Cana de açúcar no Triângulo Mineiro

No último dia 05 de setembro estive na cidade de Capinópolis no Triângulo Mineiro apresentando uma palestra intitulada “Monitoramento da água do solo sob diferentes culturas” em que falei sobre a importância do manejo adequado do solo e das culturas visando o melhor aproveitamento da água do solo pela agricultura e apresentando alguns dados de monitoramento da água no perfil do solo com o uso de sonda de neutrons, parte dos resultados de minha tese de doutorado. A palestra fez parte de um evento local promovido pela Prefeitura Municipal, o Sindicato dos Produtores Rurais de Capinópolis e pela Universidade Federal de Viçosa. O objetivo maior foi avaliar os possíveis riscos e vantagens do cultivo da cana de açúcar na região, atualmente em franca expansão, com a abertura de vária usinas na região. Achei louvável e até mesmo exemplar a iniciativa dos cidadãos e políticos de Capinópolis de procurar informações técnicas especializadas sobre o assunto, ao invés de adotar opiniões mal informadas e infundadas de extremistas de esquerda ou direita. Além de mim, apresentaram palestras os Professores do Departamento de Fitotecnia da UFV Marcio Henrique Pereira Barbosa e Luiz Antônio dos Santos Dias, o primeiro falando sobre o cenário da produção de cana de açúcar e álcool nacional e internacionalmente e o segundo apresentando uma palestra sobre biocombustíveis. A última palestra, proferida por Adãonete Rodrigues de Aquino, da Coval, abordou a implantação da cultura do pinhão manso visando a produção de biodiesel na região de Santa Vitória. Ótimo evento, ótimas palestras, excelente iniciativa, a ser seguida por governantes sérios.

Agricultura e água

Vivemos em tempos críticos, de mudanças profundas no meio ambiente e a espécie humana deve utilizar o mais eficientemente possível o conhecimento científico adquirido para tentar senão reverter, pelo menos conviver da forma mais sustentável possível com as novas condições ambientais que se delineiam. A quantidade e a qualidade da água para uso humano e animal têm decaído inexoravelmente no último século e já se vê conflitos por água, não só no nível local e regional mas até no nível internacional. Talvez constitua surpresa para alguns saber que a agricultura é a atividade humana que mais consome água no mundo. É quase um consenso que a agricultura irrigada consome algo próximo de 85% de toda a água captada pelos seres humanos. Apesar de ocupar apenas 18% de toda a área sob agricultura, os cultivos irrigados respondem por cerca de 40% da produção agrícola mundial. Com o crescimento dos centros urbanos e à medida que a população mundial cresce, é fácil prever que diferentes atividades humanas passam e passarão a competir pelo mesmo suprimento de água e de maneira paulatina o verbo “competir” deixa de ser usado no sentido figurado. Os agrônomos e fisiologistas vegetais cientes deste papel de maior consumidor da agricultura têm se preocupado em melhorar a eficiência com que se utiliza a água na agricultura, buscando soluções para que se produza “more crop per drop“, mais safra por gota d’água. Tenho nas últimas semanas me embrenhado na literatura técnica referente à melhoria da eficiência com que as plantas cultivadas usam a água que absorvem. As plantas superiores, aliás, são em geral bastante ineficientes no uso que fazem deste recurso, com exceção de alguns grupos de espécies mais adaptadas a condições climáticas de falta de água. Chamo atenção para o fato de que quase toda a água absorvida por uma planta é perdida em forma de vapor através de microscópicas aberturas nas folhas chamadas de estômatos, em um processo denominado transpiração. Ao mesmo tempo que transpira, a planta absorve, pelos mesmos estômatos, o gás carbônico (CO2) necessário para a fotossíntese, processo pelo qual a lanta sintetiza todo o alimento que precisa e que utilizamos. Quando digo que os vegetais usam a água de uma forma pouco econômica, não falo em sentido figurado: uma cultura como o milho, por exemplo, manejado de forma correta, sem doenças e outros estresses ambientais, pode necessitar de até 500 litros de água para produzir um quilograma de grãos. E não se pense que este é mais um problema da que surgiu com a agricultura tecnificada: os programas de melhoramento genético na verdade têm aumentado a eficiência no uso da água (quanta água é necessária para se produzir um quilograma de grãos ou outro tipo de produto agrícola) das espécies cultivadas. Em um artigo publicado em 2006 no periódico científico Agricultural water management, o pesquisador australiano John Passioura faz um levantamento do que tem sido feito e o que ainda falta fazer para que se gaste menos água na agricultura sem comprometer a produção. Segundo ele, em situações em que a água é o fator mais limitante à produção agrícola, a resolução do problema se divide em três componentes: fazer com que haja mais transpiração do suprimento limitante de água; garantir a troca mais eficiente entre água transpirada e CO2 para produção de biomassa (matéria vegetal); e converter uma maior fração da biomassa em grãos ou outros produtos agrícolas. Ora, tendo eu dito que a transpiração constitue perda de água, o primeiro componente pode parecer contraditório, mas não. As perdas de água em um campo de cultivo podem ocorrer de quatro formas principais: pela infiltração profunda no solo além do alcance das raízes, pelo escoamento superficial (enxurradas) principalmente em solos argilosos compactados e com pouca matéria orgânica, pela já citada transpiração vegetal e pela evaporação direta, causada pelo sol e pelo vento. Acontece que se uma destas “perdas” não ocorrer, a transpiração, não há produção agrícola, por que não ocorre fotossíntese (pela corrente transpiratória, ou seja, pelo percurso que a água faz desde o solo, passando pelo interior da planta, até chegar à atmosfera, entram os nutrientes minerais necessários também para o desenvolvimento vegetal). O que o Passioura está na verdade propondo é que se aumente a proporção de água “perdida” por transpiração e se diminua as outras formas de se perder água, que não contribuem para a produção de bens agrícolas. As medidas a serem tomadas para se melhorar a eficiência no uso da água pelas culturas vão desde o melhoramento genético até a aplicação de boas práticas agronômicas de manejo como maior eficiência da irrigação, melhoria da estrutura do solo, uso de espécies adaptadas às condições locais etc que discutiremos com mais detalhes em um próximo post.

Por que existem agrônomos?

O agrônomo deveria ter para com o agroecossistema (sistema agrícola ou campo de cultivo considerado como um ecossistema distinto) papel análogo ao dos médicos para com pacientes. Apesar de já ser parte do anedotário popular o dito de que todos têm alguma coisa de médico (com os possíveis riscos desta atitude), quando as coisas apertam, isto é, quando a saúde dá sinais preocupantes ou inequívocos de problema, todos que podem procuram um médico. Quer seja por particularidades culturais, quer por simples tradicionalismo inquestionado, uma considerável quantidade de agricultores considera ter conhecimento suficiente para levar seus cultivos a bom termo sem auxílio de técnicos especializados. Não digo que no geral não consigam extrair alguma coisa, até mesmo o que se consideram boas produtividades em anos de excepcionais condições meteorológicas em solos naturalmente férteis. Mas isto são exceções e agir desta forma resulta em grande variabilidade das produções. Não há dúvidas de que os agroecossistemas conduzidos sem assistência técnica quase unanimemente produzem safras menores do que permitem os potenciais produtivos tanto das variedades modernas quanto das terras cultivadas. Não digo isso por fisiologismo ou classismo. Há em geral mal uso dos insumos como água (de irrigação, mas mesmo da água da chuva na dita agricultura de sequeiro, em que não se irriga), de fertilizantes e dos vários defensivos agricolas (herbicidas, inseticidas, fungicidas etc). Este mal uso não se restringe ao uso incorreto que leva à degradação ambiental. Falo também do uso impróprio que se refere a uso aquém ou além das necessidades, comprometendo a produtividade agrícola ou fazendo com que o agricultor gaste dinheiro em excesso. Já se tornou proverbial entre os agrônomos a resistência de produtores rurais desinformados em fazer análises químicas dos solos visando diagnosticar o estado da fertilidade dos mesmos. Estas análises, desenvolvidas ao longo de décadas de pesquisa intensa e sempre renovada, são feitas para que a recomendação de adubação seja precisamente aquela necessária para as culturas a serem utilizadas e, inclusive, levem em consideração a produtividade almejada pelo agricultor. Nunca ouvi falar de alguém que questionasse a recomendação de um médico para se fazer exames de sangue. Um produtor um dia, porém, disse-me que não podia confiar nas análises de solo porque os solos não eram todos iguais. Não são mesmo, e as recomendações de adubação a partir destas análises levam em consideração o principal fator que diferencia os solos, o teor de argila. Em geral, à medida que aumenta a quantidade de argila as doses de adubo recomendadas são proporcionalmente maiores. Não é só isso, já vi empresas de adubo venderem produtos 50% mais caros mesmo tendo menos nutrientes que outros produtos por simples detalhes de marketing, mas um erro destes raramente seria cometido por um agrônomo bem informado. O uso da água de irrigação é outra prática agrícola em que comumente se peca por excesso. Existem fases no desenvolvimento das espécies agrícolas que são mais sensíveis à falta d’água e que influenciam mais na produção final que outras e a aplicação de água em quantidades corretas apenas nestas fases pode permitir uma produção igual a de cultivos que tenham boa disponibilidade de água durante todo o ciclo da cultura, o que proporciona uma mais desejável economia de água e dinheiro. O uso excessivo de defensivos pode causar poluição ambiental e o uso abaixo do necessário pode não controlar os organismos que se deseja e ainda fazer com que alguns se tornem resistentes. A utilização de maquinário agrícola em épocas erradas causará compactação do solo, impedindo o desenvolvimento das raízes, que ficam incapacitadas de absorver água e nutrientes nas quantidades necessárias além de promover a perda de solo por erosão e a perda de água, que não consegue infiltrar no solo. Todos estes problemas e outros são desafortunadamente comuns em cultivos em que não se recorre à assistência técnica especializada, a agrônomos responsáveis e com conhecimentos prático e teórico sólidos. O mundo de hoje, com uma crescente população, maior demanda de alimentos e gradual escassez de recursos naturais de qualidade não admite mais a prática da agricultura desprofissionalizada, a qual além de improdutiva, tende a ser ambientalmente danosa. Se você deseja plantar correta e profissionalmente, não tenha dúvida, consulte um agrônomo.

O que é sustentabilidade na agricultura?

Muito se tem falado ultimamente sobre agricultura sustentável (inclusive aqui no Geófagos) mas uma definição clara do que vem a ser sustentabilidade tem em geral faltado. Há por parte de quem lê uma noção vaga de que sustentável é qualquer prática ambientalmente correta, mas o que isto quer dizer? Haverá alguma forma de se mensurar a sustentabilidade de práticas agrícolas? Para tentar esclarecer este assunto, lanço mão de um artigo publicado em 1995 pelo cientista do solo inglês T. M. Addiscott com o título de “Entropy and sustainability” no volume 46 do European Journal of Soil Science.
As definições clássicas de sustentabilidade da agricultura geralmente levam em consideração os aspectos ambientais, econômicos e sociais, como a acima citada, enfatizando a manutenção dos recursos ambientais, a viabilidade econômica e a justiça social. Sem dúvida é um conceito abrangente. Addiscott no entanto propõe uma abordagem termodinâmica de sustentabilidade que leva em conta apenas o fator ambiental mas é extremamente útil na análise de áreas sob processo de deterioração dos meios físico e biológico.
Segundo Addiscott, realiza-se trabalho termodinâmico quando energia na forma de calor é transferida de uma fonte a alta temperatura para um dreno a baixa temperatura. Trabalho dinâmico contínuo, dessa forma, requer reservatórios isotérmicos efetivamente infinitos a temperaturas altas e baixas, que são garantidos à biosfera pelo sol e pelo espaço sideral respectivamente. Durante a realização deste trabalho a energia flui do sol para o espaço sideral e se produz entropia, mas o trabalho realizado nos processos na superfície da Terra pode levar a consideráveis aumentos na ordem e assim diminuir a entropia numa escala local. Além dos processos que permitem a ordenação também há processos desordenadores numa escala local.
Em termos biológicos, a fotossíntese permitindo a formação de substâncias complexas de alto peso molecular a partir de moléculas simples tais como CO2, H2O e NH3 é o melhor exemplo de processo ordenador; por outro lado, são exemplos de processos desordenadores a respiração, a oxidação da matéria orgânica do solo, a destruição de agregados do solo. A sustentabilidade da agricultura depende da manutenção de um equilíbrio entre ordem e desordem (processos que diminuem ou aumentam a entropia do agroecossistema).
Para um dado conjunto de forças, ou obstáculos, um ecossistema amadurecerá durante um período de tempo até um determinado equilíbrio dinâmico, geralmente representado por uma vegetação clímax. O solo inicialmente é um dos fatores que determinam a direção na qual o ecossistema amadurece mas ele (o solo) permanece como parte do ecossistema e é modificado durante o processo de amadurecimento.
Se o sistema é perturbado, a analogia termodinâmica sugere que os fluxos no sistema agirão no sentido de contrabalançar a perturbação e restaurar o equilíbrio dinâmico e o solo sem dúvida está envolvido neste processo. Surgem então duas questões essenciais no entendimento da sustentabilidade de agroecossistemas:
1- Quanto tempo um ecossistema leva para voltar ao equilíbrio dinâmico após uma perturbação?
2- Pode haver uma perturbação catastrófica da qual resulte a impossibilidade de o sistema voltar ao equilíbrio dinâmico?
Para a primeira pergunta a resposta é que o tempo de recuperação do estado original dependerá da magnitude da perturbação. Quanto à segunda pergunta, em teoria pode haver um tal evento – a perturbação resultando em uma condição distante demais do equilíbrio dinâmico ou a perda de um fator de um fator essencial à manutenção do potencial biológico, geralmente um ou mais atributos do solo (fauna, matéria orgânica, fertilidade natural) ou a própria perda do solo por erosão.

Sustentabilidade da agricultura no semi-árido brasileiro III

Ao se abordar agroecossistemas (os campos de cultivo considerados como unidades ecológicas) sustentáveis em climas semi-áridos não se pode ignorar a questão fundamental de como harmonizar o conceito de semi-aridez, que pressupõe variabilidade climática, com o conceito de sustentabilidade, que pressupõe estabilidade de produção. Geralmente se considera que um agroecossistema, independente de sua localização, deve possuir três qualidades: produtividade, estabilidade e sustentabilidade.
Produtividade não se resume ao potencial produtivo de plantas ou animais mas é conseqüência da interação dos componentes agrícolas, ambientais e sociais do agroecossistema. A estabilidade seria a confiabilidade do sistema (propriedade) em produzir em quantidades suficientes para a manutenção dos agricultores. Sustentabilidade por sua vez seria a manutenção de um determinado nível de produtividade quando o sistema é submetido a uma força desestabilizadora, e esse nível de produtividade deve ser mantido por um longo prazo. Assim, parece que o conceito de sustentabilidade não exclui a variabilidade (a força desestabilizadora) mas requer a habilidade do agroecossistema em manter um certo nível mínimo de produção ainda que “estressado”. Apesar de as três qualidades acima descritas serem altamente desejáveis em um sistema agrícola, podem eventualmente entrar em conflito.
Ao se considerar impactos ambientais negativos advindos de práticas agrícolas em ambientes semi-áridos é importante, além de medir e registrar a extensão da degradação ambiental, desenvolver-se e modificar-se sistemas de produção para que eles se adeqüem, mantenham e restaurem os recursos naturais do ambiente a ser trabalhado quer com agricultura quer com pecuária ou outras modalidades de exploração agrícola de forma imaginativa e inovadora alicerçando-se na pesquisa científica. É necessário avaliar quão adequadas são alternativas tecnológicas desenvolvidas em climas temperados (ainda que em condições de semi-aridez) às condições muito diferentes e adversas de climas semi-áridos tropicais.
Geralmente os pesquisadores concordam que para chegar a ser sustentável um sistema de produção agrícola introduzido em uma região deve tentar imitar da forma mais eficiente possível características do ecossistema original tais como produção de biomassa, ciclos biogeoquímicos, padrões de uso de água e nutrientes. Quando essas características ou outras do sistema de produção agrícola se distanciam muito do que acontecia no ecossistema original, surgem os problemas de insustentabilidade e deterioração ambiental.
O requisito básico e indispensável para a agricultura sustentável em áreas de caatinga parece ser o abandono definitivo de práticas de desmatamento e queimadas extensivas, passando a fixar a agricultura, isto é, explorar uma mesma área de solo por períodos prolongados, após a geração e adoção de tecnologias que o permitam.
Uma equipe de pesquisadores da Embrapa Caprinos capitaneada por J. A. Araújo Filho oferece uma proposta de manejo da caatinga que pode servir tanto para a manutenção da sustentabilidade da produção agrícola quanto ao melhoramento da produção pecuária. A caatinga arbórea nativa de valor forrageiro sofreria um rebaixamento de seu dossel (copa) para permitir o melhor aproveitamento pelos rebanhos. Um segundo passo seria o raleamento da vegetação arbóreo-arbustiva, com a retirada das espécies sem valor forrageiro, medicinal ou ambiental, o que permitiria, pela diminuição do sombreamento, uma maior contribuição do estrato herbáceo na produção de fitomassa com valor forrageiro. O enriquecimento da caatinga com espécies introduzidas, notadamente as com alto teor de proteínas e bem adaptadas às condições edafo-climáticas da região seria a terceira etapa deste sistema de manejo.

Por que os solos empobrecem (quimicamente falando)

É comum ouvir-se falar em solos férteis e solos não férteis ou quimicamente pobres quando se considera a adequabilidade de terras para agricultura. Em posts em que discuti a formação dos solos, tem-se a impressão de que os nutrientes necessários ao crescimento dos vegetais está presente nos solos desde o início, a partir do intemperismo químico das rochas. Realmente, deve haver uma boa disponibilidade de nutrientes nos solos, afinal de contas, como se sustentam as florestas e outras formas de vegetação natural? Este problema já foi parcialmente abordado no post Solo pobre, vegetação exuberante, em que falo sobre a ciclagem de nutrientes em ambientes naturais mediada pela matéria orgânica do solo. O empobrecimento químico do solo, ou seja, a perda de elementos minerais nutrientes em geral ocorre de duas formas: o empobrecimento natural pelo intemperismo químico dos solos em regiões tropicais úmidas, ou em solos agrícolas em que boa parte da biomassa produzida pelas plantas é retirada do agroecossistema. Imaginem o empobrecimento que ocorre em solos agrícolas em regiões tropicais como o Brasil. A forma mais rápida de se repor os nutrientes no solo é pela adubação, quer seja com adubos minerais, que disponibilizam os nutrientes mais rapidamente mas cujo uso continuado e excessivo pode trazer conseqüências negativas à química e à física do solo, quer com adubos orgânicos, cuja disponibilização de nutrientes é mais lenta e gradual mas tem a vantagem de aumentar o teor de matéria orgânica do solo. Porém as coisas não são tão simples. O uso de adubos minerais tem causado aumentos consideráveis de matéria orgânica nos solos, auxiliando seqüestro de carbono nos solos, principalmente os adubos nitrogenados, e o uso excessivo de adubos orgânicos, como esterco de porco por exemplo, tem causado problemas de eutroficação em corpos d’água por excesso de fósforo. A natureza não é tão simples e maniqueísta quanto fazem crer neoobscurantistas travestidos em ambientalistas.

Sobre o chão que pisamos III

Além da fração mineral (areia, silte e argila), a fração sólida do solo é composta também pela matéria orgânica. A matéria orgânica origina-se principalmente de restos mais ou menos decompostos de material vegetal que cai ao solo. O material menos decomposto, cuja origem vegetal ainda pode ser identificada a olho nu ou ao microscópio é chamada de matéria orgânica leve ou matéria orgânica não humificada. O material orgânico cuja origem já não pode ser determinada e que já foi muito finamente triturado além de ter sofrido uma série de alterações químicas é a matéria orgânica humificada ou substâncias húmicas. Os dois tipos de matéria orgânica assumem papéis importantes na manutenção da saúde do solo e do ambiente. A matéria orgânica participa da formação e estabilização da estrutura do solo, agindo como uma “cola” ou cimento que une as partículas minerais nos agregados do solo. As substâncias húmicas, por terem tamanho muito reduzido, também expõem cargas elétricas, assim como as argilas, e podem ter as mesmas funções de retenção de nutrientes minerais e de contaminantes químicos. Na verdade, em alguns solos estas funções são assumidas principalmente pela matéria orgânica. No segundo post desta série, eu disse que quando o solo está desprotegido (ausência de cobertura vegetal) propiciando a ação erosiva da água e do vento, as primeiras partículas minerais a serem perdidas são as argilas, mas antes das argilas há a perda da matéria orgânica, que é ainda mais leve, e os efeitos danosos ao solo são os mesmos ou ainda piores. De fato, um dos primeiros sinais de desertificação é a perda de matéria orgânica dos solos. A quantidade e a natureza da matéria orgânica do solo dependem do tipo de vegetação sobre este solo, que em geral é função do clima. Normalmente, quanto mais fria e úmida a região, mais ricos em matéria orgânica são os solos. Por ser constituída principalmente de carbono, a matéria orgânica do solo tem recebido atenção crescente dos pesquisadores interessados na diminuição do efeito estufa: a decomposição da matéria orgânica do solo produz CO2 e, em menores quantidades, CH4, os principais gases causadores do efeito estufa. Poucos sabem que há mais carbono nos solos do que na atmosfera ou mesmo nas florestas do mundo. Uma grande preocupação dos Cientistas do Solo tem sido o desenvolvimento de práticas agrícolas que diminuam a decomposição da matéria orgânica do solo ou até a aumentem, como é o caso do plantio direto, atualmente adotado em boa parte do Brasil. Ao contrário do que muitos catastrofistas dizem, nem toda a matéria orgânica perdida pelo solo é oxidada (se transforma em gás carbônico) podendo contribuir para o aquecimento global, uma parte da matéria orgânica é perdida quando há erosão do solo e pode ser depositada no fundo de corpos d’água ou no mar, o que não deixa de constituir um tipo de seqüestro de carbono.(Continua)

Sobre o chão que pisamos II

Além de impedir que os nutrientes minerais das plantas sejam lavados pela água, as cargas das argilas permitem que o solo aja como um filtro para o meio ambiente: quase todos os elementos e compostos químicos que chegam ao solo possuem carga elétrica e são passíveis de serem retidos pelo mesmo. Assim, é possível que uma boa parte dos agroquímicos (inseticidas, herbicidas, fungicidas e outros biocidas) fiquem retidos nos solos e não alcancem os corpos d’água (rios, lagos, represas e o mar). Vale ressaltar que quando há a erosão do solo por causa da remoção da cobertura vegetal, entre outras causas, as primeiras partículas a serem levadas embora, por serem as menores, são as argilas, o que diminui a capacidade de retenção de elementos químicos e de “filtragem” do solo, além de contribuir com o assoreamento de rios e represas, problemas tão comuns hoje no Brasil e em outros locais em que não há políticas sérias de conservação dos solos. As frações minerais mais grosseiras do solo, areia e silte, não expõem cargas elétricas em quantidade considerável. Por outro lado, a presença destas partículas mais grossas é imprescindível para que haja infiltração da água no solo, por aumentarem sua porosidade. As argilas também formam partículas de tamanhos maiores, os agregados, quando se juntam em grande número com o auxílio da matéria orgânica do solo. O conjunto dos agregados do solo em associação com os poros do solo constituem sua estrutura. A passagem excessiva de máquinas agrícolas, a diminuição dos teores de matéria orgânica e outros fatores de agressão ao solo causam destruição de sua estrutura, tornando-o compactado, o que impede não só a infiltração da água mas também o crescimento das raízes, diminuindo a produção agrícola. Por diminuir a infiltração e aumentar o escoamento superficial da água (enxurradas), a destruição da estrutura do solo aumenta também a erosão, principalmente em áreas declivosas, em que a água adquire maior energia cinética. As frações areia e silte são comumente compostas principalmente do mineral quartzo (comum nas areias de praia) e alguns outros. As argilas são compostas de minerais formados após o intemperismo das rochas, os argilominerais, e diferem principalmente de acordo com o clima da região. Em regiões secas e em regiões frias, o intemperismo é menos intenso, ocorrendo argilominerais com mais silício, como a montmorillonita. Em regiões tropicais de grande pluviosidade, os argilominerais com menos silício são mais comuns, sobressaindo a caulinita. (Continua)

Solo pobre, vegetação exuberante II

No último post eu disse que após a derrubada das matas para introdução de pastagens ou agricultura em áreas de solos relativamente pobres em termos químicos, como o que acontece em boa parte da floresta amazônica, as produções tendem a decrescer gradualmente porque a matéria orgânica do solo herdada da mata decresce gradualmente. Alguém poderia então perguntar se as culturas agrícolas não poderiam manter uma ciclagem de nutrientes pela matéria orgânica que cai ao solo, da mesma forma que acontecia com a floresta. Bem, é necessário lembrar antes de tudo que uma boa parte da matéria orgânica das culturas agrícolas é levada embora do local onde foi produzida: há sempre colheita e venda de uma parte da cultura, sejam frutos, sementes, folhas ou outra parte da planta. Mesmo no caso de pastagens, em que se poderia pensar que as perdas seriam menores, principalmente se se deixam os animais defecarem e urinarem no local da própria pastagem, não se pode esquecer que uma boa parte dos nutrientes é levada embora na carne e nos ossos dos animais. Além disso tudo, quando se remove a cobertura florestal, em geral se permite o aumento da erosão, principalmente pelas chuvas, que carrega não só parte da matéria orgânica do solo como a própria camada superficial do solo, mais rica em nutrientes. Em pastagens bem manejadas este problema não é tão grave quanto em campos de culturas agrícolas. A vegetação deve ser considerada como uma proteção ao solo: quanto mais fechada, mais o solo está protegido e menor a erosão.

Solo pobre, vegetação exuberante

Em um outro lugar escrevi que a diminuição excessiva da decomposição da matéria orgânica do solo pode ser um problema porque os nutrientes minerais retidos na mesma ficam indisponíveis às plantas, afetando a fertilidade do solo. Muitos já terão ouvido ou lido que os solos da região amazônica são quimicamente pobres. Certamente esta informação foi recebida com um certo ceticismo, afinal como uma vegetação tão exuberante quanto à da floresta amazônica pode se manter sobre um solo pouco fértil? Bem, apesar de estranho, a informação é verdadeira. Os solos se desenvolvem a partir da destruição (intemperismo) das rochas, que chamamos de material de origem. Este intemperismo é causado pela água (chuvas) que em geral são levemente ácidas devido à reação da água com o CO2 da atmosfera, formando ácido carbônico (H2O + CO2 = H2CO3). O tal H2CO3 é o ácido carbônico, que ataca as rochas, decompondo-as. Além disso, os organismos (fungos, algas, líquens, raízes de plantas) também contribuem para o intemperismo porque também produzem ácidos. Mas de toda forma, o principal agente intemperizador das rochas e formador de solos é a água (o ditado “água mole em pedra dura tanto bate até que fura” é verdadeiro e resume bem o intemperismo físico pela água). O solo é resultado não só da decomposição física (quebra em pedaços cada vez menores) da rocha, mas também da alteração química dos minerais formadores das rochas, com a formação de outros minerais típicos de solos (minerais secundários). Mas o intemperismo não pára com a formação do solo. Os solos também são intemperizados, principalmente em regiões onde chove muito, notadamente as regiões tropicais, como na Amazônia. À medida que os solos sofrem o intemperismo, eles perdem preferencialmente elementos químicos importantes para a nutrição vegetal, como cálcio, magnésio e potássio, retidos mais fracamente pelos solos. Nas regiões de alta pluviosidade (muita chuva), a grande disponibilidade de água permite que haja muito crescimento vegetal. As plantas, mesmo as que crescem em solos pobres, conseguem adquirir nutrientes, em geral produzindo raízes profundas que exploram camadas um pouco mais ricas. Com o passar do tempo, os nutrientes vão sendo retidos na matéria orgânica. Quando as plantas morrem ou quando perdem as partes que caem ao solo, o material vegetal é decomposto pelos microrganismos do solo e os elementos retidos são liberados e reabsorvidos pelas outras plantas. Assim, é possível a ocorrência de florestas exuberantes, como a Amazônica, sobrevivendo basicamente dos nutrientes retidos na matéria orgânica. Quando há a derrubada ou queima destas florestas para implantação de pastagens ou culturas agrícolas, quase toda a matéria orgânica do solo é perdida, juntamente com os nutrientes nela retidos, daí a dificuldade em se estabelecer agricultura produtiva nestas áreas e a importância da manutenção das florestas. No início da atividade agrícola, quando ainda há um resto da matéria orgânica original e os nutrientes das cinzas das matas, há boas produções, mas gradualmente esta matéria orgânica vai sendo perdida e as produções decrescem ano a ano, dependendo mais e mais de adubos.

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