Solos contaminados e plantas II

No primeiro post sobre biorremediação, utilizei o exemplo hipotético da absorção de estrôncio por plantas. É bom que fique claro que não conheço nenhum caso real de plantas ou microrganismos que remediem estrôncio especificamente. No exemplo utilizado, quis apenas ilustrar uma das possibilidades que permitem o uso de plantas como descontaminadoras: a absorção de um elemento não essencial quimicamente semelhante a outro que seja reconhecidamente um nutriente. Apesar de o caso do estrôncio sendo absorvido em vez de cálcio ser hipotético, o mecanismo realmente ocorre em algumas espécies de pteridófitas (samambaias) que absorvem arsênio no lugar de fósforo. O fósforo é um nutriente essencial ao crescimento e desenvolvimento das plantas mas o arsênio não, embora ambos pertençam ao mesmo grupo da tabela periódica e sejam quimicamente muito semelhantes. O fósforo, entre outras coisas, entra na composição da membrana celular, dos ácidos nucléicos (DNA e RNA) e do ATP, responsável pelo armazenamento de energia nas células. Algumas pesquisas mostram que há plantas que absorvem arsênio em quantidades consideráveis, com potencial de serem utilizadas como biorremediadoras. O arsênio é um elemento tóxico, em geral associado a problemas ambientais decorrentes da mineração de ouro. Quando escrevi no outro post que as plantas poderiam se enganar, não quis dizer isto literalmente. O que acontece é que uma das formas de as plantas selecionarem os elementos absorvidos é pelo tamanho dos elementos, por exemplo, de forma que elementos de tamanho semelhante podem ser absorvidos indiscriminadamente, quer sejam essenciais à nutrição da planta ou não. Uma vez dentro das células, a maior parte das espécies possuem mecanismos bioquímicos capazes de identificar se um elemento é tóxico ou não e os mecanismos de defesa então entram em ação: imobilização em biominerais, armazenamento nos vacúolos, captura por substâncias químicas, em geral ácidos orgânicos de baixo peso molecular…

Solos contaminados e plantas

Li em um número recente da Natural History Magazine (famosa pela coluna que o falecido Stephen Jay Gould manteve por cerca de três décadas) que o meio-ambiente ao redor da antiga usina nuclear de Chernobyl apresenta sinais inequívocos de recuperação, inclusive com o reaparecimento de espécies semi-desaparecidas. Obviamente, esta recuperação se deu devido ao despovoamento da área. Os solos, vegetais e animais ainda apresentam níveis altos de contaminação por elementos radiativos, mas a diversidade biológica aumenta. O assunto me serve de gancho para algo correlato: o uso de organismos, principalmente plantas, como remediadores ambientais. O que é isso? Bem, em primeiro lugar, entendam “remediadores” como descontaminadores. No caso de Chernobyl, por exemplo, o ar, as águas e principalmente os solos receberam uma grande carga de elementos radiativos, principalmente césio e estrôncio. Em alguns casos, os níveis de contaminação do solo podem ser tão altos que não permitem o crescimento de espécie alguma. Pode ocorrer, no entanto, que alguns locais apresentem níveis mais baixos de contaminação permitindo que alguns indivíduos de algumas espécies de plantas consigam se desenvolver ali. Certamente, estes indivíduos ou estas espécies apresentam alguma característica genética que a permite vingar apesar da contaminação. Os elementos químicos apresentam certas semelhanças, principalmente os que pertencem aos mesmos grupos na tabela periódica. Cálcio e estrôncio, por exemplo, são elementos que apresentam uma série de afinidades. O cálcio, mas não o estrôncio, é um nutriente essencial aos vegetais, mas em alguns casos as plantas podem “se enganar” e absorver estrôncio no lugar de cálcio. Isto na maioria das vezes pode levar à morte das plantas, mas algumas talvez possuam algum mecanismo de lidar com este estrôncio uma vez que ele tenha sido absorvido, por exemplo, ele pode ser acumulado nos vacúolos, que são organelas da célula vegetal que pode servir como “armazém”. O homem pode manipular esta característica genética ou alguma outra para tornar a planta mais eficiente em acumular este estrôncio e pode usá-la na descontaminação de locais poluídos. Surge então o problema de o que fazer com os restos destas plantas quando elas morrerem. Há propostas até de meneirar as cinzas destas plantas. Este tipo de biotecnologia é conhecida como biorremediação e utiliza plantas e microrganismos para descontaminar sítios poluídos principalmente com metais pesados, mas também com petróleo e até mesmo TNT.

Seqüestro de carbono pela agricultura II

Em regiões tropicais, nas quais os solos são muito intemperizados e por causa disso quimicamente pobres, um problema recorrente para a agricultura é a acidez do solo. Em geral, considera-se que as culturas podem ter problemas com acidez quando o pH da água do solo (chamada pelos Cientistas do Solo de solução do solo) está abaixo de 6. Além de problemas decorrentes da prórpria acidez, o grande impecilho para o crescimento e desenvolvimento vegetal em solos ácidos é a presença de formas solúveis de alumínio na forma principalmente de Al3+, tóxico não só para as plantas mas para quase todos os organismos. A forma mais comum de correção da acidez do solo, ou seja, de elevação de seu pH, é a aplicação do carbonato de cálcio ou calcário (CaCO3). Já falei sobre o calcário no post sobre ciclo biogeoquímico do carbono: é uma rocha sedimentar formada quer da deposição de exosqueletos calcários quer da precipitação de carbonato de cálcio sob condições químicas e físicas propícias. A reação do calcário no solo que resulta no aumento do pH faz com que haja produção do íon bicarbonato (HCO3-) ou até mesmo de CO2. Como há esta possibilidade de emissão de gás carbônico para a atmosfera, alguns críticos rapidamente condenam a aplicação de calcário na agricultura. Esquecem, ou fingem esquecer, que o aumento do pH do solo até certos valores, proporcionado pela aplicação de calcário (calagem), quase sempre causa aumentos não só na produção das culturas mas na própria massa da cultura. Como comentei noutra parte, o crescimento vegetal ocorre pela captura do CO2 e sua conversão, mediada pela energia solar, em tecidos vegetais. Como a aplicação de calcário aumenta o crescimento dos vegetais, mais CO2 é seqüestrado pelas plantas devido à calagem. Claro, ainda há dúvidas se a quantidade de gás carbônico emitido pelo calcário reagindo no solo é menor do que a quantidade fixada pelas plantas, mas tudo indica que sim.

Seqüestro de carbono pela agricultura

Comentei no post anterior que se tem tentado manipular o ciclo biogeoquímico do carbono. Como espero que tenha ficado claro, esta manipulação visa diminuir ou estancar o aumento nas concentrações atmosféricas dos gases de efeito estufa CO2 e CH4, principalmente o primeiro. Historicamente, das práticas humanas maiores contribuidoras de gás carbônico para a atmosfera, a agricultura se sobressai. Derrubadas e queima de florestas para estabelecimento de novos campos e práticas consolidadas como aração e gradagem dos solos contribuem enormemente com o aumento da concentração de CO2 na atmosfera terrestre. Atualmente um número considerável de técnicas agrícolas têm sido desenvolvidas com o objetivo, primeiro, de otimizar a produção agrícola mas com o efeito secundário (e desejável) de diminuir a oxidação da matéria orgânica do solo, grande depositório de carbono. As tradicionais práticas de revolvimento do solo (aração, gradagem, subsolagem…) usadas para favorecer o desenvolvimento de culturas agrícolas apresentam o inconveniente de acelerar a decomposição da matéria orgânica do solo. Estas práticas melhoram superficialmente a oxigenação do solo, quebram agregados que protegem fisicamente partículas de matéria orgânica e fracionam o material vegetal morto, o que facilita a ação dos microrganismos decompositores. As práticas modernamente utilizadas que podem auxiliar não só na diminuição desta decomposição mas até mesmo no aumento nos teores de matéria orgânica nos solos em geral envolvem a diminuição ou quase completa eliminação do revolvimento (movimentação) do solo. O exemplo típico disto é a adoção do plantio direto, em que os restos de culturas são deixados sobre o solo após as colheitas.

Ciclos biogeoquímicos

A trajetória do átomo de carbono narrada por Primo Levi em sua Tabela Periódica é um exemplo, claramente literário e muito simplificado, de um ciclo biogeoquímico. Resumidamente, a ciclagem biogeoquímica de um elemento é o caminho percorrido pelo mesmo no planeta passando por compartimentos biológicos (os organismos) e por compartimentos não biológicos (solos, sedimentos, rochas e magma) ao longo da história geológica da Terra. Obviamente, a ciclagem biogeoquímica só ocorre onde há vida (bio), senão haveria apenas uma ciclagem geoquímica, como ocorreu por uma boa parte da história da Terra, antes que os primeiros organismos surgissem. Atualmente, em tempos de aquecimento global, o ciclo biogeoquímico mais estudado e sobre o qual mais se tenta fazer manipulações é exatamente o do carbono. Os dois gases de efeito estufa mais importantes, gás carbônico (CO2) e metano (CH4) podem ser considerados como duas fases do ciclo biogeoquímico do carbono. Os combustíveis fósseis (petróleo e carvão mineral, principalmente) são basicamente compostos de carbono que hoje fazem parte do compartimento geológico mas já pertenceram ao compartimento biológico, ou seja, a energia hoje gerada pela combustão destes materiais foi energia fixada pela fotossíntese de algas unicelulares (petróleo) e de vegetais superiores (carvão) há milhões de anos. A fotossíntese é a transformação do CO2 que os organismos autotróficos (que sintetizam seu próprio alimento) absorvem da atmosfera em compostos orgânicos, principalmente açúcares (C6H12O6), e esta transformação só é possível porque os organismos fotossintetizantes conseguem capturar e utilizar a energia do sol (fotos é luz em grego). Quando estes organismos morrem ou perdem suas partes, como quando as plantas deixam cair as folhas, por exemplo, este material pode ser totalmente decomposto, e volta a se transformar em CO2, ou sofre algumas transformações e se transforma no que chamamos de matéria orgânica (do solo, de sedimentos, da água). Esta matéria orgânica é em geral difícil de ser decomposta, principalmente se levada pelas águas e depositadas no fundo de lagos ou mesmo do mar: dificilmente os microrganismos conseguem degradá-la, por isso se diz que o carbono na forma orgânica está seqüestrado, ele está temporariamente indisponível para os microrganismos decompositores retirarem a energia de suas ligações e oxidá-lo a gás carbônico. Ao longo do tempo geológico, a matéria orgânica vai se depositando no fundo de corpos d’água e sofre transformações químicas tornando-se cada vez mais resistente à decomposição e muito lentamente se transforma em petróleo ou carvão, de maneira que o material orgânico produzido por organismos vivos passa a fazer parte do compartimento geológico. Além disso, o CO2 pode ser utilizado por organismos marinhos na síntese de exosqueletos calcários (conchas e outras estruturas), compostas basicamente de carbonato de cálcio ou calcário (CaCO3). Após a morte destes organismos, este material deposita-se (sedimenta) no fundo do mar por milhões de anos até que ocorre a litificação deste material, isto é, este material, cada vez mais pesado devido às sucessivas camadas, se transforma em rocha (esta é a via biológica da formação das rochas calcárias, também há vias não biológicas), por causa principalmente da pressão: este carbono também está seqüestrado no compartimento geológico, porque não voltará à atmosfera na forma de CO2 por muito tempo.

Determinismo pedogeoclimático

Parece ser gradualmente mais comum entre geólogos, cientistas do solo e climatologistas, além de arqueólogos, a impressão de que o substrato geológico, os solos e o clima exerceram influência certamente importante e possivelmente preponderante sobre ascenção e queda de civilizações antigas e modernas. Em 2003 os geólogos G. H. Haug, L. C. Peterson e outros publicaram na Science um artigo relacionando o colapso da civilização Maia a um ciclo de secas entre os anos 750 e 950. Os autores encontraram fortes evidências de períodos secos severos e longos durante este período analisando sedimentos da Bacia de Cariaco, na costa setentrional da Venezuela. Em 2005 os dois autores citados divulgaram seus resultados na American Scientist e uma tradução deste artigo aparece na edição de setembro da Scientific American Brasil. Interessantemente, a equipe de geólogos utilizou uma metodologia não estranha aos cientistas do solo para avaliar a ocorrência de períodos secos. Os sedimentos marinhos são em grande parte oriundos dos continentes. As chuvas intemperizam (“decompõem”) as rochas fisica e quimicamente. O intemperismo físico nada mais é do que a quebra em pedaços cada vez menores das rochas sem que haja alterações químicas dos minerais: é o que acontece com o quartzo, principal componente de muitas areias de praia. No intemperismo químico há perda de elementos químicos e associadas a estas perdas há mudanças mineralógicas. Assim, os solos, formados a partir do intemperismo das rochas, possuem alguns minerais já existentes nas rochas que lhes deram origem e minerais que se formaram depois. Os solos por sua vez são erodidos (levados) principalmente pela água, mas também pelo vento. Os sedimentos depositados pelos rios no mar provêm em grande parte da erosão dos solos. Quando há mais chuvas, a erosão é maior e a quantidade de sedimentos depositados nos oceanos é conseqüentemente maior, qundo há secas a quantidade de sedimentos é menor. Como estes sedimentos se acumulam em camadas diferenciáveis de ano para ano, é possível identificar períodos de seca pela menor espessura das camadas ou pela menor quantidade de alguns elementos químicos presentes nestes sedimentos, como ferro e titânio. Foi exatamente analisando os teores de titânio nos sedimentos que os geólogos conseguiram identificar os períodos de seca coincidindo com o período de decadência da civilização Maia.

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