O Homem e o Planeta: a real dimensão de nossa grandeza, ou pequenitude!
Existe um provérbio onde se diz que não há soluções fáceis para problemas difíceis. Corroborando o velho provérbio, encontramos obstáculos praticamente intransponíveis para a equalização das questões ambientais, sociais e econômicas da civilização. Primeiro porque, como já afirmei aqui no Geófagos, crescimento econômico não se harmoniza com sustentabilidade ambiental, são coisas diametralmente opostas, uma só vai em detrimento da outra. Além disso, o maior dos problemas encontra-se no próprio homem, pois há princípios humanos que são imutáveis, daí o grande sucesso universal das Tragédias Gregas.
Responda rápido: qual é a espécie que melhor representa o Planeta Terra?
Se as respostas a esta pergunta fossem registradas, eu me arrisco a dizer que por maioria esmagadora de votos a vencedora seria a espécie humana. Digo mais, dificilmente alguém questionaria a pergunta, argumentando que ela foi mal formulada, porque uma só espécie não é suficiente para representar a Terra, ou a Biosfera.
Sabem o que é isso? Desculpem a franqueza, mas chama-se Megalomania, Arrogância, Pretensão, Egocentrismo e Estupidez. A razão disso, Darwin explica muito mais que Freud. Faz parte da natureza humana achar-se como tal, isso foi importante em um passado muito remoto.
Agora nós estamos na onda de “destruir” e “salvar” o planeta. É mais um enredo de epopéia maniqueísta megalomaníaca que nos propomos. Vez em quando a humanidade, desde que ela assim se compreende, é assaltada por um delírio coletivo desta natureza, respaldado por quase nada de ciência e tudo de sensacionalismo, quando não misticismo e outros sentimentos ungidos na fonte alucinógena da espiritualidade. E lá vamos nós outra vez, nestes tempos de aquecimento global.
O modelo de agricultura que se pratica hoje, as agressões aos solos, à cobertura vegetal, aos rios, lagos e oceanos são maiores e mais comprometedores do futuro do que “as emissões de gases” simplesmente. Estes estragos remontam ao Holoceno, desde que o homem deixou de ser uma espécie com um número limitado de indivíduos, relativamente integrada ao ecossistema, e tornou-se uma espécie cosmopolita, inventora de tecnologias. Foi bom para a espécie e muito ruim para a superfície do planeta. A atmosfera entrou nessa dança há pouco mais de um século, ou dois. Mas uma chaminé de usina soltando fumaça a todo vapor e um engarrafamento de automóveis, caminhões e ônibus produzem um enorme efeito na fotografia, e na tela.
O homem certamente é responsável por uma parcela no atual aumento da temperatura global. E o vilão dessa história não é só as emissões diretas e indiretas de gases, como querem muitos. Um bom exemplo são as mudanças no albedo (relação entre a luz recebida e refletida) da superfície terrestre, causadas pelas atividades humanas, que certamente têm alguma relação com o aumento da temperatura global. Mas, ao que tudo indica, ninguém quer saber deste assunto, muito menos do fato de que a Terra á capaz de aquecer-se e resfriar-se sozinha. A “razão do evento” tem de estar no fato de que “somos nós os protagonistas”!(?).
De qualquer forma, o homem faz parte desta equação, mas estamos superestimando “nossa variável” porque somos uns megalomaníacos incorrigíveis (sem contar o apoio dos espertalhões). Temos certeza de que somos o supra-sumo da criação(?), temos Deus(?) a nosso favor(?), somos capazes de salvar o planeta(?) ou acabar com ele de vez(?). Somos capazes de mudar o clima global com a nossa presença(?). Somos capazes de empurrar, chutar o planeta para uma era de aquecimento(?), que será seguida de uma glaciação(?). Quanta pretensão a nossa! Na verdade, somos o nosso maior problema. Nós não oferecemos nenhuma ameaça grave à existência deste Planeta. Somos ameaça grave, gravíssima, sim, à nossa própria existência. E quando se diz “salvar o planeta”, entenda-se “salvar a nós mesmos” com a maior dose de egocentrismo possível, pois nós nos consideramos como o próprio planeta. Comparando com a idade geológica da Terra e da grande maioria das espécies, ou a classe dos mamíferos, nossa espécie chegou aqui há pouquíssimo tempo, no último minuto, e queremos ser “os donos da bola” e estabelecer as regras do jogo.
E isso vai continuar assim, pelo menos enquanto a Terra não “se aborrecer” com a nossa presença e não nos transformar em fósseis de dentes arreganhados feito os Dinossauros. Vejam que para isso basta UM ÚNICO “sacolejo”. E nós crentes que a ameaçamos – provocação é diferente de ameaça – Ela, sim, ao mesmo tempo que nos oferece as condições básicas de sobrevivência, nos oferece também diversas possibilidades, potencialíssimas, de acabar com a nossa raça.
Se fôssemos mais humildes, mais racionais e menos fantasiosos, talvez pudéssemos divisar a verdadeira dimensão de nossa pequenitude, respeitar, de verdade, os ciclos da Natureza, viver melhor e, quem sabe, ser “grandes” de verdade, e até arriscar uma proposta menos sombria em relação ao nosso futuro.
Depois da Serra do Cipó: Ensaio Sobre a Pedogênese
Sobre minhas “andanças” pela Serra do Cipó, durante os trabalhos de doutorado, já publicamos algumas coisas aqui no Geófagos, como esta aqui, que no geral trata das adaptações daquela vegetação a ambientes oligotróficos.
A Serra do Cipó tem muito a nos revelar e ensinar. Durante os trabalhos que realizamos lá, tive a oportunidade de encontrar algumas referências práticas interessantes sobre a pedogênese. Coisas que eu ainda não havia encontrado nos livros.
Há um entendimento de que os Latossolos, em geral, são uma espécie de “ápice da pedogênese”. No caso dos Latossolos do Domínio dos Mares de Morros, por exemplo, trata-se de solos bastante intemperizados (daí o seu nome), envelhecidos, oxídicos, profundos, muito lixiviados, com baixa capacidade de troca de cátions, baixos teores de minerais primários facilmente intemperizáveis e etc. Ou seja, são solos submetidos a intensos processos de intemperismo.
Mas é preciso ter cuidado com esta afirmativa. Se fossem mantidas as condições climáticas atuais ad aeternum, os Latossolos seriam realmente uma espécie de “ápice da pedogênese” neste sistema. Acontece que, considerando o tempo geológico, o clima da Terra é cíclico. Ora mais seco, ora mais úmido; ora mais frio, ora mais quente (independentemente das ações e vontades do Homo sapiens). Some-se a isso a deriva continental, o movimento de placas tectônicas e a orogênese. Portanto, os Latossolos, ainda que sejam relativamente pobres do ponto de vista químico, têm muito a perder. Dentre outros elementos, podemos citar coisas muito importantes como as argilas. Sob condições de umidade excessiva e em fluxo contínuo (entrada e saída de água) promove-se, dentre outras coisas, o aumento da acidez no sistema e a destruição das argilas. E aí o solo “se desfaz” sobre si mesmo. O limite final desse processo é muito bem exemplificado pelos Espodossolos da Amazônia, na região do Rio Negro.
Quando as argilas são destruídas, sobra o que ainda resiste ao intemperismo, ou seja, o Quartzo, as areias que caracterizam os Neossolos Quartzarênicos e os Espodossolos. Portanto, em determinadas circunstâncias, os Espodossolos podem ser considerados também como ápice da pedogênese, em ambientes de solos submetidos a processos intensos (extremos) de intemperismo. O que leva a uma observação interessante: a primeira idéia, intuitiva, que temos do intemperismo é de sua ação sobre um substrato primário, geralmente uma rocha ou saprolito, promovendo a gênese de um solo. No caso em questão, que aqui coloco, o “substrato” é um solo, um Latossolo por exemplo, que será destruído pelos processos de intemperismo, promovendo a gênese de outro, o Espodossolo.
Alguém pode questionar esta afirmativa, argumentando que podemos encontrar Espodossolos formados por processos pedogenéticos diretos, a partir do intemperismo de rochas como o Quartzito e, portanto, são solos cronologicamente jovens quando comparados aos Latossolos dos Mares de Morros, ou pelo menos contemporâneos destes. Correto! Um bom exemplo deste fato foi encontrado por nós na Serra do Cipó. É bom lembrar também que a “velhice” no caso dos solos não é necessariamente cronológica, ela está ligada principalmente à intensidade dos processos de intemperismo aos quais o sistema foi submetido. Portanto, é preferível a expressão “solo envelhecido” no lugar de “solo velho”.
A Serra do Cipó é uma cadeia montanhosa, que pertence à seção meridional-sul da Serra do Espinhaço, cuja matriz geológica é formada principalmente de Quartzito. Este Quartzito é, por sua vez, resultante do metamorfismo de arenitos que se formaram no Proterozóico (cerca de 2 bilhões de anos atrás). Estes arenitos foram formados por acumulações de areias marinhas, ou seja, as areias que se acumularam ali eram (são) o resultado final de processos de intemperismo anteriores. Em outras palavras, aquele sistema está produzindo solos das sobras do passado, areias (Quartzo) que restaram dos processos de intemperismo de tempos anteriores a 2 bilhões de anos.
Portanto, os Espodossolos da Serra do Cipó são solos cronologicamente jovens, mas já nasceram envelhecidos em razão de seu material de origem, o Quartzito, que foi arenito, que foi areia sedimentada, que por sua vez foi o produto final do intemperismo anterior. E, para finalizar, lembremo-nos de que mesmo a areia pura ainda tem o que perder, o seu próprio elemento constituinte, a sílica, que pode sair lentamente do sistema na forma de sílica solúvel. Então, no fim deste processo pode não sobrar nada? Depende! Mas parafraseando o saudoso e inesquecível “filósofo” Tim Maia, poderíamos dizer que, para o intemperismo, tudo é nada, e nada é tudo!
Adendo (No Divã do Geófagos)
Sobre o texto de ontem, resolvi ser um pouco mais claro com relação ao “elemento ligante” entre a mensagem do texto e a “autoridade” citada, a título de exemplo, no terceiro parágrafo.
O fato é que o cidadão demonstrou, naquela ocasião, desconhecer a real dimensão de sua atividade profissional, intimamente ligada à Pesquisa, Ensino e Extensão, pilares das universidades federais brasileiras, sinalizando certo despreparo para ocupar os cargos que ocupava. Demonstrou desconhecer os objetivos norteadores da Ciência, os objetivos norteadores de sua profissão e, também, desconhecer o Brasil e suas múltiplas faces. Falha do “Sistema” que o colocou lá? Pode ser! De qualquer forma, tais fatos são bastante desqualificadores.
Enquanto profissionais, precisamos estar preparados para ocupar determinados cargos. E este preparo vai além da Academia (longe da militância e das ideologias partidárias). Precisamos conhecer verdadeiramente nossa realidade, nossa profissão e a realidade do lugar em que vivemos. Na prática, é a diferença que faz de um Político um Estadista.
No Divã do Geófagos: o Geófagos também é terapia!
Nosso amigo Manuel, que muito nos honra com sua presença constante no Geófagos, muito apropriadamente qualificou de “peregrinação” as minhas andanças dos últimos tempos. Já fiz outras peregrinações além destas últimas. Sinto-me razoavelmente qualificado para falar deste assunto.
Tenho visto, entre colegas e professores das universidades, pessoas que desconhecem a realidade do Brasil, desconhecem as carências, as dificuldades que os brasileiros mais humildes enfrentam. Podem até ter alguma informação a respeito, mas não esbarraram com isso na prática. Existe um importante Brasil rico, de que falei no texto passado, mas existe outro, o Brasil carente, que conheço e reconheço ao longo de minha vida.
No início de minha pós-graduação eu assistia a um excelente seminário de um grande amigo nosso, pessoa muitíssimo cara ao Geófagos. Ele falava sobre os fitólitos, assunto interessante, curioso e de grande relevância acadêmica em diversas áreas. Uma “autoridade” do Departamento de Solos da UFV questionou-o sobre a “aplicação social prática” de seu estudo. Eu esperei impacientemente que alguém da platéia lhe desse (à “autoridade”) uma resposta à altura. Havia gente gabaritada para isso lá. Eu era um “calouro” ali naquele momento. Não me manifestei, embora todos os Anjos e Demônios que me acompanham me impelissem para isso. Eu tinha, e tenho, a dizer àquela “autoridade” que ela nos apontasse uma, apenas uma “aplicação social prática” da Teoria da Relatividade, da Teoria da Evolução, entre outros tantos exemplos, como o Raio Laser, que quando foi inventado dizia-se que era uma solução sem problema (isso é histórico). Nada pode pautar a Ciência, exceto a ética, mesmo assim, em alguns poucos casos onde isso se faz necessário. A Ciência pode, e deve, colaborar nas questões sociais, mas quem tem o dever de resolvê-las é a administração pública, é o setor político-administrativo, são os Três Poderes da República no Brasil.
Estou tecendo este comentário porque estive com estes dois Brasis nesta minha atual peregrinação. Mas esta não é a primeira vez que os encontro. Minha biografia e meu currículo lattes mostram e confirmam isso.
Recomendo aos amigos, colegas e aos simpatizantes do Geófagos, que não percam a oportunidade de conhecer o Brasil. Aproveitem uma de suas férias e viajem de ônibus pelo Brasil afora, não fica caro. Repito, não pode ser de avião ou automóvel, é preciso viajar de ônibus, preferencialmente nos mais humildes, de localidades distantes, para encontrar e reconhecer o Brasil de que falo.
No meu retorno de Jataí, em Goiás, para Viçosa, viajei no Gontijo 11240, linha de Porto Velho a Mantena. Recomendo também o Expresso Linhares, de Jaboticatubas, na Serra do Cipó, ou a Viação Araguarina de Goiás. Tais viagens serão muito proveitosas se forem realizadas como complemento ao melhor dos exercícios, que é trabalhar com Extensão Rural em municípios com menos de 10.000 habitantes.
A peregrinação voluntária, em busca de sabedoria, pode nos ajudar muito. Pode ajudar a ponderar nossas atitudes pessoais e ponderar o exercício de nossa vida profissional. Mas tenha cuidado. O seu “Caminho de Santiago de Compostela” só terá validade se você estiver atento ao que busca. Senão você pode sair de lá pior do que quando entrou!
Alimentos que brotam das gôndolas dos supermercados
Às vezes fico pensando que algumas pessoas não se lembram de onde vêm os alimentos. Uma dessas vezes aconteceu ontem quando li o texto comentado pelo Ítalo no post abaixo. Concordo em gênero, número e grau com o Ítalo e talvez nem precisasse escrever este post, pois ele já disse boa parte das coisas que eu diria. Mas faço questão.
São dois pontos. Primeiro, sobre a produção dos alimentos que consumimos e que nos mantêm vivos. A impressão que tenho é que algumas pessoas que viveram a vida inteira (ou quase) em grandes centros e que não têm nenhum contato (mesmo que indireto) com o campo, acreditam que os alimentos brotam nas gôndolas dos supermercados. É muito legal chegar no seu apartamento no fim de um dia cansativo de trabalho, abrir a geladeira e encontrar lá dentro as coisinhas que você trouxe do super ou do hipermercado, de preferência já picadinhas e embaladinhas numa bandejinha de isopor. É, porque alguns alimentos, para essas pessoas, também já brotam das gôndolas nessa forma tão prática: embalados! Você chega em casa e está tudo lá a seu dispor e você pode testar aquela maravilhosa receita que aprendeu no programa de culinária da TV a cabo.
Sem ironia, realmente acredito que algumas pessoas não se lembram (ou simplesmente não pensam a respeito) que os alimentos são produzidos na terra. Sim, na terra sujinha, na poeira! Produzidos por produtores e trabalhadores que aram a terra, semeiam, cuidam, irrigam, colhem e… em alguns casos, embalam. Na minha opinião não precisamos de mais área para cultivo de alimento ou de biocombustíveis. Precisamos sim recuperar áreas já degradadas pelo cultivo intensivo e ou prolongado e manejar de forma sustentável as áreas já incorporadas ao cultivo agrícola. Isto é sustentabilidade.
O trabalho da pesquisa agrícola é voltado para a produtividade (e não para a expansão de área agrícola) e para a sustentabilidade da produção, ou seja, para que se possa produzir hoje e no futuro – para que as pessoas possam continuar tendo alimento em suas geladeiras. Isto me remete ao segundo ponto, sobre o trabalho da Embrapa. Mas sobre este o Ítalo já discorreu com primazia. Aqui só quero dizer que a equação alimentos na mesa x conservação ambiental no nosso país é resolvida com a colaboração dos pesquisadores que dia a dia trabalham na Embrapa.
Agricultores maus, ambientalistas bonzinhos e cientistas loucos
Acredito que qualquer pessoa preocupada com a utilização prática do conhecimento científico e tecnológico saberá que a geração do conhecimento, em si, a produção de dados, nada tem de bom ou ruim. O conhecimento gerado a partir do estudo da estrutura dos átomos pode levar tanto à bomba atômica quanto à raditerapia para tratamento de câncer. Posso estar errado, mas creio que o mal uso do conhecimento científico se deve mais à ação de políticos do que à vontade de cientistas, o que não quer dizer que não haja cientistas ideologica e politicamente engajados.
O assunto em voga hoje nos meios preocupados com a questão ambiental brasileira é uma audiência pública convocada pela presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), senadora Katia Abreu (DEM-TO). A audiência faz parte de uma discussão acalorada entre ruralistas e ambientalistas sobre a ocupação de terras pela agricultura em detrimento de áreas de preservação ou conservação natural de variada natureza. O encontro contará com a participação do pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite, Evaristo Eduardo de Miranda, que apresentará resultados de um estudo concluindo que, após descontadas as áreas de conservação e reservas indígenas, sobrariam 29% da área agricultável não utilizada no Brasil. Nas entrelinhas está a mensagem de que os ruralistas utilizariam esta informação para tentar abrandar a legislação ambiental brasileira visando mais terras para a agricultura.
Ora, como afirma um outro pesquisador da Embrapa, estes 29% correspondem a 240 milhões de hectares, o que é muita terra. Como já discutimos aqui no Geófagos, dizer que o aumento de áreas naturais protegidas comprometem a produção de alimentos de um país é um argumento falacioso. Existe uma diferença entre produção e produtividade agrícola. A primeira é o total produzido e contabilizado, por exemplo, o Brasil produz x toneladas de soja. Produtividade é a capacidade de produção de determinada área, geralmente um hectare, que corresponde a dez mil metros quadrados. O aumento da produção agrícola de um país pode depender ou do aumento da área plantada ou da elevação da produtividade pela adoção de melhores tecnologias agrícolas. Assim, o aumento na produtividade não está diretamente associado ao aumento na área sob agricultura. Nem o aumento da área plantada siginifica que a produção agrícola total será aumentada. Aumento de produtividade é aumento de eficiência. A abertura de novas áreas agrícolas é simplesmente uma solução mais fácil de se aumentar a produção sem que obrigatoriamente se implemente ou se adote mais tecnologia.
A Embrapa, conceitualmente, existe para gerar conhecimento científico e tecnológico para aumentar a produtividade no campo. Obviamente, haverá grandes produtores que utilizarão tecnologia gerada pela empresa. Mas vejo agora que existe uma tendência de demonização da empresa pelos meios eco-idiotas e eco-fundamentalistas. Um exemplo didático é esse texto, constrangedor de tão tendencioso, do novo blog Laboratório, da Folha de São Paulo. De forma insidiosa, em minha opinião, o autor do texto transfere a suposta maldade dos ruralistas para a Embrapa, que fica parecendo ser o braço letrado dos fazendeiros maus. Não houve competência sequer para checar fatos, como quando afirma que a Embrapa não se propõe a recuperar áreas degradadas, ignorando trabalhos importantes na área feitos em unidades como a Embrapa Agrobiologia, Embrapa Meio Ambiente, Embrapa Cerrados, entre outras (afinal de contas, a ausência da checagem de informações e de imparcialidade não é uma crítica dos jornalistas de ciência aos blogueiros de ciência? Ah, não é uma crítica, é o que alguns deles fazem quando escrevem blogs). Mas é óbvio que é mais interessante atacar a Embrapa, que junta em si as nefastas figuras do cientista e do agricultor, do que cumprir a desagradável tarefa de pesquisar e de ouvir o lado oposto. Não é coisa que a imprensa brasileira anda fazendo muito.
Ao mesmo tempo, ao equacionar a Embrapa e o interesse dos agronegociantes, o jornalista arquetípico convenientemente ignora o trabalho feito, por exemplo, na própria Embrapa Hortaliças (aos ambientalistas do asfalto informo que a esmagadora maioria dos horticultores brasileiros é composta de pequenos agricultores), na Embrapa Semi-Árido e muitas outras. Mas isso não importa aos jovens ambientalistas urbanos hipócritas e aos mocinhos manipuladores de informação do Greenpeace. O que importa é combater o mal.
“Consumidores de luxo” de potássio
Por Flávia Alcântara
O último texto do Juscimar me lembrou uma questão que tenho vivido na prática, desde que comecei a trabalhar como pesquisadora e passei a me envolver efetivamente com fertilidade do solo. Digo “efetivamente” porque uma coisa é a academia e outra é a realidade do campo e da pesquisa. Acho muito bom que tenhamos uma nova reserva de potássio em nosso território e concordo plenamente com o fato de que só há vantagens em acabar a cartelização do KCl (ou de qualquer coisa!). Obviamente tenho minhas preocupações ambientais e sociais no que diz respeito à extração nessas reservas, mas isto é outro ponto.
O assunto sobre o qual quero tratar aqui perpassa o fato de termos uma nova reserva e, ao mesmo tempo, pode ser modificado por esse fato – se para pior vai depender de quem trabalha na área. Essa assunto é a utilização excessiva de potássio que, me parece, ocorre hoje na agricultura brasileira. Grande parte do potássio extraído das reservas mundiais é utilizada para a obtenção dos formulados comerciais (fertilizantes com proporções definidas de nitrogênio (N), fósforo (P) e potássio (K) – os famosos NPK). Outra parte é utilizada como fertilizante simples, o próprio KCl, principalmente nas adubações de cobertura (adubações realizadas durante o ciclo das plantas para complementar a adubação de plantio, em que se fornece N, K e, em alguns casos, micronutrientes). Bom, a utilização excessiva de K sobre a qual falo é causada pela utilização excessiva de formulados. Explico. Os formulados mais utilizados comercialmente são o NPK 4-14-8 e o NPK 4-30-16. Estas fórmulas significam o seguinte, tomando como exemplo a primeira: em 100 quilos do produto estão presente 4 quilos de N, 14 quilos de P-P2O5 e 8 quilos de K-K2O. Portanto, fornecem os três nutrientes, ao mesmo tempo, em proporções diferentes.
O que acontece nos solos brasileiros é que a necessidade de adubação fosfatada é muito maior do que a necessidade de adubação potássica, mesmo que esses dois elementos estejam presentes em teores proporcionalmente baixos no solo. Isto ocorre devido à alta capacidade de fixação do P dos nossos solos altamente intemperizados, nos quais, a grosso modo, as plantas só absorvem o P após ter sido praticamente saturada toda a capacidade de fixação desse elemento no solo – é como se elas ficassem com a raspa do taxo. Assim, são necessárias, em geral, altas doses de P (aplicado na forma de P2O5) para que se obtenha teores adequados ao crescimento e desenvolvimento das culturas (para sobrar uma raspa generosa!). Caso a dose recomendada de P-P2O5 seja alta, é extremamente difícil, com a utilização de um desses formulados, que se consiga suprir essa necessidade sem ultrapassar as doses recomendadas de N e K, mesmo que estas sejam também altas – numericamente nunca serão tão altas quanto a de fósforo, basta olhar os boletins de recomendação. Na prática o que ocorre é a utilização de formulados (ex.: 3 ou 4 ton./ha) sem levar em consideração a análise química do solo, que muitas vezes nem é realizada.
A utilização dessas doses de formulados é uma decisão tomada por produtores e ou engenheiros agrônomos com base em vários critérios que não discutirei aqui, mas que vão desde a facilidade de aplicação (para se utilizar fertilizantes simples, ou seja, um que forneça N, outro que forneça P e outro que forneça K, é preciso fazer mistura, o que requer mais tempo e mão-de-obra) até a sugestão do vendedor ou do vizinho ou agrônomo da fazenda ao lado. A facilidade de aplicação é compreensível, mas a displicência não. O que comecei a notar no meu trabalho como responsável por um laboratório de fertilidade do solo e pelas minhas andanças por aí é que, apesar de os teores de P no solo continuarem baixos ou médios, os teores de K estão quase sempre altos ou muito altos. É a utilização dos formulados. Quero deixar claro que não sou contra os formulados, mas saliento que, na maioria dos casos, eles devem ser utilizados juntamente com fertilizantes simples. Podemos suprir todo ou quase todo o N e o K numa adubação de plantio com um formulado e complementar a dose de P requerida com um fertilizante simples fosfatado. Isto é pura matemática. É bom senso.
E qual é o problema do excesso de K nos solos? Como disse o Juscimar não se conhece sintomatologia de excesso de K, mas como cátion que é, o K em excesso poderá causar desequilíbrios em relação ao Ca e ao Mg (também cátions) por ser absorvido preferencialmente pelas plantas. Já vi casos de deficiência de Ca no meio do ciclo (em tomateiro) por causa do excesso de K e ouvi vários relatos similares. Nesses casos, ocorre o “consumo de luxo” de K – a planta o absorve mas não o utiliza. Além, disso, e aí entram as reservas de potássio do Brasil (e do mundo), estamos desperdiçando potássio! Mesmo com uma nova reserva no Brasil, mesmo com dezenas de novas reservas que apareçam pelo mundo, estamos desperdiçando potássio! Esta não é uma era de desperdício e é preciso que todos entendam isso. Esta é uma era de sustentabilidade. Portanto, que comecemos a pensar sobre a necessidade de consumo interno de potássio. Qual é o real “tamanho” dessa necessidade? E que façamos bom uso da nossa nova reserva, com reserva.
Esse Brasilão Imenso: nota de rodapé (4)
Por Elton Luiz Valente
Neste momento estou em Jataí-GO. Durante a viajem fiquei tecendo umas conjecturas sobre o Brasil e resolvi postar esta “nota” aqui no Geófagos.
Quem quiser ver, in loco, uma amostra da grandeza do Brasil é só viajar pelo Estado de Goiás (entre outros). O gigantismo do desenvolvimento agropecuário no nosso Planalto Central tem pouco paralelo no mundo. O custo disso não pode ser negligenciado, é uma questão importantíssima. Aliás, já sinalizei minha opinião a esse respeito no texto anterior. Para abrir espaço ao desenvolvimento foi preciso, entre outras coisas, atacar o Cerrado, o segundo maior bioma brasileiro. Mas não é disso que quero falar.
Quero dizer apenas que quem quiser vislumbrar a grandeza de que falo é só viajar, por exemplo, de Goiânia a Jataí (BR-060). Aí se entende porque o Brasil não quebra (financeiramente) apesar dos políticos e da massa acéfala de eleitores que temos!
Coisas acontecem
Acho que as coisas estão avançando. Ontem mesmo comecei a instalar meu primeiro ensaio de porte como pesquisador da Embrapa. Até agora tinha apenas sido observado por meus pares veteranos, cumprido algumas tarefas burocráticas do período probatório, escrito um projeto. Inicialmente vou trabalhar com nutrição do morangueiro (Fragaria x ananassa) cultivado sobre solo em casa de vegetação. O assunto é relevante porque a área cultivada está crescendo no Brasil e há poucos dados experimentais para as condições brasileiras. É muito bom sentir-se útil e poder aplicar com segurança o que foi aprendido em árduos anos de estudo. Havia uma dúvida inicial sobre se eu deveria trabalhar com pimentões ou morangos: há muita demanda de pesquisa para ambas as culturas, principalmente nas condições do Distrito Federal. Não nego que minha preferência estava com os morangos. Aliás, as plantas na minha foto da barra lateral esquerda são morangueiros, cultivados em casa de vegetação e fertirrigados. A casa de vegetação em questão pertence a um produtor da região de Braslândia-DF. Enfim, aproveitei o fim de semana para fazer um pequeno relato pessoal, não fugi de todo ao foco do blog e, por ser fim de semana, a audiência é um tanto baixa. Mais adiante pretendo abordar mais tecnicamente problemas de nutrição de plantas em cultivo protegido.
A Savanização do Mundo: um ensaio
Por Elton Luiz Valente
Antes de ir ao assunto destas linhas, é importante lembrar que o Cerrado não é Savana. A Savana encontra-se na África, em condições de solo e clima diferentes daqueles do Cerrado. O Cerrado é um bioma exclusivo da América do Sul. As duas vegetações têm alguma semelhança fitofisionômica e a Savana foi descrita primeiro, daí diz-se que o Cerrado é uma vegetação savânica, ou seja, semelhante à savana, mas não igual.
Já publicamos aqui no Geófagos um texto onde se comenta, em linhas breves e gerais, a relação do homem com vegetações de natureza savânica, como o Cerrado.
O homem originou-se na África, em meio à Savana. Isso implica dizer que ele foi gerado, moldado, forjado, sofreu os processos da seleção natural e da evolução das espécies em meio à vegetação savânica. Portanto, quando ele se encontra em um ambiente destes é bem possível que sejam ativados instintos atávicos, provocando sensações ancestrais nos seus cinco (ou seis, ou mais) sentidos. É mais ou menos o mesmo efeito que faz o cheiro, o calor e a pulsação do colo da mãe em um moleque, ou outro filhote de mamífero qualquer.
O homem enxerga o ambiente savânico instintivamente, com todos os seus sentidos ativados, gostando do que vê e se sentindo muito bem ali – aqueles indivíduos urbanos, hi-tech, que têm horror a picada de insetos e otras cositas mas, são uma variedade que surgiu recentemente na espécie, correspondem ao “erro amostral” desta minha “análise livre”. Observem que Gorilas e Chimpanzés, nossos primos mais próximos, também não gostam da floresta, eles gostam da borda da floresta. Quem gosta do interior das florestas são os primatas com rabo, nossos primos mais distantes. O homem pode até conservar um pedaço de floresta numa encosta, num canto qualquer, mas ele não ama a floresta, ao contrário, o homem tem medo dela, lá ele se sente ameaçado, uma presa fácil. Diferente dos ambientes savânicos, que fazem parte da sua essência evolutiva. Fazer com que o homem ame ou pelo menos preserve as florestas não é tarefa fácil, mesmo mostrando os inúmeros benefícios que a conservação delas pode nos render.
Vejam que a primeira providência do colonizador é o desmatamento. Ele precisa de área para suas culturas e gosta muito daqueles campos imensos, savanizados, que ele próprio produz. O homem savanizou o globo terrestre. A savanização do mundo é sua obra máxima, natural, com um viés bíblico, profético. É o seu legado. Exceto por uma mancha de floresta amazônica aqui, umas coníferas ali (que estão sofrendo constante pressão de desmatamento), o restante do mundo, por onde o homem passou, já está savanizado. Some-se a isso a pressão econômica do agronegócio, que impulsiona o homem a agredir a própria Savana (o Cerrado que o diga), ou seja, por dinheiro ele é capaz de agredir o seu ambiente mais querido, “o seu lar primevo” – a ganância é outro traço marcante de nossa personalidade – Bingo! Não vai sobrar floresta no mundo. O homem vai desmatá-las todas. A degradação ambiental, as mudanças climáticas e outras questões direta- ou indiretamente vinculadas aos desmatamentos, se possível, só serão resolvidas depois, podem apostar!