Origem e natureza dos solos I

O famoso físico brasileiro Mário Schenberg acreditava que os ditos fenômenos paranormais, como a telepatia, poderiam ser resultado da interface Biologia-Física. Creio que esta interface é algo literalmente mais pé no chão: o solo. Sim, o solo é uma interface entre o mundo físico e o biológico, produzido pela interação entre organismos e minerais. Iniciado pela degradadação física das rochas e sua intemperização química, não fossem os seres vivos o solo seria apenas detrito, pó sem estrutura – mesmo dentro de um solo, aquelas camadas em que a atividade biológica é menos intensa, como o horizonte C e o saprolito (partes do solo mais profundas, onde já se iniciou a formação do solo, mas ainda com características, pelo menos macroscópicas, típicas das rochas de origem) são pouco estruturadas. Aliás, a exposição destas camadas por obras como cortes de estrada ou barrancos é responsável por muitos desastres, como deslizamentos e formação de voçorocas exatamento pela falta de estrutura. Na verdade, a erosão seria o destino natural de todo detrito da decomposição de rochas não houvesse vida sobre o mesmo. A atividade biológica, animal, vegetal e de microrganismos diminui a desordem, ou melhor, aumenta o ordenamento dentro do sistema solo, criando estrutura, que estabiliza o solo, modificando o ambiente químico e até mineralógico. Os restos orgânicos dos organismos são deixados sobre e dentro do solo e a atividade biológica age sobre estes restos, decompondo-os e ao mesmo tempo originando substâncias complexas de grande importância ambiental, as ditas substâncias húmicas. Por sinal, uma das maneiras que se usa atualmente para se avaliar a sustentabilidade de atividades agrícolas sobre o solo é a observação se há mudança no grau de ordenamento do solo.
Ítalo M. R. Guedes

Intemperismo químico de rochas e salinização de solos do semi-árido

Em certo trecho no último post comentei sobre a inadequação do uso de águas subterrâneas na irrigação em solos do semi-árido desenvolvidos sobre rochas que chamei de cristalinas. Este assunto, parece-me, merece um pouco mais de explicação. As rochas do mundo dividem-se em três grandes grupos: rochas ígneas, rochas sedimentares e rochas metamórficas. As rochas ígneas são aquelas que se originam do resfriamento do magma, quer no interior de câmaras magmáticas, quer no ambiente externo, como exemplos de rochas ígneas pode-se citar os granitos e os basaltos. Rochas sedimentares são aquelas originadas a partir da litificação (“petrificação”) de sedimentos. Os sedimentos podem originar-se da intemperização de outras rochas, da precipitação de compostos, como o carbonato de cálcio, ou de restos de organismos vivos. Os exemplos são o arenito, o calcário e os diatomitos. As rochas metamórficas, por sua vez, formam-se em ambientes de elevadas pressão e temperatura. As metamórficas podem ter origem tanto em rochas ígneas quanto em sedimentares: o gnaisse pode vir tanto de um granito quanto de um argilito. O que eu chamei de rochas cristalinas, muito comuns no semi-árido nordestino, são basicamente rochas ígneas e metamórficas dos grupos do granito e do gnaisse. Estes materiais são compostos predominantemente dos minerais quartzo, micas (biotita e muscovita) e vários feldspatos. Assim como já foi diversas vezes discutido aqui, a ação dos agentes intempéricos (água, vento, temperatura, organismos vivos…) causa a decomposição da rocha, o intemperismo. O intemperismo físico é resumidamente a quebra da rocha em pedaços menores. O intemperismo químico abrange tanto a perda de elementos químicos como a formação de minerais novos, chamados minerais secundários, em contraste com os minerais primários que compunham as rochas. Em regiões úmidas, a água, principal agente intemperizador químico, dissolve e carrega os elementos químicos em profundidade e superficialmente. É por isso que solos de regiões quentes e úmidas são nutricionalmente pobres. Em regiões semi-áridas, os solos costumam ser mais férteis porque o intemperismo tanto de rochas quanto de solos é muito menos intenso. Por esta mesma razão, as águas subterrâneas das áreas sobre material geológico cristalino têm teores de sais (medidos em termos de condutividade elétrica) mais alto. Além de o intemperismo ser incipiente, a alta evaporação muitas vezes faz com que haja ascensão de água subsuperficial por um processo chamado capilaridade. Esta água é rica em sais e, quando evapora, deixa o excesso de sal na superfície dos solos. Quando se irrigam as culturas com água de alta salinidade, é também a evaporação seguida de precipitação dos sais nos solos que causam a salinização. Além dos efeitos deletérios para as espécies vegetais, o excesso de sais pode comprometer também a estrutura dos solos, por causar dispersão de argilas e colóides orgânicos, destruindo os agregados, diminuindo a porosidade, aumentando a densidade do solo e agravando o problema já grave da erosão ao diminuir a infiltração de água nos solos. Assim, tanto a pobreza nutricional de solos de regiões tropicais úmidas, a profundidade do saprolito nestas áreas, quanto a riqueza nutricional de alguns solos do semi-árido e sua predisposição à salinização, dependem da intensidade da ação do intemperismo. 

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