O solo de cá não é o mesmo de lá
Tenho me referido aqui muitas vezes ao solo como uma entidade não individualizada e às vezes mencionei solos como se houvesse vários. E realmente há. Se alguém me lê atenta e periodicamente terá notado que em algumas circunstâncias deixei entender (ou pretendi) que há solos diferentes em regiões de climas diferentes. Mas não só. Na verdade poderá haver solos diferentes dentro de uma mesma região climática, afinal de contas o clima não é o único fator que influencia a formação dos solos. Os pedólogos, que são os cientistas que estudam os fatores ambientais que formam os solos e principalmente os diferentes tipos de solos formados, majoritariamente acreditam que o modelo que mais didaticamente explica a variedade dos vários tipos de solo existentes é o modelo conhecido como clorpt, que é na verdade uma forma simplificada de expressar a função s=f(cl, o, r, p, t), que quer dizer que um solo qualquer é função da associação dos fatores clima (cl), organismos (o), relevo (r), material de origem (p) e do tempo (t). Obviamente, em uma pequena distância esses fatores podem variar muito possibilitando a formação de solos distintos em espaço de algumas dezenas de metros. Mas como reconhecer se um solo é diferente de outro? A primeira coisa que um pedólogo faz é observar as camadas mais ou menos horizontais (paralelas à superfície) que compõem um solo, chamadas de horizontes, que geralmente possuem propriedades físicas e químicas próprias de cada classe de solo. Existem, para a maioria dos solos, horizontes chave que indicam de forma razoavelmente clara qual classe determinado solo pertence: são chamados de horizontes diagnósticos; muitas vezes as características necessárias para a identificação preliminar de um solo podem ser visualizadas no campo, sem necessidade de equipamentos especiais, entretanto a identificação completa só é possível depois de uma série de análises físicas, químicas, mineralógicas e biológicas que só podem ser realizadas em laboratórios. Existem vários sistemas de classificação de solos no mundo, o mais abrangente é o americano (Soil Taxonomy) , mas o Brasil tem feito um excelente trabalho no levantamento e na classificação dos solos do território nacional e o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos, coordenado pela Embrapa mas com a participação imprescindível de pedólogos de várias universidades e outras instituições de pesquisa, está já em sua segunda edição (publicada em 2006, a primeira edição é de 1999). (Continua)
O solo é um recurso natural renovável?
Um amigo recentemente me questionou, a partir de algo que escrevi aqui no Geófagos, se o solo pode realmente ser considerado um recurso natural renovável. Sua dúvida se referia ao tempo, geralmente muito longo, necessário para que um solo se forme. Primeiramente, creio que cabe aqui uma definição do que é recurso natural renovável. Segundo a enciclopédia eletrônica Wikipedia : “A renewable resource is any natural resource that is depleted at a rate slower than the rate at which it regenerates. A resource must have a way of regenerating itself in order to qualify as renewable”, numa tradução livre “Recurso renovável é qualquer recurso natural cuja exaustão (depleção) ocorre em uma taxa menor do que a de regeneração. O recurso deve ter a capacidade de regenerar-se para ser qualificado de renovável”. A mesma enciclopédia define recurso não renovável como “A non-renewable resource is a natural resource that cannot be re-made or re-grown” ou seja “é um recurso natural que não pode ser refeito ou recriado”, o que não é o caso do solo. Considerando o caso da água, por exemplo, normalmente considerada como um recurso renovável, creio que é consenso que a exploração excessiva em alguns locais está levando este recurso a ser não renovável, pelo menos nas taxas naturais atuais. O problema com estas definições, e com o entendimento do que é a renovação dos recursos naturais, é que a variável representada pela exploração humana é tanto imprevisível quanto em geral muito distante do que ocorre naturalmente com os recursos em equilíbrio. Tentarei me explicar mais claramente: consideremos o recurso natural peixe em equilíbrio com um predador natural, por exemplo o tubarão, obviamente do ponto de vista do tubarão o peixe é um recurso natural renovável. Agora ponhamos como predador a frota pesqueira japonesa, que pode exaurir de tal forma a população de uma determinada espécie podendo inclusive extingui-la, claramente o recurso poderá deixar de ser regenerável. No caso do solo, naturalmente a taxa de formação de solos é maior do que a taxa de exaustão (representada pela erosão) na maior parte dos ambientes que conheço; mesmo com a entrada do homem no sistema, o aumento das taxas de erosão poderiam ser equilibradas se mantidas no máximo iguais às taxas de formação. Nestes casos, penso que o solo é um recurso natural renovável. Em áreas em que a atividade humana é exercida de forma irracional as taxas de erosão têm se tornado maior do que as taxas de formação do solo, levando a grandes catástrofes ambientais e até a extinção de civilizações: o que se deve ter em mente é que a formação dos solos é um processo muito lento (mesmo em regiões tropicais úmidas, onde as taxas de intemperismo são maiores), alguns poucos centímetros de solo podem levar milhares de anos para se formar, mas podem ser perdidos em alumas dezenas de anos ou menos. Respondendo à pergunta do título, eu diria que se o homem não agir como uma infecção suicida, como vem fazendo até agora, o solo é um recurso natural renovável, mas a continuar promovendo práticas que aumentam a erosão (eliminação da cobertura do solo, aceleração da decomposição da matéria orgânica, uso de solos impróprios para práticas agropecuárias ou florestais, coivaras etc.) teremos que aprender a plantar em cima de pedras.
Papel da matéria orgânica no solo II
As plantas e os microrganismos do solo exercem um papel preponderante sobre a quantidade e a qualidade da matéria orgânica do solo. É bom que fique claro que qualidade se refere mais às quantidades de determinados elementos ou substâncias ou à possibilidade de os microrganismos a decomporem. Naturalmente, qualquer material orgânico extremamente tóxico aos microrganismos será considerado de má qualidade.
O maior controle pelas plantas, creio eu, é exercido sobre a qualidade da matéria orgânica do solo, já que esta é influenciada pela composição dos tecidos vegetais. Explico-me: determinadas plantas contêm teores altos de substâncias fenólicas solúveis ou de lignina, que também é um composto fenólico, de forma que o material orgânico que chegará ao solo será rico em fenóis, o que dificultará a ação decompositora dos microrganismos porque aquelas substância são tóxicas para os mesmos. Claro, isto também terá reflexo na quantidade da matéria orgânica do solo, já que o material de difícil decomposição se acumulará no solo. Além dos compostos fenólicos, a celulose também é de difícil decomposição, mas nem tanto. O tipo e a idade das plantas também influenciam quantidade e qualidade, plantas herbáceas (ervas) e plantas jovens são normalmente mais pobres em lignina e celulose, além de mais “ricas” em nutrientes, produzindo uma matéria orgânica de boa qualidade para os microrganismos, ou seja, de fácil decomposição, em compensação, quanto mais fácil a decomposição do material orgânico que chega ao solo, menor sua acumulação e menores teores de matéria orgânica no solo. Claramente, o ideal é que haja uma mistura de plantas com diferentes qualidades de material orgânico. É por isso que quando se quer recuperar uma área degradada se fazem misturas de leguminosas (fácil decomposição) e gramíneas (difícil decomposição) por exemplo, ou de plantas herbáceas e arbóreas. A quantidade de matéria orgânica no solo também dependerá da quantidade de biomassa produzida pelas plantas, obviamente. O uso do termo carbono orgânico se deve ao fato de as metodologias para determinação da matéria orgânica do solo determinarem na verdade o teor de carbono que só então é convertido para matéria orgânica utilizando-se um fator numérico correspondente ao percentual teórico de carbono naquele material. O uso deste termo é interessante quando se quer diferenciar do carbono inorgânico do solo, representado pelos carbonatos.
Plantas que produzem minerais e solos
Os solos, quando não são transportados (ou seja, erodidos em um local e depositado em outro), se formam a partir das rochas locais e herdam boa parte da composição química destas rochas (herança geoquímica). Alguns pesquisadores encontraram há algum tempo na Amazônia alguns exemplares de uma classe de solo conhecida como Latossolos que não apresentavam evidência de transporte mas cujas características não batiam com a rocha que estava por baixo dele. Resumidamente, estes solos se encontravam sobre um material conhecido como bauxita, que é um minério de alumínio formado quase exclusivamente de gibbsita (Al(OH)3). Claro que há impurezas químicas nestes materiais, mas em quantidades pequenas. O que se esperaria do solo formado sobre este materia é que fosse basicamente formado de minerais de alumínio. Entretanto, o solo contém teores razoavelmente altos de caulinita, o qual é um mineral de argila rico em silício. Obviamente, a rocha sob a bauxita contém silício, mas o solo não poderia ter se formado diretamente a partir da mesma, porque a bauxita estava no meio. Pois bem, os pesquisadores, capitaneados pelo francês Yves Lucas, descobriram que a inesperada caulinita, rica em silício, formava-se a partir de pequenos cristais de silício, chamados de fitólitos, formados pelas plantas da floresta! Quando as folhas das plantas, especialmente ricas em fitólitos, caíam ao chão, os cristais de silício se dissolviam aos poucos e mudavam a química do solo de tal forma que havia a possibilidade de formação da caulinita. O silício, surpreendentemente, não é comprovadamente um nutriente essencial para todas as plantas, apesar de ser o segundo elemento mais presente nos solos, depois do oxigênio, e de um grande número de espécies vegetais o absorverem em quantidades muitas vezes maiores do que as de elementos nutrientes comprovados. Depois que as plantas absorvem o silício, há a formação dos minúsculos cristais tanto ao redor quanto dentro de uma série de células. A composição destes fitólitos é praticamente igual à composição do quartzo, principal mineral encontrado nas areias (SiO2), a única diferença é que os fitólitos contêm também água em sua composição (SiO2.H2O). As principais plantas formadoras de fitólitos pertencem à família das gramíneas, como arroz e cana de açúcar. Aparentemente a principal função destes biominerais nas plantas é o enrigecimento dos tecidos vegetais, protegendo-os contra o ataque de herbívoros e fungos ao mesmo tempo que melhora a captura dos raios solares para o processo de fotossíntese.
O solo não é uma lata de lixo
Tenho mencionado diversas vezes neste blog o papel de “filtro” exercido pelo solo, principalmente devido à presença de cargas elétricas nas argilas e na matéria orgânica do solo. Como já foi dito, estas cargas têm o potencial não só de reter os elementos químicos que servem de nutrientes para as plantas, mas também de reter poluentes orgânicos e inorgânicos, impedindo-os de chegar aos corpos d’água. Só agora, no entanto, vejo que alguns desavisados podem considerar a possibilidade de descartar todo tipo de poluente no solo esperando que de alguma forma o ambiente fique instantaneamente limpo. As coisas não são bem assim. Primeiramente, nem tudo que tem carga é retido pelas argilas e pela matéria orgânica, doutra forma o mar não receberia a imensa carga de elementos químicos provenientes do intemperismo químico nos continentes (não seria nem mesmo tão salgado). Segundo, mesmo os elementos e compostos que são retidos pelas cargas do solo não o são irreversivelmente, na verdade, existe algo como uma competição pelas cargas elétricas dos solos e alguns elementos ou substâncias são mais “competitivos” que outros. Em terceiro lugar, a capacidade descontaminadora do solo é finita, a partir de um certo ponto as funções, a própria saúde do solo fica comprometida e seu papel de filtro pode ser irreversivelmente perdido. O solo tem um funcionamento muito parecido com o de um ser vivo: ele consegue lidar com os males principalmente se estiver saudável. A saúde ou qualidade de um solo em geral está relacionada a teores adequados de matéria orgânica, boa estrutura (agregados mais poros), cobertura vegetal impedindo a erosão, biodiversidade, principalmente no que se refere aos microrganismos do solo e alguns outros fatores. Um solo não pode ser simplesmente usado, para qualquer que seja o fim, ele deve ser manejado, de preferência bem manejado. Da mesma forma que a água, ele é um recurso natural renovável, mas a renovação de um solo é muito lenta, um centímetro de solo pode levar mil anos ou mais para ser formado. Definitivamente, este recurso natural não pode ser tratado como uma simples lata de lixo.
Papel da matéria orgânica no solo
As causas das perdas de solos são variadas, vão do uso de práticas agrícolas inadequadas à mineração, do desmatamento ao excesso de pastoreio e não cessam por aí. Geralmente, à perda da cobertura vegetal segue-se uma aceleração da oxidação da matéria orgânica e diminuição rápida nos teores da mesma. Sem a proteção da cobertura vegetal e da matéria orgânica morta, o solo fica exposto aos agentes da erosão, principalmente água e vento.
A matéria orgânica, viva ou morta, além da proteção mecânica contra os danos causados pela água, é agente importantíssimo na formação e estabilização dos agregados do solo, base essencial, juntamente com os poros, na formação da estrutura do solo. Além de permitir o crescimento dos sistemas radiculares de plantas, fornecendo condições adequadas de aeração e umidade, condições imprescindíveis também para a proliferação das meso- e microbiota do solo. Uma boa estrutura é capaz de prevenir a perda por erosão ao permitir a percolação da água eficientemente ao longo do perfil. Tornam-se claros os efeitos deletérios que a diminuição nos teores e a perda da matéria orgânica podem causar ao solo.
A forma mais eficiente de se acumular matéria orgânica em um solo, embora possa não ser a mais rápida, provavelmente é revegetação da área degradada, tentando-se reconstituir a sucessão ecológica de espécies. Áreas há, no entanto, em que os processos de deterioração do solo são tão avançados que se torna naturalmente impraticável a revegetação pura e simples, pelo fato de que o solo não mais oferece condições de sustentar vida vegetal. Sob tais condições, o aporte de matéria orgânica externa geralmente é boa solução para se iniciar o processo de recuperação da qualidade do solo, mormente no que tange a reconstituição dos teores de carbono orgânico, da atividade microbiana, da fertilidade, até certo ponto e, o que interessa aqui, da estrutura do solo.
A disponibilidade de materiais orgânicos que de outra forma constituiriam grave problema de disposição, de várias origens, principalmente procedentes de processo de sanitização de áreas urbanas, como lodo de esgoto doméstico, da indústria, como subprodutos da fabricação de carvão, ou da própria atividade rural, como o esterco de criações de aves ou suínos, torna atraentes estudos que avaliem a possibilidade de uso destes materiais como melhoradores da qualidade do solo.
Além da capacidade de melhorar ou recuperar certos atributos desejáveis na recuperação de solos degradados, é interessante que o material apresente resistência e que mantenha por um tempo relativamente longo sua ação melhoradora. Materiais orgânicos de diferentes naturezas têm efeitos diferentes e de duração diversa sobre a agregação do solo. Materiais rapidamente disponíveis à ação microbiana comumente conferem, de forma rápida, estabilidade aos agregados, mas sua ação é efêmera. Substratos mais resistentes à decomposição agem de maneira mais vagarosa na estabilização de agregados, no entanto sua ação é mais duradoura. (Continua)
Por que os solos empobrecem (quimicamente falando)
É comum ouvir-se falar em solos férteis e solos não férteis ou quimicamente pobres quando se considera a adequabilidade de terras para agricultura. Em posts em que discuti a formação dos solos, tem-se a impressão de que os nutrientes necessários ao crescimento dos vegetais está presente nos solos desde o início, a partir do intemperismo químico das rochas. Realmente, deve haver uma boa disponibilidade de nutrientes nos solos, afinal de contas, como se sustentam as florestas e outras formas de vegetação natural? Este problema já foi parcialmente abordado no post Solo pobre, vegetação exuberante, em que falo sobre a ciclagem de nutrientes em ambientes naturais mediada pela matéria orgânica do solo. O empobrecimento químico do solo, ou seja, a perda de elementos minerais nutrientes em geral ocorre de duas formas: o empobrecimento natural pelo intemperismo químico dos solos em regiões tropicais úmidas, ou em solos agrícolas em que boa parte da biomassa produzida pelas plantas é retirada do agroecossistema. Imaginem o empobrecimento que ocorre em solos agrícolas em regiões tropicais como o Brasil. A forma mais rápida de se repor os nutrientes no solo é pela adubação, quer seja com adubos minerais, que disponibilizam os nutrientes mais rapidamente mas cujo uso continuado e excessivo pode trazer conseqüências negativas à química e à física do solo, quer com adubos orgânicos, cuja disponibilização de nutrientes é mais lenta e gradual mas tem a vantagem de aumentar o teor de matéria orgânica do solo. Porém as coisas não são tão simples. O uso de adubos minerais tem causado aumentos consideráveis de matéria orgânica nos solos, auxiliando seqüestro de carbono nos solos, principalmente os adubos nitrogenados, e o uso excessivo de adubos orgânicos, como esterco de porco por exemplo, tem causado problemas de eutroficação em corpos d’água por excesso de fósforo. A natureza não é tão simples e maniqueísta quanto fazem crer neoobscurantistas travestidos em ambientalistas.
Solos e ciclos biogeoquímicos
Tenho recebido uma série de pedidos para abordar o controle exercido pelos solos sobre a ciclagem biogeoquímica dos elementos. O assunto é amplo, mas começarei a abordá-lo neste tópico. O papel do solo na ciclagem do carbono foi várias vezes citado aqui no Geófagos. A possibilidade de sustentar a vida vegetal, grande dreno do CO2 atmosférico, e a estabilização da matéria orgânica do solo são aspectos óbvios da influência do solo sobre a ciclagem deste elemento. No post anterior, a origem dos solos no Devoniano foi abordada. Alguns pesquisadores acreditam que uma gigantesca onda de extinções que ocorreram naquele período pode estar ligada ao aumento do intemperismo químico que deu origem aos solos. Quando os minerais das rochas originais são quimicamente decompostos, uma parte dos elementos químicos continua no sistema ao formarem novos minerais, uma outra parte no entanto é solubilizada e pode tanto ser retida pelos minerais de argila ou pela matéria orgânica do solo, ou pode ser levado pela água que infiltra o solo. Esta água lentamente atinge as águas subterrâneas (lençol freático) e outros corpos d’água (rios, lagoas) e finalmente o mar. Obviamente, esta água não é pura, ela leva em solução uma quantidade expressiva de elementos químicos, e a origem destes é predominantemente o intemperismo químico dos minerais. Alguns componentes dos minerais são mais facilmente carregados (cálcio, potássio, sódio, magnésio, por exemplo). Estes elementos servem como nutrientes para as plantas e outros organismos fotossintetizantes, como as algas. Antes da origem dos solos, as quantidades destes elementos que chegavam ao mar eram muito menores, porque não havia o intemperismo químico causado pelas plantas terrestres com a produção de ácidos orgânicos e ácido carbônico pelas raízes. Após a colonização dos continentes pelas mesmas, uma grande quantidade de elementos nutrientes chegou às águas oceânicas, causando uma inédita onda de crescimento de organismos marinhos. Quando estes organismos morriam, a decomposição de suas partes por outros microrganismos, um processo que utiliza oxigênio, causou escassez deste elemento nos oceanos, levando à morte um número imenso de organismos por asfixia. Este processo de enriquecimento de águas com elementos químicos nutrientes é o que se chama eutroficação ou eutrofização. O problema não é apenas o crescimento excessivo de algas e plantas aquáticas, mas o escasseamento do oxigênio quando o material morto começa a ser decomposto. Mas o surgimento dos solos obviamente não causaram só mortes. Há um grupo de algas unicelulares chamadas diatomáceas que provavelmente só surgiram por causa da existência dos solos. O elemento mais presente na composição dos minerais, tanto de solos quanto de rochas, é o silício. Apesar de boa parte do silício se manter no solo após a intemperização dos minerais das rochas, uma parte também é levada pelas águas. As diatomáceas têm ao redor de sua única célula, uma parede celular de silício, chamada frústula, que a protege e auxilia no seu processo de fotossíntese. Sem o silício, elas morrem. Antes do surgimento dos solos, os teores de silício nas águas eram muito menores do que hoje, e as diatomáceas não teriam condições de sobreviver. Elas só surgiram na face de Terra (ou melhor, do mar) após a intensificação do transporte de silício para o mar a partir dos solos que se formavam. (Continua)
Quando não havia um chão
Para surpresa de muitos, o tema principal deste blog, o solo, nem sempre existiu. Os que lêem o geófagos com alguma regularidade terão notado que o solo não é um substrato inerte produto da quebra das rochas, mas é o resultado da interface entre atmosfera, biosfera e litosfera. Os organismos que têm maior influência sobre a formação da maioria dos solos são as plantas. Assim, fica fácil entender que o solo como conhecemos hoje não existia antes de as plantas colonizarem os continentes, e, geologicamente falando, isto levou um bom tempo. Durante boa parte do tempo após o surgimento da vida na Terra, o oxigênio estava presente em quantidades ínfimas na atmosfera terrestre. Durante centenas de milhões de anos, o oxigênio produzido pela fotossíntese das cianobactérias, a partir das quais as plantas evoluíram, oxidou os minerais da crosta terrestre e depois começou a acumular-se na atmosfera. Por muito tempo antes que oxigênio suficiente se acumulasse, a vida na Terra foi predominantemente aquática e o motivo é simples: o ozônio, que protege o planeta da radiação ultravioleta, é composto exclusivamente de oxigênio, sua fórmula química é O3. Depois da formação da camada de ozônio é que houve possibilidade de evoluírem espécies adaptadas à vida fora d’água. Para que as plantas superiores pudessem surgir, foi necessário, além do ozônio, que a rotação da Terra desacelerasse. Segundo a pesquisadora Maria Léa Salgado-Labouriau, da UnB, o fator crucial que teria impedido a colonização dos continentes até o Devoniano (400 milhões de anos atrás), foi a velocidade de rotação da Terra. O solo, contemporâneo das plantas, é um ser devoniano. Como já foi discutido numerosas vezes em outros posts, o ácido carbônico e os ácidos orgânicos produzidos pelas raízes das plantas, são os grandes responsáveis pelo intemperismo químico dos minerais e pela formação dos solos. As raízes foram responsáveis também pela estabilização dos solos, impedindo que fossem erodidos.
Sobre o chão que pisamos III
Além da fração mineral (areia, silte e argila), a fração sólida do solo é composta também pela matéria orgânica. A matéria orgânica origina-se principalmente de restos mais ou menos decompostos de material vegetal que cai ao solo. O material menos decomposto, cuja origem vegetal ainda pode ser identificada a olho nu ou ao microscópio é chamada de matéria orgânica leve ou matéria orgânica não humificada. O material orgânico cuja origem já não pode ser determinada e que já foi muito finamente triturado além de ter sofrido uma série de alterações químicas é a matéria orgânica humificada ou substâncias húmicas. Os dois tipos de matéria orgânica assumem papéis importantes na manutenção da saúde do solo e do ambiente. A matéria orgânica participa da formação e estabilização da estrutura do solo, agindo como uma “cola” ou cimento que une as partículas minerais nos agregados do solo. As substâncias húmicas, por terem tamanho muito reduzido, também expõem cargas elétricas, assim como as argilas, e podem ter as mesmas funções de retenção de nutrientes minerais e de contaminantes químicos. Na verdade, em alguns solos estas funções são assumidas principalmente pela matéria orgânica. No segundo post desta série, eu disse que quando o solo está desprotegido (ausência de cobertura vegetal) propiciando a ação erosiva da água e do vento, as primeiras partículas minerais a serem perdidas são as argilas, mas antes das argilas há a perda da matéria orgânica, que é ainda mais leve, e os efeitos danosos ao solo são os mesmos ou ainda piores. De fato, um dos primeiros sinais de desertificação é a perda de matéria orgânica dos solos. A quantidade e a natureza da matéria orgânica do solo dependem do tipo de vegetação sobre este solo, que em geral é função do clima. Normalmente, quanto mais fria e úmida a região, mais ricos em matéria orgânica são os solos. Por ser constituída principalmente de carbono, a matéria orgânica do solo tem recebido atenção crescente dos pesquisadores interessados na diminuição do efeito estufa: a decomposição da matéria orgânica do solo produz CO2 e, em menores quantidades, CH4, os principais gases causadores do efeito estufa. Poucos sabem que há mais carbono nos solos do que na atmosfera ou mesmo nas florestas do mundo. Uma grande preocupação dos Cientistas do Solo tem sido o desenvolvimento de práticas agrícolas que diminuam a decomposição da matéria orgânica do solo ou até a aumentem, como é o caso do plantio direto, atualmente adotado em boa parte do Brasil. Ao contrário do que muitos catastrofistas dizem, nem toda a matéria orgânica perdida pelo solo é oxidada (se transforma em gás carbônico) podendo contribuir para o aquecimento global, uma parte da matéria orgânica é perdida quando há erosão do solo e pode ser depositada no fundo de corpos d’água ou no mar, o que não deixa de constituir um tipo de seqüestro de carbono.(Continua)