Metais pesados em solos: Metais como poluentes ambientais

Quase todos os metais presentes no ambiente são biogeoquimicamente ciclados desde a formação do planeta e, por isso, são de ocorrência natural. Entretanto, recentemente, tem sido observados “inputs” desses elementos de origem antrópica. Muitas dessas entradas provêm do descarte de resíduos, deposição atmosférica, uso de agroquímicos, ou mesmo reuso de resíduos urbanos e industriais. O crescente incremento de metais pesados nos diversos ecossistemas terrestres tem sido acompanhado pela preocupação com a disseminação desses elementos, em concentrações que podem comprometer a qualidade dos ecossistemas.
É necessário que se distingua a priori contaminante e poluente. Essa definição ainda é ambígua, sendo diferente dependendo da área. Quando se trata das ciências agrárias, por exemplo, é comum que poluente seja definido como um elemento ou composto que ocorre em concentrações mais elevadas do que as naturais, enquanto que contaminante é entendido como aquele elemento ou composto cuja concentração encontrada é suficiente para provocar danos aos componentes bióticos. Quando se trata de estudos na área de saneamento ambiental, é comum encontrar-se definição contrária, invertendo portanto, o sentido de tais definições. Faz-se necessário então a padronização de tais conceitos.
O problema central associado à contaminação dos solos por metais pesados se deve a existências de formas biodisponíveis desses elementos. Os metais encontrados nas formas solúveis e trocáveis são aqueles que apresentam maior biodisponibilidade, sendo, portanto, as formas mais preocupantes. Na forma solúvel, o metal está na forma iônica ou de complexos orgânicos e é facilmente absorvido pelas plantas ou é lixiviado, podendo atingir os corpos d´água subterrâneos. A lixiviação ocorre quando a carga crítica do solo é superada ou reduzida devido à mudanças ambientais, passando o solo a funcionar como um dreno e não mais como filtro. Já na forma trocável, o metal ligado eletrostaticamente em sítios de adsorção carregados negativamente na matéria orgânica ou em minerais, pode ser facilmente trocado por íons presentes na solução do solo, sendo então biodisponibilizados.
As concentrações desses elementos como íons livres na solução, ou como complexos quelatos-metálicos solúveis, são influenciadas por aspectos ambientais que possam afetar características dos solos como as condições de oxidação e redução e a acidez. De modo geral, condições oxidantes (quando o solo é bem drenado) ou ambientes mais ácidos favorecem a existência de formas biodisponíveis desses elementos. Em minerações de ouro, por exemplo, o minério está geralmente associado a minerais sulfetados que, quando expostos à condições oxidantes, tem o sulfeto levado a sulfato, com a conseqüente formação de ácido sulfúrico e então do fenômeno denominado Drenagem Ácida de Minas. Esse fenômeno têm frequentemente sido citado na literatura como um possível solubilizador de diversos tipos de metais pesados, entre eles o Arsênio, um dos elementos mais tóxicos aos seres vivos já estudados.
Os metais pesados são elementos não biodegradáveis e apresentam, geralmente, mais de um estado de oxidação. Esses diferentes estados de oxidação determinam sua mobilidade, biodisponibilidade e toxicidade. De modo geral, o tempo de residência de alguns metais pesados em solos é citado por BRIDGES (1991) como sendo entre 75 e 380 anos para o Cd, 500 a 1000 anos para o Hg e os mais fortemente adsorvidos são As, Cu, Pb, Se e Zn que têm tempo de residência de 1000 a 3000 anos. Esses elementos ainda podem ser bioacumulados, ou seja, podem ser acumulados nos seres vivos. Dessa forma, eles podem passar de espécie a espécie ao longo da cadeia alimentar, sendo encontrados maiores teores em níveis mais altos da mesma, correspondendo aos predadores.
Metais pesados podem interagir de maneira diferente com os organismos, levando os seres vivos a disfunções mais simples ou também ocasionar graves danos que podem levar à morte. Disfunções orgânicas como alterações enzimáticas podem ocorrer. As enzimas são responsáveis por controlr a velocidade das reações metabólicas no corpo humano. Elas, na presença de metais pesados, não agem normalmente graças à afinidade dos radicais SH (sulfidrilas) pelos metais. A disfunção das mesmas então pode levar o indivíduo à morte.
É importante lembrar que as populações estão expostas aos poluentes de várias maneiras. Isso pode acontecer pelo consumo de alimentos, de água, por via inalatória, dérmica, etc. É importante frisar novamente ainda, que as concentrações dos poluentes são magnificadas nos vegetais e animais, constituindo a chamada biomagnificação (bioconcentração ou bioacumulação). Isso acontece, por exemplo, com o mercúrio, que apresenta concentrações em certos peixes, que alimentam populações muitas vezes maiores do que na água do lago ou rio em que vivem.

Também temos o que ensinar!

O texto escrito por Jeffrey D. Sachs, economista e diretor do Earth Institute da Columbia University publicado na Scientific American Brasil (Junho, Ano 6, no. 73) intitulado ‘A Revolução Verde Africana’ atraiu minha atenção nos seguintes aspectos: de acordo com as informações contidas no texto, a produtividade alimentícia no continente africano é de aproximadamente 1 tonelada métrica de grão por hectare de terra cultiva, o que corresponde a um terço da produtividade alcançada por outros continentes. Este insucesso creditado às mudanças climáticas e a depleção dos nutrientes do solo já atingiu proporções críticas nessas regiões. Assim, estes fatores aumetam a vulnerabilidade da África à insegurança alimentar, haja visto que os preços ascendentes de alimentos no mundo impuseram uma carga paralisante ao continente, na qualidade de importadora de alimentos. Ainda no início do texto, o autor cita que para o continente africano “já está na hora de uma benção agrícola como a que impulsionou as perpectivas da Ásia” e foi está frase que me fez indagar: por que a Ásia e não o Brasil? Indubitavelemente, concordo com o autor que postula o uso de sementes de alta produtividade, fertilizantes e manejo adequado da irrigação como sendo primordiais para aceleração da produtividade agrícola, entretando, isso é “chover no molhado”. Ao invés de incitar a aquisição de insumos, que embora importante só interessa às grandes multinacionais, mais interessante seria explorar as experiências vencedoras da Revolução Verde em outros países.
É salutar lembrarmos que nas décadas de 60 e 70, o Brasil iniciou tal processo e hoje acumula experiência de sobra para superar qualquer modelo asiático financiado por agências americanas. Desenvolvemos tecnologias próprias, tanto em instituições privadas quanto em agências governamentais, como a Embrapa e as universidades. Em menos de 30 anos, o Brasil saiu de uma agricultura familiar e se firmou como um dos maiores produtores agrícolas do mundo. Exemplo mais claro é a tecnologia da fixação biologica do nitrogênio (processo pelo qual o N2 fixado da atmosfera por bactérias diazotróficas, Rhizóbios, em simbiose com as raíses de plantas é convertido em compostos nitrogenados, amônio ou nitrato, usados em diversos processos químico-biológicos do solo, especialmente importantes para a nutrição de plantas) que foi o motor propulsor que levou nosso país a ser o principal produtor de soja do mundo. Tal tecnologia também é utilizada na cultura da cana-de-açucar, pivô de ciúmes internacionais devido ao grande potencial para obter a partir dela o ethanol (combustivel limpo que atua duplamente e de forma positiva na luta contra o aquecimento global – sequetro e redução da emissão de CO2 principal gás causador do efeito estufa). Além do mais, se considerarmos a relativa “similaridade pedológica” entre Brasil e África, a experiência brasileira no que tange ao uso eficiente de fertilizantes, manejo de solos, plantio direto (somos o segundo no mundo em área plantada), uso de sementes adaptadas e de alta produtividade, uso adequado da água, dentre outros fatores associados à carência tecnológica do continente africano, temos informações e conhecimentos adquiridos (também com os erros porquê não!) suficientes para serem partilhados.
Então por que uma quantidade limitada de textos, opiniões, artigos, etc. internacionais citam o Brasil como exemplo de sucesso a ser seguido. Essa talvez seja uma das perguntas que deviriamos nos fazer! Em conversa informal entre a equipe Geófagos, nós temos a convicção de que as informações obtidas ao serem publicadas em periódicos nacionais (Revista Brasileira de Ciência do Solo, a principal do país na área das Ciências Agrárias) é um dos principais entraves à divulgação científica, uma vez que poucos países falam a lingua portuguesa. Entretanto, numa iniciativa bem pensada, de uns anos para cá a Revista Brasileira de Ciência do Solo passou a aceitar artigos científicos escritos na lingua inglesa o que aumentarrá em muito a inserção internacional dos produtos obtidos aqui. Contudo, devemos ser mais ágeis nesse sentido porque corremos o risco de não sermos lembrados uma vez que não estamos sendo vistos.

Entendendo a contaminação de solos como uma bomba relógio

Quando os solos recebem cargas de contaminantes, seus diversos componentes atuam no sentido de diminuir a mobilidade dessas substâncias. Isso caracteriza as barreiras geoquímicas de GLAZOVSKAYA (1990). Porém, os contaminantes outrora acumulados, se incorporados continuamente, atingirão a carga crítica do solo em questão. Essa carga crítica pode ser definida como sendo a quantidade máxima de um certo contaminante que um ecossistema pode suportar sem graves danos às suas funções ecológicas (NILLSSON & GREENFELT, 1988).
A liberação dos contaminantes nos solos e sedimentos pode ocorrer quando: (1) teores de contaminantes superam a carga crítica do solo ou (2) a carga crítica do solo é reduzida devido a mudanças nas condições ambientais, modificando a capacidade de retenção de compostos ou elementos químicos individuais. Possíveis fatores de modificação são mudanças climáticas, acidificação, erosão, mudanças no uso da terra, entre outras (SMIDT, 1991). Uma vez liberados, os químicos podem atingir os suprimentos de água superficiais e subterrâneas ou serem absorvidos pelos vegetais via solução do solo. Pode-se antever então a possiblidade de entrada dessas substâncias na cadeia alimentar causando risco a toda biota.
Geralmente as mudanças ambientais causadoras da liberação dos químicos são lentas, e os fatos acima descritos, então, caracterizam as chamadas liberações retardadas ou, normalmente denominadas, Bombas Químicas de Tempo (BATJES & BRIDGES, 1993).
Bombas Químicas de Tempo foram definidas por STIGLIANI (1991) sendo “o conceito que se refere a uma cadeia de eventos, resultando na ocorrência de efeitos danosos retardados e repentinos devido à mobilização de compostos ou elementos químicos estocados em solos e sedimentos em resposta a lentas alterações no ambiente”.
SMIDT (1991) define as Bombas Químicas de Tempo como sendo agentes xenobióticos acumulando-se no meio ambiente sem causar dano ao mesmo, até certo momento a partir do qual surgem, de forma inesperada, danos apreciáveis e, muitas vezes, irreversíveis. É um dano crônico, por requerer um intervalo apreciável de tempo entre a exposição e o dano, e agudo uma vez que o dano ocorre inesperadamente e intensamente.
Esses conceitos permitem o entendimento do acúmulo de algumas substâncias químicas danosas ao ambiente em solos e sedimentos como uma bomba relógio. Logicamente o termo Bombas Químicas de Tempo é utilizado apenas como uma metáfora, representando uma analogia entre as Bombas Químicas de Tempo e as bombas relógios convencionais (KLIJN, 1991).
Esta comparação se torna possível, uma vez que em ambas situações se tem um estoque de explosivos e um agente detonador. Sem um dos dois a explosão não seria possível, portanto não existiria a bomba. O estoque de explosivos é representado pelo acúmulo de compostos ou elementos químicos nos solos e sedimentos, enquanto que o detonador é representado pelas lentas alterações no ambiente (KLIJN, 1991).
Outra semelhança às bombas relógios convencionais é descrita por KLIJN (1991). A semelhança consiste na presença de um alvo de contaminação. Esse alvo pode ser entendido como o compartimento afetado pela liberação do poluente. Dessa forma, podemos entender como possíveis alvos das Bombas Químicas de Tempo, as águas subterrâneas (freáticas ou artesianas), águas superficiais ou mesmo a biota (vegetais, animais e microrganismos).
Um exemplo clássico que consegue correlacionar satisfatoriamente a ação de uma substância química acumulada durante um certo período de tempo com os efeitos intensos provocados pela sua liberação é descrito por STIGLIANI (1988 ) em sua publicação denominada “Changes in valued capacities of soils and sediments as indicators of non-linear and time-delayed environmental effects” acerca dos efeitos provocados pela intensa liberação de SO2 na bacia do Big Moose Lake, no Estado de Nova York, Estados Unidos. O pH do lago permaneceu constante entre 1760 até 1950. A partir de então o pH do lago caiu cerca de uma unidade logarítimica em um intervalo de 30 anos. Esse fato ocorreu cerca de 70 anos após o início e 30 anos após o pico das emissões. A lenta mudança ambiental, nesse caso, é a queda gradual da capacidade tampão dos solos da bacia hidrográfica pela acidificação e como conseqüência a redução da capacidade tampão das águas do lago. A redução da capacidade tampão dos solos provavelmente foi causada pelo acúmulo da substância em questão em níveis superiores à carga crítica dos solos e sedimentos, ou o que é mais provável, a redução da carga crítica desses compartimentos ambientais devido à acidificação. Essa redução acarretou em mortandade de peixes no lago, exemplificando assim todas as fases das Bombas Químicas de Tempo.
Nesse exemplo o acúmulo de SO2 e outros elementos ou compostos poluentes caracteriza os explosivos. As lentas alterações ambientais provocando a redução no poder tampão dos solos e sedimentos e consequentemente a liberação de elementos ou compostos graças à acidificação representa o detonador. Já a redução do pH das águas do lago com o aporte dos poluentes e a conseqüente mortandade de peixes são os efeitos que caracterizam que os alvos foram atingidos.
A carga crítica dos solos depende principalmente de fatores (características) do próprio solo como, por exemplo, teores de matéria orgânica, óxidos de ferro, alumínio e manganês, pH, textura e capacidade de troca catiônica. Dessa forma, é possível mapear a carga crítica dos solos utilizando-se de índices calculados de acordo com a importância de cada variável no fenômeno de retenção de poluentes em solos. Esse é o princípio da obtenção de mapas de vulnerabilidade de solos à contaminação por compostos químicos. Áreas mais vulneráveis são aquelas onde a carga crítica é menor enquanto áreas menos vulneráveis são aquelas onde a carga crítica é maior.
Todo o cenário mostrado caracteriza a importância de estudos referentes às Bombas Químicas de Tempo. Esses estudos devem se concentrar na previsão de efeitos danosos devido ao acúmulo de químicos nos ambientes e a adoção de medidas mitigadoras dos efeitos potencialmente danosos aos meios físico, antrópico e biótico. Dessa forma, é necessária a obtenção de ferramentas que permitem antever e prevenir esses efeitos. Posteriormente essas ferramentas devem ser adotadas permitindo um manejo, uso e ocupação dos ambientes mais racionais e assim constituírem um importante passo para a obtenção de um desenvolvimento ecologicamente sustentável.

Adubo, comida e fezes urbanas

No filme Waterworld, com o ator americano Kevin Costner como protagonista, a maior parte das terras emersas desapareceu (possivelmente por descongelamento de geleiras polares em uma Terra mais quente) a ausência de terras agricultáveis força os humanos a reciclarem seus mortos visando a reutilização dos nutrientes neles “seqüestrados”. Embora não ache a idéia de modo algum absurda, não creio que precisemos de atitudes como esta tão rapidamente. No entanto, penso que a humanidade se defrontará com desafios semelhantes em um futuro próximo e soluções inovadoras serão necessárias. Para produzir alimentos para uma população crescente e manter os preços destes alimentos em níveis acessíveis, parece ser necessário fazer agricultura em escala industrial e a única forma até agora utilizada para isto é usando-se quantidades grandes de insumos, principalmente adubos. Os adubos, ou fertilizantes, garantem a nutrição mineral das plantas cultivadas e a necessidade de seu uso advém do fato de que os solos possuem um estoque finito de nutrientes minerais. Uma vez exauridos estes estoques, faz-se necessária a aplicação de fertilizantes concentrados para a manutenção da produção agrícola. Os nutrientes minerais são absorvidos pelas raízes e então distribuídos para as várias partes do corpo da planta. Quando se colhe uma cultura agrícola, embora alguma parte da vegetação permaneça no campo de cultivo  devolvendo ao solo os nutrientes absorvidos após a decomposição do material orgânico, uma fração considerável, e em alguns casos majoritária, é retirada da área de cultivo e os nutrientes nestes produtos são irreversivelmente “exportados”. O fato de estes nutrientes exportados não serem recuperados para as terras produtoras é uma das causas maiores da necessidade do uso de fertilizantes. Mas qual o problema de se usar adubos? Alguém mais ou menos familiarizado com o assunto pensaria logo na poluição das águas subterrâneas e estaria certo. Este problema, porém, pode ser contornado ou resolvido pela adoção de práticas adequadas de manejo da adubação. O grande problema é que as fontes de adubo são finitas e estão escasseando rapidamente. O cloreto de potássio, por exemplo, maior fonte de adubos potássicos, vem de depósitos minerais de evaporitos em países como China e Rússia, embora também haja alguma coisa no Brasil. As principais fontes de rocha fosfatada estão no norte da África e já se exaurem. Mesmo a uréia, produzida a partir do nitrogênio atmosférico, depende do petróleo. Utilizando uma frase querida aos eco-catastrofistas, este modelo é claramente insustentável. Não importa o que dizem as grandes empresas do ramo e seus asseclas acadêmicos, basta pensar um pouco. E quais as soluções para isso? Não, não creio que a resposta está somente na adoção de agricultura orgânica, embora uma série de recentes artigos no Agronomy Journal tenham afirmado ser este tipo de agricultura tão produtiva quanto a convencional em condições ambientais específicas nos Estados Unidos. Acho que as alternativas do tipo Waterworld têm papel central. Adotando um tom profético, acredito que chegará um tempo, e não está longe, em que serão necessários cálculos para se retornar os nutrientes exportados aos campos de cultivo, talvez na forma de fezes tratadas e desidratadas ou, melhor ainda, compostadas, com ou sem calcário, uso de biossólidos (lodos de esgoto urbano e industrial) e outras. Quase toda a cenoura produzida na pequena cidade mineira de Rio Paranaíba, por exemplo, é vendida em São Paulo ou na distante Fortaleza. Dentro das cenouras vão preciosos nutrientes que jamais verão os solos de Rio Paranaíba novamente. Isto não pode continuar desta forma, definitivamente, não há sustentabilidade neste modelo. Se os moradores das grandes cidades, preocupados com o meio ambiente, confortáveis em encontrar um bode expiatório para a degradação no mundo, querem contribuir para uma agricultura sustentável, que nos devolvam a bosta! É necessário começar a pensar, ousadamente.

Problemas ambientais atuais e desenvolvimento sustentável

 A pressão exercida pelo homem sobre os ecossistemas tem aumentado desde a segunda revolução industrial refletindo na necessidade de desenvolvimento de novas técnicas de conservação, prevenção e mitigação ambientais. Essas técnicas visam reduzir os níveis de degradação ambiental recentemente observados como a contaminação das coleções d’água e dos solos, a poluição atmosférica e a substituição indiscriminada da cobertura vegetal nativa, com a conseqüente redução dos hábitats silvestres, entre outras formas de agressão ao meio ambiente (Silva, 2002).
A mudança da postura do homem com relação à natureza teve início a partir da década de 60. Marco importante no desenvolvimento das ciências ambientais foi o lançamento do livro “Primavera Silenciosa” da britânica Rachel Carson que mostrava os efeitos negativos do uso indiscriminado de insumos agrícolas. Desde então a preocupação de promover a mudança de comportamento no relacionamento entre o homem e a natureza começa a ser observado. O principal objetivo passa a ser o alcance do equilíbrio entre os interesses econômicos e conservacionistas levando à melhorias na qualidade de vida da população, dando origem aos processos que, em conjunto, futuramente seriam denominados de desenvolvimento sustentável. Tal desenvolvimento pode ser entendido como um modelo que visa atender as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de gerações futuras atenderem suas próprias necessidades.
O desenvolvimento sustentável, além do desenvolvimento social e equilíbrio ecológico, deve ainda ser acrescidos de um enfoque especial no desenvolvimento econômico como uma das principais vertentes. Nesse sentido, acrescido de um espírito de responsabilidade comum, os modelos produtivos são levados a sentidos harmoniosos, o que os torna não mais destrutivos, mas sim construtivos, como ferramenta de manutenção da qualidade de vida das gerações atuais e futuras. Dessa forma, pode-se perceber que o modelo de desenvolvimento atualmente proposto não condena o desenvolvimento econômico, muito pelo contrário, atribui a ele um importante papel social e ambiental.
O modelo de desenvolvimento atualmente proposto entende que, além da imposição legal como meio de alcance de melhorias ambientais, existem ainda os aspectos éticos, ecológicos e econômicos a ele relacionado. Pode-se entender os aspectos éticos como uma medida do grau de responsabilidade do agente impactante. Já os aspectos ecológicos permitem a escolha de melhores alternativas para minimizar as influências negativas das diversas atividades humanas. Os aspectos econômicos envolvem tanto as vantagens competitivas de uma política ambiental responsável, como a obtenção de certificados ambientais ou mesmo os menores custos das ações preventivas em relação às ações corretivas. Nesse ponto, as técnicas preventivas, como os estudos de vulnerabilidade ambiental vêm ganhando força como ferramentas que permitem planejamentos ambientais mais adequados, eficientes e baratos.
O modelo de desenvolvimento industrial (pode-se incluir nesse ítem o desenvolvimento agroindustrial) implantado após a revolução industrial no século XIX promoveu não só o aumento da extração dos recursos naturais, como também tem emitido cada vez mais produtos de alta sofisticação, cuja composição dificulta sua degradação natural. Muitos destes ao reagirem com substâncias ácidas ou fogo, liberam compostos tóxicos que podem até mesmo ser letais para os seres vivos, além de causarem uma lenta e contínua destruição do ambiente (Pereira Neto, 1996). Pode-se concluir, portanto, que a evolução da população e a forte industrialização aumentaram significativametne a geração de resíduos das mais diversas naturezas, biodegradáveis, não biodegradáveis, recalcitrantes ou xenobióticos, que determinaram um processo contínuo de deterioração ambiental com sérias implicações na qualidade de vida do homem (Bidone e Povinelli, 1999). Nesse ponto é necessário argumentar que, acompanhado de ferramentas de gestão ambiental eficientes, tal desenvolvimento industrial pode ser perfeitamente encarado como um fato positivo e não apenas como agente de degradação ambiental.
Por tudo exposto acima as questões que envolvem o tratamento e a disposição final de resíduos e outros poluentes têm se tornado cada vez mais importantes para o homem moderno. A necessidade de consciliação do desenvolvimento com a sustentabilidade ambiental tem feito com que as diversas questões referentes a esses assuntos sejam exploradas e desenvolvidas continuamente.
Ferramentas preventivas como estudos de vulnerabilidade e risco de contaminação dos diversos compartimentos ambientais (solo, água, ar) também tem sido frequentemente utilizadas como forma de antever e evitar a ocorrência de problemas ambientais. O contato íntimo dos resíduos, ou qualquer outra forma de contato de poluentes provenientes das mais diversas atividades humanas, com os solos e as conseqüências da ocorrência não planejada desses fatos tornam essa questão de vital importância para o desenvolvimento sustentável local e regional.
É importante ressaltar que técnicas para prevenção ou mitigação de impactos ambientais existem. Algumas vezes elas não são economicamente viáveis. Outras, é a falta de vontade por parte do agente impactante que não permite a implantação das mesmas. É importante que os agentes públicos, privados e até mesmo os consumidores façam sua parte. Diversos são os mecanismos que permitem saber se uma empresa é ambientalmente responsável. O principal deles é a certificação ambiental, sendo a mundialmente conhecida série ISO 14000 a mais comumente encontrada. Assim sendo, cabe também a nós observarmos a procedência dos produtos consumidos, dando preferência àqueles que, em sua produção, incorporem um padrão de qualidade ambiental. Só dessa forma podemos esperar que os resultados do meio produtivo se aproximem do desenvolvimento sustentável inicialmente e conceitualmente proposto. Fato esse ainda longe de ocorrer nos dias de hoje.

Guiana vende serviços ambientais e conserva floresta

Há poucos dias o Jornal da Ciência publicou esta notícia anunciando a venda pelo governo da Guiana de serviços ambientais a um fundo de capitais britânico. Que serviços ambientais? Basicamente, os benefícios ao meio ambiente de uma floresta mantida intacta. Em dezembro publiquei aqui no Geófagos o post Como pagar ao meio ambiente?, infelizmente muito pouco lido, introduzindo aos leitores como seria a prestação de serviços ambientais e sua valoração. Vê-se agora um país vendendo os serviços de 405000 hectares de mata, entre os quais “regulação de chuvas, armazenagem de carbono e regulação do clima”. Os que não conhecem a realidade da pequena agricultura brasileira descapitalizada, criticam, a partir de seus escritórios com ar condicionado, a derrubada de matas para fazer carvão por agricultores ignorantes e de pequena visão. Mas a visão tem que ser pequena e de curto prazo: de que adianta salvar as florestas para o futuro e morrer de fome hoje? É inútil tentar-se salvar o mundo apelando para as consciências, principalmente quando estas estão famintas. O agricultor em geral não derruba matas por maldade, mas por necessidade. A forma mais eficaz de se evitar isto é pagando de forma justa para que eles mantenham a vegetação de pé, pagando os serviços ambientais prestado pelas matas intocadas. E não só das matas, o solo acumula muito mais carbono que a vegetação e isto é um grande e potencialmente caro serviço, deveria também ser pago. Aliás, isto seria uma alternativa interessante para auxiliar a conservação da caatinga e do cerrado, a primeira ameaçada pela completa ausência de fonte de renda de agricultores do semi-árido, o segundo pela voracidade entomológica de sojicultores et allii. Há regiões de difícil agricultura que poderiam ser usadas extensivamente para isso. A Zona da Mata mineira, por exemplo, é uma região extremamente montanhosa e de solos nutricionalmente pobres. As áreas mais produtivas são os terraços nos vales. Mesmo assim, os morros estão quase completamente desmatados para a formação de pastagens, aliás muito degradadas, e a madeira restante é em geral usada para fazer carvão. Os topos dos morros se prestam à regeneração das matas e prestariam um serviço ambiental essencial para a região: a captura e manutenção da água que alimenta as nascentes de rios da região. É necessário buscar-se alternativas ousadas para a resolução dos grandes problemas ambientais de nosso tempo e usar o realismo monetarista como aliado, revertendo o papel do dinheiro como grande causador das tragédias mundiais modernas.

Mudanças climáticas e segurança nacional. I: O caso do semi-árido

Um assunto de certa urgência vem preocupando as cabeças pensantes no mundo: a humanidade, por meio dos governos nacionais, terão capacidade de lidar com catástrofes naturais resultantes das mudanças climáticas globais? Pensando em âmbito mais local, terá o Brasil algum tipo de planejamento para superar ou minimizar os efeitos destas ainda parcialmente hipotéticas catástrofes? A forma mais lógica de se avaliar o preparo brasileiro é considerar-se o que tem sido feito neste país para se enfrentar crises geradas por fenômenos naturais catastróficos. Para deixar bem claro o quão despreparado o Brasil se encontra frente a estes problemas, claro que o primeiro exemplo a ser citado é o dos episódios recorrentes e bastante previsíveis de seca na área semi-árida da região Nordeste brasileira. Ora, uma série de previsões sugerem que nos trópicos poderá haver uma extensa semi-aridificação advinda das mudanças climáticas. O Brasil tem no Nordeste um por assim dizer laboratório tanto para prever as condições futuras de partes de seu território quanto uma oportunidade desperdiçada de aplicar medidas de grande alcance para reverter os efeitos desta eventual semi-aridificação. Entretanto, age-se no Brasil, em relação às secas, como os usuários contumazes de maconha, que têm a memória de curto prazo e o raciocínio crítico severamente comprometidos. Os episódios de seca são vistos como eventos absolutamente novos e cuja previsão fora impraticável. As consequências desastrosas repetem-se a cada ciclo, comprometendo o desenvolvimento da região e dando a impressão aos habitantes que não há como se precaver nem conviver harmoniosamente com a seca. Se houver seriedade e entendimento entre vontade política, educação da população e aplicação eficaz de tecnologias existentes, há como conviver harmoniosamente com o deserto, como bem mostra Israel. Para mim parece claro que há técnicas e tecnologias já desenvolvidas que permitiriam a conviência razoavelmente tranquila com a estiagem longa. Mas não só isso. As coisas devem deixar de ser feitas com amadorismo, como se não houvesse história, como se toda pesquisa fosse a primeira, como se as instituições, principalmente governamentais, ocupadas com a região tivessem que começar a pensar nas soluções a partir do zero: há necessidade absoluta de continuidade e apartidarismo. É necessário mapear-se com o máximo de detalhes possível as áreas em que se prestam técnicas de coleta e manutenção de água, como barragens subterrâneas, que permitam a existência de uma pequena agricultura viável. Há que se informar que as áreas que se prestam a perímetros irrigados são mínimas e devem se localizar principalmente em áreas sobre material geológico sedimentar, mais poroso e cujas águas ofereceriam um menor risco de salinização e assim mesmo, fazer-se uma grande campanha, talvez usando até a lei, para que se usem técnicas de irrigação de alta eficiência e que minimizem as perdas, como o gotejamento. É necessário uma dose grande de realismo quanto a existência de áreas que simplesmente não se prestam à agricultura, nem mesmo a pequena e familiar, devido entre outras coisas ao alto coeficiente de variação da média pluviométrica, à pequena profundidade dos solos, localizadas quase sempre sobre material geológico cristalino, como granitos e gnaisses, cujas águas subterrâneas apresentam grande potencial de salinização se usadas para irrigação, inda mais quando associadas a solos pouco profundos. E, para mim talvez o mais importante, mudar o perfil da região, ganhar dinheiro produzindo ciência, transformar boa parte do semi-árido em um novo Vale do Silício, deixar para trás as histórias dramáticas de safras perdidas e animais mortos de sede. Tudo isso pode ser feito a partir da conscientização que a seca é para sempre, a região não se tornará úmida.  A se continuar no ritmo que se encontra, as coisas tendem a piorar: a extinção gradual e irresponsável da caatinga só tenderá a agravar a situação de calamidade.

Soluções para problemas insolúveis I

A pesquisa científica nos últimos anos tem tentado dar soluções técnicas a um problema que se agrava: prover qualidade de vida a uma população humana crescente sem agredir demasiadamente o ambiente. Em minha área de especialização posso dar um exemplo real deste tipo de preocupação. Com o consenso em torno das mudanças climáticas globais, a pesquisa tem sido direcionada para alternativas de se diminuir ou desacelerar a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, principalmente o CO2 (dióxido de carbono) por meio do seqüestro de carbono, que é a retirada deste gás da atmosfera, através da fotossíntese dos vegetais superiores e o acúmulo estável deste carbono tanto na vegetação quanto na matéria orgânica do solo, que provem da decomposição incompleta do material vegetal que cai ao solo bem como da neossíntese de substâncias orgânicas mediada por microrganismos e minerais do solo. Ao mesmo tempo, a Ciência do Solo tem sido desafiada a desenvolver técnicas de manejo dos solos que possibilitem produzir alimentos, sustentavelmente, para bilhões de pessoas, perto estamos dos 10 bilhões. Ora, o pressuposto de que estes dois desafios sejam igualmente factíveis pode ser falso: talvez não seja possível uma solução técnica para ao mesmo tempo melhorar a qualidade de vida de uma população crescente e manter, ou também melhorar, as condições ambientais do mundo. Tenho dúvidas profundas acerca disto. É necessário que a classe intelectual, e não só a que possui conhecimentos técnico-científicos, perca o temor de fazer perguntas essenciais e de expor sugestões antipáticas. Este medo é um vício político, e o mundo não precisa mais de políticos, precisa de cientistas. Se alguém quiser salvar o mundo, não pode se prender a sugestões simpáticas. Consideremos o caso da agricultura. Como anteriormente discutido, os fatores de solo e clima que levam ao acúmulo de matéria orgânica nos solos geralmente são aqueles limitantes à agricultura. Esquece-se ou meramente desconhece-se que a disponibilização de nutrientes e outros benefícios da matéria orgânica para os vegetais ocorre devido à decomposição parcial do material orgânico. Seqüestrar carbono, no entanto, é tentar paralizar a decomposição o mais eficientemente possível. Combinar técnicas de manejo que maximizem produção agrícola e teores de matéria orgânica nos solos não é tarefa tão simples como alguns pesquisadores querem fazer crer. Uma saída seria separar bem as áreas destinadas à agricultura e ao seqüestro de carbono, mas o crescimento populacional e das atividades não agrícolas, como expansão da área urbana, indisponibilizam definitivamente solos com potencial agrícola. A própria cidade de Viçosa, a partir de onde escrevo, está sobre solos de várzea que seriam bastante produtivos. Sobram aqui então os morros para os agricultores. E os topos de morros, hoje utilizados para pastagens, são áreas que se prestariam bem ao seqüestro de carbono. Penso que enquanto o problema do tamanho da população humana não for seriamente considerado, as soluções técnicas que permitirão à humanidade ter um futuro serão paliativos ilusórios. Em um próximo post continuarei esta discussão. 

Evolução humana e pedologia II

Bem, em recente post discuti a respeito da influência pedológica e geomorfológica no sucesso da evolução do homem primitivo. Agora discutirei acerca da influência dos solos na evolução do homem moderno. Para início de conversa é necessário entendermos um pouco mais sobre algumas características de grupos antigos e recentes. No início o gênero “homo” era nômade e vivia basicamente da caça e de frutos nativos. A fixação do homem em um determinado espaço com o consequente desenvolvimento da feição social hoje existente só foi possível graças ao aprendizado de como cultivar a terra. A essência agrícola do homem perdurou até o desenvolvimento de técnicas industriais. O próprio sucesso das sociedades feudais só foi possível porque existiam quem abastecesse os feudos com produtos essenciais para a sobrevivência da população. Com a advento das técnicas industriais e sobretudo após as duas revoluções industriais no século XIX ocorre uma elevada migração de pessoas para os então denominados centros urbanos. Esse fato agrava a necessidade de produção de alimentos em larga escala. O problema é que com a expansão de tais centros urbanos, cada vez mais tinha-se menos pessoas para produzir e mais pessoas para consumir os alimentos. Além disso, começa-se a limitar a disponibilidade de novas fronteiras agrícolas para implantação de campos de produção de alimentos. Para ter-se uma idéia de como a população vem crescendo vertiginosamente, segundo a wikipédia em 1912 eram necessários cerca de 123 anos para acrescentar um bilhão de habitantes à população mundial. Já em 1987 as estimativas apontavam para a necessidade de cerca de 12 anos para que o mesmo incremento ocorresse. Estimativas também apontam que na década de 30 a população mundial atingiu a marca de 2 bilhões de habitantes, sendo o primeiro bilhão atingido no século XIX. Já ao final da década de 90 do século XX a população mundial já atingia a marca dos 6 bilhões de habitantes, ou seja, um incremento de 4 bilhões de habitantes em cerca de 70 anos. Se analisarmos, por exemplo a população brasileira, segundo o último censo do IBGE, realizado no ano 2000, cerca de 137953959 brasileiros eram residentes em áreas urbanas. Já a mão de obra produtora de alimentos, aqueles habitantes residentes em área rural, constituíam um total de 31 845 211. Isso representa que cerca de 81% da população brasileira vive em zonas urbanas e apenas 19% vivem na zona rural, ou seja, são potenciais produtores de alimentos. Essa realidade pode tranquilamente ser extrapolada para uma escala global. Claro que excessões locais ou regionais existem, porém, a regra é semelhante à realidade brasileira. Com menos gente produzindo alimentos e com fronteiras agrícolas cada vez mais escassas a solução para que a sociedade moderna não entrasse em um “colapso alimentício” foi a utilização de técnicas de cultivos cada vez mais eficientes. Tais técnicas sempre foram puxadas pelo conhecimento do comportamento do compartimento solo frente à diferentes situações. Entender a fundo a interação solo-planta foi, sem dúvida, o “input” para que uma agricultura eficiente se instalasse. Dessa forma, menores áreas e menos pessoas seriam requeridas para a produção alimentícia. A consequência disso é que mais pessoas poderiam residir em cidades, aumentando a disponibilidade de mão de obra industrial, intelectual e comercial. Assim sendo, o surgimento de novas tecnologias em todos os setores ficou facilitado pela disponibilidade maior de mão de obra, mão de obra essa que agora não mais precisaria passar parte do seu tempo preocupado em como conseguir alimento, vestimenta ou abrigo. Não mais haveria de se preocupar porque era por essa mão de obra sabido que o alimento seria obtido na venda da esquina, a roupa na loja da tiazinha ao lado e o abrigo estaria lá, construído. Claro que a situação é muito mais complexa do que como colocada aqui, apresentando todas as complicações e implicações sociais conhecidas nos dias de hoje. Desigualdade social e todos os problemas dela advindos são exemplos claros de como o modo atual de vida pode ser também maléfico à determinadas classes. Os problemas ambientais também são exemplos claros das complicações do atual modelo de desenvolvimento. Porém, não existe dúvida de que a qualidade de vida da população mundial vem melhorando. Basta perguntar à maioria das pessoas que vivem em zonas urbanas se eles gostariam de morar no campo, produzindo seu próprio alimento e sem as facilidades e conforto do dia a dia. Outro aspecto positivo é o aumento da longevidade (expectativa de vida) das pessoas. Assim, podemos sim inferir que o desenvolvimento da pedologia e também de outras ciências agrárias foram fatores de impulso e responsáveis pelo sucesso do atual modo de vida da população mundial.

Agricultura sustentável no semi-árido nordestino?

Às vezes é quase impossível fugir de certos assuntos “moda”. Sustentabilidade na agricultura, seqüestro de carbono e mudanças climáticas globais são alguns dos temas mais comuns em qualquer foro de discussão ambiental. O problema é encarar estes assuntos de forma objetiva, o mais imparcialmente possível, sem adotar uma atitude dogmática, de fé inquestionável mesmo contra os fatos. Um destes temas difíceis é o da sustentabilidade da agricultura na região semi-árida do nordeste brasileiro. Não me refiro à agricultura tecnificada dos perímetros irrigados das áreas sobre material geológico sedimentar, mas à agricultura, pequena ou não, das áreas sobre substrato geológico cristalino, onde não há água em quantidade e qualidade suficiente para projetos de irrigação ambiciosos. Eu mesmo venho escrevendo sobre isto prolificamente no Geófagos, mas uma série de leituras e peregrinações recentes me fez relfetir o assunto um pouco mais profundamente. A semi-aridez traz uma série de problemas para a agricultura. Naturalmente, a produção de biomassa vegetal é baixa, quando comparada com outros ecossistemas, a vegetação, nativa ou não, tende a ser mais esparsa, expondo mais o solo às intempéries. Isto por si só pode aumentar as taxas de perdas por erosão. Há trabalhos de pesquisas recentes realizados em universidades nordestinas indicando que a vegetação nativa (caatinga) oferece pouca proteção aos agentes erosivos, principalmente água. Isto faz sentido. No começo das chuvas, que costumam ser altamente erosivas, a vegetação apresenta-se quase completamente desfolhada e o solo exposto, em climas semi-áridos há em geral eventos de chuvas torrenciais, de alta erosividade, o que tende a exacerbar a perda de solo e de carbono. Claramente há concentrações baixas de matéria orgânica nos solos, devidas à baixa produção de biomassa, erosão da camada superficial do solo (erosão laminar) além da perda natural quer por oxidação biológica quer por fotooxidação. As taxas de intemperismo das rochas (mecanismo que dá origem aos solos) tendem a ser mais baixas, a “reposição” do solo perdido é mais lenta, os solos são pouco profundos, a capacidade de armazenamento de água pelos solos é pequena e as perdas por evapotranspiração são altas. Devido aos altos graus de incerteza na produção agrícola, o uso de insumos (adubos principalmente) é rara, o que faz com que os nutrientes retirados pelas plantas sejam na verdade “minados”, já que não há reposição. Mesmo a reposição natural é incompleta, primeiro porque quase nada de resíduo vegetal é deixado sobre os solos, segundo porque o declínio na produtividade das terras faz com que o tempo de pousio (“descanso”) das áreas agricultadas seja cada vez menor, impedindo o restabelecimento da vegetação nativa com conseqüente restauração da fertilidade natural. Em termos de utilização de solos agrícolas como sumidouro de carbono visando a reversão parcial das mudanças climáticas globais, é bem possível que a agricultura do semi-árido fosse reprovada, talvez constituindo antes uma fonte de CO2 para a atmosfera, associada com a irresponsável depredação da caatinga. Creio que nada há de sustentável no uso agrícola atual das terras do semi-árido e que a sociedade e autoridades míopes não vêem que apenas ciência e tecnologia de qualidade e com continuidade podem reverter o processo de degradação ambiental severa a que esta região vem sendo submetida há séculos.   

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