Dia 31 de outubro, vote 42!
Entre estabelecer uma neo-ditadura e voltar para um sistema que potencialmente pode quebrar mais uma vez nosso país, prefiro ficar em casa tomando sopa no dia 31.
E eu detesto sopa.
Quem sou eu
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O artigo de hoje ia ser só isso aí em cima mesmo, porque eu pensei: “já que não sei mais escrever, vou começar a desenhar minhas ideias”.
Mas enquanto eu estava finalizando os últimos detalhes, recebi a notícia de que o Professor Sandro Silva e Costa havia se suicidado e pensei que não seria apropriado publicar uma piada.
Logo em seguida, pensei que talvez conseguisse extrair alguma coisa útil das duas situações anti-sincronicamente emaranhadas.
O que leva uma pessoa a tirar a própria vida? O que poderia ser tão ruim assim?
Essa linha de pensamento é sempre a primeira e a mais perigosa, pois eu estou supondo que há uma escolha, mas isso é uma falácia.
Uma pessoa neurologicamente prejudicada não enxerga alternativa. Não é questão de opção, apenas um adiantamento no inevitável décimo-terceiro da vida.
“Todos vamos morrer de todo jeito, então por que permanecer aturando uma coisa que eu não gosto?”
Isso é, para mim, ainda mais triste, pois não há apoio familiar ou terapia que resolva. Só remédio.
Muito.
Para o resto da vida.
Assim como não há psicoterapia anticonvulsiva pois não existe conversa que resolva falhas eletroencefálicas, o mesmo é verdade para desequilíbrios químicos no cérebro. Palavras são poderosas, mas não onipotentes.
Para aumentar a minha tristeza, do plano individual para o público, existem aqueles que ignorantemente condenam o sujeito por ser “fraco” ou as pessoas que o rodeiam por não “enxergarem os sinais”.
Depois que o diabo do cachorro morde é fácil lembrar que ele “latia de um jeito estranho”, né? Previsões são sempre excelentes quando surgem depois do fato.
Os últimos textos de Stephen Dedalus mostram “claramente” como ele estava prestes a cometer um ato terrível:
Claro como o dia, não?
Agora esse outro pedaço de texto, de outra pessoa, igualmente carregado de frustração:
“Pois bem, reitero o apelo: procura-se a felicidade. Eu não sei onde ela está, devo tê-la perdido em algum lugar, mas sei descrever bem sua aparência por ter convivido tanto tempo com ela.
Mas aparentemente agora ela é Isabeau para meu Navarre, desaparecendo quando eu acordo e retornando quando me recolho.”
O autor do trecho acima não só continua vivo como está, neste exato momento, escrevendo sobre ele mesmo na terceira pessoa.
Tristeza todo mundo tem vez por outra. Menininhas adolescentes que brigam com o namorado não ficam depressivas. Depressão, apesar da banalização do termo, é uma condição psiquiátrica séria.
Voltando ao gráfico do começo: talvez uma pessoa com depressão enxergue a vida com os parâmetros trocados, intrinsicamente dando mais valor à opinião alheia sobre si e julgando hipernegativamente tal opinião, criando um “o que eu penso de mim” na ponta direita. E se algo vale assim tão pouco, qual o motivo para permitir que esse algo continue ocupando espaço valioso no mundo?
Não creio que uma pessoa se torne depressiva da mesma forma que ninguém se torna homossexual. Não é uma escolha ou resultado de experiências, mas algo definido fisiologicamente no cérebro do indivíduo.
E isso é triste, muito triste.
Especialmente quando chega ao mais extremos dos pontos finais.
Espero que a falta dele seja sentida e que sua vida seja lembrada.
Heurística em uma simples lição
A grosso modo, dá-se o nome “heurística” ao processo de busca da verdade por intuição ou experiência.
Simplificando ainda mais: heurística é um “atalho mental” que nós usamos para chegar rapidamente a uma conclusão de maneira que esta esteja o mais perto possível da “verdade”, porém nem sempre com êxito.
Um exemplo interessante, vindo da Universidade da Pensilvânia, nos diz que temos uma tendência a estimar o peso das pessoas de acordo com suas larguras, independente da altura dos indivíduos. Via de regra, o mais gordo é o mais pesado (esse é o atalho mental), no entanto, um baixinho gordinho pode pesar bem menos que um gigante esbelto, apesar disso (em acordo com a nossa experiência) ser mais raro.
Mas esse mesmo erro de conceito (e uma certa incapacidade de adicionar muitas coisas ao mesmo tempo) nos faz achar que várias pequenas porções de um alimento fornecem menos calorias que uma só porção grande, mesmo quando o pedaço maior é, de fato, menor que a soma dos pedaços menores (em outras palavras, achamos que um bife de 300g tem mais calorias que um bife de 500g cortado em vinte pedacinhos porque somos ruins de conta), o que nos faz comer, sem culpa, um pacote de 200g inteiro de Fandangos Eco enquanto torcemos nosso nariz dietético para uma batata assada de 150g.
Heurística nos faz chegar a conclusões que estão mais ou menos certas no menor tempo possível. Evolutivamente isso faz sentido, já que não é tão vantajoso ficar muito tempo ponderando se aquilo é mesmo um tigre dente-de-sabre.
Dessa maneira, podemos ver as fotos a seguir e dar valores diferentes ao que é, basicamente, a mesma coisa. Notem:
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A reação comum à foto acima é: “Ooommmm, que fofinho, o bebezinho com um chapéu de pele”.
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Temos aqui uma reação parecida, mas o conjunto já não é tão fofo assim porque o bicho ainda está vivo e, potencialmente, pode machucar a garotinha. Existe uma reserva maior, caracterizada por um “om” menor e menos efusivo e por pausas de tensão entre as frases: “Oomm, que linda… fazendo o furão de chapéu…”
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Aqui, novamente, exatamente a mesma coisa, porém agora se trata de um adulto. Já sem expressões de fofura, lemos a foto como: “Hum…” e evitamos contato visual enquanto atravessamos para o outro lado da rua.
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Mesmíssima situação, mas agora evitamos contato visual com a raposa morta e temos um: “Credo, que velho macabro!”
A próxima foto pode ser bastante perturbadora para alguns. Por favor, exerçam discrição ao contemplá-la.
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MILAGRE DA CIÊNCIA REVELADO! O PODER EM SUAS MÃOS!
Você sabia que você possui um potencial infinito?
Já está no mercado um produto revolucionário que vai mostrar todo esse potencial como se fosse a LUZ DO DIA!
Graças a efeitos quânticos, agora é possível criar fótons a partir DO NADA!
E melhor ainda, do conforto do seu lar!!
Se sinta especial criando luz a partir do nada com uma tecnologia que já existe há 130 anos!
Antiga assim então você sabe que ela é boa!!
Você tem o poder em suas mãos!
Com o nosso ultramoderno Agitador Quântico Infravermelho de Elétrons você terá a capacidade de enxergar em condições prévias de escuridão total!
É o escuro que agora tem medo de você!
Nosso sistema utiliza as propriedades poderosíssimas do vácuo para amplificar a eficiência do aparelho e para manter você em contato com o Universo, que é feito de vácuo!!
Brilhante!
Imagine! Você terá um pouco de vácuo na sua casa!!
O MESMO VÁCUO do Universo, que é infinito! Isso significa poder infinito!
Nossa tecnologia utiliza o poder incontestável do misterioso eletromagnetismo!
Se um ímã de pulseira já cria bem-estar e agulhas elétricas curam qualquer coisa, imagine o que toda uma sala (ou quarto) da sua casa cheia dessa energia benéfica não faria!! Magnestimo elétrico!!
É o melhor dos dois mundos!!
Einstein, o cientista mais inteligente que já existiu, pregava que Energia e Massa são a mesma coisa, você só precisa da Luz!
E agora você terá tudo isso na sua sala (ou no seu quarto)! Um aparelho que finalmente confirma as ideias que Einstein inventou HÁ MAIS DE 100 ANOS ATRÁS e cria LUZ a partir do NADA usando apenas ENERGIA!!
E ISSO NÃO É RELATIVO!!!
Feito a partir de produtos 100% naturais e sem o uso de conservantes ou pesticidas! É seguro e SUA FAMÍLIA poderá finalmente respirar aliviada!
E mais, todos os materiais usados na confecção do Agitador Quântico Infravermelho de Elétrons no Vácuo são reciclados! Comprando nosso aparelho você estará ajudando a Mão Natureza a se livrar do desperdício de materiais como dióxido de silício, que é simplesmente jogado por aí sem o menor controle do GOVERNO, e outros, como o tungstênio, um elemento CHEIO DE QUÍMICA!!
Proteja o Meio Ambiente, crie um futuro iluminado para seus filhos e ainda ENXERGUE NO ESCURO!
É ou não é um milagre!?
Método Científico Ilustrado
A Teoria das Placas Tectônicas e a Mecânica Quântica são dois exemplos que me ocorrem considerando o contexto acima.
Isso talvez seja o melhor argumento contra a imortalidade artificial que alguns almejam, pois a não ser que exista um sistema que passe a desconsiderar a opinião de velhos de mais de 300 anos, suas ideias e influência manteriam o mundo num constante estado de preservação do que já existe em detrimento de avanços de qualquer natureza.
Eu sou contra longevidade indefinida.
Exceto a minha. Eu pretendo viver para sempre.
E vem funcionando até hoje.
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Retirado e traduzido por mim (sem permissão) do excelente razoável Surviving the World, desenhado por Zach Weiner, do ainda melhor (este sim, excepcional) SMBC, de onde saiu o próximo quadrinho (igualmente manipulado sem permissão por mim) com a melhor piada para engenheiro que vi nos últimos anos:
Relato de um natalense decepcionado
Em entrevista a um jornal da minha cidade, o neurocientista Miguel Nicolelis falou da decepção de ter montado o Instituto Internacional de Neurociências de Natal e não ter recebido apoio do governo da cidade ou do estado.
A matéria completa vocês podem ler clicando neste link. E aqui, no 42., vocês poderão ler o meu desabafo.
Eu tenho orgulho de ser natalense, mas por ter nascido aqui, não por ser cidadão desta cidade-sítio, onde os governantes-donos têm como único propósito de suas vidas públicas se locupletar às custas da ingenuidade e, ultimamente, impotência alheias.
Nosso vice-eleito-tornado-governador Iberê Ferreira de Souza tinha, até um dia desses, câncer no pulmão. Sorte dele que temos um hospital de referência para o tratamento de cânceres na nossa cidade, não é mesmo?
É, pura sorte, assim como acertar os números premiados da Mega Sena. Pois quando foi diagnosticado, nosso vice-tornado-governador-posteriormente passou a ir algumas vezes por ano para o que provavelmente é o hospital mais caro do Brasil, o Sírio-Libanês, em voos fretados para tal propósito.
Nossa excelentíssima prefeita Micarla de Souza (não posso confirmar parentesco entre eles, mas não me surpreenderia, sendo o meu estado governado por oligarquias familiares) sofre de um problema no sangue, talvez infelizmente herdado do pai, Carlos Alberto de Souza, ex-senador dono de um canal de tv (morto em 1998).
Novamente, prefeita de uma cidade que tem um excelente hospital para o combate de cânceres mas que, ao invés de usá-lo, visita o já citado Sírio-Libanês para uma radiografia do abdome.
Pode ser também que eles tenham medo de ir na Liga. O bairro lá é bem perigoso.
Por que não então visitar o Instituto de Radiologia? É tão pertinho da prefeitura.
Será que a prefeita não tem plano de saúde? Porque dinheiro eu sei que ela tem, já que pagou passagem para São Paulo e o atendimento e exames no hospital mais caro do país.
Quando um governante não usa os recursos disponíveis da região que administra, ele está, no mínimo, dizendo que tais recursos não prestam ou que não estão à altura de sua magnificente importância.
No máximo (talvez), ele está cuspindo na cara daqueles que só podem usar daqueles meios e não contam com um poço-sem-fundo de dinheiro público para lhes pagar passagens, hospedagem e hospitais privados.
Micarla é jornalista e dona de um canal de TV (também herdado do pai), mas Iberê sempre foi político e o tratamento dele foi bem mais caro. Sempre que ele pediu um empréstimo? Porque salário de político é razoavelmente baixo para os padrões de vida de alguns.
Mas o que isso tudo importa, agora que a Copa da FIFA vai acontecer aqui em Natal, não é mesmo?
Nós temos um estádio que vai ser derrubado, junto com todo o centro administrativo onde funciona a governadoria e suas secretarias, para a construção de um novo. Porquê exatamente eu não sei dizer (fora a oportunidade de ver muito dinheiro circulando de mão em mão que alguns de nós certamente gostam muito), mas a conversa que mais roda é que isso criará mais empregos.
Que tal abrir uma fábrica? Pelo menos depois de pronta ela vai gerar algum tipo de produto. Porque Copa do Mundo não gera empregos, gera bicos.
Voltando para o estopim deste artigo, Nicolelis diz na entrevista: “será que os governantes não pensam em como criar empregos de valor agregado, educar o povo?”
Educar o povo? Alô? Miguel, você é brilhante, mas acho que passou tempo demais fora do nosso querido país.
Um povo educado não se deixa ser cuspido na cara. Pelo menos não por muito tempo. O que menos um governante de terceiro mundo quer é um povo educado.
Eu vi algumas cenas da enchente em Alagoas e ouvi alguns comentários que partiram meu coração. Por exemplo: várias crianças adoecendo por estarem brincando na lama, mulheres desenvolvendo doenças de pele por estarem até o joelho lavando roupa em água pós-transborda contaminada, pessoas com leptospirose por beberem água da rua e demais coisas que um povo com um mínimo de educação evitaria fazer.
“Ah, mas as crianças precisam brincar…”
Sim, mas não precisa ser na lama.
Um povo educado não se contaminaria bebendo mijo de rato.
Um povo educado também não aceitaria o descaso com nossos semelhantes conterrâneos.
Um povo educado não deixa seu povo sofrer na mão de um governo mesquinho com cifrões nos olhos.
Um povo educado não permite que se torre milhões em UPAs quando nossos postos de saúde existentes estão sem condições de pleno funcionamento por falta de pessoal, material, equipamentos e, em alguns casos, estrutura física.
Nicolelis, infelizmente, deposita sua confiança na UFRN que está construindo o Campus do Cérebro que “deverá ficar pronto no próximo ano”.
Eu retornei à universidade recentemente num curso pioneiro, cheio de guéri-guéri, com investimento de bolso fundo, lousa eletrônica, prédio próprio, professores decentes, e blá blá blá que já vai no segundo ano tendo aula em salas improvisadas cedidas por outros centros acadêmicos, com cento e cinquenta alunos por sala, porque o prédio não ficou pronto.
Mais uma vez aquele número: “segundo ano”. O curso foi criado em 2009 e não existe local para funcionar.
Pelo que eu vejo, o esqueleto do prédio já está todo construído e os equipamentos todos comprados, mas falta ainda o acabamento. Afinal, não dá para assistir a aulas em salas sem janelas ou eletricidade.
Eu assisti a uma palestra de Nicolelis e chorei. Literalmente. De soluçar e precisar assoar o nariz.
Não sabia que possuía capacidade de me emocionar daquele jeito ouvindo um barbudinho carecóide falar sobre os equipamentos que crianças de comunidades carentes estão usando para aprender ciências.
Eu fiz anotações durante a palestra e comecei a escrever um artigo assim que cheguei em casa, mas nada que eu escrevia demonstrava suficientemente o quanto a escola do Instituto é revolucionária.
Eu garanto que as crianças que lá estudam estão recebendo melhor educação do que qualquer um que esteja lendo isto recebeu. Escrevo isso na pedra, com meu próprio sangue.
Igual, talvez. Pouco provável, mas não impossível. Melhor? Nunca!
Existe também um complexo de saúde para mulheres que é 100% gratuito. É tão de graça que é até difícil compreender. É mais grátis que sopão. É a coisa mais linda do mundo.
Qualquer mulher pode entrar lá e ter seu pré-natal feito pelos melhores equipamentos existentes na face do planeta Terra, terceiro a partir do Sol, sem pagar absolutamente um único centavo de qualquer moeda que seja.
O sonho de Miguel é ter um escola que vai do pré-natal à pós-graduação com o melhor ensino do mundo. Só isso.
A escola ele já tem. O resto é questão de tempo.
Eu encho os olhos de lágrimas quando penso na iniciativa de Nicolelis aqui e no futuro dessas crianças que estão na melhor escola do mundo, mas sou a favor do fechamento do instituto, da escola e de tudo mais que ele trouxe para cá.
Eu espero que a iniciativa dele cure o Mal de Parkinson, mas não aqui em Natal. Não quero ver um desses cretinos que controlam nossa política levar sequer o mínimo de crédito por algo que beneficiará absolutamente toda a humanidade sem que eles tenham movido um átomo para facilitar esse acontecimento.
Enquanto o Rio Grande do Norte e sua capital forem governados por essa patota sem o menor resquício de responsabilidade pública que, visando melhor controle posterior, não quer que nossas crianças se eduquem adequadamente (e que propagandeiam como nosso sistema de saúde é ruim indo se tratar fora), Natal não merece ter um centro de excelência em coisa alguma.
Tem dias que eu acordo com vergonha de ser natalense.
Coletânea compilada
Eu lembro de ter prometido cinco textos para “semana que vem”. Sorte minha não ter especificado quando ela viria.
Mas chegou. E para comemorar, vou jogar um artigo extra no final somente para vocês, minha audiência favorita.
Tentem descobrir onde está o bônus!
Leiam sobre a constatação irrefutável do dia em que me tornei velho: O pouco que sobra é branco;
Em seguida, uma relevante dúvida gramatico-evolutiva: Evolução;
Na sequência, a dificuldade da escolha representada por um quadrado de farinha cozida: Cream cracker;
Continuando, a famosa noite em que duas das maiores bandas de todos os tempos se apresentaram na minha cidade: Beatles e Pink Floyd farão um show juntos em Natal!;
Seguindo em frente, um causo que abre as portas e revela segredos do templo hidráulico masculino: Hipnose telefônica;
Desenvolvendo o assunto, o fim dos tempos está próximo. E todos poderão assistí-lo pela Internet: Mundo devasso;
E, finalmente, movido por um dia particularmente doloroso, este autor de não-ficção cria publica seu primeiro um de seus contos: Politicamente correto.
Eu notei da última vez que o primeiro link foi clicado 23% mais que os outros. Lembrem-se: eu recomendo a leitura de um por dia. Tentar ler todos ao mesmo tempo causa preguiça irremediável.
Divirtam-se.
Chau. Vou passear no lado negro e não sei se volto.
Eis que estava eu a pensar se ainda valia a pena permanecer por aqui quando tive uma burrifania que me fez resolver descer do púlpito erigido sobre a plataforma elevada acima da passagem de nível onde repousa o pódio sobre o qual se encontra a base do meu pedestal de marfim e ouro e pensar mais a respeito dos motivos alheios para coisas além da minha compreensão.
Foi então que senti o gostinho do lado negro.
Percebam:
Gêmeos univitelinos são geneticamente idênticos; dois organismos derivados de um mesmo encontro gamético fruto do amor entre duas pessoas. Ou estupro.
Por que então cada uma dessas pessoas tem uma personalidade diferente? Do par, um é geralmente mais calmo e passivo enquanto o outro é mais agitado e controlador.
Desde a concepção, tudo no desenvolvimento dessas duas pessoas é exatamente igual.
Exceto duas coisas: posicionamento intrauterino e o momento do nascimento.
Considerando que nosso primeiro lar é o ventre de nossas mães (cada um na sua, senão dá confusão) e que este, do nosso ponto de vista fetal, é imóvel, podemos estender a metáfora e tratar o berço primário da nossa criação como uma casa, pois apesar desta também estar em constante movimento relativo a milhões de outras coisas no Universo, está absolutamente impávida em relação ao que realmente nos importa: nosso CEP.
Uma das inúmeras “tradições milenares” (há controvérsias aqui quanto à longevidade da técnica adiante nominada) que conseguiu sobreviver às pressões seletivas socio-temporais foi o Feng Shui, que nos ensina que devemos tratar nossa habitação como a caverna de um dragão, e que para finalmente conseguirmos viver confortavelmente devemos pensar em como o supracitado mítico réptil alado se sentiria ao passear distraidamente por nossos quartos e banheiros.
A organização estética dos aposentos agradaria, segundo tal filosofia, não só aos olhos como também à alma, nos fazendo viver melhor.
Um irmão que tenha passado a maior parte do seu citomerismo embrionário num nódulo indetectável de energias domiciliarmente negativas gerado pela proximidade maior do fígado (o órgão filtrador de tudo que há de ruim no corpo da progenitora, quem sabe até incluindo as tais “energias” de efeito cumulativo e não-metabolizável) vai crescer psiquicamente mais retraído e tímido, com medo do mundo onde foi gerado.
A não ser que seja mais descontraído e relaxado, num corajoso gesto de desafio contra seu desenvolvimento oprimido.
Bom, de toda forma essa disposição relativa não é algo testável ou previsível. Mas existe, não existe?
E essa existência não é tautológica e ontologicamente prova de sua própria existência? Eu me pergunto…
Agora, deixando as coordenadas histéricas de lado, vamos ao parto:
Por mais que o intervalo de tempo entre o nascimento de um e de outro dos gêmeos seja pequeno, jamais será igual a zero. O exponencial avanço tecnológico dos nossos aparelhos de mensuração temporal prova isso com mais e mais precisão a cada dia (ou attossegundo).
Logo, isso abre caminho para uma hipótese (ou teoria, como queiram, pois a prostituição do vocabulário pelos cafetões ideológicos não conhece limites) que responsabilize o horário do acontecimento natalício como definidor do caráter pessoal.
E qual melhor marcador de tempo que o homem pré-medieval conhecia senão os astros?
Daí, um pequeno salto intelectual torna perfeitamente cromulente e aceitável a suposição da criação de uma relação causal entre a posição de pontos de luz na abóboda celeste e os maneirismos de um indivíduo qualquer em situações sociais. A Astrologia deve estar certa, eu concluo.
Isto é, desde que a facção escolhida seja a adequada.
Por que não? É tão bom quanto qualquer outro sistema, haja visto que não sabemos ainda o que define “personalidade”.
Por que não, então, usar o momento em que nascemos como padrão?
Para aceitar esse ato de fé nem precisamos definir “nascimento” também, especialmente considerando o quão complicado isso seria. Qual parte da criança precisa transpor o umbral materno para que ela possa ser considerada nascida de fato?
Vamos manter a impossibilidade de atos simultâneos para corpos diferentes enquanto consideramos dogmaticamente um recém-nascido como um ponto adimensional. Acreditar é bem mais fácil.
E já que estamos nessa, vamos abraçar também tudo que eu venho combatendo há tanto tempo.
(Tempo esse que foi completamente estruído, deixo aqui registrado.)
Como explicar inteligentemente o efeito placebo que ocorre não só em humanos adultos como também em bebês e cavalos sem poder cognitivo de enganarem a si mesmos? Por que não chamar isso de “homeopatia”?
Talvez os praticantes de Reiki não gostem muito, contudo poderíamos usar também “alinhamento de energias”, “manipulação de meridianos”, “efeitos quânticos macroscópicos” dentre várias outras denominações, pois foi justamente para isso que Deus inventou a classe gramatical dos sinônimos. Vamos todos dar as mãos e usá-los.
Quem sabe esse toque não seja também terapêutico e milagroso?
É tão mais fácil assim. Aceitar. Simplesmente aceitar.
Explicações são tão demoradas e complexas. Fé é sempre o melhor caminho.
Ou pelo menos o de menor resistência para nossos elétrons mentais. Uma espécie de “aterramento intelectual”.
Qual razão teríamos para complicar o mundo quando ele tem dado certo até agora?
Por mais argumentum a posteriori que tenham sido os últimos dez mil anos, o fato irrefutável de nós estarmos aqui, eu escrevendo e você lendo, prova que o mundo funciona.
Método científico? Pensamento crítico? Racionalidade? Ceticismo? Às favas com todos eles.
Se Ugh, nosso ancestral testudo, tivesse parado para raciocinar, medir e tentar entender o comportamento do felino dentuço que o perseguia à toda velocidade, não estaríamos aqui, repassando à frente, para a próxima geração, nossos medos originais de fábrica e já pré-instalados nem forçando as pobrezinhas das nossas crianças a tomar decisões que afetarão suas vidas enquanto eles não têm capacidade sequer de entender o que significa “futuro”.
É impossível ensinar alguém a pensar.
Aliás, até agora tem sido impossível entender como alguém pensa, já que ainda não inventaram um medidor de ideias.
Então, se pode existir um pensamento inexplicável em mentes separadas, como provar que telepatia também não existe e que é apenas um pensamento compartilhado pelo Sub-Etha através de um processo sensormático?
Quem me garante com 100% de certeza que Medicina e Farmacologia funcionam e que Biologia, Física e Química estão 100% corretas o tempo todo?
Homeopatas, padres, acupunturistas, rabdomantes, hippies, vendedores de cristais e água ozonizada, terapeutas do esparadrapo, cartomantes, videntes, usuários de Mac, veganos, cromoterapeutas e demais crentes têm absoluta confiança em seus tratamentos/estilos de vida e me garantem sem qualquer margem de erro que estão completa e irremediavelmente corretos em suas asserções e escolhas de seus objetos de adoração venerável.
Qual dos dois parece mais tentador? A incerteza hesitante ou a certeza categórica?
Devo admitir; depois que os olhos se adaptam ao obscurantismo e o nariz se acostuma com o cheiro da decadência, o lado negro não parece tão ruim.
Até a volta.
Se houver uma.
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P.S. Todavia, como ainda não tenho um tumor intratável no meu lobo parietal nem sofri lobotomia frontal total, sei que Autohemoterapia não funciona.
Nem no Mundo Mágico da Loucura Absoluta a AHT funcionaria.
Limites existem até para os delírios mais insanos.
Resenha: Guia Mangá de Biologia Molecular
Nunca li mangá na vida. Acho que essa é a melhor maneira de começar esta resenha.
Não posso dizer que estava preparado para a frenética variação emocional errática das personagens que conseguem, em uma página, passar por toda a gama de emoções que uma pessoa pode exprimir e mais algumas que só existem em desenho, mas acho que a juventude de hoje em dia entenda melhor que eu, manow. (Usei a gíria adequada?)
Passado o choque inicial, comecei a me divertir com a estória, que é de fácil imersão e abstração e o balanço entre ficção e conteúdo teórico é tão bem feito que minha suspensão de descrença ficou intacta praticamente o tempo todo.
E quando a informação fica difícil demais, o guia, um dos personagens da estória, liga o “modo fácil” que realmente ajuda na fluência.
O volume, apesar das quase duzentas e vinte páginas, pode ser facilmente lido em uma tarde, mas, a não ser que você tenha uma capacidade infinita de absorção de conhecimento (ou seja um biólogo molecular), não recomendo que o faça. Se você já não souber do que se trata, é muita informação prum dia só.
Por isso (eu acho, estou especulando aqui) o livro é dividido em cinco capítulos. Uma criança (para quem eu espero que o livro seja direcionado) poderia facilmente ler e aprender quase tudo ali no decorrer de uma semana de leitura.
Falando em criança, esse é o tipo de publicação que eu gostaria de ter lido vinte anos atrás.
Várias páginas ininterruptas de desenho, intercaladas com cinco ou seis de puro texto, aprofundando o assunto.
Não que biologia fosse meu filão na infância, mas já se fosse um de física…
Se bem que esse seria exatamente o tipo de livro que me faria querer virar técnico de PCR. Nasci para ser peão engenheiro mesmo
Uma coisa me decepcionou, no entanto: a falta de cores.
A capa é uma beleza e um desmantelo de informação multicromática, mas as páginas são todas em pretibranco, o que deve dificultar o interesse imediato de alguns estudantes.
Juventude de hoje em dia é acostumada com TVs digitais e suas mil milhões de cores. No meu tempo até as árvores eram em preto e branco!
Não, estou exagerando um pouco, o verde já tinha chegado na minha cidade naquela época.
Mas eu lembro de um livrinho com uma coletânea das tirinhas do recém-lançado Recruta Zero que demorei a ler porque era em tons de cinza.
Passando disso, o conteúdo é realmente muito bom e as explicações são fáceis de entender, especialmente quando o leitor é quem dita o passo.
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Guia Mangá de Biologia Molecular |
A presença constante de ideogramas me deixou curioso, porque não tenho como saber se tudo aquilo está sendo traduzido ou não, no entanto eu não me importo muito em não entender tudo da primeira vez, pois quem sabe um dia eu não aprendo japonês, volto a ler a estorinha e descubro piadas novas depois de tantos anos? (Eu acho que entendi “peixes mortos no rio”, porém.)
Esse é um tipo bom de incitação à curiosidade.
Agora vamos ao desconto que eu sei que vocês adoram.
A editora, que foi gentil o suficiente para me mandar o volume resenhado aqui, abaterá 20% do preço de capa (que cairá de quase quarenta para quase trinta reais) para quem comprar direto da página informando o código “42” no carrinho de compras. E a promoção é válida por todo o site até 30 de junho!
Aproveitem!