Qualidade do Solo, áreas afins e respostas de pouca aplicabilidade

Em um texto anterior falei sobre Qualidade do Solo e as formas de abordá-la. Neste, gostaria de discutir dois aspectos – as áreas afins e as respostas de pouca aplicabilidade – que tem permeado alguns estudos, não só nesta linha de pesquisa, mas em outras da Ciência do Solo.
Estudos sobre Qualidade do Solo naturalmente forçam quem os conduz a agrupar avaliações químicas, físicas e biológicas, o que faz com que interajam pessoas que trabalham com Fertilidade, Física e Microbiologia, além de Manejo e Conservação, só para falar do básico, sem considerar especialidades. No entanto, todas essas são subáreas da Ciência do Solo, que é uma das áreas da Agronomia. Em geral, os cientistas/pesquisadores envolvidos são agrônomos com pós-graduação em Ciência do Solo. Eles estudaram o solo profundamente, debruçaram-se sobre livros de Gênese e Pedologia, Química e Mineralogia, entenderam não só o que é o sistema solo, mas também como ele funciona. Não que saibam tudo – obviamente não – mas tiveram acesso aos conhecimentos que subsidiam sua busca científica e criaram em suas mentes um verdadeiro “banco de dados” sobre o assunto. Além disso, conhecem o ciclo do solo dentro da roda da vida e sabem seu papel na manutenção do verde que se respira e do verde que se come. Mais que isso tudo, e tão importante quanto, suponho que amem o assunto. Por quê? Porque para estudar a fundo alguma coisa é preciso amá-la, é preciso considerá-la uma parte da sua busca como pessoa (que vive neste mundo) e como profissional (que pode contribuir para este mundo).
Nas universidades e instituições de pesquisa muitas pessoas de áreas afins tem se arvorado a trabalhar com solo sem sequer ouvir a opinião daqueles que verdadeiramente praticam “A” Ciência do Solo – área da Agronomia. Tenho visto e ouvido coisas assustadoras, escritas e ditas por pessoas de áreas afins. Algo que posso citar como exemplo do que me tem chocado é a falta da informação sobre a classe de solo (Isto mesmo!!!). Como é possível confiar em comparações, ou considerá-las no mínimo dignas de leitura, se sequer a classe do solo é citada? (se vocês leram o texto anterior viram que a comparação é um fundamento de trabalho em Qualidade do Solo). Como podemos afirmar que a qualidade do solo sob o manejo A é melhor do que a qualidade do solo sob o manejo B, se não sabemos sequer se a classe de solo é a mesma nas duas áreas? E o solo da área de referência, é o mesmo? Uma vez ouvi um absurdo de um desses pára-quedistas que era meu superior hierárquico e a quem eu deveria supostamente obedecer: eu disse que era preciso buscar uma nova área para a nossa referência, pois havia constatado que a classe de solo era diferente daquela onde estavam os tratamentos (os tratamentos eram sistemas de manejo e a referência era uma área de mata nativa, todos na mesma propriedade) e ouvi que isto não era necessário porque bastava que a textura fosse a mesma. Não. Não basta que a textura seja a mesma, ela é só um atributo do solo entre as dezenas que estudamos para classificá-lo. Além disso, para o trabalho em questão, outros atributos poderiam influenciar as variáveis que seriam avaliadas até muito mais que a textura. Para piorar, nem a textura havia sido avaliada, então que estória é essa de “se a textura for a mesma”? Não preciso dizer que busquei sim a nova área para a testemunha e que depois de um tempo busquei também outros ares…
Outro ponto que quero discutir é a utilidade de um Índice de Qualidade do Solo que, a meu ver, reside principalmente na possibilidade de se avaliar a sustentabilidade de determinado uso ou manejo. Não vejo utilidade prática em se dizer, por exemplo, que o cultivo do solo degradou sua qualidade quando comparado a uma área ainda sob vegetação nativa. É claro que ao se retirar a vegetação nativa um desequilíbrio é provocado no sistema e a tendência é que a qualidade do solo diminua, principalmente se a área nativa em questão for uma mata (a principal fonte de adição de matéria orgânica – a vegetação – foi retirada, a ciclagem de nutrientes não mais existe de forma efetiva, houve revolvimento, etc.). No entanto, para que serve esta informação? Ao mesmo tempo, acho utópico desejar que a qualidade do solo em uma área cultivada volte aos patamares da qualidade do solo em uma área de vegetação nativa – isto se a área em questão foi mata antes, porque caso tenha sido um campo sujo, a qualidade do solo pode até melhorar com um manejo adequado. Não estou pregando a incorporação de novas áreas sob Cerrado à agricultura! Ninguém destorça, por favor! Só estou querendo mostrar que qualidade é um conceito extremamente relativo.
Quanto mais um sistema de cultivo ou manejo respeita os atributos químicos, físicos e biológicos do solo, de forma a mantê-los ou até mesmo melhorá-los, melhor será a qualidade do solo e, portanto, maior é o potencial de sustentabilidade. A agricultura orgânica, por exemplo, preconiza a qualidade do solo como um de seus pilares – se consegue ou não mantê-la ou melhorá-la é uma questão que não cabe neste post, mas que, com certeza, só pode ser respondida com estudos sérios e bem conduzidos.
Em suma, creio que é preciso avaliar a qualidade do solo em diferentes condições e diferentes sistemas, para que se possam propor soluções para seu uso sustentável. No entanto, este objetivo não será alcançado com trabalhos realizados sem o devido conhecimento sobre Ciência do Solo (e sem o devido respeito a esta Ciência). Também não acredito na realização de trabalhos que visam apenas somar “mais um” a uma literatura que acaba servindo para aumentar currículos, mas que, no fundo, não contribui como deveria para equacionar a complicada equação produção de alimentos x preservação do solo.

A terra e seu destino

Uma das coisas que mais me deixam feliz em escrever aqui é o amor que todos nós, geófagos, temos pelo solo. Acredito já ter expressado esta minha paixão (não! Paixão é passageira, amor é duradouro), corrijo, este meu amor pelo solo no meu primeiro post – O solo é a mãe de todas as coisas. Mas confesso que com o Manisfesto Geofágico do Elton, onde ele também expressa o que vai por dentro dele, a vontade voltou e a inspiração também.
Muitas vezes dou palestras sobre “Manejo do solo na produção agrícola”, ou temas afins, para estudantes de Agronomia e sempre começo com a pergunta: “O que é Solo?”. Os alunos, em geral, ficam meio perplexos com a aparente simplicidade e a falta de resposta a tal pergunta. E eu a faço justamente para que eles parem por alguns segundos e se lembrem que a terra está bem ali, aos nossos pés, e que, mesmo assim (talvez por isso mesmo) nos passa despercebida, seguindo seu destino de provedora. Da vez mais recente, um deles respondeu: “Sistema trifásico que sustenta a Vida” – resposta decorada das aulas de Solos, dada com uma frieza tão glacial que me entristeceu, e composta de duas partes: a primeira, mecanicista (sistema trifásico) e a segunda, poética (que sustenta a Vida). Ambas verdadeiras, mas confesso que é pela segunda que sou pega.
No ano passado, quando começou uma grande (elas são sempre grandes!) obra de anel viário perto do meu trabalho, algo me fez pensar sobre a terra e seu destino. Ela, a terra, estava disposta em enormes montes, esperando para ser jogada em caçambas de caminhões e ir cumprir a função de tapa-buracos (literalmente) em algum outro lugar… Há a terra que nasce para gerar o alimento que vai para as mesas continuar a Vida; há a terra que nasce para ser jogada num caminhão e tapar buracos que darão lugar a viadutos e anéis viários ou, ainda, para dar espaço a fundações de prédios onde morarão centenas de pessoas… Destinos mais nobres que outros? Não sei, é difícil julgar o que é nobre. Como disse Carlos Drummond de Andrade em A Verdade Dividida, cada um opta conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
A mensagem que quero deixar é que, qualquer que seja o destino da terra, é preciso traçá-lo com cuidado porque a terra é a pele do Planeta Terra – a Geoderma. Seja para o plantio e o cultivo do alimento que chega às nossas mesas, seja para dar lugar a obras da engenharia, nós traçamos seu destino… Mas só enquanto ela traça, maternalmente, o nosso.
PS: para os que quiserem ler A Verdade Dividida clicar aqui

Origem dos Murundus: uma questão em aberto!

Os Murundus são geoformas (formas do terreno ou unidades do relevo) encontradas em diversas áreas do território brasileiro, bem como na África (sabendo-se que os da África possuem dimensões muito maiores). Segundo o Dicionário Aurélio, murundu significa montículo, morrote, outeiro. Trata-se de pequenas elevações do terreno, cujo formato tem a semelhança de uma seção esférica ou meia laranja, com variada convexidade, cujas configurações podem variar de arredondadas a elípticas. Geralmente não passam de três metros de altura. A maioria possui menos de dois metros. Segundo alguns autores, sua base pode atingir até 15 metros de diâmetro. Ocorrem de forma abundante em determinadas áreas, formando campos de murundus.
Para quem nunca viu, ou notou, um ambiente desses, o aspecto da área é semelhante àquele que se tem quando se observa à distância uma área de aterros, comuns nas obras de engenharia civil, em que os caminhões depositam suas cargas em uma sequência de vários montículos de terra. A imagem é mais ou menos essa.
A gênese dos murundus é um objeto de discussão na Ciência do Solo, pois ainda não há um consenso a esse respeito. Simplificadamente, a questão é a seguinte:
Alguns autores defendem a origem predominantemente geomorfológica dos murundus, portanto seriam relevos residuais, ou seja, a dissecação (erosão) diferencial do terreno seria a sua principal causa. A erosão diferencial, em linhas gerais, é aquela que, em uma unidade de área, remove preferencialmente determinadas seções da superfície de forma mais acentuada, deixando outras para trás. Ou seja, rebaixa o nível do terreno de forma desigual, deixando alguns “núcleos” que formam os morros da paisagem que vemos.
Outros autores defendem a origem biológica, que seria promovida pela mesofauna, principalmente pelos térmitas (cupins), de forma geralmente cumulativa, um ninho sobre o outro, com alguma contribuição indireta da fauna de predadores desses organismos. Assim, os montículos seriam ninhos abandonados (fósseis) de térmitas, bem como grandes termiteiros ainda ativos que podem ser observados em alguns casos. Ambos oferecendo alguma resistência aos processos erosivos de superfície.
Os defensores da origem geomorfológica argumentam que, em algumas áreas, principalmente nas vertentes de vales, não existem evidências de ação da mesofauna, como canais ou restos da estrutura dos ninhos de térmitas. A morfologia interna dos montículos em tais áreas se assemelha àquela dos Latossolos. Além disso, os murundus tendem a ter uma concordância de topos, isto significa que suas partes mais elevadas têm alturas mais ou menos concordantes, sugerindo uma superfície regular que sofreu erosão diferencial.
Os defensores da origem biológica argumentam que, em muitos casos, principalmente em depressões fechadas, existem evidências da ação biológica da mesofauna, justamente canais e restos da estrutura de termiteiros. O interior desses murundus apresenta uma organização estrutural característica dos ninhos de térmitas. Além do fato de que podemos encontrar montículos com termiteiros ainda ativos. Tais autores apontam, entre outros argumentos contrários à origem geomorfológica, que sob uma dinâmica de erosão diferencial tais elevações deveriam ser, preferencialmente, mais alongadas no sentido da declividade do terreno e aqueles murundus das partes mais elevadas deveriam ser menores do que os das cotas mais baixas, o que não parece ser o caso, principalmente o fato de que a hipótese geomorfológica não explica a ocorrência de murundus em depressões fechadas.
Até prova em contrário, parece-me mais plausível a origem biológica. Pois, mesmo naqueles casos em que não há evidências da ação biológica, onde a estrutura interna dos murundus assemelha-se à dos Latossolos, acredito que não podemos descartar a ação dos térmitas. Neste caso, a ausência de evidência não implica necessariamente em evidência de ausência. O ambiente, favorável à gênese dos Latossolos, pode ter favorecido a latolização daquela unidade do relevo “apagando” as evidências da ação biológica. Neste sentido, seria interessante datar as diversas áreas, observar se há diferenças de idade geológica, diferenças paleoclimáticas, diferenças ou semelhanças na micromorfologia e outras razões que poderiam promover a evolução diferencial de pedogênese entre elas, ou seja, fazendo com que em alguns murundus, mais envelhecidos, não existam mais vestígios da ação biológica. É apenas uma especulação.
Aos interessados, isso dá uma boa tese de doutorado. Embora já existam alguns trabalhos tratando do assunto, a dúvida ainda persiste.

Depois da Serra do Cipó: Ensaio Sobre a Pedogênese

Sobre minhas “andanças” pela Serra do Cipó, durante os trabalhos de doutorado, já publicamos algumas coisas aqui no Geófagos, como esta aqui, que no geral trata das adaptações daquela vegetação a ambientes oligotróficos.
A Serra do Cipó tem muito a nos revelar e ensinar. Durante os trabalhos que realizamos lá, tive a oportunidade de encontrar algumas referências práticas interessantes sobre a pedogênese. Coisas que eu ainda não havia encontrado nos livros.
Há um entendimento de que os Latossolos, em geral, são uma espécie de “ápice da pedogênese”. No caso dos Latossolos do Domínio dos Mares de Morros, por exemplo, trata-se de solos bastante intemperizados (daí o seu nome), envelhecidos, oxídicos, profundos, muito lixiviados, com baixa capacidade de troca de cátions, baixos teores de minerais primários facilmente intemperizáveis e etc. Ou seja, são solos submetidos a intensos processos de intemperismo.
Mas é preciso ter cuidado com esta afirmativa. Se fossem mantidas as condições climáticas atuais ad aeternum, os Latossolos seriam realmente uma espécie de “ápice da pedogênese” neste sistema. Acontece que, considerando o tempo geológico, o clima da Terra é cíclico. Ora mais seco, ora mais úmido; ora mais frio, ora mais quente (independentemente das ações e vontades do Homo sapiens). Some-se a isso a deriva continental, o movimento de placas tectônicas e a orogênese. Portanto, os Latossolos, ainda que sejam relativamente pobres do ponto de vista químico, têm muito a perder. Dentre outros elementos, podemos citar coisas muito importantes como as argilas. Sob condições de umidade excessiva e em fluxo contínuo (entrada e saída de água) promove-se, dentre outras coisas, o aumento da acidez no sistema e a destruição das argilas. E aí o solo “se desfaz” sobre si mesmo. O limite final desse processo é muito bem exemplificado pelos Espodossolos da Amazônia, na região do Rio Negro.
Quando as argilas são destruídas, sobra o que ainda resiste ao intemperismo, ou seja, o Quartzo, as areias que caracterizam os Neossolos Quartzarênicos e os Espodossolos. Portanto, em determinadas circunstâncias, os Espodossolos podem ser considerados também como ápice da pedogênese, em ambientes de solos submetidos a processos intensos (extremos) de intemperismo. O que leva a uma observação interessante: a primeira idéia, intuitiva, que temos do intemperismo é de sua ação sobre um substrato primário, geralmente uma rocha ou saprolito, promovendo a gênese de um solo. No caso em questão, que aqui coloco, o “substrato” é um solo, um Latossolo por exemplo, que será destruído pelos processos de intemperismo, promovendo a gênese de outro, o Espodossolo.
Alguém pode questionar esta afirmativa, argumentando que podemos encontrar Espodossolos formados por processos pedogenéticos diretos, a partir do intemperismo de rochas como o Quartzito e, portanto, são solos cronologicamente jovens quando comparados aos Latossolos dos Mares de Morros, ou pelo menos contemporâneos destes. Correto! Um bom exemplo deste fato foi encontrado por nós na Serra do Cipó. É bom lembrar também que a “velhice” no caso dos solos não é necessariamente cronológica, ela está ligada principalmente à intensidade dos processos de intemperismo aos quais o sistema foi submetido. Portanto, é preferível a expressão “solo envelhecido” no lugar de “solo velho”.
A Serra do Cipó é uma cadeia montanhosa, que pertence à seção meridional-sul da Serra do Espinhaço, cuja matriz geológica é formada principalmente de Quartzito. Este Quartzito é, por sua vez, resultante do metamorfismo de arenitos que se formaram no Proterozóico (cerca de 2 bilhões de anos atrás). Estes arenitos foram formados por acumulações de areias marinhas, ou seja, as areias que se acumularam ali eram (são) o resultado final de processos de intemperismo anteriores. Em outras palavras, aquele sistema está produzindo solos das sobras do passado, areias (Quartzo) que restaram dos processos de intemperismo de tempos anteriores a 2 bilhões de anos.
Portanto, os Espodossolos da Serra do Cipó são solos cronologicamente jovens, mas já nasceram envelhecidos em razão de seu material de origem, o Quartzito, que foi arenito, que foi areia sedimentada, que por sua vez foi o produto final do intemperismo anterior. E, para finalizar, lembremo-nos de que mesmo a areia pura ainda tem o que perder, o seu próprio elemento constituinte, a sílica, que pode sair lentamente do sistema na forma de sílica solúvel. Então, no fim deste processo pode não sobrar nada? Depende! Mas parafraseando o saudoso e inesquecível “filósofo” Tim Maia, poderíamos dizer que, para o intemperismo, tudo é nada, e nada é tudo!

“Consumidores de luxo” de potássio

Por Flávia Alcântara
O último texto do Juscimar me lembrou uma questão que tenho vivido na prática, desde que comecei a trabalhar como pesquisadora e passei a me envolver efetivamente com fertilidade do solo. Digo “efetivamente” porque uma coisa é a academia e outra é a realidade do campo e da pesquisa. Acho muito bom que tenhamos uma nova reserva de potássio em nosso território e concordo plenamente com o fato de que só há vantagens em acabar a cartelização do KCl (ou de qualquer coisa!). Obviamente tenho minhas preocupações ambientais e sociais no que diz respeito à extração nessas reservas, mas isto é outro ponto.
O assunto sobre o qual quero tratar aqui perpassa o fato de termos uma nova reserva e, ao mesmo tempo, pode ser modificado por esse fato – se para pior vai depender de quem trabalha na área. Essa assunto é a utilização excessiva de potássio que, me parece, ocorre hoje na agricultura brasileira. Grande parte do potássio extraído das reservas mundiais é utilizada para a obtenção dos formulados comerciais (fertilizantes com proporções definidas de nitrogênio (N), fósforo (P) e potássio (K) – os famosos NPK). Outra parte é utilizada como fertilizante simples, o próprio KCl, principalmente nas adubações de cobertura (adubações realizadas durante o ciclo das plantas para complementar a adubação de plantio, em que se fornece N, K e, em alguns casos, micronutrientes). Bom, a utilização excessiva de K sobre a qual falo é causada pela utilização excessiva de formulados. Explico. Os formulados mais utilizados comercialmente são o NPK 4-14-8 e o NPK 4-30-16. Estas fórmulas significam o seguinte, tomando como exemplo a primeira: em 100 quilos do produto estão presente 4 quilos de N, 14 quilos de P-P2O5 e 8 quilos de K-K2O. Portanto, fornecem os três nutrientes, ao mesmo tempo, em proporções diferentes.
O que acontece nos solos brasileiros é que a necessidade de adubação fosfatada é muito maior do que a necessidade de adubação potássica, mesmo que esses dois elementos estejam presentes em teores proporcionalmente baixos no solo. Isto ocorre devido à alta capacidade de fixação do P dos nossos solos altamente intemperizados, nos quais, a grosso modo, as plantas só absorvem o P após ter sido praticamente saturada toda a capacidade de fixação desse elemento no solo – é como se elas ficassem com a raspa do taxo. Assim, são necessárias, em geral, altas doses de P (aplicado na forma de P2O5) para que se obtenha teores adequados ao crescimento e desenvolvimento das culturas (para sobrar uma raspa generosa!). Caso a dose recomendada de P-P2O5 seja alta, é extremamente difícil, com a utilização de um desses formulados, que se consiga suprir essa necessidade sem ultrapassar as doses recomendadas de N e K, mesmo que estas sejam também altas – numericamente nunca serão tão altas quanto a de fósforo, basta olhar os boletins de recomendação. Na prática o que ocorre é a utilização de formulados (ex.: 3 ou 4 ton./ha) sem levar em consideração a análise química do solo, que muitas vezes nem é realizada.
A utilização dessas doses de formulados é uma decisão tomada por produtores e ou engenheiros agrônomos com base em vários critérios que não discutirei aqui, mas que vão desde a facilidade de aplicação (para se utilizar fertilizantes simples, ou seja, um que forneça N, outro que forneça P e outro que forneça K, é preciso fazer mistura, o que requer mais tempo e mão-de-obra) até a sugestão do vendedor ou do vizinho ou agrônomo da fazenda ao lado. A facilidade de aplicação é compreensível, mas a displicência não. O que comecei a notar no meu trabalho como responsável por um laboratório de fertilidade do solo e pelas minhas andanças por aí é que, apesar de os teores de P no solo continuarem baixos ou médios, os teores de K estão quase sempre altos ou muito altos. É a utilização dos formulados. Quero deixar claro que não sou contra os formulados, mas saliento que, na maioria dos casos, eles devem ser utilizados juntamente com fertilizantes simples. Podemos suprir todo ou quase todo o N e o K numa adubação de plantio com um formulado e complementar a dose de P requerida com um fertilizante simples fosfatado. Isto é pura matemática. É bom senso.
E qual é o problema do excesso de K nos solos? Como disse o Juscimar não se conhece sintomatologia de excesso de K, mas como cátion que é, o K em excesso poderá causar desequilíbrios em relação ao Ca e ao Mg (também cátions) por ser absorvido preferencialmente pelas plantas. Já vi casos de deficiência de Ca no meio do ciclo (em tomateiro) por causa do excesso de K e ouvi vários relatos similares. Nesses casos, ocorre o “consumo de luxo” de K – a planta o absorve mas não o utiliza. Além, disso, e aí entram as reservas de potássio do Brasil (e do mundo), estamos desperdiçando potássio! Mesmo com uma nova reserva no Brasil, mesmo com dezenas de novas reservas que apareçam pelo mundo, estamos desperdiçando potássio! Esta não é uma era de desperdício e é preciso que todos entendam isso. Esta é uma era de sustentabilidade. Portanto, que comecemos a pensar sobre a necessidade de consumo interno de potássio. Qual é o real “tamanho” dessa necessidade? E que façamos bom uso da nossa nova reserva, com reserva.

Adsorção de cátions metálicos por espécies oxídicas do solo – Uma pequena abordagem teórica.

Por Carlos Pacheco
Discutindo com alguns colegas de trabalho sobre as formas de retenção de cátions metálicos em solos tipicamente “tropicais”, enriquecidos em óxidos férricos e de alumínio, percebi uma frequente “confusão” a respeito dos processos que cercam esse fenômeno. Sobretudo, essa confusão se aplicava às questões relacionadas à adsorção específica de cátions metálicos de elementos enquadrados como metais de transição na tabela periódica por óxidos, oxihidróxidos e hidróxidos componentes da fração argila de tais solos. Nunca é demais lembrar que tais elementos apresentam importância relevante em termos ambientais pois, vários deles, podem apresentar toxicidade acentuada aos seres vivos, representados por aqueles denominados de metais pesados. Outros, por sua vez, são micronutrientes importantes para grande parte dos vegetais. Esses fatos, por si só, já mostram a relevância do assunto. Resolvi então escrever algo sobre o assunto, com linguagem à medida do possível simples, mas com conteúdo suficiente para um blog científico.
A dúvida principal gira em torno de como cátions metálicos são adsorvidos em superfícies reconhecidamente positivas em baixos pHs. Aqui faz-se necessário lembrar que óxidos de ferro e alumínio (usarei essa designação genérica para óxidos, hidróxidos e oxihidróxidos) apresentam elevado Ponto de Carga Zero (PCZ). Esse por sua vez é o pH de equilíbrio entre cargas positivas e negativas. Abaixo do mesmo cargas positivas são predominantes e acima dele as negativas é que os são. Como a maior parte dos solos tropicais são extremamente intemperizados, lixiviados, há naturalmente um empobrecimento em bases e o pH tende a ácido. São comuns pHs abaixo de 6, indicando um pH abaixo do PCZ dos óxidos, que gira em torno de 7 a 9.
Fica evidente, então, o predomínio de cargas positivas na superfície desses minerais. O pensamento que logo vem à cabeça é que solos cuja fração argila apresenta-se enriquecida com óxidos apresentariam baixo potencial de retenção de cátions, afinal, positivo com positivo se repelem. Mas a história não é bem assim. Realmente esse fato se aplica àqueles metais alcalinos e alcalinos terrosos, mas não aos metais de transição. Dessa forma, Ca2+, Mg2+, Na+, K+, entre outros, são facilmente perdidos em tais solos, explicando, de certa forma, a baixa fertilidade predominante à medida que o intemperismo avança.
Em contrapartida, tem sido constatado que solos “oxídicos” apresentam grande capacidade de retenção de elementos-traço por mecanismos similares àqueles que os tornam grandes “drenos” de fosfatos. Em outras palavras, a interação não é puramente eletrostática (interação entre cargas), mas depende de diversos outros fatores abaixo citados, finalmente constituindo uma ligação química forte, tendendo à irreversibilidade, por vários autores citada como próxima à uma ligação covalente. É importante lembrar que, simplificadamente, ligações covalentes são caracterizadas por “compartilhamentos” de elétrons, não havendo a dependência tão evidente de cargas como nas ligações iônicas, por exemplo.

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Novo blog sobre Ciência do Solo

Creio que um campo do conhecimento floresce quando muitos se dispõem a discuti-lo e se interessam por seu avanço. Com a Ciência do Solo algo deste tipo parece estar acontecendo, pelo menos na blogosfera científica. Além de nós mesmos, há agora um novo bom blog de divulgação em Ciência do Solo on-line e o nome, para alguns hermético, é bem sugestivo: EdafoPedos, fazendo referência tanto à vertente aplicada quanto à pura do conhecimento sobre solos. O autor, o amigo e fiel leitor Marcus Locatelli, não é novato na blogosfera.
Ávido orquidófilo e competentíssimo orquidólogo, Locatelli há tempos mantém o blog Orquidofilia e Orquidologia, um dos melhores e mais lidos sobre orquídeas. Marcus Locatelli finalizou há pouco seu mestrado em Solos e Nutrição de Plantas da UFV, defendendo tese na área de Fertilidade do Solo. Seu orientador, Prof. Victor Hugo Alvarez V., também orquidófilo e orquidólogo, produz um excelente adubo para orquídeas, o B & G Orchidées, tão bom que merece inclusive esta propaganda gratuita.

Qualidade do solo

Por Flávia A. de Alcântara
O que é qualidade?
Para sabermos se algo é bom, precisamos fazer comparações. Os humanos e suas comparações: bom ou ruim, quente ou frio, preto ou branco. Vocês já pararam para pensar que é assim, fazendo comparações, que aprendemos, que sabemos? Reparem no modo como elaboram seus raciocínios e verão quão forte é a presença da comparação.
Qualidade requer padrão. Outro conceito complicado. Vejam que comparação e padrão estão fortemente interligados. Padrão de qualidade, em geral, é definido com base em critérios. Mais um conceito…
Bom, vamos chegar já ao solo. Já há tempos em que ouvimos falar muito sobre qualidade da água, seja ela água de beber ou de usar em casa, na irrigação, entre outros tantos fins que este recurso precioso tem em nossas vidas. Sabemos, por exemplo, que existem limites para a presença de coliformes fecais na água. Também já sabemos algo sobre qualidade do ar (basta que haja um fumante na mesa ao lado!). Felizmente conhecemos os limites de gases contaminantes presentes no ar que respiramos e, assim, podemos conhecer sua qualidade.
No caso do solo, apesar do conceito “qualidade do solo” já não ser tão novo, creio que a sociedade em geral, por algum motivo que tento compreender, ainda não o apreendeu como algo importante. Preocupação dos agrônomos (infelizmente não posso dizer que de todos); dos pesquisadores e cientistas (infelizmente também não posso dizer que de todos); dos produtores, sejam eles pequenos, médios ou grandes (idem classes anteriores); enfim, preocupação de quem? Com certeza do pessoal da Ciência do Solo, ou seja, dos cientistas do solo, classe em que me incluo com muito orgulho.
Para conhecer a qualidade do solo precisamos avaliar seus atributos químicos, físicos e biológicos, pois só o estudo do conjunto desses três aspectos da qualidade do solo é que pode defini-la. No entanto, é preciso deixar claro que definir qualidade para um determinado solo é uma tarefa mais complexa que definir a qualidade da água de uma represa ou do ar de uma cidade. Os solos são classificados em vários tipos diferentes (classes de solo) e a qualidade pode variar para cada um deles. Mesmo dentro de uma mesma classe, o solo pode ter uso diferente ou ser trabalhado (manejado) de forma diferente.
Muitos estudos comparam o mesmo solo (mesma classe) na mesma região, sob usos ou manejos distintos, e estabelecem como referência uma área com o mesmo solo sob vegetação nativa. Assume-se, portanto, que o estado do solo sob a vegetação nativa seja a referência de qualidade. Caso esta vegetação nativa seja uma mata, essa abordagem funciona relativamente bem, pois vegetação e solo estão intimamente ligados – uma vegetação exuberante indica um solo de boa qualidade. Este seria o padrão de qualidade, estabelecido com base nos atributos do solo (critérios) sob a vegetação nativa. No entanto, a vegetação nativa em questão pode ser um campo cerrado. Neste caso as condições do solo, principalmente químicas, podem ser bem diferentes de uma mata exuberante. Poderíamos tomar essa área como referência de qualidade? Depende. Se não houvesse qualidade ali, aquelas plantas não existiriam. O campo cerrado está bem sim senhor aonde está. Mas, para uma área agrícola, essa qualidade bastaria?
Outra abordagem é definir valores para os atributos. Por exemplo: o pH ideal para a maioria das culturas agrícolas está situado entre 5,5 e 6,5. Este é um critério de qualidade. Mas, ainda assim, não é tarefa fácil definir esses critérios, posto que eles podem variar de uma espécie cultivada para outra. E, além disso, como dito anteriormente, podem variar entre as classes de solo. Exemplo: uma densidade x de solo pode ser inadequada para a cultura agrícola y no solo w, mas pode ser adequada para a mesma cultura y no solo z. Isto ocorre porque há uma interação entre os atributos do solo.
Talvez seja por toda essa dificuldade que o conceito de qualidade do solo não esteja ainda bem disseminado na comunidade científica (fora da Ciência do Solo) e muito menos na sociedade em geral. No entanto, o que considero mais importante é deixar aqui a idéia de que o solo é um recurso natural precioso e que se desgasta em maior ou menor grau dependendo do uso e do manejo a que é submetido. Dentro de cada uso e manejo existem possibilidades de sustentabilidade, que devem ser a meta dos pesquisadores da área.
É importante que se busquem critérios e que se definam padrões, mesmo que pontuais – para um determinado solo de uma determinada região submetido a um determinado uso – mas é igualmente importante entender a aplicação disso, que é a busca pela sustentabilidade do uso do solo como recurso. Para finalizar, deixo aqui a definição de qualidade do solo de Doran e Parkin, que expressa de forma muito clara a amplitude desse conceito. Optei por mantê-la no idioma original para não correr o risco de fugir da idéia dos autores: “Soil quality is the capacity of a given soil to function within ecosystem boundaries to (a) sustain biological production, (b) maintain environmental quality, and (c) promote plant and animal health.” Referência: Doran, J.W.; Parkin, T.B. Defining and assessing soil quality. In: Doran, J.W.; Coleman, D.C.; Bezdicek, D.F.; Stewart, B.A., ed. Defining soil quality for a sustainable environment. Madison: SSSA, 1994. p.107-124. (Special Publication number, 35).

O solo é a mãe de todas as coisas

Aproveitando esse período de constantes mudanças e a nova fase do Geófagos, resolvemos dar um toque mais feminino ao Geófagos. Com muito prazer anuncio que temos agora uma colaboradora, e de peso. É a Dra. Flávia A. de Alcântara, que resolveu aceitar meu convite para escrever no Geófagos, no que nos faz grande honra. Para não me alongar demais nas apresentações, o currículo da Flávia pode ser visto aqui. Seu primeiro post no Geófagos vem a seguir:
Por Flávia A. de Alcântara,
O solo é a mãe de todas as coisas
Quero começar este post dizendo “Ítalo, obrigada pelo convite!”. Tenho certeza de que essa parceria será duradoura e rica em idéias e ações. Lá vai meu primeiro post:
“O solo é a mãe de todas as coisas” é um provérbio chinês que significa muito para mim. Talvez por ter nascido no interior de Minas, cercada por terra por todos os lados; talvez por ter nascido numa família de gente nascida e criada na terra, no interior também; talvez por ter comido terra quando criança… sim, eu já comi terra e por isso posso me auto proclamar geófaga com todas as letras. Além de adorar brincar de fazer construções de terra, eu fazia bolinhos e os experimentava!
Reminiscências da origem e da infância à parte, nasci sabendo que o solo é a mãe de todas as coisas. Sabia intuitivamente. Hoje, depois de estudar a Ciência do Solo, sei com a aprovação (nem sempre necessária, diga-se de passagem) da razão. É do solo que vem nosso alimento, que por sua vez cresce alimentado pelos minerais da terra e fortificado pela sua essência orgânica. O solo é o ventre fértil que alimenta o mundo. Apesar de substantivo masculino, os sábios chineses da antiguidade o chamaram de mãe, pois é a mãe que sustenta em seu ventre a nova vida. Seja ele (ela?) princípio masculino ou feminino, o que importa é ser o princípio. Assim, neste meu primeiro post, a mensagem que eu gostaria de deixar é que é do solo que tudo nasce e se alimenta e que, por esse raciocínio, somos todos geófagos.

Enquanto só falam sobre a Amazônia…

Um estudo realizado pela equipe do professor Manuel Eduardo Ferreira, da Universidade Federal de Goiás, aponta para uma estimativa de crescimento da área desmatada do cerrado brasileiro de cerca de 14% até 2050. A preocupação com outros ecossistemas brasileiros, além da tão citada Amazônia, já vem sendo por mim levantada aqui, no Geófagos, outras vezes. Isso pode ser visto aqui e aqui.
Reportagem do Estado de São Paulo mostrou dados preocupantes levantados pela equipe do referido professor. Por meio de análises de imagens de satélite eles puderam concluir que, mantido o mesmo ritmo atual de desmatamento, a área suprimida do cerrado brasileiro será de cerca de 40 mil km2 por década, elevando a área devastada de 800 mil km2 para 960 mil km2. A área preservada seria de cerca de 1 milhão de km2. O principal causador de tamanha elevação é o avanço da fronteira agrícola na região. Até 2020 devem ser incorporados cerca de 60 mil km2 à essa atividade. Avanço naqueles que, há cerca de quatro décadas atrás, eram considerados solos inaptos ao cultivo. Estima-se que a área desmatada chegará à metade do tamanho do estado de Goiás ou equivalente a dez vezes aquele referente ao Distrito Federal. A expansão da fronteira agrícola se dá em direção, principalmente, do cerrado nordestino (Piauí, Bahia e Maranhão).
O Cerrado é o segundo maior ecossistema brasileiro, ficando atrás somente da Amazônia. Sua riqueza, com grande presença de espécies endêmicas, é reconhecida como de grande importância há tempos. Basta lembrar que esse ecossistema, juntamente com a Mata Atlântica, constituem os dois Hotspots de biodiversidade brasileiros, propostos pelo ecólogo inglês Norman Myers para identificar áreas de conservação e preservação prioritárias, desde de 1988. Além disso, no cerrado estão importantes nascentes de bacias hidrográficas importantes como a Amazônica, do São Francisco e do Prata.
Enfim, que dê-se a devida importância também a outros ecossistemas brasileiros.
Carlos Pacheco

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