Centenário de Josué de Castro

O pernambucano Josué de Castro, falecido em Paris em 1973, completaria hoje cem anos de idade. Apesar de médico por formação, a contibuição intelectual de Josué de Castro se estende para as áreas de antropologia, geografia, nutrição, sociologia… Grande estudioso do fenômeno da fome, seu livro mais conhecido talvez seja “Geografia da Fome“, de 1946, em que analisa profundamente o problema da fome no Brasil. Segundo o próprio Castro, sua atenção para o fenômeno da fome foi despertada observando a ação humana nos mangues e alagados do Recife. É um clássico brasileiro, extremamente atual, mas parece que meio esquecido pela geração mais nova. Fica aqui esta pequena homenagem dos Geófagos.
Ítalo M. R. Guedes

O modismo ambiental e a educação superior brasileira

Corriqueiramente venho observando a invasão do termo ambiental em cursos superiores brasileiros. Muitos desses já consagrados e outros nem tanto vêm incorporando em seus nomes tal termo com uma série de objetivos, nos quais o único não existente é a preocupação com a preservação e/ou conservação ambiental. Pra ser bem honesto, na minha opinião a maioria desses tem o feito com um só objetivo, a atratividade que o termo hoje gera. O resultado é a atração de vestibulandos interessados no tão falado mercado de trabalho aquecido da área ambiental. Com relação a essa questão quero tecer alguns comentários. Primeiro sinto-me no dever de mais uma vez colocar que as questões ambientais são multidisciplinares, portanto, todos têm o seu espaço. Em segundo lugar o fato de inserir ao nome do curso termos como ambiental, meio ambiente, gestão ambiental, etc… por si só não fazem desses formadores de bons profissionais. É preciso muito mais que isso, é preciso profissionalismo, é preciso estrutura e tambem é preciso uma grade de disciplinas, além de docentes preparados e compromissados com a formação de tais profissionais. Tem-se observado o aumento assustador de cursos criados ou reformulados nesses moldes e isso é sim preocupante. Faz-se necessário que o Ministério da Educação e os conselhos federais e estaduais de classes se manifestem com relação a essa prática ou será necessário, e isso não está muito distante, acionarmos o Procon contra a propaganda enganosa de muitos desses cursos superiores no Brasil (Obviamente essa última colocação tem um tom irônico). Presenciei recentemente uma discussão entre colegas onde discutia-se a incorporação de disciplinas na área ambiental em cursos já consagrados em universidades brasileiras também já consagradas. Fiquei assustado com os teores das colocações de profissionais experientes na educação superior, vários deles com mestrado, doutorado, pós-doutorado, etc. Diversas vezes os ouvi dizer que gostariam de tais disciplinas pra esse ou aquele curso apenas para constar no currículo pois isso os permitiria concorrer às muitas vagas existentes para a área ambiental. É verdade que opiniões preocupadas com a qualidade de tais disciplinas também foram colocadas mostrando que alguns ainda apresentam bom senso e responsabilidade profissional. Mas infelizmente, ao que percebo, essas opiniões são excessões à regra. É preciso ter-se mais responsabilidade com a educação superior brasileira pois o objetivo final da mesma é formar-se profissionais que, por sua vez, farão parte do desenvolvimento do país.
Carlos Pacheco

Blogosfera Recifense

Aos poucos, para desassustar, vou tentando me familiarizar com minha nova morada, a cidade do Recife. Apesar da violência onipresente, não há como negar que o Recife tem atrativos invulgares, principalmente no que diz respeito à vida cultural. Aos poucos vou explorando também a blogosfera recifense e hoje tive a sorte de encontrar casualmente um blog muito bem escrito, chamado Estuário. Aqui está um link para um dos melhores posts que já li em toda blogosfera. Isso é que é crônica urbana.
Ítalo M. R. Guedes

Sobre a importância das obras na arte de pregar

Outro dia escrevi um texto cujo objetivo era para mim muito claro: não importa discutir, falar sobre meio ambiente, sobre mudanças climáticas, aquecimento global se nossas próprias ações são a causa disso tudo e não nos dispomos a agir diferente. Padre Antônio Vieira, em seu Sermão da Sexagésima, enunciou as palavras que eu gostaria de ter falado: “O pregar, que é falar, faz-se com a boca; o pregar, que é semear, faz-se com a mão. Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias obras.” Embora em geral meu post tenha sido bem recebido, parece ter causado alguma irritação. Os que leram, desagradados, o que escrevi, reclamando alternativas, soluções práticas, lembram-me um fumante que, informado do câncer no pulmão, reclama remédios e uma cura rápida mas descrê do médico quando este lhe sugere parar de fumar. Peço, releiam o texto, pensem um pouco e chegarão a algumas soluções. Será necessário um outro post convencendo-os a não serem consumistas? Uma série de textos propagandeando as vantagens de se andar a pé, de bicicleta, ou no mínimo utilizar mais os transportes públicos? Teremos que explicar que se não houver compradores para arranha-céus dentro do mar, estes deixarão de ser construídos? Será realmente necessário explicar ao cidadão bem informado que os confortos a que ele se acostumou e exige têm um preço alto, não monetário, mas ambiental e social? Não, acho que na verdade, o incômodo veio em grande parte porque tentei mostrar que se não agirmos, se só discutirmos, a situação não vai melhorar. Seria melhor que eu tivesse proposto tecnologias inovadoras, futuristas e falasse, falasse, falasse… Eça de Queiroz já culpava o amor ibérico à oratória pela situação de atraso de Portugal do século XIX. Não preciso dizer que quando ele sugeriu que ao invés de discussar, agissem, foi violentamente criticado. Novamente Antônio Vieira: “A pregação que frutifica, a pregação que aproveita, não é aquela que dá gosto ao ouvinte, é aquela que lhe dá pena”. Duras palavras para uma geração de hedonistas, de mauricinhos e patricinhas. Não quer dizer que não sugeriremos soluções, como já temos feito várias vezes nestes mais de dois anos de Geófagos, quer dizer apenas que não estamos do lado dos que preferem ficar nas palavras. Dos politicamente corretos que defendem os saberes de minorias enquanto vestem roupas de grife depois de um banho de uma hora com chuveiro elétrico ligado. Não compactuamos com a ditadura da simpatia.
Ítalo M. R. Guedes

Olhos abertos para concorrência

 
Nos meus últimos dois posts enfatizei que o Brasil se ressente da falta de valores orientadores (background) e, muito embora todas as atividades que requerem monitoramento da qualidade dos solos possam ser realizadas com base em valores adotados em outros países, há necessidade de se definir valores próprios para melhor avaliar os impactos das várias atividades antrópicas sobre a qualidade dos solos. Tal necessidade é ressaltada tendo em vista as peculiaridades geológicas, climáticas, hidrológicas e geomorfológicas, as quais atuam de maneira preponderante na diferenciação de solos de regiões tropicais. Além disso, face ao crescente uso do solo como receptor final de resíduos industriais, muitas das vezes sem nenhuma preocupação ambiental (lembremos que o solo não é uma lata de lixo) e também ao recente incentivo do CNPq às pesquisas destinadas a busca por novas alternativas de condicionadores de solo ou fontes de fertilizantes para plantas, a partir de materiais naturais- que não deixam de conter elementos potencialmente nócivos a saúde, a criação de um banco de dados de elementos-traços auxiliará os órgãos de fiscalização ambiental na tomada de decisões, no que refere ao impute antrópico destes elementos nos solos.
Diante desta incomensurável oportunidade de pesquisa, o Professor Jorg Matschullat da Universidade de Freiberg, Alemanha, enviou uma proposta para os órgãos de financiamento à pesquisa deles e angariou recursos para vir ao Brasil, juntamente com 12 estudantes alemães, do curso de Geoecologia, para dar o pontapé incial ao BRASOL 2010, nome dado ao projeto. O BRASOL 2010, prevê a coleta de amostras de solos em todo o território nacional, sob diferentes matrizes geológicas. As análises de elementos-traço serão realizadas na Alemanha e os resultados obtidos sugeridos como valores orientadores para solos do Brasil. Não obstante a grande paixão do prof. Matchullat pelo Brasil, ele está fazendo um “serviço” que deveria ser desenvolvido por algum professor Tupiniquim. Acho que alguém dormiu ou está dormindo no ponto!
Uma primeira etapa desse projeto já teve inicio agora em julho 2008 na região nordeste do país. Felizmente, um Geófago pode participar desta primeira etapa, juntamente com o Prof. Jaime Mello/UFV e Prof. Germano Melo/UFRN, na qual a aquisição de conhecimento e troca de experiências foram os maiores ganhos desta viagem. Eu poderia escrever linhas e linhas sobre a viagem, mas para deleite de nossos leitores, deixarei o link do blog do BRASOL 2010 para que possam ler e se ater às peculiaridades do Brasil descritas por olhos não viciados. A maioria dos textos estão em inglês e alemão, mas há também alguns em português.
http://brasol2010.pegleg.de/?paged=5
Espero que se divirtam!
Juscimar

Elementos-traço: enriquecimento do solo e valores orientadores II

 
A obtenção de valores de referência de elementos-traço, embora incipiente no Brasil, já é bem estabelecida em países como Estados Unidos, Alemanha, França e, principalmente, Holanda, que desenvolvem respeitáveis políticas ambientais para proteção do solo e das águas subterrâneas, por meio de suas agências de proteção ambiental. A Holanda foi a pioneira em criar sua lista de valores orientadores, e atualmente apresenta uma metodologia já consolidada de avaliação de risco, fundamentada em critérios científicos, denominada C-soil. Na União Européia existe a “Estratégia Temática para Proteção do Solo” que estabelece bases e regulamentações para manutenção ou, até, melhoria da qualidade do solo.
Até o presente momento, apenas os estados do Rio Grande do Sul e São Paulo, supostamente, já têm alguma definição quanto aos valores de referência para elementos-traço em solos. No estado de São Paulo, a definição dos valores orientadores, por intermédio de sua agência ambiental – CETESB, teve por base a metodologia adotada em outros países, principalmente a Holanda. Neste País, os valores de referência de qualidade são derivados a partir de algumas propriedades dos solos. Não obstante, os valores de referência adotados pela CETESB não estão relacionados com características dos solos, sendo considerado um único valor de cada elemento para os solos de todo o estado.
Recentemente foi publicado um trabalho formulando uma proposta de valores de referência para “solos do Brasil”. Nesta proposta, sugere-se a definição dos valores de referência para vários elementos-traço a partir de algumas características dos solos tais como: capacidade de troca catiônica e teores de silte, argila, ferro e manganês, por meio de equações empíricas, denominadas funções de classificação, obtidas experimentalmente. Tal proposta, entretanto, utiliza algumas características de solo com base teórica questionável e agrupa os solos por similaridade estatística (análise de agrupamento), aparentemente sem qualquer controle por formação geológica. Além disso, possivelmente utiliza-se de amostras majoritariamente do estado do Rio de Janeiro, carecendo de confirmação em estudos de maior abrangência, com maior número de amostras, de modo a pretender o âmbito nacional. Além desse trabalho, existem também vários estudos pontuais avaliando os teores de elementos-traço em solos brasileiros, sugeridos para serem adotados como valores de referência.
Obviamente, variações significativas nos teores naturais de elementos-traço podem ser esperadas, mesmo dentro de classes de solo relativamente homogêneas pelos padrões pedogenéticos. Processos diferenciados de formação das diferentes rochas, ígneas, metamórficas e sedimentares, em tese conduzem a diferenças na distribuição de elementos-traço em solos e sedimentos. Por exemplo, um Latossolo Vermelho originado de sedimentos detrito-lateríticos terciários poderá apresentar teores diferentes de elementos-traço em relação a esta mesma classe de solo originado de um basalto cretáceo. Por outro lado, os processos pedogenéticos tendem, até certo ponto, a homogeneizar os produtos de intemperismo dos materiais parentais. Há de se ter em mente que boa parte dos solos desenvolvidos sob condições tropicais é passível de intenso processo de redistribuição de material, não só ao longo do perfil, mas também lateralmente, que talvez alterem o padrão de herança geoquímica originalmente presente.
Via de regra, a metodologia adotada na definição destes valores permite também derivar valores relacionados com riscos ecotoxicológicos, que foram designados, no Brasil, como “valores de alerta” e “valores de investigação”, bem como valores relacionados com as concentrações naturais destas substâncias nos solos, denominados “valores de referência de qualidade”.
Indubitavelmente, os valores orientadores estabelecidos para uma região específica não devem ser adotados para outras, não obstante a proximidade geográfica. Em especial os valores de referência de qualidade que merecem a criação de um banco de dados global, tendo em vista a diversidade e as peculiaridades das formações geológicas e dos solos. Por fim, a determinação detalhada de valores de referência permite a tomada de decisões mais seguras quanto a usos de solos. Por exemplo, a constatação de valores de background naturalmente altos em determinado solo pode auxiliar na tomada de decisão quanto ao uso deste solo como área de disposição de resíduos industriais. Em termos de uso agrícola, será possível distinguir adição antrópica, via aplicação de insumos, do teor natural de elementos tóxicos no solo. Neste caso, também, pode-se tomar decisões mais racionais quanto à utilização de insumos como fosfatos, gesso agrícola, calcários, escórias de aciaria e lodos de esgoto ricos em elementos tóxicos em solos que naturalmente apresentam concentrações altas destes elementos.
Juscimar Silva

A Ciência, a arte e os repentistas

Richard Dawkins gastou todo um livro tentando convencer os leitores de que a visão científica do mundo não é incompatível com a visão, por assim dizer, artística. O livro se chama “Desvendando o Arcoíris”, creio ser uma tentativa do autor de desmistificar as tais guerras culturais e pertence à fase em que ele era um excelente divulgador científico e ainda não se tornara pregador. Dawkins argumenta que a beleza vislumbrada por um cientista  ao desvendar algum aspecto do funcionamento do universo poderia encantar também artistas que se esforçassem um mínimo em sanar sua propalada iliterácia científica. Sinceramente, não vejo por que Ciência e Estética não se possam combinar ou por que entender e ver cientificamente o mundo tire algum encanto do mesmo. Pelo contrário. Esta aparente incompatibilidade é desmentida pelas obras de artistas de ficção científica como Arthur C. Clarke, Dan Simmons e Kurt Vonnegut; pelos ótimos escritos de Bráulio Tavares; pela excelente prosa de Charles Darwin, tanto no Origem das Espécies quanto em alguns livros menos conhecidos, como The Formation of Vegetable Mould; e antes que me esqueça, nos brilhantes ensaios de Stephen J. Gould na Natural History. Mas onde vi melhor temas científicos, o próprio jargão científico, ser usado de forma poética, algumas vezes brilhantemente, foi em versos improvisados de repentistas nordestinos. Lembro-me de ter ouvido em versos de repente uma descrição minuciosa e invocadora dos órgãos reprodutivos de uma flor numa forma que nenhum livro de Biologia que eu tenha lido fez. Isso foi em minha remota adolescência e não guardei o nome do poeta, talvez tenha sido Ivanildo Vila Nova, ou até mesmo Pinto de Monteiro, realmente não lembro. Aliás, entre estes artistas, reprovável é não ter conhecimento sobre Ciência: pobre do ignorante que cair nas mão de um mais versado. Pensando bem, talvez esteja aí um meio de divulgação científica ainda pouco ou quase nada usado, mas de tremendo potencial. Quem me dera saber fazer repentes.
Ítalo M. R. Guedes

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