Medidas implícitas: Indo além da consciência

Indo além da consiência
Como comecei a comentar no último texto, a psicologia têm desvendado nos últimos anos a dimensão implícita ou inconsciente de nossas mentes, que na maior parte do tempo não somos capazes de perceber ou não temos motivação para relatar. Isso significa que, a princípio, podemos possuir avaliações negativas de grupos, como conservadores ou homossexuais, das quais nem nos damos conta ou nos sentimos desencorajados a revelar em público, mas que podem ainda assim enviesar nossos pensamentos e ações no cotidiano.
Para lidar com estes problemas – o da limitada capacidade de introspecção e da falta de motivação para relatar certas informações -, os psicólogos buscaram alternativas para as medidas de auto-relato, e foi a partir dai que o estudo da cognição implícita passou a se tornar uma vasta área de pesquisa não só na psicologia social, mas abrangendo os mais diversos tópicos de interesse – preconceito racial, auto-estima, relacionamento romântico, religião, transtornos mentais, tendências suicidas, vício em drogas [1, 2] – e subáreas da psicologia – psicologia clínica, psicologia forense, psicologia política, psicologia do desenvolvimento, psicologia da saúde e psicologia do consumidor [1, 2]. Uma das principais contribuições que essa área ofereceu foi o desenvolvimento das chamadas medidas implícitas, que nos permitiram tentar responder a perguntas sobre o que estava além da consciência.
Dizendo mais sobre nós mesmos do que podemos saber
Imagine o seguinte cenário: alguém lhe pergunta qual era o nome de solteira da sua mãe. Você consegue responder com grande facilidade. Em seguida, a pessoa lhe faz outra pergunta: “como foi que você conseguiu lembrar disso?” Provavelmente, você responderia algo como: “eu não sei, eu só lembrei mesmo.” No dia-a-dia, confiamos regularmente na capacidade das pessoas de explicarem seus próprios comportamentos, como quando perguntamos “porque você fez isso?” ou “porque você não gosta disso?”
Também confiamos, sem perceber, na nossa própria capacidade de avaliar isso, considerando a rapidez com que somos capazes de oferecer explicações para os nossos comportamentos quando somos questionados sobre porque fizemos algo. Mas ao considerarmos o que a psicologia tem a dizer sobre esta capacidade, as pesquisas indicam que com frequência dizemos mais sobre nós mesmos do que poderíamos saber.
Nojo, moralidade e preconceito
Se você sentir um cheiro forte de fezes logo após entrar em um banheiro público, você provavelmente sentirá nojo. De maneira semelhante, se você ouvir uma história sobre um caso de pedofilia, é provável que você também sinta, em algum nível, nojo. Esta emoção poderia eliciar em você um padrão de expressão facial muito parecido com o que a maioria das pessoas ao redor do mundo exibiria: seu lábio superior levantaria, seu nariz se enrugaria, suas pálpebras levantariam e suas sobrancelhas abaixariam [1] – a famosa “cara de nojinho.” Em sua forma mais aguda, este estado mental de nojo poderia vir acompanhado de náuseas e vômitos.
Usando a meditação para controlar impulsos
Reações impulsivas podem ser um problema sério na vida de muitas pessoas. Assim como o Cookie Monster, personagem da vila sésamo, podemos ter poderosas reações impulsivas ao nos depararmos com algo que gostamos muito, como biscoitos, no caso dele. A impulsividade alimentar pode agravar quadros de obesidade e também problemas de pressão alta, colesterol e depressão. Se considerarmos que as nossas mentes podem ser influenciadas de maneira tão automática por pistas no ambiente, como alimentos saborosos na prateleira de uma cozinha, seria muito útil se conseguíssemos desenvolver procedimentos que ajudassem as pessoas a se regularem.
Felizmente, tais procedimentos vêm sendo desenvolvidos em diversas frentes da psicologia nos últimos anos. Na terapia cognitiva, por exemplo, diversas técnicas que fazem uso de princípios da meditação têm apresentado resultados animadores na capacidade de auto-regulação das pessoas. Muitos estudos têm indicado que algumas técnicas de meditação podem ser poderosas ferramentas de intervenção no tratamento de diversos transtornos, como os de ansiedade, abuso de substância e depressão. Uma publicação recente trouxe evidências de que uma breve intervenção de atenção meditativa pode prevenir reações impulsivas, facilitando a auto-regulação no caso da impulsividade alimentar.
Sharot: nosso viés otimista
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Existem hoje estudos curiosos mostrando que temos uma forte tendência a nos acharmos mais inteligentes, bons de volante e honestos do que a maioria das pessoas. Além disso, estudos como estes indicam que julgamos ter menos probabilidade de sofrer acidentes ou contrair doenças graves do que a maioria das pessoas. Eu já tive a oportunidade de comentar aqui no blog acerca de um estudo publicado ano passado na revista Nature sobre o viés de otimismo irrealista e sobre como ele é capaz de se manter a despeito de informações que o contradigam. A professora na University College London, Tali Sharot, liderou a equipe que conduziu e publicou esta pesquisa. Ela é a palestrante do vídeo acima, publicado ontem no TED.
Porque será que somos tão otimistas assim? O que a neurociência cognitiva tem a nos dizer sobre o otimismo? E se somos otimistas, será que isso é bom para nós? Será que o segredo para a felicidade é ser otimista, ou será que é ter baixas expectativas em relação ao futuro (ou nenhum dos dois)? Estas são algumas das questões abordadas na palestra acima, e as respostas de Tali Sharot à elas poderão te surpreender.
No vídeo, Sharot comenta a linha de pesquisa que ela tem conduzido sobre otimismo nos últimos anos. Em um dos seus estudos mais interessantes, ela estimulou com pequenos pulsos magnéticos regiões específicas do cérebro dos participantes e conseguiu alterar da maneira esperada o otimismo que os participantes expressavam. Ela lançou no ano passado o livro The Optimism Bias: A Tour of the Irrationally Positive Brain (O Viés Otimista: Um Tour pelo Cérebro Irracionalmente Positivo), revisando e apresentando o conhecimento que temos hoje sobre o otimismo. Infelizmente, ainda não contamos com uma tradução do livro e nem com uma legenda do vídeo, torço para que vocês estejam com o inglês afiado (ou esperem algumas semanas até saírem as legendas).
Psicologia Brazuca: Helmuth Krüger e a cognição social
No início deste ano de 2012, a Universidade Católica de Petrópolis (UCP) abriu um programa de pós-graduação em psicologia, com a área de concentração em cognição social. Foi com muita alegria e entusiasmo que eu e Marcus recebemos esta notícia, assim como alguns psicólogos sociais brasileiros interessados nesta subárea! Recomendamos a estudantes interessados na área que busquem informações sobre este programa aqui.
O diretor do programa, o professor Helmuth Krüger, nos concedeu uma entrevista discutindo questões relacionadas à cognição social no Brasil e à psicologia de maneira mais ampla, nos fornecendo um panorama de um profissional que vivenciou boa parte da construção da psicologia brasileira e que agora investe seus esforços na consolidação da cognição social no Brasil.
O professor Krüger é formado em filosofia e em psicologia pela Universidade do Estado da Guabanabara (atual UERJ), é mestre em psicologia aplicada e doutor em psicologia pela Fundação Getúlio Vargas – FGV e por mais de vinte anos foi professor efetivo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Estadual do Rio de Janeiro e Universidade Gama Filho. Sem dúvidas o Professor Helmuth Krüger é um dos grandes nomes da psicologia nacional, além de ter orientado uma grande geração de pesquisadores da psicologia social comprometidos com a ciência e a ética na psicologia. Para mais informações sobre o trabalho do professor Krüger, dê uma olhada no currículo dele aqui.
Quais são os pré-requisitos para a acumulação cultural?
No início deste mês, a revista Science trouxe um trabalho investigando os pré-requisitos cognitivos e sociais básicos para que um organismo seja capaz de acumular cultura. Enquanto uma caraterística distintivamente humana, a capacidade de acumular cultura tem sido estudada e debatida há muitos anos, com muitas questões ainda levantando discordâncias.
Um posicionamento influente na área é que algumas características cognitivas e sociais constituíram os ingredientes básicos para que a capacidade de acumular cultura pudesse se expandir de maneira tão acentuada e “repentina” do ponto de vista evolutivo, como indicam os dados arqueológicos acerca da produção de ferramentas ao longo da história evolutiva humana. Alguns destes pré-requisitos são a capacidade de ensinar, a linguagem, a imitação e a prosocialidade.
Por outro lado, alguns autores defendem que determinados aspectos sociais impediram o desenvolvimento de acumulação cultural em outras espécies que não a humana, como o cleptoparasitismo, a tendência de indivíduos dominantes monopolizarem recursos e uma tendência a direcionar menos atenção a “inventores” com status social baixo no grupo. Continue lendo…
O que religião tem a ver com moralidade?
Para muitos religiosos, a pergunta “O que religião tem a ver com moralidade?” teria uma resposta óbvia: “a religião é a base da moralidade e torna as pessoas moralmente melhores.” Entretanto, para muitos ateus, a resposta seria bem diferente, algo como: “a moralidade independe da religião e a religião torna as pessoas moralmente piores.” Podemos passar horas a fio construindo argumentos contra cada uma destas posições, mas melhor do que isso talvez seja analisar o conhecimento empírico que temos sobre a relação entre ambas. Foi com esse intuito que Paul Bloom, professor na Universidade Yale, publicou recentemente uma revisão discutindo a evolução da religião e da moralidade e como estes dois fenômenos se relacionam [1]. Trago abaixo uma breve discussão dos principais pontos discutidos por Bloom.
A aversão que as maiores religiões do mundo compartilham por aqueles que “não crêem,” frequentemente vistos como indivíduos sem moralidade, ilustra a importância central que usualmente se dá às crenças religiosas para a moralidade. “Se um indivíduo não compartilha de determinadas crenças religiosas, ele deve possuir uma moralidade menos sólida do que a minha, que acredito”, reza a lenda. Por outro lado, o que um grande corpo de evidências tem demonstrado nos últimos anos é que se a religião tem alguma influência na moralidade das pessoas, esta influência não se deve às crenças religiosas, mas à outros aspectos menos aparentes das religiões, compartilhados por outros grupos sociais. Como muitas vezes as pesquisas na psicologia e nas ciências humanas indicam, mesmo intuições tão difundidas , como as que relacionam moralidade com crenças religiosas, podem se mostrar equivocadas a partir de um exame rigoroso.
Kahneman: Como ideias vem à mente?
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No vídeo acima, Daniel Kahneman, psicólogo laureado com o nobel de economia de 2002 e atualmente professor de psicologia na Universidade de Princeton, fala sobre os dois sistemas de processamento de informações discutidos em seu mais recente livro, Thinking, Fast and Slow (Pensamento, Rápido e Devagar) publicado no final de 2011.
O livro é certamente uma boa recomendação para quem se interessa nos processos cognitivos envolvidos na tomada de decisão, um tema para o qual Kahneman ofereceu enormes contribuições com uma linha de pesquisa riquíssima que extrapolou as vizinhanças da psicologia, ajudando a fundar uma das áreas mais importantes da economia atualmente, a economia comportamental. Mais detalhes sobre os modelos de processamento duplo discutidos por Kahneman podem ser encontrados aqui no blog.
Estes modelos ainda carecem de uma formalização e aprofundamento, pois muitos deles se mantiveram em uma dimensão mais descritiva e a sua utilidade tem se situado principalmente no valor heurístico que eles oferecem para a interpretação de dados e elaboração de hipóteses. Existem, entretanto, esforços na área para formalizar computacionalmente estes modelos e oferecer um maior poder explicativo.
Para um aprofundamento mais denso neste tema e um panorama da área, juntamente com as contribuições da filosofia, recomendo a leitura do livro In two minds: Dual processes and beyond. Jonathan Evans, primeiro autor do livro anterior, também lançou em 2010 o livro Thinking Twice: Two minds in one brain. Este trabalho vai em uma direção muito semelhante ao do Kahneman, divulgando os achados na psicologia sobre os nossos sistemas cognitivos. A leitura destes livros são dicas para aqueles interessados na racionalidade humana, na intuição e na consciência.
O Poder da Gentileza
Nas grandes cidades, vivemos nossas vidas em meio a uma multidão de desconhecidos. Cruzamos todos os dias com estranhos que não conhecíamos e que, provavelmente, não vamos conhecer também. Nessa atmosfera, não é de se surpreender que a apatia pelo sofrimento alheio e a distribuição de grosserias tenham se tornado tão comuns e aceitáveis. Podemos até nos surpreender se um completo estranho emergir a partir da multidão nos oferecendo um ato de gentileza, sem pedir nada em troca.
Você não se surpreenderia se, ao chegar no caixa de um restaurante para pagar a sua conta, fosse informado de que uma pessoa gentilmente pagou a sua conta e não quis se identificar? Uma situação como esta pode parecer muito improvável, mas foi exatamente o que aconteceu em um restaurante na Filadélfia, em 2009, nos Estados Unidos [1]. O ato de gentileza inspirou, nas 5 horas seguintes, várias pessoas naquele restaurante a pagar a conta de outras mesas sem se importar com o valor da conta e de maneira anônima. Os trabalhadores do restaurante ficaram emocionados, pois nunca tinham visto algo tão solidário como aquilo acontecer. Como diz na reportagem da NBC10 Philadelphia: “É uma história de feriado verdadeira que prova como um pequeno gesto de gentileza pode criar um pouco de magia.”
A gentileza é um tipo de ação espontânea e, muitas vezes, sutil, onde uma pessoa beneficia outra, seguindo normas implícitas de conduta. É um tipo de comportamento de baixo custo para quem o realiza, mas que pode beneficiar muito quem recebe. O vídeo abaixo demonstra vários exemplos de como a gentileza pode se manifestar no cotidiano.
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Este vídeo é uma bela ilustração do que a gentileza é capaz de produzir no cotidiano das pessoas. Ela é contagiante. O vídeo (que encontrei no Treta) é uma produção do projeto Life Vest Inside (“Salva-Vidas Interno”), que busca promover a gentileza como uma maneira simples, mas poderosa e ativa, de melhorar o mundo. Uma parte da descrição do projeto merece ser traduzida aqui:
O trabalho de caridade e o serviço comunitário são ferramentas inestimáveis para melhorar o nosso mundo, mas a gentileza é mais do que boas ações ou voluntariado apenas. Gentileza é empatia, compaixão e conexão humana; é um sorriso, um toque ou uma palavra confortante. Mesmo o menor gesto pode clarear um dia escuro ou aliviar um fardo pesado.