Mas médicas cubanas têm sim cara de empregada doméstica!

Anteontem, uma jornalista da minha terra escreveu em sua conta do Facebook o seguinte (sic):

“Me perdoem se for preconceito, mas essas medicas cubanas tem uma Cara de empregada domestica. Será que São medicas Mesmo??? Afe que terrível. Medico, geralmente, tem postura, tem cara de medico, se impõe a partir da aparência…. Coitada da nossa população. Será que eles entendem de dengue? E febre amarela? Deus proteja O nosso Povo!”

Declaração de Micheline Borges em seu Facebook

Declaração de Micheline Borges em seu Facebook

Repetindo o título, as médicas cubanas têm sim cara de empregada doméstica!

Explico:

As cubanas são marrons. E as marrons brasileiras são, via de regra, pobres.

Por serem pobres, brasileiras não têm acesso a educação de boa qualidade.

Por não terem uma base educacional decente, brasileiras não podem entrar em cursos muito concorridos de faculdades públicas, como medicina. E, por serem pobres, não podem pagar uma faculdade particular ou sequer os materiais indispensáveis e caros que até cursos públicos exigem.

Por serem marrons, são pobres; por serem pobres, têm educação deficiente; por não terem educação suficiente, não são médicas, ou engenheiras, ou advogadas, ou arquitetas, ou psicólogas, ou dentistas. São domésticas.

Como Cuba tem educação para todo mundo, às vezes até forçada[1], até quem é marrom pode virar médica.

Lá. Aqui não. Aqui as marrons precisam ganhar dinheiro limpando “casa de família“.

Ou seja, as médicas cubanas são sim parecidas com nossas domésticas. E, pela primeira vez, eu entendi porque o conceito de cotas educacionais (raciais ou sociais, aqui tanto faz, a cor da pela é intrinsecamente ligada ao salário do fim do mês) é importante.

Talvez seja defeituoso e enviesado (como o próprio programa Mais Médicos), mas é importante. Se por nenhum outro motivo, pelo menos para que pessoas como Micheline Borges, branca (deus proteja as bases líquidas e o pó-de-arroz!), saibam que o que estão dizendo é preconceito. Mais especificamente racismo e xenofobia.

A 'branca' jornalista Micheline Borges. Foto retirada de seu perfil público do Facebook, via Google Cache.

A ‘branca’ jornalista Micheline Borges. Foto retirada de seu perfil público do Facebook, via Google Cache.

Micheline, eu sei que você não tem noção do que seja sofrer e lutar para ser alguém na vida e é incapaz de se colocar no lugar de outrem, mas fica difícil “ter postura” e “se impor” quando se passou a vida toda tendo certeza de que se é um ser inferior por causa de tanto condicionamento pela sociedade, representada por pessoas como você, justamente pela “aparência” que você, jornalista branca e loira (Koleston FTW!), tanto preza. Para racistas, como você, só parece médica quem não parece doméstica (ver falácia do escocês).

E sim, cubanos sabem o que é febre amarela e dengue. Até mais do que nós, natalenses.

Finalmente, antes de clamar ao seu amiguinho invisível por ajuda procure se informar sobre o que ele tem a dizer de comportamentos com o seu. Seja burra mas pelo menos seja consistente.

———

[1] Se você se formou em administração, por exemplo, e não tem no que trabalhar, o governo cubano “pede” que você volte para a faculdade e se forme em, digamos, jornalismo. Isso é um caso real de um motorista (!) que acompanhou meu pai em Cuba.

Homeopatia é feita de nada e NÃO funciona contra dengue

Em Natal, a prefeita Micarla de Sousa (eleita pelo PV) sancionou a Lei nº 6.252, de 25 de maio de 2011 (link em PDF) que diz:

A PREFEITA DO MUNICÍPIO DE NATAL,

Faço saber que a Câmara Municipal aprovou e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º – Autoriza o Poder Executivo a realizar estudos e pesquisas no sentido de adotar medicação homeopática, no combate e prevenção de dengue em Natal.

I – A medicação a que se refere o artigo 1º poderá ser ministrada nos bairros que apresentem os maiores índices de infestação da doença ou nas áreas onde a equipe técnica da Secretaria Municipal de Saúde definir como prioritárias ou de risco iminente para proliferação de casos;

II – A aplicação do medicamento será executada pelas unidades de saúde, na dosagem prescrita por profissional competente;

III – A Secretaria de Saúde do Município de Natal, através de uma equipe multidisciplinar, fará o acompanhamento e monitoramento, com as notificações necessárias, dos usuários atendidos pela medicação a que se refere o artigo 1ª desta Lei.

Art. 2º – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Um grande problema não é o texto acima, mas a maneira como a coisa foi levada à frente. Esses “estudos e pesquisas” não ocorreram. Especialista não foram consultados e, especialmente, o Conselho Regional de Medicina não foi ouvido.

Entrando em vigor, essa lei certamente beneficiaria, e muito, algumas pessoas, tendo em vista que homeopatia é feita de nada.

O pior, no entanto, é o fato de existirem pessoas em cargos altos (como prefeita e vereadores) que não só acreditam nessa macumba disfarçada de medicina que é a homeopatia como não têm o mínimo interesse na saúde da população (se tivessem, teriam consultado infectologistas ou teriam procurado o CRM, o que não ocorreu).

Jeancarlo Cavalcante, presidente do Conselho, falando ao jornal Tribuna do Norte disse que, tanto a sanção quanto a aplicação dessa lei são “uma temeridade”. Mas ele disse isso porque é o presidente.

Como eu não devo contas políticas a ninguém, posso dizer com mais letras: dar homeopatia a pessoas doentes ou tentar usar homeopatia para prevenir doenças potencialmente fatais é uma irresponsabilidade e demonstra, mais uma vez, o descaso do poder administrativo da minha cidade para com a população, cujo interesse deveria ser prioridade.

Por mais que esse “passe de mágica” (como disse ao mesmo jornal o presidente da Sociedade Riograndense do Norte de Infectologia, Hênio Lacerda) estivesse sendo aceito por ingenuidade de Micarla de Sousa, seria dever da primeira servidora pública da cidade procurar pessoas que, ao contrário dela, realmente soubessem do que se trata medicina, doenças, tratamento, etc. Confiar na própria suposta inteligência é, demonstrativamente, um erro para pessoas assim, em cargos tão importantes.

Em entrevista ao Novo Jornal, Munir Massud, Professor da UFRN e especialista em Bioética Médica, aponta que homeopatia “não serve para nada. Na Medicina, o que não é científico não é ético”. E, para o Conselho Nacional de Saúde, antes de ser usado em humanos, um medicamento precisa ser fundamentado com experimentações prévias, cientificamente. Coisa que a homeopatia falhou em fazer 100% das vezes que tentou.

Em vista disso, a Secretaria Municipal de Saúde informou ao Novo Jornal que: “em razão da polêmica levantada pela lei, irá solicitar um parecer técnico à Sociedade Riograndense do Norte de Infectologia”.

Sim, vocês já devem ter notado. A Secretaria de Saúde só irá se informar a respeito com especialistas no assunto porque o CRM e a própria Sociedade de Infectologia foram atrás.

Então, ao invés de combater o mosquito (não há uma propaganda de prevenção, um só folheto pregado em poste, nada), a prefeita achou por bem beneficiar financeiramente os feiticeiros medievais que venderiam água a preço de remédio. Porque, já que a população não gosta dela, porque ela haveria de gostar da população, não é?
Já que ela nem se trata aqui, por que então cuidar do sistema de saúde do município?

Recapitulando: matérias circularam pela Tribuna, Novo Jornal (já citados), Diário de Natal e nominuto.com após uma coletiva de imprensa organizada pelo Conselho Regional de Medicina e pela Sociedade Riograndense do Norte de Infectologia, pois nenhum dos dois órgãos foram consultados antes da prefeita passar uma lei dando água e açúcar para a população como forma de combater a dengue.

Mas eu vou esperar até Micarla divulgar o resultados dos estudos e testes que realizou, segundo prevê a lei que ela promulgou semana passada.

Enquanto isso, pessoas de fora, estejam avisadas: não venham a Natal em hipótese alguma. Gastem seu dinheiro turistando na Paraíba ou no Ceará. Aqui vocês podem morrer de Dengue a qualquer minuto.

Não há mais salvação para nós, natalenses, mas estamos resignados quanto à falta de estrutura da prefeitura para combater um mosquito.

Como consolação, fiquem com Amanda Gurgel, uma das poucas coisas boas que aconteceram na minha cidade nos últimos anos.

E que venha a Copa!

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