Estoques de carbono, erosão e boa ciência I

Estoque de carbono do solo é uma estimativa da massa total de carbono orgânico (e/ou inorgânico) de um solo, levando em consideração a profundidade (espessura) do solo e sua densidade. Por que conhecer os estoques de carbono nos solos? Atualmente, de forma pragmática, estas estimativas são feitas visando avaliar o quanto poderia ser perdido no caso de haver mudanças no uso da terra. Estima-se que de 1850 a 1998, mudanças no uso que se faz das terras (basicamente derrubadas de florestas ou outros tipos de vegetação nativa para implantação de agricultura) tenham sido responsáveis pela emissão líquida de em torno de 136 Pg (petagramas, um petagrama corresponde a um trilhão de quilogramas ou 1.000.000.000.000.000 de gramas) de C principalmente na forma de dióxido de carbono (CO2) para a atmosfera tanto pela decomposição dos restos vegetais quanto pela oxidação da matéria orgânica do solo. Segundo pesquisas, a perda histórica de carbono orgânico do solo em terras convertidas à agricultura pode variar de 30 a 40 t/ha. Esta quantidade é muitas vezes correspondente a todo o carbono de horizontes superficiais de alguns solos. O conhecimento dos estoques de carbono em solos pode auxiliar inclusive no planejamento de uso da terra bem como no estabelecimento de limites de perdas toleráveis nos teores de matéria orgânica do solo e da correção de práticas de manejo. Pelo que posso observar nas pesquisas que se tem feito sobre a capacidade dos solos em seqüestrar carbono, muitos têm considerado que a perda de matéria orgânica representa uma oportunidade para que fontes de CO2 se tornem agora sumidouros (seqüestradores). Em solos em que se perdeu apenas ou majoritariamente a matéria orgânica, principalmente por oxidação biológica ou não, isto pode ser factível. Mas o que dizer de solos em que se perdeu a matéria orgânica, juntamente com a fração mineral do solo, por erosão, solos onde houve muitas vezes perda completa do horizonte superficial? Para ilustrar isto usarei uma metáfora facilmente entendível: uma coisa é perder água de um reservatório por evaporação, outra coisa é perdê-la porque o reservatório foi destruído. Aliás, esta é uma preocupação relevante inclusive face a um artigo publicado no último dia 26 de outubro na Science intitulado “The impact of agricultural soil erosion on the global carbon cycle” em que os pesquisadores concluem que a erosão de solos agrícolas constitui antes um sumidouro que uma fonte de CO2 para a atmosfera, embora não um sumidouro considerável. Entendamos o contexto do trabalho. Por um tempo (e ainda hoje) muitos cientistas do solo e outros afirmavam que a erosão dos solos agrícolas constituiria uma fonte de gases de efeito estufa para a atmosfera porque praticamente toda a matéria orgânica neles contida acabaria rapidamente decomposta. Logo se viu no entanto que havia uma falha neste raciocínio: obviamente uma boa parte da matéria orgânica erodida seria enterrada junto com os sedimentos minerais, principalmente sob a água, e se tornaria indisponível aos microrganismos decompositores, ficando assim seqüestrada por um tempo porventura maior do que se continuasse no solo intacto. A dúvida era qual dos dois efeitos preponderava: a decomposição ou o seqüestro. Segundo os autores do trabalho citado acima, prepondera o seqüestro, embora por uma pequena margem. Bom. Mas falar em termos globais muitas vezes não leva em consideração os efeitos de curto prazo locais. Apesar de a matéria orgânica estar estabilizada nos sedimentos, permanece o fato de que há solos agrícolas que a perderam e que possivelmente perderam e perdem produtividade com isso. Não apenas produtividade em termos químicos, mas há perda também da qualidade biológica e física dos solos, impedindo que haja crescimento ideal das plantas que poderiam fixar mais carbono.   

Agricultura sustentável no semi-árido nordestino?

Às vezes é quase impossível fugir de certos assuntos “moda”. Sustentabilidade na agricultura, seqüestro de carbono e mudanças climáticas globais são alguns dos temas mais comuns em qualquer foro de discussão ambiental. O problema é encarar estes assuntos de forma objetiva, o mais imparcialmente possível, sem adotar uma atitude dogmática, de fé inquestionável mesmo contra os fatos. Um destes temas difíceis é o da sustentabilidade da agricultura na região semi-árida do nordeste brasileiro. Não me refiro à agricultura tecnificada dos perímetros irrigados das áreas sobre material geológico sedimentar, mas à agricultura, pequena ou não, das áreas sobre substrato geológico cristalino, onde não há água em quantidade e qualidade suficiente para projetos de irrigação ambiciosos. Eu mesmo venho escrevendo sobre isto prolificamente no Geófagos, mas uma série de leituras e peregrinações recentes me fez relfetir o assunto um pouco mais profundamente. A semi-aridez traz uma série de problemas para a agricultura. Naturalmente, a produção de biomassa vegetal é baixa, quando comparada com outros ecossistemas, a vegetação, nativa ou não, tende a ser mais esparsa, expondo mais o solo às intempéries. Isto por si só pode aumentar as taxas de perdas por erosão. Há trabalhos de pesquisas recentes realizados em universidades nordestinas indicando que a vegetação nativa (caatinga) oferece pouca proteção aos agentes erosivos, principalmente água. Isto faz sentido. No começo das chuvas, que costumam ser altamente erosivas, a vegetação apresenta-se quase completamente desfolhada e o solo exposto, em climas semi-áridos há em geral eventos de chuvas torrenciais, de alta erosividade, o que tende a exacerbar a perda de solo e de carbono. Claramente há concentrações baixas de matéria orgânica nos solos, devidas à baixa produção de biomassa, erosão da camada superficial do solo (erosão laminar) além da perda natural quer por oxidação biológica quer por fotooxidação. As taxas de intemperismo das rochas (mecanismo que dá origem aos solos) tendem a ser mais baixas, a “reposição” do solo perdido é mais lenta, os solos são pouco profundos, a capacidade de armazenamento de água pelos solos é pequena e as perdas por evapotranspiração são altas. Devido aos altos graus de incerteza na produção agrícola, o uso de insumos (adubos principalmente) é rara, o que faz com que os nutrientes retirados pelas plantas sejam na verdade “minados”, já que não há reposição. Mesmo a reposição natural é incompleta, primeiro porque quase nada de resíduo vegetal é deixado sobre os solos, segundo porque o declínio na produtividade das terras faz com que o tempo de pousio (“descanso”) das áreas agricultadas seja cada vez menor, impedindo o restabelecimento da vegetação nativa com conseqüente restauração da fertilidade natural. Em termos de utilização de solos agrícolas como sumidouro de carbono visando a reversão parcial das mudanças climáticas globais, é bem possível que a agricultura do semi-árido fosse reprovada, talvez constituindo antes uma fonte de CO2 para a atmosfera, associada com a irresponsável depredação da caatinga. Creio que nada há de sustentável no uso agrícola atual das terras do semi-árido e que a sociedade e autoridades míopes não vêem que apenas ciência e tecnologia de qualidade e com continuidade podem reverter o processo de degradação ambiental severa a que esta região vem sendo submetida há séculos.   

Plantas, dióxido de carbono e água doce

Comentei recentemente sobre o uso da água na agricultura e o que se tem feito para melhorar a eficiência no uso da água das espécies agrícolas. Aliás, estou devendo um post sobre as práticas agronômicas utilizadas para aumentar a eficiência com que as plantas cultivadas utilizam o recurso água. Mas isto fica mais para frente. Como já foi dito no supracitado post, o caminho por onde as plantas transpiram na forma de vapor a água água absorvida é o mesmo por onde ela absorve o CO2 (dióxido de carbono) necessário para que se realize a fotossíntese (produção de material vegetal utilizando como fonte de energia a luz do sol): os estômatos, microscópicas aberturas localizadas na superfície das folhas. A eficiência no uso da água é a quantidade de material vegetal produzida dividido pelo volume de água utilizado pelas plantas. Idealmente, deseja-se que os vegetais produzam o máximo de material utilizando um mínimo de água. Não é interessante, no entanto, aumentar demais a efeiciência no uso da água porque corre-se o risco de não se produzir suficiente comida no mundo: as plantas de deserto, como as cactáceas, são eficientíssimas ao usar a água mas a quantidade de material vegetal produzido é pequeno. Um dos fatores que influenciam a absorção de água pelas plantas é a concentração de CO2 ao redor das folhas: em geral, quanto maior esta concentração, menor é a abertura dos estômatos e menor a quantidade de água transpirada. Como a absorção da água do solo pelas plantas depende também de quanta água é perdida por transpiração, se se transpira menos, absorve-se menos água, que permanece em maior volume no solo. No post referido, citei que as principais formas de se perder água do solo são a infiltração profunda (percolação), o escoamento superficial, a evaporação e a transpiração das plantas (estas duas últimas somadas constituem a evapotranspiração). Depois que a água infiltra no solo, se não for evapotranspirada, ela percolará e alcançará corpos de água superficiais, principalmente rios. É exatamente isto o que prenuncia um trabalho publicado na Nature de amanhã. O artigo Projected increase in continental runoff due to plant responses to increasing carbon dioxide relata as previsões feitas a partir de modelos climáticos por uma equipe de pesquisadores ingleses encabeçada por Richard A. Betts utilizando um cenário em que os níveis de CO2 (principal gás causador do efeito estufa) são dobrados em relação aos níveis pré-industriais. Os resultados demonstraram que haveria um aumento médio de 6% no volume de água que alcançaria os corpos d’água superficiais (continental runoff), sugerindo que a futura escassez de água doce decorrente das mudanças climáticas globais talvez não sejam tão dramáticas quanto as previsões atuais sugerem, embora o risco de secas permaneça alto. Trabalho de grande relevância para qualquer um preocupado com o manejo e conservação de água, para uso agrícola ou não.

Agricultura e água

Vivemos em tempos críticos, de mudanças profundas no meio ambiente e a espécie humana deve utilizar o mais eficientemente possível o conhecimento científico adquirido para tentar senão reverter, pelo menos conviver da forma mais sustentável possível com as novas condições ambientais que se delineiam. A quantidade e a qualidade da água para uso humano e animal têm decaído inexoravelmente no último século e já se vê conflitos por água, não só no nível local e regional mas até no nível internacional. Talvez constitua surpresa para alguns saber que a agricultura é a atividade humana que mais consome água no mundo. É quase um consenso que a agricultura irrigada consome algo próximo de 85% de toda a água captada pelos seres humanos. Apesar de ocupar apenas 18% de toda a área sob agricultura, os cultivos irrigados respondem por cerca de 40% da produção agrícola mundial. Com o crescimento dos centros urbanos e à medida que a população mundial cresce, é fácil prever que diferentes atividades humanas passam e passarão a competir pelo mesmo suprimento de água e de maneira paulatina o verbo “competir” deixa de ser usado no sentido figurado. Os agrônomos e fisiologistas vegetais cientes deste papel de maior consumidor da agricultura têm se preocupado em melhorar a eficiência com que se utiliza a água na agricultura, buscando soluções para que se produza “more crop per drop“, mais safra por gota d’água. Tenho nas últimas semanas me embrenhado na literatura técnica referente à melhoria da eficiência com que as plantas cultivadas usam a água que absorvem. As plantas superiores, aliás, são em geral bastante ineficientes no uso que fazem deste recurso, com exceção de alguns grupos de espécies mais adaptadas a condições climáticas de falta de água. Chamo atenção para o fato de que quase toda a água absorvida por uma planta é perdida em forma de vapor através de microscópicas aberturas nas folhas chamadas de estômatos, em um processo denominado transpiração. Ao mesmo tempo que transpira, a planta absorve, pelos mesmos estômatos, o gás carbônico (CO2) necessário para a fotossíntese, processo pelo qual a lanta sintetiza todo o alimento que precisa e que utilizamos. Quando digo que os vegetais usam a água de uma forma pouco econômica, não falo em sentido figurado: uma cultura como o milho, por exemplo, manejado de forma correta, sem doenças e outros estresses ambientais, pode necessitar de até 500 litros de água para produzir um quilograma de grãos. E não se pense que este é mais um problema da que surgiu com a agricultura tecnificada: os programas de melhoramento genético na verdade têm aumentado a eficiência no uso da água (quanta água é necessária para se produzir um quilograma de grãos ou outro tipo de produto agrícola) das espécies cultivadas. Em um artigo publicado em 2006 no periódico científico Agricultural water management, o pesquisador australiano John Passioura faz um levantamento do que tem sido feito e o que ainda falta fazer para que se gaste menos água na agricultura sem comprometer a produção. Segundo ele, em situações em que a água é o fator mais limitante à produção agrícola, a resolução do problema se divide em três componentes: fazer com que haja mais transpiração do suprimento limitante de água; garantir a troca mais eficiente entre água transpirada e CO2 para produção de biomassa (matéria vegetal); e converter uma maior fração da biomassa em grãos ou outros produtos agrícolas. Ora, tendo eu dito que a transpiração constitue perda de água, o primeiro componente pode parecer contraditório, mas não. As perdas de água em um campo de cultivo podem ocorrer de quatro formas principais: pela infiltração profunda no solo além do alcance das raízes, pelo escoamento superficial (enxurradas) principalmente em solos argilosos compactados e com pouca matéria orgânica, pela já citada transpiração vegetal e pela evaporação direta, causada pelo sol e pelo vento. Acontece que se uma destas “perdas” não ocorrer, a transpiração, não há produção agrícola, por que não ocorre fotossíntese (pela corrente transpiratória, ou seja, pelo percurso que a água faz desde o solo, passando pelo interior da planta, até chegar à atmosfera, entram os nutrientes minerais necessários também para o desenvolvimento vegetal). O que o Passioura está na verdade propondo é que se aumente a proporção de água “perdida” por transpiração e se diminua as outras formas de se perder água, que não contribuem para a produção de bens agrícolas. As medidas a serem tomadas para se melhorar a eficiência no uso da água pelas culturas vão desde o melhoramento genético até a aplicação de boas práticas agronômicas de manejo como maior eficiência da irrigação, melhoria da estrutura do solo, uso de espécies adaptadas às condições locais etc que discutiremos com mais detalhes em um próximo post.

Adubando o oceano com ferro

Semana passada foi publicado na revista Nature o trabalho “Effect of natural iron fertilization on carbon sequestration in the Southern Ocean” por uma equipe de pesquisadores franceses encabeçada por Stéphane Blain. O trabalho relata o efeito de uma fertilização (“adubação”) natural de uma parte do Oceano Índico entre a Austrália e a África do Sul sobre o crescimento de um conjunto de organismos autotróficos (que produzem o próprio alimento por meio de fotossíntese) oceânicas conhecido como fitoplâncton. Há já algum tempo se sabe que o fitoplâncton é responsável pela maior produção primária do planeta, ou seja, a maior parte da fotossíntese realizada na Terra é feita por estas algas microscópicas. A fotossíntese é o processo pelo qual os organismos autotróficos (incluindo aí as plantas) convertem substâncias inorgânicas como água e gás carbônico (CO2) em substâncias orgânicas (principalmente açúcares) utilizando como fonte de energia a luz do sol. É por causa da fotossíntese que nós animais conseguimos comer e existir e é também devido a ela o fato de se ter tanto cuidado hoje com o desmatamento. A destruição de organismos que fotossintetizam impedem que eles capturem o CO2, principal responsável pelo efeito estufa, e ainda por cima libera mais CO2 para a atmosfera. Como o fitoplâncton é o maior responsável pela fotossíntese no planeta, qualquer alteração neste pode ter efeito sobre o clima terrestre. O trabalho publicado na Nature mostra um grande aumento na quantidade de fitoplâncton devido à disponibilização do ferro naquela área. O ferro, como uma série de outros elementos químicos, é considerado um nutriente essencial às plantas e outros organismos autotróficos e sua ausência ou pequena disponibilidade limitam o crescimento vegetal. Desde que o pesquisador J. H. Martin implicou a disponibilidade de ferro nos oceanos com o decréscimo de temperatura na última glaciação (no artigo “Glacial-interglacial CO2 change: The iron hypothesis” publicado na Paleoceanography 5, 1–13 (1990)) muitos têm teorizado que uma mega-adubação dos oceanos com ferro poderia reverter o efeito estufa ao aumentar a fotossíntese fitoplanctônica (sinteticamente, causar-se-ia uma eutroficação planetária). Da mesma forma que o excesso de CO2 na atmosfera esquenta o clima, a falta deste pelo seqëstro na fotossíntese faria o clima esfriar. O trabalho de S. Blaine e colaboradores vem demonstrar que a fertilização natural do oceano com ferro e outros macronutrientes pode afetar significativamente o teor de gás carbônico na atmosfera e embora não aconselhem a fertilização artificial como remédio para o efeito estufa, fazem-nos meditar o assunto.

Produção de metano por plantas…Será?

Em janeiro de 2006 os pesquisadores F. Keppler, J. T. G. Hamilton, M. Bra e T. Röckmann publicaram um artigo na revista científica Nature com o título “Methane emissions from terrestrial plants under aerobic conditions” em que divulgavam sua constatação de que plantas terrestres produziam e emitiam o gás metano. Como já abordei diversas vezes aqui no geófagos (por exemplo aqui e aqui), o metano (CH4) é um gás produzido por bactéria anaeróbicas (que vivem na ausência de oxigênio), presentes em regiões alagadas como pântanos e plantios de arroz irrigado, bem como no sistema digestivo de bovinos, ovelhas e cupins. Este gás, assim como o gás carbônico, está envolvido no aquecimento do planeta Terra, porém tem a capacidade de aquecer o planeta 23 vezes maior que o CO2. Até a publicação do trabalho de Keppler e colaboradores, ninguém suspeitava da produção de metano por plantas terrestres em ambientes aeróbicos (na presença de oxigênio). De acordo com aqueles pesquisadores, cada grama de material vegetal seco produziria entre 0,3 e 3 nanogramas de metano por hora (1 nanograma é igual a 1 grama dividido por 1 bilhão). Os valores parecem pequenos, mas se se leva em conta toda a massa dos vegetais no planeta as emissões totais de metano pelas plantas alcançariam de 60 a 240 milhões de toneladas métricas de metano por ano. Alguns jornalistas rapidamente ligaram as plantas (notadamente as florestas tropicais) ao aquecimento global, alguns até sugerindo a derrubada de matas como resolução do problema, claramente desconhecendo que o desmatamento emite uma quantidade enorme de CO2, possivelmente o maior responsável pelo efeito estufa. Qual não foi minha surpresa ao saber de um artigo na revista científica New Phytologist recém-publicado questionando os resultados do trabalho de Keppler e colaboradores. O novo trabalho tem como título “No evidence for substantial aerobic methane emission by terrestrial plants: a 13C-labelling approach”, por uma equipe de pesquisadores holandeses encabeçada por Tom A. Dueck. Os dados apresentados no novo trabalho invalidam a sugestão feita por Keppler et al. de que se reavaliassem os dados de emissão de metano por fontes naturais ao apresentar valores de emissão de CH4 por plantas terrestres de apenas 0,3% dos valores do trabalho anterior. Imagino que este debate de idéias (aliás muito salutar e exatamente o que diferencia a ciência de formas dogmáticas de visão do mundo) ainda renderá muito em termos de pesquisa e entendimento.

Sobre o chão que pisamos III

Além da fração mineral (areia, silte e argila), a fração sólida do solo é composta também pela matéria orgânica. A matéria orgânica origina-se principalmente de restos mais ou menos decompostos de material vegetal que cai ao solo. O material menos decomposto, cuja origem vegetal ainda pode ser identificada a olho nu ou ao microscópio é chamada de matéria orgânica leve ou matéria orgânica não humificada. O material orgânico cuja origem já não pode ser determinada e que já foi muito finamente triturado além de ter sofrido uma série de alterações químicas é a matéria orgânica humificada ou substâncias húmicas. Os dois tipos de matéria orgânica assumem papéis importantes na manutenção da saúde do solo e do ambiente. A matéria orgânica participa da formação e estabilização da estrutura do solo, agindo como uma “cola” ou cimento que une as partículas minerais nos agregados do solo. As substâncias húmicas, por terem tamanho muito reduzido, também expõem cargas elétricas, assim como as argilas, e podem ter as mesmas funções de retenção de nutrientes minerais e de contaminantes químicos. Na verdade, em alguns solos estas funções são assumidas principalmente pela matéria orgânica. No segundo post desta série, eu disse que quando o solo está desprotegido (ausência de cobertura vegetal) propiciando a ação erosiva da água e do vento, as primeiras partículas minerais a serem perdidas são as argilas, mas antes das argilas há a perda da matéria orgânica, que é ainda mais leve, e os efeitos danosos ao solo são os mesmos ou ainda piores. De fato, um dos primeiros sinais de desertificação é a perda de matéria orgânica dos solos. A quantidade e a natureza da matéria orgânica do solo dependem do tipo de vegetação sobre este solo, que em geral é função do clima. Normalmente, quanto mais fria e úmida a região, mais ricos em matéria orgânica são os solos. Por ser constituída principalmente de carbono, a matéria orgânica do solo tem recebido atenção crescente dos pesquisadores interessados na diminuição do efeito estufa: a decomposição da matéria orgânica do solo produz CO2 e, em menores quantidades, CH4, os principais gases causadores do efeito estufa. Poucos sabem que há mais carbono nos solos do que na atmosfera ou mesmo nas florestas do mundo. Uma grande preocupação dos Cientistas do Solo tem sido o desenvolvimento de práticas agrícolas que diminuam a decomposição da matéria orgânica do solo ou até a aumentem, como é o caso do plantio direto, atualmente adotado em boa parte do Brasil. Ao contrário do que muitos catastrofistas dizem, nem toda a matéria orgânica perdida pelo solo é oxidada (se transforma em gás carbônico) podendo contribuir para o aquecimento global, uma parte da matéria orgânica é perdida quando há erosão do solo e pode ser depositada no fundo de corpos d’água ou no mar, o que não deixa de constituir um tipo de seqüestro de carbono.(Continua)

Efeito estufa e produção vegetal

Parece-me mais do que comprovada a realidade das mudanças climáticas globais causadas principalmente pela queima de combustíveis fósseis (petróleo, carvão mineral, gás). Na semana passada a NASA divulgou relatórios de pesquisa indicando claramente a ação humana como causa de aumentos de temperatura média no planeta. O que quero abordar aqui hoje são os possíveis efeitos do aumento da concentração de CO2 (gás carbônico) na atmosfera sobre a produção dos vegetais. Como já foi dito aqui antes, as plantas utilizam o gás carbônico na fotossíntese. Na verdade, todo o carbono presente em nossos corpos (e nós somos feitos quase exclusivamente de carbono) provem de uma forma ou de outra do CO2 que as plantas fixam durante a fotossíntese. Seria de se esperar que, como as plantas produzem seus tecidos (crescem) e nutrientes orgânicos a partir do gás carbônico, se houvesse mais carbono na atmosfera, apesar do efeito estufa, as plantas produziriam mais, o que é bom. As coisas não são tão simples. Primeiramente, nem todas as espécies vegetais realizam a fotossíntese exatamente da mesma forma, ou melhor, nem todas utilizam o CO2 igualmente. Há espécies que reutilizam o CO2 absorvido, há plantas que utilizam menos CO2 e há plantas que são menos eficientes na utilização do gás carbônico. Estas últimas, que incluem boa parte das culturas agrícolas e obviamente outras espécies, seriam potencialmente as mais beneficiadas com o aumento de CO2 atmosférico. Algumas pesquisas mostram que o aumento da concentração de gás carbônico pode aumentar a produção destas espécies. Mas nem só de gás carbônico vivem as plantas. Além deste gás e da água, elas precisam de uma série de outros nutrientes minerais, principalmente nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio, enxofre, ferro e alguns outros em menor quantidade, que tiram principalmente do solo. Se a quantidade de CO2 é aumentada mas a quantidade dos outros nutrientes continua a mesma, pode ainda haver maior produção, só que menor do que se houvesse também aumento dos outros nutrientes. Além disso, há um problema menos óbvio e mais perigoso. O principal elemento mineral utilizado pelas plantas é o nitrogênio. Com o aumento das concentrações de gás carbônico, as plantas podem não apenas produzir mais, mas também produzir substâncias com mais carbono em sua estrutura e menos nitrogênio, dificultando a decomposição pelos microrganismos quando este material chega ao solo. Alguns trabalhos de pesquisa têm observado também aumento na produção pelos vegetais de uma substância chamada lignina, componente da madeira, que é rica em fenóis, que são tóxicos aos microrganismos. Assim, no geral, o aumento nas concentrações de CO2 pode dificultar a decomposição da matéria orgânica do solo. Ora, isto não é bom, já que promove seqüestro do carbono? Em parte. Se a diminuição da decomposição da matéria orgânica do solo for muito drástica, os outros nutrientes minerais que estão presos nela não voltam ao solo, o que diminui sua fertilidade e afeta negativamente o crescimento vegetal. As coisas não são tão simples.

Seqüestro de carbono pela agricultura II

Em regiões tropicais, nas quais os solos são muito intemperizados e por causa disso quimicamente pobres, um problema recorrente para a agricultura é a acidez do solo. Em geral, considera-se que as culturas podem ter problemas com acidez quando o pH da água do solo (chamada pelos Cientistas do Solo de solução do solo) está abaixo de 6. Além de problemas decorrentes da prórpria acidez, o grande impecilho para o crescimento e desenvolvimento vegetal em solos ácidos é a presença de formas solúveis de alumínio na forma principalmente de Al3+, tóxico não só para as plantas mas para quase todos os organismos. A forma mais comum de correção da acidez do solo, ou seja, de elevação de seu pH, é a aplicação do carbonato de cálcio ou calcário (CaCO3). Já falei sobre o calcário no post sobre ciclo biogeoquímico do carbono: é uma rocha sedimentar formada quer da deposição de exosqueletos calcários quer da precipitação de carbonato de cálcio sob condições químicas e físicas propícias. A reação do calcário no solo que resulta no aumento do pH faz com que haja produção do íon bicarbonato (HCO3-) ou até mesmo de CO2. Como há esta possibilidade de emissão de gás carbônico para a atmosfera, alguns críticos rapidamente condenam a aplicação de calcário na agricultura. Esquecem, ou fingem esquecer, que o aumento do pH do solo até certos valores, proporcionado pela aplicação de calcário (calagem), quase sempre causa aumentos não só na produção das culturas mas na própria massa da cultura. Como comentei noutra parte, o crescimento vegetal ocorre pela captura do CO2 e sua conversão, mediada pela energia solar, em tecidos vegetais. Como a aplicação de calcário aumenta o crescimento dos vegetais, mais CO2 é seqüestrado pelas plantas devido à calagem. Claro, ainda há dúvidas se a quantidade de gás carbônico emitido pelo calcário reagindo no solo é menor do que a quantidade fixada pelas plantas, mas tudo indica que sim.

Seqüestro de carbono pela agricultura

Comentei no post anterior que se tem tentado manipular o ciclo biogeoquímico do carbono. Como espero que tenha ficado claro, esta manipulação visa diminuir ou estancar o aumento nas concentrações atmosféricas dos gases de efeito estufa CO2 e CH4, principalmente o primeiro. Historicamente, das práticas humanas maiores contribuidoras de gás carbônico para a atmosfera, a agricultura se sobressai. Derrubadas e queima de florestas para estabelecimento de novos campos e práticas consolidadas como aração e gradagem dos solos contribuem enormemente com o aumento da concentração de CO2 na atmosfera terrestre. Atualmente um número considerável de técnicas agrícolas têm sido desenvolvidas com o objetivo, primeiro, de otimizar a produção agrícola mas com o efeito secundário (e desejável) de diminuir a oxidação da matéria orgânica do solo, grande depositório de carbono. As tradicionais práticas de revolvimento do solo (aração, gradagem, subsolagem…) usadas para favorecer o desenvolvimento de culturas agrícolas apresentam o inconveniente de acelerar a decomposição da matéria orgânica do solo. Estas práticas melhoram superficialmente a oxigenação do solo, quebram agregados que protegem fisicamente partículas de matéria orgânica e fracionam o material vegetal morto, o que facilita a ação dos microrganismos decompositores. As práticas modernamente utilizadas que podem auxiliar não só na diminuição desta decomposição mas até mesmo no aumento nos teores de matéria orgânica nos solos em geral envolvem a diminuição ou quase completa eliminação do revolvimento (movimentação) do solo. O exemplo típico disto é a adoção do plantio direto, em que os restos de culturas são deixados sobre o solo após as colheitas.

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