Carvão como melhorador de solos

Muitos trabalhos de pesquisa recentes, brasileiros e estrangeiros, têm avaliado o uso de carvão de origem vegetal como condicionador de solos, com o objetivo de aumentar os teores de matéria orgânica e a capacidade de troca de cátions do solo, melhorar a eficiência no uso de fertilizantes, promover o crescimento de microrganismos benéficos ao crescimento vegetal, entre outras características agronomicamente desejáveis.
 
A possibilidade de se usar o carvão como condicionador de solos surgiu ao se observar que certas características químicas das Terras Pretas de Índio (TPI) amazônicas, como maiores teores de matéria orgânica do solo, nitrogênio, fósforo, cálcio e potássio, maior capacidade de retenção de nutrientes (CTC potencial), valores mais altos de pH devem-se à presença na fração orgânica destes solos de grandes quantidades de carvão (também chamado de carbono pirogênico ou, na literatura internacional, biochar), até 70 vezes mais do que nos solos adjacentes que lhes deram origem, predominantemente Latossolos, resultado da adição de material carbonizado por populações pré-colombianas ao longo de muito tempo. A existência das Terras Pretas sugere que, pelo menos teoricamente, solos de baixa fertilidade, como os Latossolos da Amazônia, podem ser transformados em solos férteis, não apenas pela adição de fontes minerais de nutrientes, mas pela adição de compostos orgânicos estáveis na forma de carvão

Um problema comum a tratamentos que utilizem materiais orgânicos como condicionadores de solo é a inevitável decomposição, razoavelmente rápida em alguns casos, tornando necessária a reaplicação periódica do material. A decomposição ou outra forma de oxidação levam à diminuição nos teores de matéria orgânica e conseqüente perda dos efeitos benéficos alcançados. Para que isso não ocorra, há duas saídas possíveis – a adição periódica de insumos orgânicos ou a aplicação de material naturalmente resistente à decomposição.
 
O carvão, quando incorporado ao solo, demonstra notável resistência à decomposição devida a características químicas intrínsecas, como a presença de grupos funcionais fenólicos, que permitem sua permanência no sistema solo por períodos relativamente longos de tempo, ao contrário de outros materiais orgânicos cuja persistência no solo depende da proteção conferida pelas partículas minerais ou pela continuidade da aplicação. As Terras Pretas Amazônicas têm mantido seus altos teores de matéria orgânica centenas e até milhares de anos após as populações pré-colombianas que lhes deram origem as terem abandonado. Por sua recalcitrância e alto teor de carbono, a aplicação de carvão ao solo tem sido considerada uma prática eficaz de seqüestro de carbono visando mitigar os efeitos da agricultura sobre as mudanças climáticas globais.

Livro “Mudanças Climáticas Globais e a Produção de Hortaliças”

Não sei se adianta muito pedir desculpas aos leitores, se ainda há algum, e aos colegas blogueiros do ScienceBlogs Brasil. Eu, assim como os outros autores do Geófagos, temos estado afastados do Geófagos por motivos eminentemente profissionais. Obviamente não posso falar pelos outros, mas em meu caso tenho sentido as consequências, enfim, de ser um pesquisador. Nos últimos seis meses tive que viajar muito, escrever e submeter propostas de projeto, conduzir experimentos… Todas tarefas completamente normais na vida de um pesquisador mas que, no meu caso, têm deixado pouco tempo para o blog. Um projeto em especial consumiu uma quantidade considerável de meu tempo e agora volto aqui exatamente para apresentar o resultado do mesmo. “Meu” primeiro livro – Mudanças Climáticas Globais e a Produção de Hortaliças.

Realmente, “meu” não é ainda o pronome mais apropriado, porque fui apenas o editor e autor de uma breve introdução, além de ter organizado o Workshop que resultou no livro, cujos capítulo são os manuscritos das excelentes palestras então proferidas. A possessividade é reflexo apenas das longas horas passadas trabalhando sobre os originais, adaptando-os ao formato de livro, buscando laboriosamente os equívocos, ainda bem que escassos, sem dúvida pela inegável “expertise” dos autores.

Enfim, eis aí o resultado. Espero sinceramente que venha a ser útil para os envolvidos na área. É ainda uma primeira aproximação ao assunto, as influências das mudanças climáticas sobre a produção e a qualidade de hortaliças, mas creio que pode ser um início auspicioso, principalmente se vier a estimular mais interesse e pesquisas sobre o assunto. Para estimular o interesse, listo abaixo os capítulos do livro:

Mudanças climáticas e agricultura: Uma abordagem agroclimatológica
Autor: Eduardo Delgado Assad et al.

Uma análise do efeito do aquecimento global na produção de batata no Brasil
Autor: Carlos Alberto Lopes et al.

Como as mudanças climáticas poderão afetar as doenças das hortaliças?
Autor: Raquel Ghini

Impactos do aquecimento global nas doenças de tomateiro e meloeiro no Brasil
Autor: Ricardo Gioria et al.

Potential impacts of climate changes on the quality of fruits and vegetables
Autor: Celso Luiz Moretti et al.

The Role of Florida Cooperative Extension Services in the Climate Challenge
Autor: Clyde Fraisse

Medidas para mitigar os efeitos das mudanças climáticas na produção de hortaliças
Autor: Adonai Gimenez Calbo et al.

Para finalizar, devo muito à equipe de colegas que colaboraram tanto na organização do Workshop quanto do livro e, principalmente, aos autores por prepararem materiais de tão alta qualidade. O livro pode ser adquirido a partir do site da Embrapa Hortaliças, pelo SAC (sac@cnph.embrapa.br) ou pelo telefone (61)-3385-9115.

Resolução CONAMA 420/2009

Há muito venho criticando a forma como o compartimento ambiental solo é tratado pelos órgãos responsáveis pela área ambiental não só no Brasil, mas no mundo. Minhas críticas até então vinham sendo conduzidas, principalmente, frente à falta de políticas públicas visando planejamento, conservação e até mesmo preservação desse recurso, tão importante não só como meio de cultivo de alimentos e meio de sustentação de obras, mas também como parte do ciclo hidrológico e de outros ciclos tão importantes para a manutenção da qualidade de vida e da própria existência de vida no planeta, como o do carbono, do nitrogênio, do fósforo, do enxofre, etc…
Bem, mas não é o caso de “teorizar” sobre a importância ambiental do solo. Pelo menos não nesse post. Muito menos é caso de criticar. Estou hoje aqui para elogiar e corrigir o título do meu último post, “Mais um ano de fiascos”. Confesso que até a escrita desse último eu não tinha conhecimento a respeito da publicação da resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) de número 420. Ela foi publicada no dia 28 de Dezembro de 2009 e “dispõe sobre os critérios e valores orientadores de qualidade do solo quanto à presença de substâncias químicas e estabelece diretrizes para o gerenciamento ambiental de áreas contaminadas por essas substâncias em decorrência de atividades antrópicas“. Tal resolução mostra que o ano, apesar de muitos fiascos, não foi somente deles.
Críticas à parte, a resolução é um avanço sem tamanho para o reconhecimento da ciência do solo como, também, parte das ciências ambientais no Brasil. Bem ou mal é uma primeira tentativa oficial e nacional de propor efetivamente dados para consulta sobre degradação química de solos e suas consequências. O passo mais difícil foi dado. A partir de agora é aperfeiçoá-la e fazer com que ela, cada vez mais, se aproxime da realidade.
A resolução pode ser vista e obtida através do endereço eletrônico http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=620.
Até a próxima…

Bactérias que promovem o crescimento de plantas

A Agronomia é muito mais do que simplesmente adubar e aplicar agrotóxicos, como querem alguns muito mal informados. Minha visão da ciência agronômica está muito mais para uma Ecologia Aplicada ou uma Eco-engenharia, o que não impede, obviamente, que certos profissionais manchem a profissão em prol de interesses imediatistas. Mas quero falar mesmo é da beleza oculta da verdadeira Agronomia e, para isso, sirvo-me de um artigo recentemente publicado na Scientia Horticulturae, periódico da editora Elsevier, intitulado “Effects of plant growth promoting bacteria (PGPB) on yield, growth and nutrient contents of organically grown strawberry“.
Neste trabalho, realizado na Turquia com morango produzido sob sistema de agricultura orgânica, Esitken e colaboradores (2010) observaram que a aplicação, nas folhas e/ou nas raízes, de bactérias promotoras do crescimento vegetal (Plant Growth Promoting Bacteria) durante 3 anos de safras estimulou tanto o crescimento das plantas quanto a produtividade da cultura. Os pesquisadores usaram estirpes de bactérias dos gêneros Pseudomonas e Bacillus.
Em relação ao tratamento que não recebeu a aplicação de bactérias, houve um aumento estatisticamente significativo no número de frutos pela aplicação de vários tratamentos contendo as bactérias. Além disso, os conteúdos dos nutrientes minerais fósforo e zinco foram maiores nas folhas das plantas tratadas, indicando que elas estavam mais bem nutridas. Além do efeito nas plantas, os tratamentos contendo bactérias parecem ter proporcionado aumento na disponibilidade de fósforo no solo, embora eu ache que esse possa ter sido um efeito indireto pelo estímulo a maior produção de ácidos orgânicos pelas plantas.
É um bonito exemplo do uso agronômico de microrganismos que ocorrem naturalmente no solo, mas em quantidades normalmente muito pequenas, como um “biofertilizante”. Mas o que e quais são estas “bactérias promotoras do crescimento vegetal”? São espécies de bactérias normalmente associadas ao solo em torno das raízes (rizosfera), mais rico em compostos orgânicos, e que por uma série de mecanismos, beneficiam as espécies vegetais, agrícolas ou não, em termos de crescimento e produção.
Os efeitos benéficos das bactérias em questão são comumente imputados à produção de certas substâncias, liberadas por este organismo no ambiente que circunda as raízes, a já referida rizosfera. Estas substâncias podem ser hormônios que estimulam o crescimento vegetal, como auxinas, citocininas, giberelinas; compostos que aumentem a solubilidade e disponibilidade de formas inorgânicas do nutriente fósforo, como ácidos orgânicos de baixo peso molecular, ou que facilitem a mineralização/disponibilização de formas orgânicas de vários outros nutrientes.
Boa parte da ação estimuladora das bactérias promotoras do crescimento vegetal é conseguida através da ação antagonista contra microrganismos fitopatogênicos (que causam doenças em plantas), quer seja pela liberação de enzimas, quer pela produção de substâncias antibióticas ou fungicidas; ou ainda pela competição por recursos (alimento). Acredito que certos solos tidos como naturalmente produtivos, como as Terras Pretas de Índio, devem sua fama em parte também a fatores que estimulam o crescimento deste grupo de bactérias.

Na Amazônia, pela primeira vez

Isso mesmo, estou na Amazônia pela primeira vez. Bem, não exatamente no meio da floresta – estou em Manaus. Cheguei hoje à tarde e meu organismo aos poucos se recupera do cansaço e do fato de estar aparentemente duas horas atrasados. Meu dia hoje durará exatamente 26 horas. Por enquanto ainda não vi nada que possa classificar como tipicamente amazônico, apenas suei algo como o volume de água que consumo em dois dias, provavelmente.
Terça feira devo atravessar um trecho do Rio Negro em direção a Iranduba, onde há um polo de produção de hortaliças sob cultivo protegido. Alguem talvez se pergunte o porquê de se utilizar ambiente protegido aqui – basicamente para aproveitas o “efeito guarda chuva”, as estufas costumam ficar abertas dos lados, permitindo a circulação do ar e evitando as temperaturas excessivamente altas.
Estou aqui para dar um curso. Vim falar sobre manejo de solos, cultivo protegido e fertirrigação, em ordem decrescente de domínio do assunto. Os alunos serão principalmente agrônomos extensionistas, dos mais variados locais do estado do Amazonas. Acho que será uma experiência muito interessante.

Mudanças climáticas, produção agrícola e qualidade de hortaliças – Blog Action Day

As mudanças climáticas, em decorrência do aumento na concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera, devem afetar a agricultura de várias e possivelmente imprevisíveis maneiras. Mudanças nos valores de temperatura média e na distribuição de chuvas podem mesmo já estar influenciando padrões de localização regional de certas espécies cultivadas.
Como a fotossíntese depende tanto da interceptação da luz quanto da absorção de dióxido de carbono, alguns pesquisadores hipotetizam que o aumento da concentração de CO2 atmosférico poderia causar aumento na produção de algumas espécies agrícolas, principalmente aquelas que utilizam a rota fotossintética C3, embora o aumento concomitante de temperatura possa ser danoso a estas mesmas espécies.
Além da migração dos cultivos, há evidências convincentes de que a qualidade da matéria orgânica vegetal produzida em um mundo sob maiores concentrações de CO2 atmosférico também mudaria. A maior disponibilidade de dióxido de carbono para a fotossíntese poderia favorecer a produção de compostos ricos em carbono, tais como lignina e polifenóis. Teores mais altos de lignina provavelmente afetariam de alguma forma a palatabilidade do material vegetal.
Pelo que se tem pesquisado, em climas tropicais o que se prevê são aumentos de temperatura e da freqüência de chuvas torrenciais, ambos aspectos que devem afetar diretamente a qualidade de hortaliças As conseqüências disto para a produção de hortaliças, por exemplo, em que a qualidade do produto importa tanto ou mais que a quantidade produzida, seriam enormes. Afetados seriam também a susceptibilidade a pragas e doenças, qualidade pós-colheita, o valor nutricional das hortaliças.
Apesar da existência de informações acerca dos possíveis efeitos das mudanças climáticas globais sobre a produção de hortaliças, muito do conhecimento gerado está ainda disperso e não coordenado, dificultando uma visão de conjunto que possibilitasse o planejamento não apenas de demandas de pesquisa ainda não atendidas, mas até mesmo de medidas futuras visando a segurança alimentar nacional em termos de produção de hortaliças.

Efeitos das mudanças climáticas na produção de hortaliças

Com o apoio do Fundo de Amparo à Pesquisa do Distrito Federal – FAP/DF, a Embrapa Hortaliças vai estimular as discussões a respeito da necessidade de a pesquisa em hortaliças incluir a perspectiva do aquecimento global. Com esse objetivo, a Unidade promove no dia 20 de novembro o workshop “Efeitos das Mudanças Climáticas na Produção de Hortaliças“, que discutirá os desafios que as mudanças globais vão impor a este segmento da pesquisa agrícola.
Para o pesquisador Ítalo Guedes, um dos coordenadores do workshop, embora já existam pesquisas relacionadas ao assunto, as informações ainda estão um pouco esparsas. Segundo ele, a expectativa é que o evento possa auxiliar os pesquisadores, e outros envolvidos na pesquisa e produção de hortaliças, a terem uma visão mais completa sobre o que tem sido feito e o que ainda está por fazer. “Falta uma concepção mais clara sobre isso, e a ideia de promover uma discussão em torno da questão de como as mudanças climáticas afetam, ou poderão afetar, a produção de hortaliças pode ajudar os nossos pesquisadores a desenvolverem os seus projetos de pesquisa dentro dessa nova realidade”, associa Ítalo.
Ele evoca o fato de a agricultura ser altamente dependente dos fatores climáticos, o que a torna bastante vulnerável à mudança global do clima, além de poder atuar também como provedora de gases que provocam o efeito estufa. Por outro lado, a adoção de práticas agrícolas sustentáveis, como o plantio direto, práticas agroecológicas, rotação de culturas, manejo racional da adubação e da irrigação, entre outras, podem não apenas diminuir a emissão de gases de efeito estufa, mas também fazer com que a agricultura sequestre carbono, mitigando os efeitos das mudanças climáticas globais. Ítalo informa que esses serão alguns dos tópicos que vão compor a pauta de discussões durante o workshop, que “vai chamar a atenção e visualizar os pontos mais vulneráveis na produção de hortaliças”.
Têm presença confirmada no evento os pesquisadores Eduardo Assad, da Embrapa Informática Agropecuária (Campinas-SP), que coordenou nacionalmente, de 1993 a 2007, o Zoneamento Agrícola de Riscos Climáticos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), e Clyde Fraisse, da Universidade da Flórida e integrante do grupo de pesquisa que estuda os impactos das mudanças climáticas na produção agrícola naquela região dos Estados Unidos.
Durante o encontro, qualificado pelo pesquisador como “uma semente para futuras discussões”, a perspectiva é incluir na pauta da produção de hortaliças essa preocupação, que já ganhou espaço quando se refere às grandes culturas. No Brasil, principalmente. “Nos Estados Unidos e na Europa, a produção agrícola e seus efeitos nas alterações climáticas vêm sendo discutidos desde a década de 90, enquanto que entre nós os debates ainda são pontuais”. Na sua avaliação, quer seja em outros países, quer seja no Brasil, as mudanças, em maior ou menor grau, talvez sejam inevitáveis, e é fundamental que a Embrapa participe – e até mesmo incentive – de toda discussão em relação aos efeitos das alterações climáticas sobre qualquer setor da produção agrícola.
Vez das hortaliças
Articulador do workshop, o chefe-geral e pesquisador da Embrapa Hortaliças, Celso Moretti, lembrou que o evento enquadra-se no rol de atividades propostas no seu plano de trabalho, explicitado quando da escolha para a chefia da Unidade, em 2008. “A primeira dessas ações previa justamente a expansão da base tecnológica e o avanço na fronteira do conhecimento, e as mudanças climáticas, com as decorrentes discussões e estratégias, se inserem neste contexto”, observou. Na sua opinião, o Brasil não tem sido omisso nesta questão, apesar das queimadas e dos desmatamentos que permanecem na ordem do dia: os esforços direcionados à produção de combustível não fóssil são exemplos das contrapartidas do País, frente às medidas que estão sendo discutidas no mundo inteiro para minimizar/neutralizar os efeitos das mudanças climáticas. Segundo ele, a agricultura encontra-se no meio dessa guerrilha, mas até certo ponto. “Existem iniciativas nessa área, porém o foco maior tem sido direcionado às grandes culturas – soja, café, cana-de-açúcar, entre outras -, e como elas podem afetar e serem afetadas pelas alterações do clima”, exemplifica. Moretti defende a ampliação dessas discussões, tendo em vista a produção de alimentos de uma maneira geral. Sem excluir as hortaliças, naturalmente. “Os riscos do aquecimento global à produção de hortaliças podem até ser maiores do que para outros alimentos, guardadas as devidas proporções”, sustenta o pesquisador, para quem esta será a pedra de toque do workshop.
Informações sobre o evento: workshop2009@cnph.embrapa.br
Anelise Macêdo – MTb 2749/DF
Assessoria de Imprensa
Área de Comunicação e Negócios (ACN)
Embrapa Hortaliças

Que a terra mostre meus erros

Alguns fiéis leitores do Geófagos, além de fiéis comentadores são quase colaboradores permanentes. O Sr. Manuel, um agrônomo português que sempre nos honra com relevantes comentários, narrou há pouco um caso interessante ocorrido certamente durante sua atuação profissional: uma generalizada deficiência do micronutriente maganês em videiras de certa região portuguesa em solos em que a falta deste nutriente não seria esperada.
Coincidentemente, durante o curto período em que trabalhei em uma empresa de adubos no interior de Minas Gerais, observei, em um pomar de laranjeiras, o claro sintoma foliar de falta de ferro, um outro micronutriente metálico, em um solo em que talvez fosse mais lógico encontrar excesso de ferro. Apesar da distância geográfica, das diferenças entre espécies e solos, em ambos os casos o agente causador da falta dos dois micronutrientes nestas folhas foi o mesmo: o calcário.

Sintoma de deficiência de manganês em planta ornamental:

Manganês.jpg

Sintoma de deficiência de ferro em cafeeiro:

Ferro.jpg
Alguem mais atento aos fatos da agricultura estranhará o que disse, afinal o calcário não é em geral utilizado como um melhorador das condições químicas do solo? Verdade, mas como afirma o dito popular, até os remédios podem ser venenos, dependendo da dose. O calcário, majoritariamente composto de carbonato de cálcio (CaCO3) é largamente utilizado em solos ácidos de regiões tropicais para corrigir a acidez e, principalmente, tornar indisponível o íon alumínio (Al3+), extremamente tóxico à maioria das plantas e muito solúvel sob condições de baixo pH, como nos Latossolos dos Cerrados. Basicamente, a reação que leva à correção da acidez do solo é a seguinte:
CaCO3 + H2O = Ca2+ + HCO3 + OH-
O íon OH-, hidroxila, além de reagir com os íons H+, diminuindo a acidez, reagem também com o alumínio, da seguinte forma:
Al3+ + 3OH- = Al(OH)3
O hidróxido de alumínio (Al(OH)3) é bastante insolúvel, ficando o alumínio assim numa forma pouco disponível para as plantas, anulando seu efeito tóxico. Mas as hidroxilas não são seletivas, não reagem apenas com o alumínio – podem reagir também com outros cátions metálicos que não são tóxicos ou até mesmo com nutrientes:
Fe3+ + 3OH- = Fe(OH)3
Mn2+ + 4OH- = MnO2 + 2H2O + 2e-
Tanto o hidróxido de ferro quanto o óxido de manganês são insolúveis, tornando estes dois nutrientes indisponíveis às plantas e causando os sintomas de deficiência. Isto é comum em plantios onde a calagem (aplicação agrícola do calcário) é feita de forma incorreta, em excesso, em geral porque não se faz a análise química do solo para a correta recomendação da calagem. Foi exatamente isso o que ocorreu no pomar de laranjeiras ao qual me referi acima: um agrônomo inexperiente ou descuidado recomendou a aplicação de calcário “no olho”, por adivinhação, e recomendou em excesso. O pH do solo subiu demais e o micronutriente ferro ficou indisponível às plantas, na forma insolúvel de hidróxido de ferro.
No caso das videiras do senhor Manuel, apesar de o calcário também ter sido o “culpado”, a história foi um tanto diferente e curiosa. Dou a palavra ao agrônomo português:
“O solo,aparentemente,tinha,porém,manganésio para dar e vender,assim se pode dizer. Só que estava muito pouco disponível. Coisas que acontecem quando sucedem outras coisas. E o que tinha acontecido? Anos atrás, as estradas eram de macadame calcário. A passagem de carros e carretas levantava nuvens de poeira calcária,que o vento dominante se encarregava de ir depositando,sobretudo, numa das bermas. E calcário a mais faz das suas e,neste caso particular,levou o manganésio a um estado muito menos solúvel.”
Como se costuma dizer nas escolas de agronomia, os médicos têm uma clara vantagem sobre os agrônomos: seus erros são encobertos pela terra. Os erros dos agrônomos, a terra mostra.

Enquanto como uma maçã

Há dias em que me torno ainda mais introvertido e contemplativo que o normal. Por gostar muito de ciência, por trabalhar como pesquisador, em geral meus devaneios dizem respeito ao lado científico dos mais mundanos eventos. Por recomendação médica, reduzi drasticamente meu consumo de doces e massas, de maneira que tenho aumentado o consumo de frutas em meus lanches ao longo do dia. Hoje, enquanto saboreava uma maçã, surpreendi-me considerando todo o trabalho agronômico provavelmente dispendido na produção daquela única fruta.
O devaneio científico começou ao observar umas pequenas rachaduras meio ressecadas, pouco visíveis ao olho não treinado, junto à depressão em que se insere a haste, no topo do fruto. Uma leve deficiência de boro, talvez, ou falta de água durante o crescimento do fruto, talvez ambos os problemas, talvez nenhum destes. Alguns frutos podem vir a ficar mal formados se houver problemas de polinização, por alguma razão.
A variedade de maçã que prefiro, do grupo Fuji, parece-me ser bastante doce. Imagino o árduo trabalho de seleção e melhoramento ao longo dos anos levando quem sabe a maiores taxas de fotossíntese ou, mais certamente, a uma maior alocação de açúcares para os frutos em detrimento de outras partes das plantas, estratégia comuníssima no melhoramento de quase todas as plantas cultivadas durante a história da agricultura.
Em minha infância sertaneja, poucos frutos eram tão inacessíveis quanto a maçã – distante e exótica, além de cara. Não há como não pensar no trabalho quase épico dos agrônomos responsáveis pela aclimatação desta cultura às condições brasileiras, as mudanças em termos de necessidades de temperatura, fotoperíodo, condições de solo, trabalho grandemente desconhecido. Aliás, este tipo de aclimatação, no Brasil, não é comum à macieira: uva, soja, trigo, espécies milenarmente cultivadas sob condições temperadas, transplantadas a condições subtropicais ou tropicais, não por meio de mágica ou milagre, mas pelo trabalho dedicado e árduo de agrônomos e agricultores brasileiros.
Tudo isso enquanto comia uma maçã.

Sustentabilidade, adubos e bosta urbana

No filme Waterworld, com o ator americano Kevin Costner como protagonista, a maior parte das terras emersas desapareceu (possivelmente por descongelamento de geleiras polares em uma Terra mais quente) a ausência de terras agricultáveis força os humanos a reciclarem seus mortos visando a reutilização dos nutrientes neles armazenados. Embora não ache a idéia de modo algum absurda, não creio que precisemos de atitudes como esta tão cedo.
Penso, no entanto, que a humanidade se defrontará com desafios semelhantes em um futuro próximo e soluções inovadoras serão necessárias. Para produzir alimentos para uma população crescente e manter os preços destes alimentos em níveis acessíveis, tem sido necessário fazer agricultura em grande escala. Para se conseguir produzir grandes quantidades de alimentos de origem vegetal a preços razoavelmente acessíveis, uma tarefa na verdade difícil, os agricultores tem feito uso de métodos que homogeneizem ao máximo os campos agrícolas, tornando o ambiente físico e químico o mais apropriado possível para que as espécies cultivadas expressem todo ou quase todo potencial genético. Entre outras técnicas, a adubação usando-se fertilizantes químicos de alta solubilidade se tornou o método mais usual de se disponibilizar nutrientes em quantidades adequadas aos cultivos.
Os adubos, ou fertilizantes, garantem a nutrição mineral das plantas cultivadas e a necessidade de seu uso advém do fato de que os solos possuem um estoque finito de nutrientes minerais. Uma vez exauridos estes estoques, faz-se necessária a aplicação de fertilizantes concentrados para a manutenção da produção agrícola. Os nutrientes minerais são absorvidos pelas raízes e então distribuídos para as várias partes do corpo da planta. Quando se colhe uma cultura agrícola, embora alguma parte da vegetação possa permanecer no campo de cultivo, e o ideal é que permaneça, devolvendo ao solo parte dos nutrientes absorvidos, através da decomposição do material orgânico, uma fração considerável, e em alguns casos majoritária, é retirada da área de cultivo e os nutrientes nestes produtos são irreversivelmente “exportados”.
O fato de estes nutrientes exportados não serem recuperados para as terras produtoras é uma das causas maiores da necessidade do uso de fertilizantes. Mas qual o problema de se usar adubos? Alguém mais ou menos familiarizado com o assunto pensaria logo na poluição das águas subterrâneas e estaria certo. Este problema, porém, pode ser contornado ou resolvido pela adoção de práticas adequadas de manejo da adubação. O grande problema é que as fontes de adubo são finitas e estão escasseando rapidamente. O cloreto de potássio, por exemplo, maior fonte de adubos potássicos, vem de depósitos minerais de evaporitos em países como China e Rússia, embora também haja alguma coisa no Brasil. As principais fontes de rocha fosfatada estão no norte da África e já se exaurem. Mesmo a uréia, produzida a partir do nitrogênio atmosférico, depende do petróleo para sua fabricação.
Utilizando uma frase querida aos eco-catastrofistas, este modelo é claramente insustentável. E quais as soluções para isso? Apesar de ver grande potencial na utilização de práticas como a rotação de culturas, o uso de adubos verdes, a agricultura de precisão, as técnicas de produção integrada, o plantio direto, a agricultura orgânica, acho que as alternativas do tipo Waterworld podem vir a ter algum papel no futuro.
Adotando um tom ironicamente profético, acredito que chegará um tempo, e não está longe, em que serão necessários cálculos para se retornar os nutrientes exportados aos campos de cultivo, talvez na forma de fezes tratadas e desidratadas ou, melhor ainda, compostadas, com ou sem calcário, uso de biossólidos (lodos de esgoto urbano e industrial) e outras. Quase toda a cenoura produzida na pequena cidade mineira de Rio Paranaíba, por exemplo, é vendida em São Paulo ou na distante Fortaleza. Dentro das cenouras vão preciosos nutrientes que jamais verão os solos de Rio Paranaíba novamente. Isto não pode continuar desta forma, definitivamente, não há sustentabilidade neste modelo. Se os moradores das grandes cidades, preocupados com o meio ambiente, confortáveis em encontrar um bode expiatório para a degradação no mundo, querem contribuir para uma agricultura sustentável, que nos devolvam a bosta! É necessário começar a pensar, ousadamente.

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