“Onde eu vou usar isso na minha vida?”

Durante minha vida acadêmica eu testemunhei em várias oportunidades alguns dos meus colegas reclamando das informações que recebiam dos professores, acusados de ensinar muita coisa desnecessária.

Preciso dizer aqui que concordo com tal observação. A escola tradicionalmente nos empurra informações que são completamente inúteis no mundo real e que em nada nos ajuda no nosso cotidiano (ou “na vida real”, como eu chamo o período de tempo que ocorre fora da Academia).

Por exemplo: quantos entre vocês sabem usar estatística? Arriscaria dizer que menos de 50% sabe usar porcentagem e menos de metade é familiar com o uso de frações.

Quanto mais eu estudava logaritmo, menos e menos eu aprendia. E também nunca precisei de matrizes para colocar um teto sobre a minha cabeça.

Quem precisou aprender sobre degradação de proteína nas aulas de Biologia ou sobre ligações iônicas nas de Química para colocar comida na mesa?

Para quê perder tempo aprendendo Física se toda a nossa informação hoje em dia vem pela Internet e TV (geralmente a cabo ou via satélite)?

Antigamente ninguém estudava História e em nenhuma parte do mundo as civilizações deixavam de existir por não saberem Geografia.

Filosofia e Literatura são duas coisas inúteis também, pois como já dizia Voltaire, “o valor dos grandes homens mede-se pela importância dos seus serviços prestados à humanidade“.

Ninguém nunca precisou estudar um segundo idioma para pedir uma long neck e uma pizza ao garçom, ou um croissant com cocktail de champagne no piano bar, nem para comprar tickets num site de Internet para um show de rock em turnê do CD de top hits, ou assumir que uma madame de batom e blush usa também spray de cabelo e gosta de buquê de tulipas e se veste como drag queen de prêt-à-porter. Nem para constatar que o layout de um ateliê de fashion design num shopping é igual a um camelô laissez-faire on-line que se acha chic por ser pink e não ter toilette. Por exemplo.

Ai, que chato...

Ai, que chato…

Eu estudei até quebrar a perna do óculos e até hoje nunca usei uma catacrese ou hipérbole em minha na vida. A escola acabou e jamais usei uma metonímia. Elipse, então…

Tirei muita nota ruim e horas da minha vida e, pá!, não aprendi o que é zeugma, onomatopeia, assíndeto, eufonia.

Alguém além dos alargados alambrados acadêmicos aprendeu a lidar com aliteração?

Eu, pessoalmente, olhei com meus próprios olhos para o livro até ele ficar com medo e não sei o significado de pleonasmo, perissologia, batologia ou prosopopeia.

A escola tentou me ensinar o que é tautologia porque a escola serve para ensinar.

Sabe-se lá o que significa ênclise! Tê-lo-ia aprendido se não me tivesse sido apresentado ao mesmo tempo em que mesóclise e próclise.

Não é excelente como a escola, excelente instituição de formação, nos fez aprender o que é diasirmo?

E de todas as figuras de linguagem, pelo menos uma delas eu domino plenamente. A rima!

A importância de saber balancear equações

Digamos que você fritou um frango coberto da mais pura delícia crocante.

Cardápio: galinha frita em manteiga clarificada, arroz no caldo (caseiro) de galinha com alho frito, anéis de alho-poró empanados em farinha de rosca sem glúten (caseira), salada quente de brócolis, milho verde, cebolinha e pesto (caseiro) e maionese (caseira).

Digamos ainda que você não está pronto para comer (esqueceu de por a mesa ou de fazer o suco ou o arroz ainda não ficou pronto) e quer manter sua comida quentinha por mais dez minutos sem perder a crocância perfeita que, servindo o empiricismo de pista, você jamais conseguirá obter novamente.

O que fazer? Solução: ligar o forno no mínimo por uns cinco minutos e utilizar aquele ambiente recheado de quentura para estacionar suas coxas empanadas (não, isso não é um eufemismo).

Mas o forno da sua casa é a gás, correto? E sabemos (artigo 2, em PDF) que o gás nacional é butano e propano, não é?

Lembrando do mantra orgânico “met-et-prop-but; an-1, en-2, in-3; o-óico-ol-ona-al” (se você não lembra disso é porque esse cântico só existe na minha cabeça e foi por causa dele que eu tirei 11 no primeiro bimestre do pré), facilmente chegamos à conclusão de que prop-an-o é formado por três carbonos (prop) simplesmente ligado (an) de maneira a formar um hidrocarboneto (o), enquanto o but-an-o é quase a mesma coisa, sendo que com quatro (but) carbonos.

Segundo a piada, quando o carbono vai preso, ele tem direito a quatro ligações e, sendo o hidrogênio (o HIDRO em hidrocarboneto) o primeiro elemento da tabela periódica (por favor, pelo menos isso você decorou, né?), ele só faz uma ligação (mnemônicos, mnemónicos). Logo, o propano é nada mais que 3 Carbonos e 8 Hidrogênios enquanto o butano tem um Carbono a mais e, por motivos óbvios, dois H‘s a mais (cada C liga em outro C numa filinha e as beiradas são inteiradas por H‘s, tipo uma centopeia cabeluda onde a centopeia em si é formada por C-C-C e os cabelos são uma parêia de H‘s – melhor ainda, clique aqui e veja uma imagem).

O que mais é necessário para haver fogo? Lembrando da “pirâmide do fogo” calor-combustível-oxigênio, já temos o combustível e o calor (proveniente do fósforo ou daquela fagulha mortalmente elétrica e barulhenta dos fogões elétricos que, sério, dói muito ser eletrocutado por aquilo, portanto não seja), precisamos agora de Oxigênio.

OOOOO, como você é perspicaz!

Então, temos C‘s e H‘s de um lado, junto com alguns O‘s.

E o que dá juntando O + H, turma? Isso mesmo: sarcasmo.

(“OH! Quanta esperteza!” Sacaram? Destá…)

Não, sério, do outro lado vai ficar CO2 (resultado de toda queima de hidrocarbonetos[1]) e mais uma ruma de O‘s e H‘s conectados na proporção de 1 para 2, formando o tão temido monóxido de di-hidrogênio

Não, esse aí é o trapezóide *de* fogo.

Resumindo: quando você acende o queimador embutido da sua casa (isto também não é eufemismo), você está magicamente criando, além do gás carbônico, água em forma de vapor que, com a cessação do input calorífico, recondensará e implodirá qualquer superfície oleosa e prazerosamente quebradiça que tenha sido criada num processo de imersão em lipídios molecularmente agitados e completamente obliterará suas expectativas gastronômicas.

Essa medida também protegerá os anéis de alho-poró (que você já usou ao invés de cebola justamente pela menor quantidade de umidade intrínseca no allium escolhido) e sua extraordinária capa ovo-fasianideamente agregada a flocos de milho.

Ou seja, nunca use o calor residual de um forno a gás (a não ser em casos específicos e bem estudados que envolvem deixar a porta aberta por alguns segundos mantendo termodinamicamente o calor lá dentro com o uso de tijolos e jarros de cerâmica cheio de areia) para manter quentes por mais tempo frituras crocantes.

Use o forno, mas não o ligue. O frango vai continuar quente, por si só, por bastante tempo.

Notem, então, crianças, que balancear equações é imprescindível para a sua vida. Nunca saia de uma aula de química pensando “como é isso é inútil” ou “nunca vou usar isso na minha vida” porque sim, você vai sim. Ou usa, ou morre de fome (ou, pelo menos, nunca vai conhecer as maravilhas da Terra da Crocância Extrema).

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[1] Podem ficar tranquilos. Eu chequei essa parte com um professor.

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