solo, da física do ambiente interno nesse tipo de estrutura.

O avanço da produção de hortaliças no Brasil tem sido resultado em grande parte da aplicação, no agroecossistema, de conhecimento gerado por estudos em ciências básicas. Um caso emblemático foi a expansão da agricultura brasileira para as extensas áreas de terras planas e mecanizáveis do Brasil Central conhecidas como Cerrado. Os solos dessas regiões são quase invariavelmente muito intemperizados, ácidos e com alta atividade de alumínio. Para agravar o desafio, estes solos são também pobres em cálcio, magnésio e fósforo. Embora a tortuosa vegetação do Cerrado fosse bem adaptada a este ambiente, para que a ocupação desta área pela agricultura fosse possível, foi necessário aprofundar o conhecimento da mineralogia e da química destes solos, o conhecimento do comportamento de sorção dos nutrientes e sua ação sobre a fisiologia vegetal. Posteriormente, foi preciso estudar maneiras de diminuir ou neutralizar a acidez dos solos e aumentar a atividade química do cálcio, do magnésio e, principalmente, do fósforo.

Os solos do Cerrado são intemperizados e pobres do ponto de vista nutricional porque essa região recebe anualmente uma grande quantidade de precipitação, associada a longos períodos de temperatura relativamente alta. A maior parte das hortaliças consumidas no Brasil é originária de regiões de clima temperado. Inicialmente essas espécies mostravam muito pouca adaptação às condições de clima e solo do Cerrado. É notável, por exemplo, o caso da cenoura. Até o início da década de 80 do século XX, essa espécie era tipicamente cultivada nas condições amenas de outono-inverno do centro-sul do país. Isso tornava a cultura escassa, seus preços eram elevados e a parcela da população que a consumia era pequena. Em 1981 a Embrapa Hortaliças lançou a cultivar Brasília, adaptada a temperaturas e pluviosidades elevadas e com alta resistência à doença conhecida como queima-das-folhas. O lançamento dessa cultivar permitiu a expansão do cultivo da cenoura a regiões tropicais como o Cerrado, o Nordeste e mesmo o Norte do Brasil.

O desenvolvimento de uma variedade como a Brasília exige a aplicação de uma gama enorme de conhecimentos. Em primeiro lugar é necessário um profundo conhecimento da fisiologia e da genética da espécie. De posse dessas informações, o agrônomo melhorista precisará dominar estatística e genética populacional. A resposta de uma espécie não dependerá apenas de sua genética, mas também da interação desta com o meio-ambiente. Sem conhecer ecologia e, principalmente, ecofisiologia das culturas, é quase impossível realizar um trabalho eficiente de melhoramento vegetal, principalmente quando se pretende adaptar uma espécie a condições de solo e clima diferentes daquelas onde a espécie se originou.

O melhoramento de plantas é na verdade uma seleção dirigida, na maior parte dos casos. Se o que se deseja é uma planta resistente a Ralstonia, deve-se expor uma população razoavelmente grande e variável ao patógeno e se selecionar, por um número x de gerações, aquelas plantas mais resistentes ou tolerantes, utilizando-se inclusive cruzamentos entre materiais com resistência ou tolerância diferenciada. Ao final do processo, espera-se ter uma linhagem ou linhagens com a característica desejada bem fixada para que se possa comercializá-la.

Um fator ecológico crucial limitando a adaptação de hortaliças e outras espécies de uso agrícola às condições tropicais é a ocorrência de microrganismos causadores de doenças e de artrópodes indesejados agindo como pragas. As condições de altas umidades e temperaturas em geral são muito propícias para aumentar a incidências de doenças e pragas agrícolas. O entendimento do comportamento desses organismos indesejáveis no cultivo em altas populações e sua interação com o agroecossistema é fundamental para o desenvolvimento de técnicas de controle dos mesmos e de adaptação das culturas a estes organismos. Ultimamente tem ganho importância também o estudo das interações entre diferentes microrganismos, entre microrganismos e artrópodes e entre diferentes artrópodes com o objetivo de avançar as técnicas de controle biológico de patógenos e pragas. Associando o conhecimento assim gerado com as informações sobre a genética das plantas cultivadas, é possível conduzir programas de melhoramento genético vegetal visando selecionar plantas mais tolerantes ou resistentes a doenças e pragas.

Ao contrário de outras culturas, nas quais o mais importante é a quantidade produzida, nas hortaliças a qualidade do produto é fundamental. Pouco importa uma grande produtividade de tomates fora do padrão exigido pelos consumidores. O desenvolvimento de novas cultivares não pode deixar de levar em consideração aspectos de qualidade do produto produzido, preferência dos consumidores, resistência ao transporte e vida de prateleira. São características aparentemente prosaicas mas cujo estudo demanda firme conhecimento em ciências básicas. No mercado brasileiro de tomates a preferência dos consumidores tem se voltado para as variedades do tipo cereja ou grape.

O mercado desse segmento é muito exigente, demandando frutos com pH ideal, firmeza, boa conservação pós-colheita, coloração vermelha intensa e teor de sólidos solúveis (Brix) elevado. De fato, a principal característica que propiciou a recente expansão de consumo do segmento cereja ou grape é o sabor adocicado (ou alto Brix). Os componentes mais importantes do Brix no tomate são os açúcares (glicose e frutose) e os ácidos orgânicos (ácido cítrico e ácido málico). Estudos recentes têm mostrado que o glutamato pode também contribuir para o Brix do tomate, sendo a relação glutamato/açúcares um importante componente de sabor do tomate. As variedades disponíveis no mercado apresentam grandes variações no teor de sólidos. Além do híbrido/cultivar utilizado, vários fatores ambientais e fatores associados com manejo da cultura podem levar a uma variação no valor de Brix. Por exemplo, podemos citar: temperatura diurna e noturna, precipitação pluviométrica (em cultivos de campo aberto), intensidade e severidade de doenças foliares e sistemas de adubação.

Regiões do Brasil onde a temperatura noturna cai rapidamente após o pôr-do-sol e se mantêm amenas (permitindo maior translocação de sólidos para os frutos) tendem a favorecer a produção de frutos com melhor Brix. O manejo inadequado da frequência, intensidade e período de irrigação também pode levar a uma redução do Brix. Em geral, irrigações muito intensas próximas da época da colheita reduzem o Brix. Por outro lado, a paralisação precoce da irrigação pode aumentar o Brix, mas pode também afetar negativamente a produtividade. Irrigação por gotejo aumenta a produtividade, mas, em geral reduz o Brix. Manter a relação nitrogênio/ potássio N:K (1:2), manter os frutos na planta até pleno amadurecimento, suplementação de cálcio em condições de temperaturas mais elevadas são outros exemplos de práticas que, aparentemente, apresentam efeitos positivos sobre o Brix.

A moderna produção de hortaliças deve encarar prementes desafios – mudanças climáticas, escassez de recursos naturais, população crescente, escassez de terras, poluição. Como forma de minimizar os impactos negativos das mudanças climáticas na produção agrícola, mecanismos adaptativos têm sido propostos. No melhoramento genético, a busca por variedades adaptadas aos estresses térmicos e hídricos, a maiores níveis de radiação, com maior albedo e mais eficientes na utilização de fertilizantes são alguns dos principais pontos discutidos. Outros mecanismos adaptativos, agora associados aos sistemas de produção, podem também surtir bons efeitos.

Um programa de agricultura de baixo uso de insumos deve antes de qualquer coisa procurar utilizar variedades  comprovadamente mais eficientes no uso de nutrientes. Caso estes não existam ou não estejam disponíveis, deve-se criar programas de melhoramento que visem explicitamente o desenvolvimento de variedades menos exigentes e mais eficientes na utilização de nutrientes, mesmo que para isso seja necessária a utilização de técnicas de biotecnologia, caso se queira atingir altas produtividades. Esta seleção obrigatoriamente deverá ser feita expondo-se vários materiais a solos ou soluções nutritivas mais pobres em nutrientes e selecionando-se os materiais que se saiam melhor.

São muitos os presentes e futuros desafios na produção de hortaliças. Para enfrentar esses desafios o Brasil tem utilizado conhecimento científico básico e aplicado, gerado por instituições de pesquisa brasileiras e estrangeiras. Uma agricultura de sucesso precisa de agricultores bem preparados, de uma assistência técnica atuante e de pesquisadores em Ciências Agrárias e correlatas com rigorosa formação científica e dispondo de recursos e de uma estrutura institucional que incentive o fazer científico e a inovação.

Desafios futuros à produção de hortaliças no Brasil

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A produção de hortaliças abrange cerca de uma centena de espécies que são cultivadas temporariamente.  Em 2011, a área cultivada com hortaliças foi de 946 mil hectares com volume de produção estimado em 19,4 milhões de toneladas. Acredita-se que o setor gere 2,4 milhões de empregos diretos (3,5 empregos/ha), cujo valor estimado da mão-de-obra empregada é estimado em 1,6 bilhão de reais (ABCSEM, 2011). Entretanto, a produção de hortaliças no Brasil deverá enfrentar na próxima década desafios prementes, alguns dos quais ainda carecem de respostas satisfatórias de pesquisa.

A aprovação do novo Código Florestal impõe ao setor agrícola limitações principalmente de cunho territorial e demanda respostas da área de pesquisa vinculadas ao incremento da produtividade com sustentabilidade e melhoria da qualidade do produto final. A crescente conscientização da sociedade sobre questões ambientais e o incremento da demanda sobre o uso dos recursos naturais pelas cadeias produtivas de hortaliças, se constituirão em fatores norteadores das atividades de pesquisa na área agrícola, visando o desenvolvimento de  sistemas  convencionais ou agroecológicos de produção com rastreabilidade, mais sustentáveis,  mais produtivos e mais eficientes no uso de insumos. Além disso, no Brasil os fatores conveniência, confiabilidade e saudabilidade, associados à qualidade do produto final, são reconhecidos por 34%, 23% e 21% dos consumidores brasileiros, respectivamente, como as principais tendências a serem buscadas.

Recentemente, tem-se verificado um aumento da renda per capita, com consequente migração de parte da população das classes mais baixas para a classe média. O incremento de renda e de nível educacional da população urbana brasileira tem criado um perceptível aumento na demanda por alimentos mais saudáveis. A percepção de que o consumo de hortaliças está ligado a um estilo de vida mais saudável põe esse grupo de espécies agrícolas em posição privilegiada, tendo-se ainda em vista que há muito espaço para expansão de produção, já que o consumo médio de hortaliças no Brasil ainda é baixo, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE (Anuário de Hortaliças 2013). A população de renda mais baixa é ainda a que menos consome hortaliças, com um consumo médio anual em torno de 19 kg/pessoa.

Por serem ricas em compostos bioativos, o consumo de hortaliças pode ainda auxiliar na melhoria do perfil nutricional da população brasileira. O consumo de hortaliças pode auxiliar na mudança de paradigma tão necessário em todo o globo terrestre: da cura para a prevenção de doenças. Apesar da associação com estilos de vida mais saudáveis, subsiste a preocupação da sociedade com o excesso de uso de agroquímicos na produção convencional de hortaliças, bem como para fertilizantes e água. Já são observados significativos conflitos pelo uso da água em importantes centros de produção de hortaliças no Sudeste e no Sul do país, principais regiões produtoras nacionais. Além da quantidade, a qualidade da água utilizada na agricultura é questão de grande importância na produção de hortaliças, inclusive na pós-colheita, tendo em vista que boa parte dos produtos olerícolas é consumida fresca.

O uso intensivo de fertilizantes pela olericultura e a grande dependência em importações desses insumos evidenciam o lado vulnerável da agricultura brasileira, fazendo com que o desenvolvimento de sistemas e práticas que aumentem a eficiência do uso de nutrientes seja uma questão crucial para a sustentabilidade econômica do setor. O incremento de renda média dos brasileiros, a legislação trabalhista vigente e a competição por parte de outras atividades econômicas tem tornado a mão de obra agrícola mais escassa e cara, criando desafios inéditos à produção e à pesquisa agrícolas brasileiras e a demanda por soluções inovadoras vinculadas à automação. No que diz respeito às mudanças climáticas, as projeções apontam para um aumento da temperatura média em todas as regiões brasileiras até o fim do século XXI. Projeta-se uma nova dinâmica do regime pluviométrico, tendendo, de modo geral, à maior concentração nos períodos chuvosos e maior escassez nos períodos secos.

Esse cenário pode alterar o comportamento de pragas e doenças, aumentando a importância de algumas e reduzindo de outras, bem como modificar a geografia de produção e sistemas de cultivo de diversas olerícolas, sendo o uso de ambientes protegidos uma das alternativas de controle para algumas espécies. Quanto às ameaças fitossanitárias, o Brasil encontra-se sob grande pressão no momento e deve permanecer assim nos anos vindouros. Segundo estimativas de especialistas da própria Embrapa, existem mais de 150 pragas e doenças prestes a entrar no território brasileiro. O aparecimento de ameaças potenciais às hortaliças, como por exemplo, a Helicoverpa armigera, lagarta polífaga identificada recentemente, que tem surpreendido produtores e pesquisadores pelo seu poder de destruição, causando prejuízos principalmente às lavouras de milho, soja e algodão, confere uma ameaça constante as diferentes hortaliças produzidas. Há ainda que se ressaltar os graves problemas causados pela mosca branca em diversas cadeias produtivas, como o feijão e o tomate, sendo que nesta última tem sido o vetor de viroses que ocasionaram prejuízos significativos nos últimos anos.

A pesquisa científica nessa área deverá certamente priorizar algumas áreas e ações estratégicas, visando tornar o setor, no Brasil, mais competitivo, aumentar o consumo interno de hortaliças e, futuramente, almejar mercados externos. Consigo vislumbrar algumas dessas prioridades:

• Expansão da base técnico-científica e avanço na fronteira do conhecimento, em temas como mudanças climáticas, mitigação de riscos ambientais e biológicos, meio ambiente, alimentos, nutrição e saúde, nanotecnologia, biologia avançada, automação e olericultura de precisão;

• desenvolvimento de sistemas produtivos mais sustentáveis, levando-se em consideração o zoneamento de risco climático e a elaboração de planos de manejo viáveis, visando o controle de pragas e doenças emergentes, decorrentes de mudanças climáticas;

• geração de tecnologias para sistemas orgânicos e/ou vinculadas à produção integrada de hortaliças, bem como o aprimoramento de normas e mecanismos de garantia de qualidade em culturas com suporte fitossanitário insuficiente (minor crops);

• desenvolvimento de fontes alternativas de insumos agrícolas e de tecnologias que maximizem a eficiência do uso da água e a qualidade do produto final;

• intensificação de pesquisa e geração de soluções em cultivo protegido de hortaliças para áreas urbanas e peri-urbanas;

•parcerias entre instituições dos setores público ou privado visando a automação de processos agropecuários e mecanização para pequenas áreas agrícolas;

• consolidação de estudos relacionados com Agricultura de Baixo Carbono – Programa ABC) em hortaliças;

• ações de pesquisa em genética e melhoramento de hortaliças, com foco no desenvolvimento de variedades e híbridos produtivos com maiores teores de compostos funcionais, resistência às principais doenças, maior eficiência de uso de água e fertilizantes, melhor qualidade sensorial e adaptados à temperaturas mais elevadas;

• redução de perdas pós-colheita de hortaliças, agregação de valor e conveniência às matérias-primas e desenvolvimento de práticas e processos agropecuários que contribuam para a manutenção da qualidade das hortaliças após a colheita;

• intensificação de atividades de PD&I ligadas à avaliação de compostos com propriedade funcional das hortaliças;

• desenvolvimento de novas tecnologias, produtos e processos para a produção e a industrialização de alimentos seguros e nutritivos.

A agricultura brasileira precisa de uma revolução branca

Historicamente o consumo de hortaliças no Brasil tem permanecido baixo apesar de o país ser internacionalmente reconhecido como uma superpotência agrícola. As razões para esse aparente paradoxo são diversas e de resolução relativamente difícil. Há razões culturais, mas em geral concorda-se que o alto custo das hortaliças é uma das principais causas do baixo consumo. A população brasileira já superou as 200 milhões de pessoas e a renda média da população tem aumentado nos últimos anos. Apesar do que se esperava, no entanto, o consumo doméstico médio de hortaliças no país tem na verdade decrescido.

O Brasil é o maior país tropical e, como tal, apresenta uma grande variabilidade de climas e solos em seu território. Embora a produção de hortaliças sob ambiente protegido seja praticada desde o Sul subtropical até a região Amazônica quente e úmida, as razões por que se adotam práticas de agricultura protegida podem diferir de acordo com a região. O crescente interesse na produção de hortaliças sob ambiente protegido está associado ao aumento de renda dos consumidores, à urbanização da população brasileira e gradualmente à intensificação da preocupação com o alimento seguro, com o decréscimo no uso de pesticidas químicos e com o aumento na eficiência no uso de água e fertilizantes.

O uso intensivo de insumos e a grande dependência em importações denunciam o lado vulnerável da agricultura brasileira, tornando premente o desenvolvimento de sistemas e práticas que incrementem a eficiência no uso de insumos caso a sustentabilidade da cadeia de valor de hortaliças seja uma prioridade real. O já citado aumento na renda média do trabalhador brasileiro, a legislação trabalhista brasileira e a competição com outras atividades econômicas percebidas como menos árduas têm tornado a mão-de-obra para a agricultura escassa e cara, o que tem criado novos desafios para a produção agrícola. A própria pesquisa científica voltada ao setor tem sido pressionada a prover soluções inovadoras em termos de automação de práticas agrícolas, mecanização para pequenas áreas e principalmente a expansão da área de cultivo protegido de hortaliças.

A percepção de que o aumento na frequência de eventos climáticos extremos devidos às mudanças climáticas globais afetarão sobremaneira as áreas produtoras de hortaliças é um outro fator envolvido na intensificação da busca por soluções em cultivo protegido. Nunca é demais lembrar que os eventos climáticos imprevistos podem afetar não apenas a produtividade das hortaliças como a própria qualidade física das mesmas e já se tornou proverbial o fato de que o consumidor brasileiro “compra hortaliças com os olhos”.

A concentração da produção de hortaliças sob ambiente protegido ao redor de áreas metropolitanas, as quais são as maiores consumidoras deste tipo de produto, torna possível a redução da distância entre áreas produtoras e regiões consumidoras, favorecendo a redução de perdas devidas ao transporte inadequado por longas distâncias. É fato conhecido que as perdas de hortaliças após a colheita e antes de chegarem ao consumidor têm um papel importante na regulação do suprimento e consequentemente dos preços das hortaliças no Brasil.

Um fator que tem impedido a adoção mais ampla da produção de hortaliças em cultivo protegido no Brasil são as altas temperaturas internas, sentidas principalmente em empreendimentos no Centro-Oeste, no Nordeste e no Norte do Brasil, mas também presentes eventualmente no Sudeste e mesmo no Sul. A adoção de técnicas de controle da temperatura geralmente utilizadas em outras regiões do mundo, como a utilização de ar-condicionado, esbarra no alto preço da energia elétrica que inevitavelmente levaria ao aumento no custo de produção e no preço das hortaliças. Tendo em vista que o consumo doméstico médio de hortaliças pelo brasileiro gira em torno de 27 quilogramas por ano (na Coreia do Sul o consumo médio é de 170 quilogramas por habitante por ano), fica claro que o produtor brasileiro hoje ainda não pode se dar ao luxo de cobrar mais caro pela hortaliça produzida.

Há vários países em que a agricultura sob plástico atingiu níveis avançados de desenvolvimento tecnológico e altas produtividades. Estados Unidos, Espanha, Holanda e Israel vêm automaticamente à memória quando se fala sobre produção de hortaliças protegidas. Em termos de área de agricultura protegida e de nível tecnológico alcançado, é possível que nenhum desses citados se iguale à Coreia do Sul. Em 1970 a área sob cultivo protegido nesse país era de 762 hectares mas a associação entre governo, pesquisa e produtores incentivou um processo de desenvolvimento da agricultura protegida coreana como questão de segurança alimentar nacional, conhecido como White Revolution, a revolução do plástico na agricultura. Hoje há mais de 50 mil hectares de cultivo protegido na Coreia do Sul, com um forte setor hortícola gerando mais de 5 bilhões de dólares por ano.

A questão fundamental de se desenvolver soluções de pesquisa para a redução da temperatura interna no ambiente protegido permanece. Existem saídas técnicas, principalmente envolvendo técnicas e materiais na construção e cobertura de estruturas para cultivo protegido, utilizadas em vários países visando o controle das variáveis climáticas internas, principalmente temperatura e luminosidade. Estas técnicas ainda são pouco conhecidas e ainda menos utilizadas no Brasil, principalmente pela ausência de pesquisa e validação das mesmas em condições tropicais.

Em setembro de 2014, foi aprovado pela Embrapa em parceria com a Rural Development Agency da Coreia do Sul o projeto de cooperação técnica intitulado “Adaptação e introdução de estrutura e técnicas de controle ambiental e redução do uso de energia para a produção vegetal em sistema de cultivo protegido”, coordenado pelo lado da Embrapa pelo pesquisador Ítalo M. R. Guedes e pelo lado da RDA pelo pesquisador Kwon Joon-Kook. Os objetivos principais desse projeto são a capacitação de pesquisadores brasileiros em técnicas de otimização do cultivo protegido e controle e monitoramento da temperatura interna; e o desenvolvimento de técnicas para otimização das estruturas e controle climático interno em estufas adaptadas às condições brasileiras. É um primeiro e importante passo.

Hortaliças e inflação

As hortaliças têm sido acusadas de contribuírem para o aumento da inflação, em grande parte devido à sazonalidade de oferta e de preços ao longo do ano, ou seja, por grandes variações nos preços dependendo da quantidade de oferta dos produtos hortícolas de acordo com as estações. Isso parece acontecer particularmente com as espécies tomate, cebola, batata, cenoura e alface. Essas espécies não são produzidas em todas as regiões do Brasil em todas as épocas do ano. Na verdade, boa parte das hortaliças que em geral consumimos são originalmente de climas temperados ou frios e ainda não estão bem adaptadas a condições realmente tropicais, quentes e úmidas. Por uma série de razões, ainda não se consegue produzir satisfatoriamente  tomate, cenoura e batata na região Amazônica, por exemplo.

Até o início da década de 80 do século XX, as variedades de cenoura plantadas no Brasil eram exclusivamente variedades chamadas “de inverno”, as quais produziam exclusivamente no Sul do país. Com o desenvolvimento e lançamento da variedade Brasília, primeira variedade de cenoura dita “de verão”, resistente a condições mais quentes, esta olerícola deixou de ser uma espécie raramente vista nas mesas e nos pratos brasileiros, houve um decréscimo nas variações sazonais de oferta da mesma e os preços também deixaram de variar tanto. Aliás, a tropicalização de várias espécies agrícolas é uma das causas do sucesso da agricultura brasileira. O que poderia ser feito para diminuir o impacto da variação sazonal? Do ponto de vista técnico, tenho algumas ideias, que gostaria de explorar aqui.

Em primeiro lugar, acredito que o que foi feito para a cenoura deveria ser feito, se possível, também para outras culturas. A tropicalização de espécies agrícolas não é uma tarefa fácil e não se limita a inserir tolerância a altas temperaturas. Junto com altas temperatura e umidades vêm as doenças, principalmente fúngicas e bacterianas. Para hortaliças, não há possibilidade de tropicalização sem resistência ou pelo menos tolerância a doenças. Um grande desafio para a produção de solanáceas, como tomate e pimentão, na região Norte do Brasil, é a presença praticamente ubíqua de uma bactéria, a Ralstonia solanacearum, que causa a murcha bacteriana, nos solos daquela região.

O sucesso do cultivo não se limita à disponibilidade e à escolha de cultivares adequadas. Todo o sistema de produção deve estar adaptado às condições climáticas, de solo e mesmo culturais regionais. Há algum tempo presenciei um agricultor de Manaus que adquirira estufas israelenses e tentava produzir alface dentro das mesmas. A temperatura média certamente superava o conforto térmico da espécie e as plantas de alface rapidamente pendoavam, mesmo as de variedades com alguma adaptação ao calor.

Embora no exemplo anterior a escolha de estruturas protegidas não tenha sido adequada, não há dúvidas de que a garantia de disponibilidade mais homogênea de hortaliças ao longo do ano passa pela adoção mais ampla do cultivo em ambiente protegido. Aliás, uma das razões por que se migra para a agricultura protegida é a possibilidade de se produzir quando e onde normalmente não seria possível. Ainda há lacunas no conhecimento e na disponibilidade de tecnologias de controle ambiental para uma maior disseminação do cultivo protegido em regiões tropicais como boa parte do Brasil, mas já há equipes trabalhando intensamente no assunto.

A concentração da agricultura protegida ao redor de centros urbanos, maiores consumidores de hortaliças, torna possível a aproximação dos centros produtores e dos centros consumidores, diminuindo as perdas devidas ao transporte inadequado de longas distâncias. As perdas pós-colheitas certamente têm um papel importante na oferta de hortaliças e consequentemente nos preços. Para algumas espécies, no Brasil, as perdas após a colheita chegam a 40%, por uma série de razões. Ainda na fazenda há perdas, principalmente por armazenamento inadequado – poucas são as propriedades com casas de embalagem (packing houses) ou estruturas de refrigeração. O próprio padrão exigido dos produtos é causa de perdas em alguns casos. Estima-se, por exemplo, que pelo menos 20% da cenoura produzida na região do Alto Paranaíba, em Minas Gerais, perdem-se no campo simplesmente porque não exibem o padrão de tamanho e grossura exigidos pelo mercado.

Perdas pós-colheita são um problema extremamente complexo. As causas das perdas, não apenas de hortaliças, são várias. Perde-se nas propriedades, perde-se no transporte em estradas de má qualidade, em caminhões sem refrigeração, com acondicionamento inadequado. Perde-se quando o produtor “tomba” ou transfere seu produto de suas caixas, não raro de madeira, para as caixas de comerciantes nas centrais de abastecimento, onde as hortaliças via de regra permanecem sem refrigeração até irem para os supermercados, onde igualmente se perde pelo empilhamento excessivo nas prateleiras, que continuam sem refrigeração.

Enfim, há muito o que se fazer, em termos de pesquisa, mas principalmente em termos de transferência de tecnologia e de subsídios públicos. Vários atores devem conversar harmoniosamente – Ministérios da Fazenda, da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário, do Planejamento, instituições de pesquisa e de extensão rural, agências de fomento. O setor de produção de hortaliças se ressente da ausência de estatísticas confiáveis e atualizadas – dados econômicos, mas também geográficos e de produção, para que se possa planejar racionalmente a produção.

Manejo da adubação em hortaliças II – Cultivo protegido e fertirrigação

Cultivo Protegido

Há certas especificidades em relação ao manejo da nutrição mineral de hortaliças em ambiente protegido que devem ser levadas em consideração sob o risco de tornar o cultivo inviável. Uma das principais diferenças é que em ambiente protegido há pouca ou nenhuma entrada de água de chuva. A água que entra no sistema provém quase que unicamente da irrigação, muitas vezes feita de forma localizada, como gotejamento, por exemplo. Como as doses de adubo são normalmente altas, há uma tendência de acúmulo de sais em superfície, aumentando a condutividade elétrica da solução do solo. Na verdade, independentemente das condições de solo e clima, a salinização de solos em ambiente protegido é quase inevitável. Além dos problemas de toxidez, o excesso de salinidade pode trazer problemas físicos, biológicos e nutricionais.

Fertirrigação

Além da aplicação de fertilizantes convencionais ao solo, em algumas culturas, principalmente hortaliças, a adubação de plantio pode ser complementada pela aplicação de fertilizantes solúveis dissolvidos na água de irrigação – esta técnica se chama de fertirrigação. No cultivo em substrato, também chamado de semi-hidropônico, a totalidade das adubações pode ser feita via fertirrigação, sem necessidade de uma adubação de plantio.

Uma das vantagens óbvias da fertirrigação é a possibilidade de se subdividir a adubação ao longo do ciclo da cultura visando otimizar a utilização dos nutrientes pelas espécies agrícolas ao disponibilizá-los no momento mais adequado. Por momento adequado deve-se entender a cronometragem da aplicaçde acordo com as necessidades fisiológicas da espécie. A aplicação de fertilizantes solúveis junto à água de irrigação visa então prover os nutrientes certos, nas quantidades corretas, o mais próximo possível ao estádio fisiológico em que o nutriente é mais necessário. Isto só é possível se houver disponibilidade de informação quanto à curva ou marcha de absorção de nutrientes da espécie cultivada em questão, nem sempre disponível para as condições brasileiras.

As necessidades nutricionais das hortaliças em cada fase de crescimento estão predominantemente associadas a dois processos: formação de órgãos vegetativos e formação de órgãos reprodutivos. Embora exista uma dependência entre a curva de absorção de nutrientes e a curva de produção de matéria seca das plantas, não há completa coincidência entre ambas devido a diferenças no que se refere a variações no estágio de desenvolvimento e as necessidades de nutrientes específicos. Há hortaliças cuja produção é limitada a determinadas fases, enquanto outras apresentam um padrão contínuo de produção ao longo do tempo, o que leva a diferenças nas curvas de absorção de nutrientes.

Em comparação com a adubação convencional, a fertirrigação permite ajustes finos de acordo com as fases de desenvolvimento das plantas, melhorando a eficiência no uso de fertilizantes ao minimizar as perdas. Se o método de irrigação utilizado for localizado, como o gotejamento, por exemplo, a economia de fertilizantes pode ser vantajosamente associada à economia de água.

Uma das consequências do uso de fertirrigação pode ser o menor volume de raízes, principalmente no gotejamento, já que os nutrientes, assim como a água, são aplicados muito próximos ao sistema radicular. Aliás, se a informação existir, pode-se manejar a fertirrigação localizando-a nos pontos onde há maior densidade de raízes. A aplicação precoce da fertirrigação, no cultivo em solo, pode não ser completamente benéfica ao desestimular o aprofundamento do sistema radicular, criando uma dependência excessiva por parte das plantas, potencialmente danosa na eventualidade de pane temporária do sistema de irrigação.

Quando utilizada sob ambiente protegido, como estufas, há ainda o risco quase inevitável de salinização do solo, pela mesma razão por que o sistema pode ser vantajoso: pelas menores perdas do sistema. Como em geral não há entrada de água de chuva ou qualquer excesso de água no cultivo protegido, os adubos utilizados, que em gerais são sais, acumulam-se e aumentam a condutividade elétrica da solução do solo, clássico indicador da salinização. Estes problemas têm levado um expressivo número de produtores a preferirem o cultivo em substratos.

Além de ser tóxica aos vegetais, comprometendo a produção, a salinização afeta negativamente a estrutura física do solo, por causar repulsão entre as partículas de argila e de material orgânico coloidal, impedindo a formação de agregados no solo. Desta forma, o solo sofre quase uma “compactação química”, comprometendo a infiltração de água e o crescimento do sistema radicular. Se houver disponibilidade de água, isto pode ser evitado aplicando-se periodicamente lâminas de irrigação em excesso para que ocorra a “lavagem” dos sais acumulados. Idealmente, esta irrigação de lavagem deveria estar associada à drenagem adequada do lixiviado. Seriam muito interessantes também práticas que favorecessem o enriquecimento do solo em matéria orgânica e, antes de tudo, a aplicação racional dos fertilizantes.

O uso inadequado da fertirrigação em cultivo protegido em solos tem sido causa constante de desequilíbrios nutricionais que comprometem, por vezes irreversivelmente, a produção agrícola. Isso ocorre em geral pela aplicação excessiva de nutrientes, sem obedecer as necessidades do solo e da cultura. Assim como a adubação convencional, o cálculo das quantidades de fertilizantes a ser aplicados via irrigação deve ser feito a partir da análise química do solo. Se realizada sem essa ferramenta e sem o conhecimento das necessidades da cultura, a fertirrigação não passará de adivinhação, o que é impensável na moderna produção de hortaliças ou de qualquer cultura.

Conclusão

O produtor muitas vezes é levado a acreditar que o segredo das altas produções está no uso intenso de todo e qualquer tipo de tecnologia nova que apareça no mercado. Em termos de manejo da adubação de plantas, no entanto, o tipo de produto utilizado é de menor importância do que a forma com que se usa este produto. A adubação adequada, novamente, só pode ser feita sabendo-se o que a planta necessita e o que o solo oferece. Das necessidades das várias espécies de hortaliças já se tem uma boa idéia, mas o que o solo oferece só a análise química pode dizer. Por melhor e mais moderno que seja o fertilizante, sua aplicação inadequada só poderá trazer problemas.

Manejo da adubação em hortaliças I – ainda há muito a se avançar

Apesar de todos os avanços nas Ciências Agrárias nas últimas décadas, é impressionante e até certo ponto desanimador constatar-se o quanto as hortaliças no Brasil ainda são mal adubadas. Não há dúvida de que ainda há carência de informações em algumas áreas, como dados de marcha de absorção de nutrientes em várias espécies olerícolas nas condições de clima e solo do Brasil, principalmente para as variedades modernas com alto potencial produtivo. Por outro lado, práticas há muito estabelecidas, como a necessidade da análise química do solo para se calcular a aplicação de adubos, são ainda relativamente pouco utilizadas. Sem a análise dos solos e sem o conhecimento do que a planta necessita para produzir, a adubação torna-se mera adivinhação, os desequilíbrios surgem e têm surgido com frequência alarmante.

Sem saber como adubar corretamente a cultura, o agricultor e mesmo o técnico rendem-se facilmente ao assédio dos estimulantes, promotores de crescimento, enraizadores e outros produtos vendidos como milagrosos, encarecendo a produção. Estes produtos podem não ser inertes, mas são desnecessários a uma cultura bem adubada e bem nutrida. Entende-se por cultura bem nutrida aquela que recebe quantidades adequadas e no momento certo dos nutrientes minerais essenciais – nitrogênio, potássio, fósforo, cálcio, magnésio, enxofre, ferro, manganês, boro, cobre, molibdênio e zinco. Carbono, hidrogênio e oxigênio também são essenciais, mas com estes o agricultor não precisa se preocupar, porque as plantas os retiram do ar e da água.

Nutrientes e interações

Os nutrientes minerais essenciais são elementos químicos requeridos pelas plantas para completar seu desenvolvimento e, no caso de espécies agrícolas, para produzir. Dependendo das quantidades absorvidas pelas culturas, os elementos essenciais são classificados em macronutrientes (nitrogênio (N), fósforo (P), potássio (K), cálcio (Ca), magnésio (Mg) e enxofre (S)), necessários em maiores quantidades; e micronutrientes (boro (B), cobre (Cu), ferro (Fe), manganês (Mn), molibdênio (Mo) e zinco (Zn)), absorvidos em menores quantidades. A escassez de qualquer destes elementos, independente de ser macro ou micronutriente, comprometerá o potencial produtivo da cultura e sua falta poderá levar a perdas totais da produção.

Muitos agricultores e mesmo técnicos têm cometido um erro perigoso na adubação de hortaliças – confundir uma cultura bem nutrida com uma cultura nutrida em excesso. O uso excessivo de fertilizantes, sem levar em consideração o que está disponível no solo e o que a cultura realmente necessita, tem se tornado um problema recorrente e danoso em cultivos olerícolas em todas as regiões do Brasil.

Pela maior capacidade produtiva, as necessidades de nutrientes pelas hortaliças são reconhecidamente mais altas do que culturas como milho ou soja. Obviamente a aplicação de fertilizantes em uma cultura que produzirá 30t/ha deverá ser mais alta do que em uma espécie que produz 5t/ha. Deve estar muito claro, tanto para produtores quanto para técnicos, que a adubação de qualquer cultura deve ser feita criteriosamente, sob o risco de se perder dinheiro e poluir solo e água.

Qualquer recomendação de adubação ou de aplicação de corretivos deve ser feita com base em uma análise química do solo, a qual informa ao técnico a quantidade de nutrientes que o solo oferece. Se esta quantidade for menor do que a necessidade da cultura, faz-se o uso de fertilizantes. Os problemas começam a aparecer quando, apesar de o solo ter a quantidade necessária de nutrientes para as plantas, insiste-se em aplicar adubo. A aplicação de fertilizantes sem levar em conta os resultados da análise de solo e a real necessidade da cultura é mera adivinhação e uma prática impensável na agricultura moderna.

O uso excessivo de fertilizantes não é danoso apenas devido aos problemas ambientais e de perda de dinheiro. Da mesma forma que ocorre em seres humanos, o excesso de nutrientes é danoso à saúde das plantas e pode comprometer a produção da mesma forma que a falta de nutrientes. Muitos dos elementos químicos essenciais para as plantas são absorvidos na forma de íons, ou seja, na forma de elementos químicos com carga elétrica. Aqueles com carga elétrica negativa são chamados ânions, os que possuem carga positiva são os cátions. No interior das células, que é para onde vão os nutrientes, deve ser mantido um equilíbrio eletroquímico, ou seja, um equilíbrio entre a concentração de ânions e cátions.

Existem interações, sinergísticas e antagônicas, entre alguns nutrientes. Nas interações sinergísticas, a absorção de determinado elemento pode favorecer a absorção de outro, como tem sido observado entre K+ e Cl em algumas espécies. Por outro lado, nas interações antagônicas, a absorção de determinada forma de um nutriente pode dificultar a absorção de algum outro nutriente. Muito conhecida entre os técnicos que lidam com tomate é a interação antagônica que existe entre a forma amoniacal do nitrogênio (NH4+) e o cálcio (Ca2+). Como se pode observar, ambas as formas são catiônicas.

Em geral, o uso exclusivo ou excessivo da forma amoniacal de nitrogênio leva ao surgimento de sintomas de deficiência em cálcio, como a podridão apical de frutos (fundo preto). Apesar de o cálcio estar presente no solo em formas disponíveis, a planta não o aproveita porque a célula necessita manter o equilíbrio eletroquímico – o excesso de um determinado cátion impede a absorção (ou causa a saída) de outro cátion. Por outro lado, a aplicação demasiada de formas nítricas de nitrogênio (NO3), além de poder afetar a absorção de outros nutrientes na forma aniônica, pode levar à elevação excessiva do pH do solo, afetando negativamente a absorção de micronutrientes metálicos, como ferro, cobre, zinco e níquel, os quais podem se tornar indisponíveis em valores mais altos de pH. As calagens excessivas têm o mesmo efeito.

Aliás, calagem é outra prática que tem sido realizada de forma incorreta em muitos casos. A aplicação de calcário em solos tem dois objetivos principais: aumentar o pH de solos ácidos e fornecer cálcio e magnésio para as plantas. Em solos com pH ácido, em geral abaixo de 5,5, as plantas não se desenvolvem adequadamente pelo efeito tóxico do alumínio (Al3+), pela baixa disponibilidade de alguns nutrientes (cálcio, magnésio e fósforo, principalmente) e pela disponibilidade excessiva de alguns micronutrientes, como manganês e ferro, que pode causar toxidez.  A ausência ou a prática inadequada da calagem, sem levar em consideração o que o solo realmente necessita, leva muitas vezes a falta de resposta da cultura às adubações.

Outro nutriente que pode afetar a absorção de micronutrientes metálicos, se aplicado em excesso, é o fósforo. Não é raro se observar, no campo, sintomas de deficiência em zinco, apesar da aplicação do nutriente. A análise do solo em geral mostra teores muito altos de fósforo. Neste caso, a interação negativa não se dá pela manutenção do balanço eletroquímico nas células, mas provavelmente pela formação de compostos de baixa solubilidade no solo.

Fica claro que, ao contrário do que se possa pensar, adubações excessivas na verdade podem levar a uma nutrição desbalanceada devida a interações antagônicas. Da mesma forma que não se concebe um médico receitar um medicamento sem exames que lhe informem o estado do paciente, é inconcebível um agrônomo recomendar uma adubação ou uma calagem sem uma análise química do solo.

Uso excessivo de fertilizantes no cultivo protegido de hortaliças

Um erro comum dos produtores de hortaliças em ambiente protegido é achar que planta bem nutrida é planta nutrida em excesso. É um engano com consequências potencialmente graves. Há pouco tempo fui chamado para avaliar um empreendimento agrícola no estado de Goiás onde se produz pimentão e tomate do tipo “grape” e que estava apresentando problemas com aparência de doença bem como constante queda na produção. A foto que se vê acima é de uma das estufas em que o pimentão estava com problemas. Embora talvez não seja possível visualizar-se com detalhes, havia uma grande irregularidade no stand, com plantas de todo tamanho e alguns focos de oídio e ácaro que não explicavam, no entanto, a quebra da produtividade.

Como não foi possível detectar no local uma causa provável para o problema, pedi para que o encarregado da propriedade me enviasse as análises de solo das estufas para que eu pudesse fazer uma análise da disponibilidade de nutrientes às plantas. Interessantemente, o mesmo encarregado me garantiu que mandaria as análises, mas ele não acreditava que o problema fosse esse, porque eles adubavam bastante as plantas. Esse “adubavam bastante” já me deixou de sobre-aviso.

Realmente, quando vi as análises constatei que minha desconfiança estava certa – praticamente todos os nutrientes estavam em excesso! E não era um excesso “razoável”, era um excesso de toxidez mesmo. Para se ter uma idéia, as “Recomendações para o uso de corretivos e fertilizantes de Minas Gerais – 5ª Aproximação” consideram que um teor de fósforo de 30 ppm no solo já é alto. Pois bem, em algumas estufas, o teor de fósforo era de quase 1100 ppm!! A hortaliça estava sendo cultivada em um solo com quarenta vezes mais fósforo do que o nível já considerado alto.

O problema não é apenas de excesso, ambiental, de toxidez – o problema é de desperdício de dinheiro. O fósforo presente naquele solo é suficiente para se produzir tranquilamente pelo menos quarenta safras de hortaliças. Se se conseguir produzir duas safras por ano, são pelo menos 20 anos sem necessidade de adubação. O pior é que se continuava aplicando fósforo, principalmente na forma de MAP, um adubo com alta concentração em fósforo.

Um outro problema, talvez o predominante no caso destas estufas, é a ocorrência de interações antagonísticas entre os nutrientes, ou seja, o excesso de um nutriente atrapalhando a absorção de outro. O excesso de fósforo, por exemplo, comprovadamente pode interferir na absorção de alguns micronutrientes como o zinco. É razoavelmente comum a ocorrência de fundo preto (deficiência de cálcio) em tomate por causa do uso excessivo de sulfato de amônio – o amônio pode interferir negativamente na absorção de cálcio, mesmo que este esteja em níveis adequados no solo.

O fósforo não era o único nutriente em excesso. Havia o dobro do cálcio necessário, alguns micronutrientes estavam até dez vezes mais altos que o teor considerado alto. Como boa parte dos micronutrientes são aplicados na forma de sulfato, o teor de enxofre estava cinco vezes mais alto do que seria necessário. Aquele solo estava na verdade uma tragédia. Os micronutrientes, como o nome já diz, não necessários em quantidades muito pequenas e qualquer excesso pode causar toxidez às plantas, principalmente se o pH está abaixo de 5,5, que era exatamente o caso destas estufas.

Ora, no caso de excesso de micronutrientes metálicos, como ferro, cobre e zinco, uma possível solução seria a elevação do pH pela aplicação de calcário (carbonato de cálcio). Como nestes solos o cálcio já estava muito alto e a relação cálcio/magnésio desequilibrada, a aplicação de calcário poderia até mesmo agravar os problemas. Em casos como este, o desequilíbrio nutricional generalizado diminui as opções que o agrônomo tem para tentar a correção, já difícil neste caso. Em um post futuro falarei de minhas recomendações para tentar corrigir os problemas comprovadamente nutricionais deste empreendimento.

Mudanças climáticas e produção de hortaliças: uma visão geral

Os efeitos das mudanças climáticas na produção de hortaliças, onde a produtividade tem que necessariamente estar associada à qualidade do produto, têm preocupado os diversos atores ligados ao setor. Elevações, mesmo que moderadas, das temperaturas médias diurnas e/ou noturnas podem ser prejudiciais à produção olerícola. Citando como exemplo o caso do tomate, diversos trabalhos têm atribuído tal fato a danos ocorridos na fase reprodutiva devido a fatores como polinização menos efetiva, maiores taxas de respiração e redução de taxa fotossintética. Trabalhos conduzidos em regiões de clima temperado têm ainda apontado prejuízos causados pelas altas temperaturas aos cultivos de espécies exigentes ao frio tais como espinafre, batata, brócolis e alface. O estresse hídrico também pode se tornar fator limitante no futuro. Esse fato pode estar relacionado com a maior demanda de água pelas plantas para que o resfriamento delas ocorra em clima mais quente e à ocorrência de períodos secos mais intensos e longos em algumas regiões. A influência de outros eventos climáticos também não pode ser negligenciada, uma vez que é provável que eles se tornem mais frequentes em determinados locais.

Por outro lado, as condições climáticas futuras também podem ser benéficas às espécies bem adaptadas ao calor, tais como batata doce, melão, melancia, abóboras e quiabo. É possível ainda que um importante nicho de mercado se abra para variedades desenvolvidas em condições tropicais e subtropicais, potencializando a participação de institutos de pesquisa especializados em agricultura tropical.

Como forma de minimizar os impactos negativos das mudanças climáticas na produção agrícola, mecanismos adaptativos têm sido propostos. No melhoramento genético, a busca por variedades adaptadas aos estresses térmicos e hídricos, a maiores níveis de radiação, com maior albedo e mais eficientes na utilização de fertilizantes são alguns dos principais pontos discutidos. Outros mecanismos adaptativos, agora associados aos sistemas de produção, podem também surtir bons efeitos. Nesse sentido, o uso do cultivo protegido adequadamente manejado permite o controle de fatores ambientais tais como temperatura e precipitação, reduz a necessidade de uso de agroquímicos e mantêm as plantas protegidas de eventos climáticos extremos, mantendo então melhor produtividade e qualidade do produto.

Em campo aberto, a utilização de mulchings artificiais com plástico branco e opaco ajuda a reduzir a temperatura do solo e do ar próximo às plantas. A palhada formada em cultivos em sistema de plantio direto (SPD) pode fornecer efeito semelhante. Trabalhos conduzidos por pesquisadores da Embrapa Hortaliças visando a adequação de SPD para o cultivo de espécies olerícolas têm mostrado o potencial adaptativo desse sistema de manejo às novas condições climáticas, bem como o poder de mitigação da emissão de gases de efeito estufa. Aspectos como redução da temperatura do solo sob a palhada, menor perda de água e solo e manutenção de maiores estoques de carbono e nutrientes no solo têm sido observados. Outras medidas relacionadas à economia e produção de água, economia de nutrientes, uso de cercas vivas, entre outras, também devem ser considerados como possíveis mecanismos adaptativos às mudanças climáticas.

Carlos Eduardo Pacheco Lima

Livro “Mudanças Climáticas Globais e a Produção de Hortaliças”

Não sei se adianta muito pedir desculpas aos leitores, se ainda há algum, e aos colegas blogueiros do ScienceBlogs Brasil. Eu, assim como os outros autores do Geófagos, temos estado afastados do Geófagos por motivos eminentemente profissionais. Obviamente não posso falar pelos outros, mas em meu caso tenho sentido as consequências, enfim, de ser um pesquisador. Nos últimos seis meses tive que viajar muito, escrever e submeter propostas de projeto, conduzir experimentos… Todas tarefas completamente normais na vida de um pesquisador mas que, no meu caso, têm deixado pouco tempo para o blog. Um projeto em especial consumiu uma quantidade considerável de meu tempo e agora volto aqui exatamente para apresentar o resultado do mesmo. “Meu” primeiro livro – Mudanças Climáticas Globais e a Produção de Hortaliças.

Realmente, “meu” não é ainda o pronome mais apropriado, porque fui apenas o editor e autor de uma breve introdução, além de ter organizado o Workshop que resultou no livro, cujos capítulo são os manuscritos das excelentes palestras então proferidas. A possessividade é reflexo apenas das longas horas passadas trabalhando sobre os originais, adaptando-os ao formato de livro, buscando laboriosamente os equívocos, ainda bem que escassos, sem dúvida pela inegável “expertise” dos autores.

Enfim, eis aí o resultado. Espero sinceramente que venha a ser útil para os envolvidos na área. É ainda uma primeira aproximação ao assunto, as influências das mudanças climáticas sobre a produção e a qualidade de hortaliças, mas creio que pode ser um início auspicioso, principalmente se vier a estimular mais interesse e pesquisas sobre o assunto. Para estimular o interesse, listo abaixo os capítulos do livro:

Mudanças climáticas e agricultura: Uma abordagem agroclimatológica
Autor: Eduardo Delgado Assad et al.

Uma análise do efeito do aquecimento global na produção de batata no Brasil
Autor: Carlos Alberto Lopes et al.

Como as mudanças climáticas poderão afetar as doenças das hortaliças?
Autor: Raquel Ghini

Impactos do aquecimento global nas doenças de tomateiro e meloeiro no Brasil
Autor: Ricardo Gioria et al.

Potential impacts of climate changes on the quality of fruits and vegetables
Autor: Celso Luiz Moretti et al.

The Role of Florida Cooperative Extension Services in the Climate Challenge
Autor: Clyde Fraisse

Medidas para mitigar os efeitos das mudanças climáticas na produção de hortaliças
Autor: Adonai Gimenez Calbo et al.

Para finalizar, devo muito à equipe de colegas que colaboraram tanto na organização do Workshop quanto do livro e, principalmente, aos autores por prepararem materiais de tão alta qualidade. O livro pode ser adquirido a partir do site da Embrapa Hortaliças, pelo SAC (sac@cnph.embrapa.br) ou pelo telefone (61)-3385-9115.

Bactérias que promovem o crescimento de plantas

A Agronomia é muito mais do que simplesmente adubar e aplicar agrotóxicos, como querem alguns muito mal informados. Minha visão da ciência agronômica está muito mais para uma Ecologia Aplicada ou uma Eco-engenharia, o que não impede, obviamente, que certos profissionais manchem a profissão em prol de interesses imediatistas. Mas quero falar mesmo é da beleza oculta da verdadeira Agronomia e, para isso, sirvo-me de um artigo recentemente publicado na Scientia Horticulturae, periódico da editora Elsevier, intitulado “Effects of plant growth promoting bacteria (PGPB) on yield, growth and nutrient contents of organically grown strawberry“.
Neste trabalho, realizado na Turquia com morango produzido sob sistema de agricultura orgânica, Esitken e colaboradores (2010) observaram que a aplicação, nas folhas e/ou nas raízes, de bactérias promotoras do crescimento vegetal (Plant Growth Promoting Bacteria) durante 3 anos de safras estimulou tanto o crescimento das plantas quanto a produtividade da cultura. Os pesquisadores usaram estirpes de bactérias dos gêneros Pseudomonas e Bacillus.
Em relação ao tratamento que não recebeu a aplicação de bactérias, houve um aumento estatisticamente significativo no número de frutos pela aplicação de vários tratamentos contendo as bactérias. Além disso, os conteúdos dos nutrientes minerais fósforo e zinco foram maiores nas folhas das plantas tratadas, indicando que elas estavam mais bem nutridas. Além do efeito nas plantas, os tratamentos contendo bactérias parecem ter proporcionado aumento na disponibilidade de fósforo no solo, embora eu ache que esse possa ter sido um efeito indireto pelo estímulo a maior produção de ácidos orgânicos pelas plantas.
É um bonito exemplo do uso agronômico de microrganismos que ocorrem naturalmente no solo, mas em quantidades normalmente muito pequenas, como um “biofertilizante”. Mas o que e quais são estas “bactérias promotoras do crescimento vegetal”? São espécies de bactérias normalmente associadas ao solo em torno das raízes (rizosfera), mais rico em compostos orgânicos, e que por uma série de mecanismos, beneficiam as espécies vegetais, agrícolas ou não, em termos de crescimento e produção.
Os efeitos benéficos das bactérias em questão são comumente imputados à produção de certas substâncias, liberadas por este organismo no ambiente que circunda as raízes, a já referida rizosfera. Estas substâncias podem ser hormônios que estimulam o crescimento vegetal, como auxinas, citocininas, giberelinas; compostos que aumentem a solubilidade e disponibilidade de formas inorgânicas do nutriente fósforo, como ácidos orgânicos de baixo peso molecular, ou que facilitem a mineralização/disponibilização de formas orgânicas de vários outros nutrientes.
Boa parte da ação estimuladora das bactérias promotoras do crescimento vegetal é conseguida através da ação antagonista contra microrganismos fitopatogênicos (que causam doenças em plantas), quer seja pela liberação de enzimas, quer pela produção de substâncias antibióticas ou fungicidas; ou ainda pela competição por recursos (alimento). Acredito que certos solos tidos como naturalmente produtivos, como as Terras Pretas de Índio, devem sua fama em parte também a fatores que estimulam o crescimento deste grupo de bactérias.

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