Resenha: A Tirania do Petróleo

Rastro de Carbono adverte: este post pode causar azia e má digestão.

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Há um tempo recebi o livro A Tirania do Petróleo – a mais poderosa indústria do mundo e o que pode ser feito para detê-la, Antonia Juhasz, 2009, Editora Ediouro. Digo “há um tempo” mas o que quero dizer é “há muito, muito, muito tempo”. A Tirania do Petróleo não é um livro para qualquer um, nem para qualquer estado de espírito. Mais do que um livro, A Tirania do Petróleo é um documento completíssimo sobre essa indústria que, é mais do que uma indústria. É governo sem ser governo. É opinião pública sem ser pública. É guerra e paz. É meio e fim.

Pouca gente se dá conta, mas não temos petróleo desde sempre (e nem o teremos para sempre). A primeira grande descoberta de petróleo nos Estados Unidos, por exemplo, deu-se no dia 27 de agosto de 1859. Antes disso, pasmem, usávamos óleo de baleia como combustível para velas e lamparinas. De 1859 para cá, o consumo de petróleo aumentou vertiginosamente. Para se ter uma ideia, em 1900 existiam 8 mil carros trafegando. Em 1915, eram 2 milhões e 500 mil. Cinco anos depois, em 1920, 9 milhões e 200 mil automóveis trafegavam. Viva Henry Ford e o modelo de produção em série! A indústria do automóvel alavancou de vez a era do petróleo e quem alavancou de vez a indústria do petróleo foi Rockefeller

Rockefeller era o tipo de cara sem escrúpulos para os negócios. Dê-se conta de um cara de 7 anos que sai, compra balas, divide em porções e vende, com lucro, para os irmãos. Dê-se conta de cara que aos 22 compra um “substituto” para ocupar seu lugar no exército e faz uma fortuna vendendo suprimentos para o governo federal. Dê-se conta de um cara que aos 24 começa a comprar refinarias, e depois matéria-prima para barris de petróleo, carros-tanque e navios de transporte, depósitos e aos poucos é dono de toda uma cadeia de produção. Rockefeller construiu a indústria do petróleo e a guiou com mãos de ferro. Derrotou os pequenos proprietários que se recusaram a vender suas empresas familiares porque tinha o poder de ditar o preço do óleo, ou o poder de ditar o preço do transporte. O cara sem escrúpulos doou todos os seus talentos para a indústria petrolífera. Conhecer Rockefeller é conhecer a indústria do petróleo.

A indústria de petróleo tinha poder demais nas mãos. A percepção desse fato começou em alguns Estados e depois alcançou a esfera nacional, com fortes campanhas antitruste. Aos poucos, o grande monopólio de Rockefeller, a Standard Oil, se fragmenta em sete, que passam a trabalhar sob uma conduta: um cartel. Conhecemos essas empresas pelos nomes de agora, Exxon, Mobil, Chevron, Texaco, Amoco, BP, Conoco, Marathon, entre tantas outras. E sabemos que várias dessas já nem existem mais e foram favorecidas por processos de fusão e compra, numa “volta ao passado”, numa cartada espetacular, com objetivos comuns de manipular a oferta do petróleo, aumentar preços, derrubar governos, comprar votos, financiar guerras, intimidar pessoas.

“O preço do petróleo ainda está desalinhado dos fundamentos normais da oferta e da procura” Phil Flynn, 2008, in: A Tirania do Petróleo p. 135.

Considere uma indústria tão poderosa que pode financiar candidaturas de pessoas de confiança. Considere agora que, formar uma dúzia de pessoas unidas por interesses alinhados aos da empresa não é uma tarefa fácil, nem rápida. Considere então que, se há dinheiro, há possibilidade de financiar candidaturas de qualquer pessoa, por tanto tempo, que essa pessoa passa a se sentir responsável por atender a seus interesses. Pronto. Agora você tem a imagem do caos, e é capaz de entender porque certas leis se perpetuam, porque certos favorecimentos acontecem, porque o que parece absolutamente errado, torna-se, inexplicavelmente, regra.

Pegue o exemplo do Clean Air Act, de 1970, nos EUA, que introduz nova legislação para tornar refinarias de petróleo menos poluentes. Fantástico? Saiba que a legislação só opera sobre refinarias construídas APÓS 1970. OK. Não precisa ser muito sem escrúpulos para imaginar o que uma pessoa sedenta por lucros faria. Não há novas refinarias, nem projetos de refinarias, nos EUA, desde 1976. Isso as torna cada vez mais obsoletas, antiquadas e perigosas. Refinarias velhas, utilizando-se de processos antigos de refino de petróleo, emitem muito mais poluentes do que o realmente necessário para sua operação. Sem contar no perigo causado não só para quem mora nas redondezas de uma, mas para os trabalhadores, frequentemente submetidos a explosões e vazamentos.

“As reduções de emissões e um meio ambiente melhor beneficiam a sociedade de diversas maneiras. No entanto, a magnitude e a incerteza das exigências ambientais e sua aplicação aumentam os custos e afetam negativamente o investimento doméstico em refinarias.” National Petroleum Council, in “A Tirania do Petróleo p. 199.

Mas dá pra dizer que a indústria do petróleo não investe em tecnologias emergentes de energia? Não dá. Segundo John Felmy, economista-chefe do American Petroleum Institute, “nosso setor nos [últimos] cinco anos, investiu quase 100 bilhões de dólares – mais de duas vezes e meia do investimento conjunto do governo federal e todas as outras empresas dos Estados Unidos” . Pena que “tecnologias emergentes de energia” não são pra indústria petrolífera o que é para nós. Não se trata de energia eólica, solar, biocombustíveis. Trata-se de areias betuminosas, xisto petrolífero e liquefação de gases – claro!

Por esses exemplos e trechos, perceba que “A Tirania do Petróleo” é mais do que um documento sobre meio ambiente e políticas públicas. É um documento sobre a história dessa indústria poderosa, sobre os homens e mulheres que  construiram essa indústria e que fazem de tudo para mantê-la viva. É a história do poder acima das leis, acima das fronteiras, acima dos governos. É a história de contratos, acordos, posses – de terras, de países. Entenda um pouco mais do porquê das Guerras do Golfo, da tomada do Iraque e a morte do então coadjuvante nesse jogo de cartas, Saddam Hussein. Entenda mais sobre os governos Bush (pai e filho), saiba quem é quem no poder durante o período de seus governos e deixe-se envolver por esse documento que é um passeio na história da humanidade e ainda explicará muito das tomadas de decisões que estão por vir.

Saiba mais sobre esse livro da própria autora, Antonia Juhasz nesse vídeo (em inglês):

 

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A Tirania do Petróleo é da Ediouro e foi uma cortesia para este blog. Um exemplar do livro será sorteado entre as pessoas que deixarem comentários nesse post até o dia 30 de novembro de 2009.

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Também resenhou esse livro no SBB:

+ Discutindo Ecologia

Resenha: Prós e contras da globalização

A coisa que acredito ser a mais difícil nessa história toda de tentar “viver verde” é buscar o local em detrimento do global. Dessa maneira, pregar sobre consumir e produzir localmente em um mundo globalizado é uma tarefa árdua, mas não impossível. E não é só isso. Governo, instituições públicas e privadas, pessoas como nós, deveríamos, em termos ambientais, pensar cada vez mais em melhorar nosso local invés de incentivar a busca insana de empregos, produtos, estilos de vida no exterior. Maluco? Impossível?

Recusar que vivemos em um mundo globalizado é negar o óbvio. Temos cada vez mais os poderes dos países, a cultura, a economia, o meio ambiente, todos eles moldados por fluxos de  ideias originadas nos mais diversos cantos do planeta, vindos das mais inesperadas fontes. Regional ou globalmente, todos tem voz, através de mídias sociais, TV, sites, rádio e órgãos oficiais dos governos, como ONU, UNFCCC, UE, G-20, OMC, ANSA, FRANSA, entre outros grupos. São ouvidos aquelas ideias que conseguem atender os interesses da maioria – claro, vale ressaltar que esses interesses nem sempre são sadios.

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Pensadores da globalização são divididos em dois grupos, os céticos e os globalistas que tem visões bem diferentes, desde os conceitos da globalização até as novas ordens mundiais estabelecidas pelo fenômeno. Em algumas ocasiões, os pensadores céticos, por exemplo, acreditam que a globalização vai fortalecer os Estados e a identidade nacional, principalmente porque estão o tempo todo submetidos às novas ideias e propostas que vêm de fora. Os globalistas, por outro lado, acham que a globalização vai aumentar o multilateralismo, desgastando a soberania das Nações, bombardeadas por movimentos rápidos de pessoas, capitais, conhecimentos e culturas. Esse debate e suas posturas, todas contraditórias, podem ser entendidas no livro Prós e contras da globalização, por David Held e Anthony McGrew.

Ainda não há uma corrente de pensadores que conseguem sintetizar o melhor dos dois mundos, céticos e globalistas. Em termos ambientais, penso que devemos aproveitar as tecnologias e conhecimentos globais para melhorar a vida das pessoas dentro dos próprios países. É economicamente mais viável produzir milhares de produtos na China porque lá a mão de obra é abundante e barata mas, em se tratando de sustentabilidade onde o cenário é dividido pelos planos econômicos, sociais e ambientais, produtos chineses respondem só um em três quesitos. 

Produtos locais, por outro lado, podem fortalecer a economia local, respeitar o ambiente e as pessoas que consome e produzem o produto. Podem, mas isso não é 100% verdade. Entretanto, é mais fácil fiscalizar e exigir das instituições e dos governantes quando estamos perto do que está acontecendo. Estar longe só traz um sentimento de passividade da maioria da população. No Brasil, é o que vemos na Amazônia e em Brasília.

Prós e contras da globalização, David Held e Anthony McGrew, 2001 é da Editora Jorge Zahar e foi uma cortesia para este blog.

Resenha: Desenvolvimento sustentável: que bicho é esse?

Assim que vi a disponibilidade desse livro, pensei: preciso resenhá-lo – os leitores do blog vão gostar, ainda mais o público mais jovem, que também é o público-alvo do livro. Escrevi para a Editora Autores Associados, e devorei o livro em poucas horas.
O prólogo é fantástico! Traz trechos do discurso de uma menina de 12 anos, chamada Severn Suzuki, na Eco-92.

Nesse momento pensei comigo: o livro vai arrasar! Mas, para minha surpresa, ele tomou um caminho bem inesperado, diferente das minhas expectativas. Isso definitivamente não me motivou inicialmente, mas agora, depois de alguns dias pós-leitura, estou percebendo o livro de outra maneira.
desenvolvimentosustentavel.jpgDesenvolvimento sustentável: que bicho é esse? é, inconscientemente (ou não) dividido em duas partes. A primeira, informa sobre acidentes nucleares, crescimento populacional, subdesenvolvimento, PIB versus IDH, civilizações maia e da Ilha de Páscoa, sobre danos à camada de ozônio, sobre escassez de água e aquecimento global.
A segunda parte, lá pela metade do livro, vai finalmente falar sobre desenvolvimento sustentável, sobre a origem do termo, resiliência, protocolo de Kyoto. Escorrega ao dar uma justificativa em com base em entropia e evolução darwiniana (não, a extinção da espécie humana não é prevista pela termodinâmica, nem por Darwin – pelo menos não como diz o livro). Nas dez últimas páginas, indica um caminho do meio, que não é nem muito otimista, nem muito pessimista em relação ao desenvolvimento econômico, social e ambiental (embora eu também discorde um pouquinho sobre ser a educação a única salvação para a pobreza e a exclusão social – mas disso eu escrevo quando estiver resenhando o livro do Yunus).
O que para mim desmotivou durante a leitura foi que o livro dá informações e dados sobre diferentes visões sobre o assunto, mas ele mesmo não toma partido de nada, não se define, não defende nem ataca. Expõe a Ciência, os paradoxos existentes entre diferentes vertentes de pensamento, equilibra as informações em uma balança. E isso me incomodou porque nem sempre dá para equilibrar as informações, porque há mais controvérsia em um lado e um pouco mais de clareza nas hipóteses em outro, porque os paradoxos não são assim tão mal resolvidos. Há mais em cada ponto levantado, outras ideias, outros argumentos, outras hipóteses que poderiam ter sido discutidas.
Hoje, alguns dias depois da leitura, o que me fez de fato gostar do livro são exatamente os pontos que me desmotivaram no primeiro momento. Por quê? Porque com esse tipo de abordagem fica excelente para o professor problematizar questões, buscar o conhecimento prévio dos alunos acerca do tema, motivá-los para o debate aberto, sem pré-julgamentos ou definições.
O livro, ao não expor uma opinião, faz com que os alunos PENSEM, DISCUTAM, PROBLEMATIZEM.
Desenvolvimento sustentável: que bicho é esse? é da Editora Autores Associados e foi uma cortesia para este blog.

Resenha: O mundo é o que você come

omundoeoquevocecome.jpgOK, OK, eu devo admitir. Duas das principais coisas que me fazem escolher um livro desconhecido na prateleira de uma livraria são: o nome e a capa.
Talvez se tivessem arrumado uma tradução melhor para “Animal, Vegetable, Miracle: A Year of Food Life” eu teria comprado de primeira. Mas um livro chamado “O mundo é o que você come“, onde os “os” de “mundo”, “o que”, “você” e “come” são, respectivamente um globo terrestre, uma tangerina, um tomate e uma beringela, eu jamais teria comprado.
Uma pena… Porque este livro me surpreendeu do começo ao fim.
O livro conta a história de Barbara Kingsolver (a autora) e sua família que se propuseram um desafio: comer comida local e orgânica por um ano. Claro, tiveram umas facilidades como possuir uma propriedade que permitisse e possibilitasse o cultivo e dinheiro para o investimento inicial. Mas as facilidades terminaram por aí. Ninguém da família tinha experiência real com produção agrícola, mas tiveram muita vontade de mudar os seus hábitos alimentares.
Para produzir sua própria comida, a família deixou para trás uma cidade onde todo alimento chega em containers refrigerados, vindos de longe e o aquífero natural de água está se acabando. A alternativa do governo para sanar o problema da falta da água me fez enjoar e abençoar a água que entra na minha casa. Vale a pena a história.
Para iniciar a própria produção, a família começou escolhendo sementes em um catálogo e visitando os fazendeiros da região. Escolher a época que as frutas e os legumes vão crescer e ter certeza de quando vão prontos para a colheita – para não faltar nada em uma época ou sobrar em outra é uma tarefa que exige bastante estudo. Saber a época que os perus vão estar grandes suficientes para “a colheita”, limpá-los e armazená-los também não é para qualquer um.
Depois, preparar a terra, cultivar, livrar-se das plantas daninhas, colher, processar e armazenar o alimento (para consumo no inverno) são tarefas extremamente cansativas.
Veja duas coisas interessantes: ter uma alimentação saudável, aos olhos da autora, não é tornar-se vegetariana, tão pouco comer apenas comidas frescas. Isso faz bastante sentido considerando as estações do ano bem definidas que existem na maior parte do território americano, na qual a produção de alimentos é impossível na neve do inverno.
Entre os “causos” com o novo estilo de vida, como evitar ervas daninhas cobrindo o solo com jornal e palha velha, Barbara me presenteou com informações sobre certificação orgânica e me explicou porquê muitos produtores americanos não submetem seus produtos à certificação. Também me presenteou com receitas e novas ideias, que podem inclusive ser baixadas do site preparado para o livro.
Também me deu mais dicas e me ajudou ainda mais a sustentar minha argumentação de que mudanças pessoais no estilo de vida valem a pena para o ambiente e para quem as realiza.
Resumindo, recomendo muito a leitura do livro. Trata-se de um livro agradável, que conta a história de um ano de vida de uma família que resolveu deixar de comer comida gordurosa, importada, com produtos de animais criados em confinamento intensivo para conhecer o verdadeiro sabor das frutas da época e dos animais criados em liberdade.
O mundo é o que você come é da Editora Nova Fronteira e foi uma cortesia para este blog.
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Outra resenha deste livro aqui no SBB:
Ecodesenvolvimento