Na Amazônia, pela primeira vez

Isso mesmo, estou na Amazônia pela primeira vez. Bem, não exatamente no meio da floresta – estou em Manaus. Cheguei hoje à tarde e meu organismo aos poucos se recupera do cansaço e do fato de estar aparentemente duas horas atrasados. Meu dia hoje durará exatamente 26 horas. Por enquanto ainda não vi nada que possa classificar como tipicamente amazônico, apenas suei algo como o volume de água que consumo em dois dias, provavelmente.
Terça feira devo atravessar um trecho do Rio Negro em direção a Iranduba, onde há um polo de produção de hortaliças sob cultivo protegido. Alguem talvez se pergunte o porquê de se utilizar ambiente protegido aqui – basicamente para aproveitas o “efeito guarda chuva”, as estufas costumam ficar abertas dos lados, permitindo a circulação do ar e evitando as temperaturas excessivamente altas.
Estou aqui para dar um curso. Vim falar sobre manejo de solos, cultivo protegido e fertirrigação, em ordem decrescente de domínio do assunto. Os alunos serão principalmente agrônomos extensionistas, dos mais variados locais do estado do Amazonas. Acho que será uma experiência muito interessante.

Ciência na agricultura: Fertirrigação

Além da aplicação de fertilizantes convencionais ao solo, em algumas culturas, principalmente hortaliças, a adubação de plantio pode ser complementada pela aplicação de fertilizantes solúveis dissolvidos na água de irrigação – esta técnica se chama de fertirrigação.
Uma das vantagens óbvias da fertirrigação é a possibilidade de se subdividir a adubação ao longo do ciclo da cultura visando otimizar a utilização dos nutrientes pelas espécies agrícolas ao disponibilizá-los no momento mais adequado. Por momento adequado refiro-me à cronometragem de acordo com às necessidades fisiológicas da espécie. A aplicação de fertilizantes solúveis junto à água de irrigação visa então prover os nutrientes certos, nas quantidades corretas, o mais próximo possível ao estádio fisiológico em que o nutriente é mais necessário. Isto só é possível se houver disponibilidade de informação quanto à curva de absorção de nutrientes da espécie cultivada em questão.
Em comparação à adubação convencional, a fertirrigação permite ajustes finos de acordo com as fases de desenvolvimento das plantas, melhorando a eficiência no uso de fertilizantes ao minimizar as perdas. Se o método de irrigação utilizado for localizado, como o gotejamento, por exemplo, a economia de fertilizantes pode ser vantajosamente associada à economia de água.
Uma das consequência colaterais do uso de fertirrigação pode ser o menor volume de raízes, principalmente no gotejamento, já que os nutrientes, assim como a água, são aplicados muito próximo ao sistema radicular. Aliás, se a informação existir, pode-se manejar a fertirrigação localizando-a nos pontos onde há maior densidade de raízes. A aplicação precoce da fertirrigação pode não ser completamente benéfica ao desestimular o aprofundamento do sistema radicular, criando uma dependência excessiva por parte das plantas, potencialmente danosa na eventualidade de pane temporária do sistema de irrigação.
Quando utilizada sob ambiente protegido, como estufas, há ainda o risco quase inevitável de salinização do solo, pela mesma razão por que o sistema pode ser vantajoso: pelas menores perdas do sistema. Como em geral não há entrada de água de chuva ou qualquer excesso de água no cultivo protegido, os adubos utilizados, que em gerais são sais, acumulam-se e aumentam a condutividade elétrica da solução do solo, clássico indicador da salinização.
Além de ser tóxico aos vegetais, compremetendo a produção, a salinização afeta negativamente a estrutura física do solo, por causar repulsão entre as partículas de argila e de material orgânico coloidal, impedindo a formação de agregados no solo. Desta forma, o solo sofre quase uma “compactação química”, comprometendo a infiltração de água e o crescimento do sistema radicular. Se houver disponibilidade de água, isto pode ser evitado aplicando-se periodicamente lâminas de irrigação em excesso para que ocorra a “lavagem” dos sais em excesso. Seriam muito interessantes também prática que favorecessem o enriquecimento do solo em matéria orgânica e, antes de tudo, a aplicação racional dos fertilizantes.

Cultivo em estufas: driblando o imprevisível

Em uma entrevista concedida à revista Bravo e publicada março último, o poeta maranhense Ferreira Gullar filosofa, “O que faz o homem sobre a Terra? Luta para neutralizar o acaso. Eis a principal necessidade humana: driblar o imprevisível…”. O poeta falava de outra coisa, mas as palavras bem serviriam para resumir a história da agricultura sobre este mundo.
O surgimento da agricultura constituiu, na história evolutiva da humanidade, um divisor de águas notável: para lá, ficaram a incerteza da coleta e da caça juntamente com a certeza da insatisfação plena do apetite; deste lado, a relativa abundância das colheitas regulares, o reconhecimento da saciedade e a possibilidade de se guardar para o futuro. O novo humano agricultor, ao poder planejar o porvir, apadrinhou o que se chama hoje de civilização. O temor ancestral da onipotente natureza levou o fraco homem a desejar de alguma forma controlá-la.
A observação sutil e continuada, ao longo de milênios, das plantas de rápido crescimento e abundantes frutos que o perseguiam em suas andanças, vicejando sempre nos monturos ao redor das moradas e nas áreas onde eventualmente se acendiam as fogueiras e se acumulavam as cinzas permitiu, após a última glaciação e sob concentrações mais altas de dióxido de carbono atmosférico, o desenvolvimento de atividades agrícolas.
A adoção das práticas de cultivo protegido são um passo à frente na tendência de controlar as variáveis ambientais e se proteger do acaso visando a otimização e maximização da produção agrícola. As origens remotas do cultivo protegido, aos politicamente corretos olhos modernos, revestem-se de uma equívoca impressão de autoritarismo, mas ao mesmo tempo de engenhosidade. Conta Plínio, o Velho, que o desejo do Imperador Tibério de comer diariamente certo tipo de pepino ao longo do ano levou os jardineiros romanos a cultivar a espécie em carrinhos recobertos com grandes placas de mica transparente, possivelmente muscovita, durante os períodos em que não era possível cultivá-la a campo.
O esforço dos jardineiros imperiais já prenunciava uma das principais finalidades do cultivo protegido moderno, o plantio das culturas, normalmente hortaliças, em períodos (ou locais) em que as condições climáticas não são adequadas ao cultivo não protegido. Nestes períodos, a oferta dos produtos no mercado é mais baixa e sua cotação mais elevada. Além das questões climáticas e mercadológicas, o plantio de hortaliças em ambientes protegidos pode evitar ataques de pragas e patógenos, reduzindo a aplicação de produtos químicos biocidas, embora no cultivo em solo a incidência de doenças possa ainda ser um problema se práticas culturais tais como a rotação de culturas não forem convenientemente adotadas.

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