Florestas, solos pobres e ciclagem biogeoquímica

O cidadão leigo deve achar estranho ou até improvável quando um especialista afirma categoricamente que a maior parte dos solos sob a floresta amazônica são solos nutricionalmente pobres, distróficos em nosso jargão profissional. Como solos pobres em nutrientes minerais poderiam sustentar vegetação tão exuberante? Pode parecer estranho, mas é a pura verdade e a Amazônia não é um caso isolado. Em meu doutorado trabalhei com solos nutricionalmente pobres, desenvolvidos sobre material de origem (rochas) também muito pobres, mas estes solos muitas vezes sustentavam comunidades vegetais exuberandtes e biodiversas. Tanto na Amazônia quanto na área de minha tese (Área de Proteção Ambiental Estadual Cachoeira das Andorinhas, em Ouro Preto, Minas Gerais), os principais solos são classificados como Latossolos e, em menor extensão, Espodossolos (logo teremos um post sobre as classes de solo do Brasil), solos normalmente pobres ou muito pobres em nutrientes minerais. A pobreza em nutrientes pode ser herdada do material de origem ou resultado de séculos de intemperismo químico. Em condições naturais, os teores mais altos de nutrientes nestes solos são via de regra observados nos horizontes (camadas mais ou menos paralelas à superfície que caracterizam um solo e permitem sua classificação) mais superficiais, mais ricos em matéria orgânica. Pela impossibilidade de depender das reservas naturais de nutrientes nestes solos, as espécies e indivíduos apresentando natural tendência de acúmulo eficiente de nutrientes no tecido vegetal e/ou com adaptações morfológicas e fisiológicas que permitem a rápida reabsorção dos ditos elementos nutrientes uma vez liberados do material orgânico decomposto, têm mais chances de dominar nestes ambientes. Assim, ao invés de depender do usual suprimento de elementos nutrientes pelo intemperismo químico de minerais primários e secundários, estas comunidades vegetais dependem da ciclagem biogeoquímica. Que é esta ciclagem biogeoquímica? Primeiro, a ciclagem geoquímica são os vários compartimentos geológicos por que passa um elemento químico: os elementos presentes nos magmas são incorporados às rochas que se formam pelo resfriamento destes, pelo intemperismo das rochas podem ser carregados pelas águas, levados por rios, armazenados em sedimentos; estes sedimento podem se tornar novamente rochas e o ciclo recomeçar. Agora acrescente-se a vida, principalmente vegetal, neste ciclo e ele deixa de ser apenas geoquímico e passa a ser biogeoquímico: o intemperismo das rochas pode dar origem aos solos, suporte principal da vida vegetal, os elementos químicos liberados podem ser absorvidos pelas plantas, quando os tecidos vegetais são depositados ao solo, podem ser decompostos, liberando novamente os elementos químicos, que podem ser perdidos, entrando novamente no ciclo geoquímico, ou reabsorvidos pelas plantas, continuando ainda por um tempo no compartimento biológico. Quando se acelera a decomposição da matéria orgânica do solo pela atividade humana, como quando se introduz a agricultura em área anteriormente florestada, perde-se grande parte dos nutrientes armazenados. Por isso, a introdução de espécies agrícolas em solos pobres em que a vegetação natural dependia grandemente da ciclagem biogeoquímica, geralmente é fadada ao insucesso ou passa a depender grandemente de fertilização química.

Miss Blog Brasil 2008

Não, não é um concurso para eleger os rostinhos bonitos da blogosfera. É para eleger as melhores blogueiras brasileiras, em termos de conteúdo de blog. O blog Repórter Net resolveu promover este concurso devido ao grande número de ótimos blogs escritos por mulheres na blogosfera feminina. Fico imensamente feliz em dizer que duas colegas do LaBlogatórios já se inscreveram: Paula Signorini, do Rastro de Carbono e Cláudia Chow, do Sustentabilidade Ecodesenvolvimento. Não tenho dúvidas, páreo duro para as outras blogueiras. Ambas as LaBlogueiras escrevem principalmente sobre meio-ambiente e, em termos de conteúdo, são o que de melhor há na blogosfera científica em língua portuguesa. A votação pelos internautas ainda não está aberta, mas assim que estiver faremos posts eleitorais por aqui que em nada deverão ao TRE. Sem brincadeira, uma boa iniciativa, embora o título do prêmio talvez devesse ter sido melhor escolhido. Paula e Cláudia, a vitória será nossa!

O lado negro das redes sociais

Esta é tradução amadora do título deste post no blog Futurismic, comentando um post no blog da Wired, segundo o qual ao invés de procurarem e socializarem com pessoas de diferentes ideologias, o comum é que se procure, nas redes de socialização, apenas grupos de ideologia similar, tornando as pessoas menos flexíveis. Tendo a concordar com isto. Aliás, não somos nós LaBlogueiros um grupo coincidentemente homogêneo? Mas os posts não abordam apenas o lado negativo da coisa: “It’s not all negativity, though; Krebs believes that social networks can be useful tools once the “strong individuals or groups that can lead to group-thinking shifts” are identified… which should make the marketing types happy, if no one else.” O que me faz pensar, refletindo sobre as palavras de uma colega blogueira, que eu deveria melhorar minhas abilidades autopromocionais.

Caligrafia chinesa e fractais

Phillip Ball tece interessantes comentários sobre o artigo “‘Fractal Expression’ in Chinese Calligraphy“, escrito por Yulelin Li, em que o (a) autor(a) apresenta evidências histórica e matemáticas de que o artista chinês Huai Su, entre outros, conseguiu, aparentemente de forma não casual, que algumas de suas obras de caligrafia apresentassem fractalidade, utilizando como padrão a ser imitado nuvens de verão, rachaduras em paredes e manchas de água no teto:
“……Zhenqing asked: “Do you have your own inspiration?” Su answered: “I often marvel at the spectacular summer clouds and imitate it …… I also find the cracks in a wall very natural.” Zhenqing asked: “How about water stains of a leaking house?” Su rose, grabbed Yan’s hands, and exclaimed: “I get it!”
Para os fãs de erudição sem limites.

Posts excelentes

Desculpem-me os fãs de Richard Dawkins, mas como divulgador de ciência, ele jamais chegou aos pés de Stephen Jay Gould, nem em estilo, nem em erudição, muito menos em humor. De toda forma, Dawkins como divulgador científico era muito melhor do que o atual Dawkins “voz que clama no deserto”, pregador fanático do ateísmo dogmático. Sinceramente, acho que a estratégia de Dawkins e de seu ainda mais fanático discípulo P. Z. Myers em nada difere da pregação neo-evangélica que eles, com razão, criticam. Tinha medo que apenas eu, entre os que se crêem humanistas, pensava assim. Um post magníficamente escrito do Desidério Murcho me faz ver que não, outros pensam como eu e de forma certamente mais articulada. Além disso, o texto do Desidério dá um severo puxão de orelhas nos acadêmicos idealistas que correm o risco de confundir ideologia com verdade científica. Terei mais cuidado com alguns posts mais enfáticos que de vez em quando escrevo. Um outro post de ótima qualidade saiu aqui mesmo nos LaBlogs, no blog Ecce Medicus, sobre a comoditização do conhecimento científico, vale a pena ler.

Mangas, mangalhas e cercados

No último mês de Julho, a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (FAPESQ) lançou o Prêmio Telmo Silva de Araújo de Divulgação Científica, com o objetivo expresso de “reconhecer os trabalhos que possam contribuir científica ou tecnologicamente na solução de problemas do cotidiano ou na melhoraria da qualidade de vida da população da região semi-árida da Paraíba”. A iniciativa por si só já era altamente louvável. Hoje fiquei imensamente feliz ao ler o nome do primeiro colocado na categoria Pesquisador: Daniel Duarte Pereira. Professor Daniel foi meu mestre na graduação em Agronomia no Campus da UFPB em Areia-PB e um grande inspirador na admiração e amor à nossa herança cultural sertaneja, já então despertada a partir da leitura de Ariano Suassuna. Pessoa de primeiríssima qualidade, até que enfim justamente reconhecido. Professor Daniel foi premiado pelo projeto “Mangas, mangalhas e cercados: um Semi-Árido que não se rende”. Além da publicação da obra, o premiado recebeu a quantia de R$ 3 mil.

Um livro chamado Ilíada

Estou tentando, aos poucos, melhorar minha biblioteca com a aquisição de algumas obras cuja ausência considero inadmissível. Fui estes dias a uma livraria em meu bairro e perguntei à funcionária se tinham ali alguma edição da Ilíada. Ela me olhou com uma cara de incômodo, como se não soubesse. Imaginei que a cara fosse pela impossibilidade de ter todo o estoque na cabeça. Sugeri que ela fizesse uma busca no computador, já que estas livrarias geralmente têm arquivos com o estoque. Ela me olhou consternada e disse que não seria possível, “Só conseguimos fazer consultas para procurar livros”!!! Alguém aí falou em decadência da civilização ocidental?

Agricultura orgânica pode ser tão produtiva quanto a convencional

Em um post recente discuti brevemente algumas características da agricultura convencional que a fazem se afastar de qualquer conceito que se procure de sustentabilidade. Uma das críticas mais comuns que se faz em relação a qualquer alternativa às práticas convencionais de agricultura é a incapacidade de alcançar patamares comparáveis de produtividade, que seria a produção de biomassa colhível por unidade de área. A preocupação sem dúvida é relevante, tendo em vista a enorme e ainda crescente população mundial a alimentar. As técnicas alternativas de agricultura em geral enfatizam a substituição do uso intensivo de insumos externos (fertilizantes, agrotóxicos, sementes híbridas, combustíveis fósseis) por técnicas possivelmente mais sustentáveis como a utilização de adubação verde, rotação de culturas, controle biológico de pragas e cultivo mecânico do solo, quando necessário. Apesar de os adeptos pregarem as benessesdeste tipo de agricultura, a nosso ver até há pouco havia pouca pesquisa isenta publicada em periódicos revisados por pares confiáveis. Esta situação parece estar mudando e vem derrubar alguns mitos criados pelos defensores da agricultura de uso intenso de insumos externos. Neste mês de setembro foi publicado no tradicional periódico Agronomy Journal o primeiro de uma série de trabalhos analisando a produtividade, a lucratividade e o impacto ambiental de sistemas orgânicos de cultivo em comparação com sistemas convencionais em um estudo de longo prazo intitulado Wisconsin Integrated Cropping Systems Trials (WICST). O primeiro artigo, sob o título “Organic and Conventional Production Systems in the Wisconsin Integrated Cropping Systems Trials: I. Productivity 1990–2002” é de autoria dos cientistas Joshua L. Posner, Jon O. Baldock e Janet L. Hedtcke. Entre outras coisas, os autores concluíram que, em termos de pastagem, o sistema orgânico possibilita a mesma produção de biomassa que o sistema convencional. Isto quer dizer que a produção de carne e leite por bovinos não seria afetada, sob as condições em que os estudos foram desenvolvidos, pela substituição do cultivo convencional de espécies forrageiras por práticas orgânicas. Quanto à produção de grandes culturas, no caso milho, soja e trigo, a produção média atingiu 90% da produção sob cultivo convencional. “Ah”, suspiram aliviados os que pregam dogmaticamente a agricultura convencional, “não dissemos? A produção orgânica é menor mesmo”. Mas a questão não é tão simples. Segundo os autores do trabalho, os resultados médios para soja e milho mascaram uma dicotomia na produtividade das grandes culturas: nos cultivos orgânicos, ao invés do uso de herbicidas para controle de espécies adventícias (ervas daninhas ou inços), faz-se uso do cultivo mecânico com enxadas, enxadas rotativas, roçadeiras ou outros implementos. Obviamente, ao contrário dos herbicidas, o controle mecânico não apresenta efeito residual. Assim, dependendo das condições de crescimento das culturas principais e da frequência de cortes, o controle mecânico pode ser mais ou menos eficiente. Posner e colaboradores observaram que nos casos em que houve diminuição na eficiência do controle mecânico, a produtividade média do milho e da soja orgânica foi de 74% da produtividade sob plantio convencional. Por outro lado, quando a eficiência do cultivo mecânico não foi comprometida, a produtividade relativa dos cultivos orgânicos atingiu o patamar de 99% dos valores sob sistemas convencionais de cultivo! Qual a implicação disto? Se as capinas forem bem feitas, não há razão para se utilizar, em termos de produtividade, para não se adotar as práticas orgânicas. Claro, a intensidade de trabalho para se cultivar mecanicamente um campo agrícola é muito maior que o cultivo com herbicidas, podendo influenciar o custo final e a lucratividade do empreendimento. Isto será tratado nos trabalhos a ser publicados pelo grupo e certamente os comentaremos. Começa no entanto a ficar claro que as críticas em relação ao cultivo orgânico sofreram um grave revés. Aos que desejarem, podemos disponibilizar por e-mail o arquivo em PDF do artigo.

Saramago e a desmarginalização dos blogs

Antes de começar a escrever o Geófagos, há pouco mais de dois anos, enquanto ainda fazíamos o doutorado, das coisas que mais nos preocuparam seria como nossos pares veriam um colega escrevendo um blog. Ontem relembrei isto ao ler este post de Bráulio Tavares em que ele comentava o assombro de alguns amigos quando o ouviam dizer que liam blogs, “essas coisas de menininhas adolescentes”, e não adiantava ele dizer que eram blogs de jornalistas, “Pois deve ser um jornalista muito desocupado – o cara tem tempo de fazer blog!”. Temíamos que algo assim fosse dito de nós. A situação começou a mudar quando não apenas alguns colegas nos solicitaram a participar do blog como até mesmo professores começaram a nos ler. Bem, quem tinha alguma dúvida da validade dos blogs como um meio de expressão válido e adulto, por assim dizer, não tem mais motivo nenhum para temer o preconceito. Os preconceituosos é que correm o risco de parecer antiquados: após ler ontem aqui sobre um blog mantido por um Chancellor de uma grande universidade americana, a University of North Carolina at Chapel Hill, descobrimos hoje maravilhados e perplexos que ninguém menos que José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura e em nossa opinião o maior escritor em língua portuguesa vivo, acaba de lançar um blog, O Caderno de Saramago, que já começamos avidamente a ler. Os fatos falam por si.

Foi-se embora pra Pasárgada

Além de intentar elevar o nível da discussão em torno da interação homem-meio ambiente, o Geófagos objetiva também chamar a atenção dos homens de ciência para a arte, indispensável para o processo de individuação e crescimento humano. Como se tem feito de vez em quando, chamamos a atenção dos leitores para algumas datas comemorativas ou simplesmente rememorativas. Aproveitamos para lembrar que hoje completam-se 40 anos do encantamento do poeta pernambucano e gênio da Língua Portuguesa Manuel Bandeira. Fica aqui nossa geofágica tristeza pelo aniversário de sua morte, mas ao mesmo tempo não duvidamos que um poeta do porte artístico de Bandeira tenha se convertido em matéria orgânica da mais alta estabilidade.

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