Memória Falsa

Memória, em geral, é pouco confiável.
Segundo uma pesquisa, se eu disser, por exemplo, que celulares não causam explosões em postos de gasolina e explicar o motivo e que isso é só uma lenda urbana, amanhã, a maioria dos meus leitores iram lembrar firmemente de uma explicação sobre celulares e explosões e da lenda já fortemente enraizada e iram esquecer do conteúdo onde eu diria que um não causa o outro.
Humm…
Como disse George Constanza, se você acreditar, não é mentira.
Uma pessoa pode elaborar uma mentira conscientemente e passar a contá-la repetidamente a ponto de passar a acreditar na própria invenção.
Semelhantemente, um sujeito pode ouvir uma estória tantas vezes que passa a achar que fez parte da ação e adquire aquilo como memória própria.
Um sonho pode ser confundido com memória (já aconteceu comigo e causou uma situação pior que filme de confusão). Nem precisa ser tão vívido, basta ter passado tempo suficiente e a lembrança vir à tona com força.
Eu li um estudo que sugeria que quanto mais velho se fica, apesar da memória piorar, a certeza de se está sempre certo aumenta. Ou seja, pessoas mais velhas tendem a achar que suas memórias essão ótimas e mais corretas quando a verdade é que elas estão mais falíveis.
Coincidentemente, enquanto escrevo isto, acabo de me dar conta de uma memória alterada minha:
No filme Os Fantasmas Se Divertem (Beetlejuice, 1988), há uma cena onde os donos da casa, já mortos, tentam assustar os novos moradores, deformando os próprios rostos (eles são fantasmas e podem fazer o que quiserem fisionomicamente).
Eu sempre achei pessoas narigudas parecidas com o que a mulher do casal (Geena Davis) se torna quando se deforma. Ela puxa o nariz para a frente e o topo da cabeça para trás:
narigudo
Ou assim achava.
Ao procurar essa foto para mostrar a um amigo que perguntava sobre narigudos, me dei conta de que quem faz isso é o homem do casal (Alec Baldwin).
A mulher, na verdade arregaça a boca e joga os olhos lá para dentro:
davis
Não sei quando deformei esse dado dentro do meu cérebro, mas faz tempo (sei que foi em algum momento entre ter visto o filme pela primeira vez e me preparar para este artigo).

beleza rara

beleza rara


Já não tão coincidentemente assim (esse tipo de coisa me acontece todos os dias, eu só estou registrando agora por estar escrevendo sobre), ontem eu estava procurando uma chave de teste para saber se meu chuveiro estava dando choque sem precisar arriscar meus elétrons e a integridade das minhas proteínas.
Enquanto procurava dentro das inúmeras caixas de ferramentas que tenho, ia fazendo uma imagem mental da chave dentro da caixa em que mexia, criando uma memória da ferramenta ali dentro, quase vendo a danada.
E isso me acontece sempre!
Vou procurar algo que esteve (ou não) ali onde procuro e fico praticamente vendo o objeto procurado se materializando etereamente na minha frente, só para sumir depois da busca infrutífera.
Auto-implantação de memórias falsas podem ocorrer também devido a desinformação ou confusão.
Basta alguém entender errado uma informação ou confundir dois dados distintos e pronto, a lembrança se fixa de revestrés.
Numa discussão entre duas pessoas sobre “você disse isso porque eu ouvi e eu não estou doido!”, ambas podem estar certas e erradas ao mesmo tempo, pois suas memórias podem estar em dissonância com a realidade, mas nenhuma está mentindo deliberadamente, apenas desconhecem a versão real dos fatos.
A especialista em Psicologia da Memória, Memórias Falsas e Relatos de Testemunhas Oculares Elizabeth Loftus escreveu um artigo muito interessante sobre implantação de falsas memórias em suas pesquisas e o psicólogo Joseph Green da Universidade de Ohio realizou pesquisas extensas sobre hipnose e descobriu que, mais que recobrar memórias perdidas, esse método cria falsas memórias, especialmente em pessoas muito sugestionáveis.
Mais sobre memória pode ser encontrado no dicionário do cético.
E curiosidades sobre o cérebro e seu funcionamento (e coisas divertidas) podem ser achados em O Cérebro Nosso de Cada Dia.
Nosso cérebro é uma máquina fantástica, mas nem sempre. Cuidado!

Discussão - 7 comentários

  1. Ana C. disse:

    Lembrei do jeito que você faz para lembrar de uma palavra ou um nome de uma pessoa, você ficava falando várias palavras que pra vc fazia relação com o nome que queria lembrar e quando finalmente lembrava do nome percebia - se que as palavras usadas como referência não tinham muito a ver com o nome que lembrou. Mas no seu cerébro elas devem fazer algum sentido (muito louco).

  2. Ana C. disse:

    ops! cérebro.
    deve ser o meu falhando, é a idade 🙂

  3. Igor Santos disse:

    Meu método dá certo quase sempre. Eu lembro do ritmo e da melodia do nome. Por exemplo: "sacola" = "moeda" e "guilherme" = "cachaça".
    Acho difícil guardar nomes, mas sou bom de ritmo.

  4. Wario disse:

    Às vezes quando eu tenho uma lembrança falsa, de alguma forma a realidade se altera para que a minha falsa lembrança tenha sido verdadeira o tempo todo.
    Segundo Edmilson, deixaram de usar "estória" com 'E' no Brasil. ( http://pt.wikipedia.org/wiki/Estória )

  5. Igor Santos disse:

    Criei uma hipótese que vai junto dessa sua.
    É a seguinte:
    Você, na realidade "padrão", tem um metro e noventa de altura, mas depois de tanto dobrá-la, na realidade alterada atual você é do tamanho que é.
    Vou tentar encaixar uma voz grossa e impostada na revisão da hipótese, mais pra frente.
    ¹este artigo da Wikipédia não contém fontes.
    E mais, na minha cópia do Míudo Diccionário Conciso Vernaccular do Idioma Portugués, de 1800, consta o verbete "estória" como "narrativa de ficção ou conto popular"...

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