Afulibamos!

O ScienceBlogs Brasil ficou com todos os primeiros lugares do Prêmio ABC para blogs científicos promovido pelo Laboratório de Divulgação Científica Anel de Blogs Científicos (que é de onde vem o acrônimo ABC, pois alfabetização não é exatamente Ciência).
Concorrendo com representantes de todos os países do mundo que usa o Português como língua oficial, o SbBr passou a mão grande e recolheu para si todos os troféus.
Foram contemplados o Rastro de Carbono, Brontossauros em Meu Jardim, Chapéu, Chicote e Carbono-14, Ecce Medicus, Chi Vó Non Pó e 100nexos, por ordem de proximidade ao número de votos obtido pelo 42.: 14
Fiquei em segundo lugar na categoria Ciência Geral e, como diz o ditado: “o segundo colocado é o primeiro a perder”.
Ou seja, também fui vencedor! \o/
(Eu queria fazer uma piada automobilística com o meu segundo lugar, mas eu sou meio por fora de esportes competitivos televisionados aos domingos. E eu soube que Barrichello venceu a última, o que tira todo o sentido da brincadeira. Isso e o fato dele ser campeão mundial de Fórmula 1 enquanto minha única conquista esportiva foi ser campeão da Corrida do Ovo do Arraiá 2009 em Pirangi.)
Yay nós! \o/

Coisas que não sei – moléculas

Estou escrevendo esta em tempo real e até agora não consegui inferir a resposta.
Se só conseguimos ver o formato das moléculas anteontem, como é que sabemos os desenhos de suas estruturas desde (pelo menos) quando eu estava no primário?
Eu tenho a sensação de que estou perdendo algum detalhe, mas realmente não consigo chegar a um resultado.
Seria pelo número de elementos ligados? E como saber o número de ligações?
Como disse, estou escrevendo em tempo real e enquanto raciocino vejo que há ainda muita coisa que não sei (ou lembro) sobre química molecular, então vou parar por aqui e manter só uma pergunta significativa.

Rapidinha: fiação mal feita

Eu descobri que meu cabeamento interno foi mal instalado e a ponte entre minhas sobrancelhas está dando curto-circuito na minha mucosa nasal.
Ao tentar (por via mecânica) me livrar de uma espinha situada onde meu nariz encontra a minha testa, espirrei violentamente.
Novamente a espremi, mais uma vez espirrei.
Intrigado por esse novo desenvolvimento, peguei uma pinça e puxei um pelo precursor de monocelha e, para meu espanto, espirrei com a mesma força de quando o fiz mexendo na espinha.
E continuou acontecendo. Quanto mais perto do centro, mais forte a conexão.
A sensação é inconfundível; claramente minha região intersobrancelhal está conectada à parte interna do meu nariz e puxar um cabelo daquela irrita esta me fazendo expelir saliva em alta velocidade e com excesso de decibéis.
Interessante.
p.s. Amanhã eu começo um experimento cujo protocolo se estenderá por um mês.
No começo de outubro eu revelo os resultados.

O que faria você mudar sua opinião?

A discussão – que já se tornou ridícula, sinceramente – que está se desenvolvendo aqui neste meu blogue me fez pensar muito durante o feriado (durante fins-de-semana e feriados eu me desplugo do mundo e fico pensando na vida) e eu cheguei à uma conclusão que deve aumentar minhas dores de cabeça consideravelmente mas que é, ao fim e ao cabo, a melhor de todas: mudar de tática.
Eu parei de responder aos comentários e emails por um motivo simples: “Ideias precisam ser distintas para que Razão lhes possa ser aplicada.”
Essa frase é a segunda metade de uma proferida por Thomas Jefferson (o autor é irrelevante, o que importa é o conteúdo). A primeira parte lê: “a única arma que pode ser usada contra propostas incompreensíveis é o escárnio.”
A frase é ótima, mas o problema que eu tenho com o começo dela é que nem todas as pessoas vão conseguir entender a piada. O que precipitará muitas delas a esculhambar e achincalhar o mensageiro, sem se preocupar com o conteúdo da mensagem.
Eu acredito em tudo o que escrevo aqui a ponto de incluir meu nome, meu email e meu rosto para que qualquer um possa me reconhecer.
Eu não me escondo, não tenho medo das minhas palavras nem receio de desagradar alguns poucos cujas ideias eu ataco.
Até alguns dias atrás eu pensava em proponentes de terapias pseudocientíficas como charlatões que nutrem o mal propositalmente por algum motivo obscuro (ou por simples maldade).
Mas depois de ler todas os comentários que recebi (e as agressões que sofri), notei que a grande maioria dessas pessoas não são mal-intencionadas, mas mal-guiadas ou apenas ignorantes (outras têm tão pouco em suas vidas que ficam lisojeadas achando que um texto foi escrito especificamente com elas em mente. Pena).
Elas querem o bem de todos. Apenas não sabem que estão enganadas.
É muito difícil entender como o mundo real funciona e fácil acesso a informação não implica necessariamente fácil entendimento ou mesmo vontade de aprender.
É normal aceitar a informação que mais se adequa ao seu pensamento como verdadeira e rejeitar qualquer coisa que diga que você está errado.
Cientificamente, a auto-hemoterapia não funciona. Ponto final.
Para que ela seja aceita, é necessário que prove (pois o ônus da prova está na alegação) que funciona.
O modo padrão sob o qual o mundo opera é o de que nada funciona. Não são necessárias provas disso.
Se eu disser que uma maçã cai porque a massa terrestre a está puxando para o seu centro de gravidade, eu preciso provar minha hipótese.
Alternativamente, se eu disser que não é a maçã que cai mas o chão que sobe para encontrá-la, eu preciso provar o que estou dizendo.
Ambos modelos estão errados até que se mostrem certos.
Band-Aid, cuspe, esparadrapo, bosta de vaca, Vick Vaporub e clara de ovo não ajudam a cicatrizar feridas até que provem que sim. Uns vão passar pelo corte, outros não.
O mecanismo usado para que uma hipótese venha a ser aceita é ao mesmo tempo extremamente complexo e extremamente simples.
É simples porque eu só preciso mostrar que aquilo funciona, mas é complexo porque o processo assim o é.
Para provar que uma auto-transfusão curou minha dor nas costas eu precisaria mostrar que sentar direito não curou e que dormir de lado não curou e que o problema não se curou sozinho e que etc etc.
Uma estória só não conta. Se eu jogar um dado só uma vez e cair um 2, eu não posso afirmar que aquele dado vai dar 2 sempre ou que ele só tenha uma face, o 2.
Já se eu jogar o dado seis milhões de vezes, o lado 2 só aparecerá em um milhão de jogadas.
Como é um tanto impraticável testar dor nas costas em um só indivíduo mil vezes, é necessário mil voluntários com dores semelhantes para que um teste razoável seja conduzido e um resultado significativo seja alcançado. E quanto mais gente melhor.
Infelizmente, estatística é um negócio aparentemente de outro mundo; o análogo matemático de “falar grego”.
Voltando ao dado do exemplo acima, eu posso dizer com toda confiança que a face 2 de um dado tem um sexto de chances de cair voltada para cima, mas posso me deparar com um resultado diferente, porque o mundo é assim mesmo. Murphy tem certa razão.
Eu estou atualmente engajado num tratamento anti-calvície que me diz que 60% dos pacientes experimentam estagnação da alopecia.
Isso não significa que pouco mais de metade da minha cabeça vai continuar cabeluda, mas que 6 em 10 homens param de ficar careca. Eu não sei se estou nos 6 ou nos 4, mas continuarei em frente por pelo menos um ano para saber o que vai acontecer (tenho mais que meia chance).
Reiterando e esclarecendo: os testes conduzidos para que se chegasse a esse número não foram realizados em dez homens, mas em centenas ou até milhares.
Uma parcela significativa da população precisa estar envolvida, como numa pesquisa eleitoral.
De que adianta uma pesquisa feita dentro de um escritório onde funciona a base da campanha de um candidato? 100% das pessoas ali dentro devem votar nele, não?
Para que eu saiba a altura médio do brasileiro eu não posso medir só os frequentadores da Associação Norte-Riograndense de Basquete nem tampouco os membros de uma só família de anões. Preciso medir inúmeros sujeitos aleatórios, inespecíficos e não-relacionados.
Anteontem eu não conseguia lembrar da palavra “alfândega”.
Posso concluir então que ninguém se lembra dessa palavra?
Ontem eu estava jogando bilhar e, com uma tacada, encaçapei três bolas.
Posso dizer que todo mundo que jogar bilhar vai sempre encaçapar três bolas com um só movimento?
Não.
E por que não? Porque minha experiência não vale de nada.
Sequer posso dizer que vou sempre esquecer de uma determinada palavra ou marcar tantos pontos num jogo.
Aconteceu comigo, aconteceu uma vez e pronto. Eu sou estatisticamente irrelevante em relação ao mundo.
E mais ainda, um acontecimento em minha vida é estatisticamente irrelevante em relação ao resto da minha experiência.
O seu relato de que a auto-hemoterapia o curou de uma conjuntivite é mais inútil que garçom de costas.
Mas para quem acha que isso é verdade, ver o outro lado é muito difícil.
A pergunta do título é uma chave que abre mentes e revela o que dentro há.
Se a resposta é “nada”, você é um crente (termo abertamente pejorativo), seja para um lado, seja para o outro.
Se nenhuma quantidade de evidências é suficiente para que você aceite um ponto de vista diferente do seu, você é um crente e sua vida (especificamente ou como um todo) está sendo regida por fé pura e simples. Você acredita naquilo e isso é suficiente.
Novamente, para um lado ou para o outro.
Se nada conseguirá provar-lhe que X funciona ou que X não funciona.
“Para quem crê, nenhuma prova é necessária; para quem duvida, nenhuma prova é suficiente.”
Outra resposta para a pergunta é: “provas adequadas.”
Mas aí existe outra armadilha; a adequação.
Eu quero que meu remédio de careca funcione, portanto se eu achar uns três ou quatro estudos que eu considere como bons, vou parar de procurar antes que comece a achar estudos melhores que mostrem o contrário.
É possível também achar estudos igualmente rigorosos com resultados opostos, o que apenas indica que mais estudos precisam ser conduzidos para que um resultado apenas seja obtido. Resultados mutuamente excludentes são suspeitos.
Alguns indivíduos, porém, mantêm padrões mais altos de qualidade.
Cinco ou seis estudos bons não são suficientes. Nove ou dez estudos excelentes sim. Independente do resultado (que é o que eu deveria fazer: achar resultados confiáveis, sem escolher meu lado favorito. Mesmo que isso signifique que eu vou ficar careca).
Integridade é isso. Aceitar uma verdade que não é sua pelo simples fato de ela ser verdade.
Mesmo que ela o prejudique.
A melhor ferramente que existe para se achar a verdade é o Método Científico, pois a Verdade pode até ser uma coisa estática, mas o caminho até ela é tortuoso.
E o Método é 100% íntegro. Se precisar, ele muda de opinião completamente para se adequar a observações mais confiáveis.
Observação, falseamento, replicação.
Veja uma coisa acontecer e investigue o motivo.
Verifique se o fenômeno pode ter outra causa.
Imite o ocorrido.
MAS
Aqui eu estou dando aulas de natação a peixes.
Quem vem por aqui constantemente é porque concorda com o que eu digo e eu estou praticamente falando para as paredes, pois minhas palavras são nada. Apenas reforço amigável das ideias que já existem.
Quem não concorda comigo e apareceu aqui só uma vez, saiu continuando não concordando, agitando os punhos fechados ao ar e gritando “HEREGE!”.
O título deste texto ia ser “cavando buraco n’água” por causa disso.
Por mais que eu me esforce, não atinjo meu objetivo principal: no caso da metáfora, manter um buraco aberto; em realidade, convencer alguém a pensar um pouco mais sobre a vida e ver que existe algo além das preconcepções individuais inatas.
Eu não alego que sei onde a verdade reside; apenas sei mais ou menos o melhor caminho para chegar lá.
p.s. O caminho é longo e cheio de gente brandindo placas de “O Fim Está Próximo” e “Beco Sem Saída” que olham para você com ar de superioridade conseguida às custas de fechamento intelectual irremediável e que acreditam que o mundo acaba no horizonte, onde residem os monstros marinhos. E a imensa maioria dessas pessoas nunca lê além do título do artigo.

Auto-hemoterapia e a ignorância galopante (e algumas ameaças vazias)

Proponentes de uma terapia mecanicamente sem sentido e potencialmente perigosa descobriram (até que enfim) um artigo que eu publiquei em busca de paraquedistas semana passada. Bom ver que deu certo.
Alguns têm comentado abertamente no espaço reservado para tal, enquanto outros não têm coragem suficiente para “mostrar a cara” (termo muito pouco apropriado quando na Internet) e me atacam por email.
Ameaças vazias como neste comentário de Fernanda:

Se houver dignidade, publique-se
Se não houver, será publicado igual, como disse o Marcelo aí acima, muitos receberão este email…

Uuu!! Muitos receberão!
Sabe quem são esses “muitos”?
De acordo com a lista de emails repassado por outro comentarista, Marcelo Fetha, eles são: a Procuradoria Geral do Ministério Público, o Senador da República Eduardo Suplicy, O Superior Tribunal Federal, uma coisa que eu acho ser uma ONG (Defesa Vida 2009), uma editora da revista Época e outros que eu não conheço nem acho que importe muito.
Pois bem, usando a velha tática do “olhe aí, se ligue viu!?”, esse pessoal “bonzinho” da AHT que só quer o bem da humanidade tenta intimidar um blogueiro para que ele se cale e fuja com medo e deixe a terapiazinha inútil deles para lá.
Aliás, esse mesmo Marcelo mandou, para esse mesmo conjunto aleatório de endereços, links para supostas pesquisas que suportam o tratamento da Auto-Hemoterapia.
O que não é o caso.
Um deles discorre sobre a aplicação de ozônio (um fármaco), outro sobre um tratamento tópico na bexiga via endoscopia e outro tão desacreditado, com resultados tão próximo do zero e ativamente diferentes dos propostos pela AHT que eu teria vergonha de confundir isso com provas da eficácia do tratamento.
Mais uma vez, nenhum dos estudos foi replicado, o que os torna cientificamente inúteis.
Mas, como disse outra (via email), eu estou na folha de pagamento da indústria médica, que abafa esse tratamento perfeito por ele ser barato.
“Só custa o preço de uma seringa!”, eles dizem. Será que a indústria de materiais médicos e farmacêuticos não tem um só caroço de poder para enfrentar os malvadões da Medicina, que só querem seu dinheiro?
Ainda não vi uma propaganda na TV de uma fábrica de seringas dizendo: “a auto-
hemoterapia é o caminho, se informe.”
Num mundo onde ainda se vende Epocler (que mudou o status de remédio e virou um neologismo lindo: hepatoprotetor), não seria difícil empurrar algumas seringas.
Alternativamente, existem pessoas educadas, como um Luiz Fernando, que se ofereceu a me mandar material caso eu tivesse interesse.
Aprendam com ele. Não quis me empurrar goela abaixo, foi gentil e elegante ao perguntar se eu estaria interessado em algumas palestras que ele coletou.
O problema é que isso é apenas mais do mesmo. Uma pessoa pode falar até cair a língua que não vai me convencer de que um tratamento médico funciona.
Medicina não vive de discurso. Um tratamento, para ser confiável (ou, no mínimo, etico), precisa passar pelas garras do Método Científico.
E outra, depois que passa não fica imune. Toda a Ciência é continuamente atacada por todos os lados. Se continuar em pé é porque presta. Se cair, foi merecidamente (vide a Lei da Gravidade, que apesar de ser razoavelmente simples e bem estabelecida, continua sendo “derrubada” e atualizada para se conformar melhor com observações).
Conselho para os que querem evitar caixas de email lotadas de verborragias incoerentes e ameaças ridículas: não mexam com as vacas sagradas dos outros. Dissonância cognitiva dói muito e alguns indivíduos não reagem bem a dor.
ATUALIZAÇÃO
Estão me pedindo provas e provas do que estou falando. Mas gostaria de lembrar a todos que quem está fazendo alegações extraordinárias não sou eu.
Não sou eu que quer curar todas as doenças do mundo com mágica.
É uma pena que essas pessoas confundam “anedota” com “prova”.
P.S. Tem um aí constantemente me chamando de “charlatão”. Não acho que ele saiba o que isso significa.

Coisas que não sei – comida carregada

Alguns anos atrás eu estava com a garganta inflamada e liguei para meu médico para perguntar o nome do remédio (eu tenho isso uma vez por ano, todo ano, sem falta e sempre tem o mesmo diagnóstico, então era estatisticamente seguro supor que era a mesma mazela de sempre sem precisar ir ao larigonlogista).
Nome dado, perguntei se tinha alguma restrição e recebi um: “Evite comer coisas muito quentes ou muito geladas. No mais, pode se alimentar normalmente.”
“Ótimo”, disse eu, “minha mãe fez assou um lombinho de porco hoje que vai virar minha janta!”
Rapidamente, ouvi um “NÃÃÃÃÃÃÃO!!!” estridente do outro lado da linha. “PORCO NÃO PODE!”
E mesmo sob protestos meus de “mas você disse que eu podia comer normalmente e, não sendo judeu, porco faz parte da minha alimentação normal”, a resposta continuou sendo “não coma carne de porco senão a inflamação piora”.
O mesmo conselho é válido para crustáceos (que eu nunca como normalmente, pois não sou apreciador de baratas pré-históricas nem de fábricas vivas de muco perolado), o que precipita a minha pergunta da semana: por que indivíduos totalmente não-alérgicos não devem comer carne suína ou crustáceos quando com alguma inflamação?
Eu sei que essa indicação é excessivamente abrangente por segurança (é melhor privar alguém imune de três refeições de costelinha do que expor a uma inflamação fatal alguém predisposto) e até conheço um sujeito que, após uma pequena cirurgia na mão, almoçou camarão, jantou porco e ceiou lagosta e não apresentou problema algum, mas desconheço totalmente o mecanismo de ação.
É uma proteína? Todo mundo diz que é, mas será mesmo?
Pergunta Bônus: uma pessoa alérgica a camarão deve também evitar espetinho de grilo quando viajando pela China continental?

Auto-Hemoterapia e a medicina da Idade Média de mãos dadas

Sem ter o que fazer e procurando por pajés e feiticeiros modernos, me deparo com uma tal de Auto-hemoterapia (nome já devidamente adaptado às novas regras gramaticas) e uma rusga entre um médico e um jornalista acerca disso.
A ANIVSA proíbe, o Conselho Federal de Medicina apresentou um parecer sobre o assunto, dizendo que sua prática é potencialmente perigosa e o médico Munir Massud, escalado pelo tal conselho para preparar o documento (posteriormente apreciado, revisado e corrigido pelos 28 conselheiros federais do órgão) passou a ser furiosamente atacado pelo jornalista Walter Medeiros.
Um médico professor e pesquisador prepara um documento, a pedido do CFM, após decisão da ANVISA e um jornalista o ataca como sendo desonesto?
Achando um tanto quanto curioso, fui atrás de mais informações (novamente, era um dia ocioso, sem muito o que fazer).
Em primeiro lugar, auto-hemoterapia não consiste em tratar a si mesmo ouvindo Nx Zero ou Fall Out Boy, pois isso seria auto EMO terapia.
Ou nem isso, apenas auto emossificação, nada que qualquer adolescente hoje em dia já não faça.
Auto-hemoterapia é o ato de retirar sangue de uma veia e injetá-lo em um músculo da mesma pessoa.
O “auto” aí é falacioso, pois quem faz o procedimento é outra pessoa, em geral um médico.
Mas se médicos fazem então é beleza, certo?
Alguns médicos também praticam homeopatia e acupuntura, dois métodos não apenas comprovadamente falsos como também potencialmente perigosos que não trazem qualquer resultado benéfico aos pacientes além do efeito placebo (agulhas podem causar inflamações seríssimas e homeopatia é caro e pode desviar recursos de, e atenção a um tratamento realmente eficaz).
Zero eficácia e possibilidade de complicações? Passo.
Médicos são pessoas e como tal estão sujeitas a sugestões e preconceitos e uma das maiores forças naturais que existe é a Preguiça.
É tão mais fácil receber um dado e deixar por isso mesmo. Procurar corroboração adequada e confiável é muito mais difícil que simplesmente acreditar.
(E existem ainda os charlatões sem caráter que lesão propositalmente e que, como agravante, inventam estórias mirabolantes para justificar seus métodos sórdidos de infligir dor em outrem, como um tal de Francisco Rodrigues, que admitiu descaradamente em um periódico natalense (Diário de Natal) que tratava doentes mentais com passes (prática supersticiosa que envolve “espíritos” tomando os corpos dos vivos) e que, pasmem, pois eu estou 100% indignado, criou a disciplina opcional Medicina e Espiritualidade na UFRN.)
Auto-hemoterapia (que daqui para frente será referida por AHT para evitar repetição) não possui efeitos adversos comprovadamente atrelados a ela (o que não é o mesmo que dizer que ela está livre de efeitos colaterais indesejados, mas apenas que estes ainda não foram conectados sem sobra de dúvida à terapia) por simples falta de observações controladas.
Isso é o que a literatura me diz, mas eu digo um efeito adverso agora: dor.
Para qualquer tratamento que não traga benefício, o menor desconforto já é um malefício por demais grande.
É como um tapa na cara; por menor que o dano causado seja, a plena falta de benefícios torna o menor indício de dor algo insuportável.
E essa tal de AHT serve para o quê?
Segundo Luiz Moura, proeminente proponente da precitada prática; para tudo (incluindo câncer e HIV)!
Segundo a Ciência Médica, para nada!
Entre centenas de anos de melhoria, milhares de estudos e milhões de profissionais pesquisadores e um indivíduo, aposto sempre no primeiro grupo.
Quer revolucionar a medicina? Prove.
Apresente um projeto de pesquisa de uma condição específica (não pode ser tudo ao mesmo tempo) a uma comissão de ética, mendigue dinheiro de uma universidade e siga o método científico com a metodologia adequada.
Todo pesquisador faz isso (principalmente a parte da mendicância), por que alguns se acham perseguidos e merecedores de tratamento diferenciado?
Descobriu o moto-perpétuo da Medicina e acha que não precisa provar a ninguém?
Popper discorda de você.
Se acha o novo Newton e acha que é mais sabido que toda a comunidade médica?
Occam está de olho (e ele anda armado).
Voltando à confusão que me chamou atenção.
A maior parte das críticas (uma busca no Google por “Munir Massud” mostra vários resultados, podem ir atrás) são simples ataques à pessoa do médico.
Nenhum comentário que li, tanto do seu arquirrival Walter Medeiros (jornalista E poeta!) quanto de outros colegas seus são críticas ao documento, mas ao sujeito que primeiro o escreveu.
Eles não conseguem sequer citar trabalhos razoáveis que cubram seus argumentos, apenas estiram a língua e chamam de bobo.
Na minha terra, o nome disso é meninice. Na terra dos mais instruídos, chama-se ad hominem.
Não consegue discutir no mesmo nível intelectual? Seus argumentos não passam de xingamentos e tentativas de desacreditar o oponente?
Parabéns, você é um falacioso!
Há até um que o acusa de “criminoso” por ele assinar o documento como Professor Doutor Munir Massud.
Oxente, acusar Munir Massud de criminoso porque ele assina um texto como “professor doutor” é de uma cretinice esférica.
Em primeiro lugar, é tradicional se referir a médicos (e a advogados) por “doutor”.
Isso é um sinal de respeito pela dignidade da profissão e uma formalidade tradicional.
Médicos são doutores em Medicina, não necessariamente doutores acadêmicos. Contestar o fato tradicional (eis a palavra novamente) de que “médico” pode ser substituído por “doutor” é simplesmente desonestidade intelectual, visando somente ofender a honra e sujar o nome de Munir.
A não ser que o sujeito tenha sido criado numa caverna por um louco, ele sabe o que “doutor” nesse contexto significa.
(E sim, quando eu digo “cretino” estou me referindo à patologia de retardo mental.
Quem escreveu aquele texto tem duas opções: ser extremamente idiota (novamente, outra forma de retardo) ou ser irremediavelmente sem caráter. Escolha.)
Em segundo lugar, ele dá aulas numa universidade, logo pode se denominar “professor”.
E a premissa inicial ainda é falsa! Massud não foi o único responsável pelo documento.
Ele não fez uma apresentação .pps e saiu espalhando pelos emails de seus conhecidos. Ele procurou informações sérias (MedLine, EndNote) e teve seu artigo revisado e corrigido por um painel de 28 pessoas.
Houve ainda outro teorista da conspiração que sugeriu que a AHT não é aceita pela comunidade médica por ser uma terapia barata.
Beber água, caminhar meia hora por dia e dormir bem são atividades proibitivamente caras, por isso que são tão recomendadas por qualquer médico. Né?
Lavar as mãos antes de comer então, aff! Os olhos da cara!
Meus xingamentos não constituem ad hominens pois são baseados em evidências empíricas. É perfeitamente possível argumentar com alguém de igual para igual e continuar a chamá-lo de “feio” se ele assim o for.
Ou mesmo que não seja, argumentos sólidos podem ser construídos e temperados com esculachos. Por exemplo: “Você está errado porque está usando estudos com metodologia dúbia que não foram propriamente cegados e randomizados e que não contêm o menor valor científico, seu imbecil!”
A propósito, muito do que é dito por aí é fruto exatamente daquilo: estudos porcamente mal feitos, sem controles, não-cegos, não-randomizados, não-revisado por pares, não-replicados e divulgados em publicações sem critério.
Ou, pior ainda, divulgado em meios de mídia ANTES de passarem pelo crivo de pessoas que realmente sabem do que dizem.
Foi o que fez Luiz Moura, que distorceu estudos de um médico chamado Jesse Teixeira (já consideravelmente mal estruturados por terem sido idealizados antes de exigências metodológicas confiáveis) que se referiam a tratamentos de pós-operatórios.
Luiz Moura pegou a conclusão de Jesse e a esticou, sacudiu, dobrou, enrolou e distorceu até chegar a uma conclusão própria: AHT é a cura de todos os males!
URRÚ!!
Se você pegar um bolo solado e queimado feito de laranja azeda com farinha mofada e bater no liquidificador, temperar com alho e coentro, deixar no freezer por doze horas e reaquecer no micro-ondas e tentar comer, perceberá rapidamente que manipular algo que já começou ruim vai apenas incrementar a ruindade.
Ciência é como culinária nesse aspecto, mas várias ordens de magnitude maior.
Mexer em algo que desde o começo já está fora do escopo científico só tende a aumentar ainda mais a distância entre aquilo e o que é cientificamente aceitável.
E já que mencionei algumas falácias, aqui vem outra: alguns defensores da AHT afirmam que ela é boa por ser antiga (talvez não com essas palavras, estou interpretando um pouco), pois baseiam sua eficácia nas observações dos trabalhos do Dr. Teixeira. Se for um Apelo a Antiguidade, é um muito do reiêra, pois tem nem 80 anos direito. Velho o suficiente para ser ultrapassado, mas não o bastante para ser ‘antiguidade’. Igual a um Chevette.
E em medicina, quanto mais antigo o tratamento, menos crédito merece (a não ser que continue se mostrando bom ao longo dos anos).

ATUALIZAÇÃO: hoje, primeiro de novembro, venho adicionar dizendo que meus comentaristas crentes (veja abaixo) demonstram que minha interpretação acima é confiável. Acreditam na terapia somente por ela ser antiga.

Mais uma vez, a ANVISA proibiu a prática da AHT e pediu ao Conselho Federal de Medicina que elaborasse um parecer com base científica.
Hoje em dia não apenas Vigilância Sanitária e o CFM proibem essa prática como também o fazem os Conselhos Federais de Enfermagem e Farmácia.
A Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (notem a falta do “auto” no nome) apresentou o seguinte comunicado:

“A Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia- SBHH, frente a inúmeros questionamentos recebidos, tanto por parte de profissionais médicos como não médicos, relacionados à suposta prática hemoterápica denominada “auto-hemoterapia”, vem a público esclarecer o que se segue:
• A Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia NÃO RECONHECE do ponto de vista científico o procedimento “auto-hemoterapia”;
• Não existe na literatura médica, tanto nacional quanto internacional, qualquer estudo com evidências científicas sobre o referido tema;
• Por não existirem informações científicas sobre o referido procedimento, são desconhecidos os possíveis efeitos colaterais e complicações desta prática, podendo colocar em risco a saúde dos pacientes a ela submetidos;
• Agrega-se a este parecer, a Resolução do Conselho Federal de Medicina- Resolução CFM no 1.499/98, que em seu artigo 1º, “Proíbe aos médicos a utilização de práticas terapêuticas não reconhecidas pela comunidade científica”.
Frente ao exposto, a Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia não recomenda a prática desse procedimento.
O comunicado é assinado pelo Presidente da SBHH, Dr. Carlos Chiattone”

Buraco cavado, caixão lacrado, cal por cima.
Dúvidas, sugestões ou esculhambações, me procurem. Meu email está por aqui em algum lugar.
Eu procurei o jornalista Walter Medeiros para comentar o caso, mas ele se mostrou envergonhado e não quis gravar entrevista (mentira, apenas sempre quis dizer isso e, como agora posso oficialmente ser tão jornalista quanto ele, posso dizer esse tipo de coisa também).
O Dr. Munir, no entanto, estava disponível e me ajudou com material (verdade, mas não confiem em mim, pois eu minto tanto quanto vocês).

Coisas que não sei – suor feminino

Essa aqui eu já pesquisei e até já publiquei uma estorinha mas nunca consegui uma explicação que me satisfizesse: por que, em geral, mulheres suam consideravelmente menos que homens?
Eu entendo o “mecanismo mais eficiente”, mas preciso entender como funciona; o porquê de ser mais eficaz.
De que forma as mulheres regulam calor senão pelos poros?

A luz que nos alumia

O que sabemos do mundo é limitado.
Como um bagre-cego de caverna que evoluiu sem necessitar de olhos, inocentemente esbarrando ns paredes pedregosas da nossa clausura nós evoluímos apenas com uma habilidade primitiva de sentir nossos arredores.
O espectro total do nosso ambiente continuaria escondido de nós como o sol acima da piscina cavernosa do peixe cego não fosse nossa habilidade única de conduzir o ato revolucionário da Ciência.
Com a Ciência nós podemos ver bem mais além dos limites da nossa bolha evolucionária.
Do giro de elétrons às aglomerações de galáxias do jovem universo, a Ciência nos dá um método de tocar, ouvir, ver, sentir e degustar que a natureza sozinha não seria capaz.
E mesmo sendo controverso se nossa mente científica é separada da natureza ou simplesmente uma extensão de como a Natureza faz modificações em ferramentas genéticas usadas para observar as coisas, potencialmente trazendo à tona o argumento sobre se a vida é realmente natural quando comparada com a letalidade do resto do Universo, resultando, em princípio, em algo totalmente não-natural qualquer coisa que uma forma de vida faça.
Preparem-se para deixar a segurança evolucionária de suas bolhas protetoras e, como um cego porém curioso bagre de caverna, sair da água, indo audaciosamente até onde nenhum peixe jamais esteve.
Não use, porém, a Ciência como bengala. Use-a como olhos, mãos, ouvidos, narizes e línguas adicionais.
Mas, se mesmo assim você se perder, não entre em pânico!
Estamos aqui para ajudar.
———
Texto original por Justin Jackson, traduzido e adaptado por Igor Santos, com permissão presumida.

Gripe suína, MSN e spam

E não acabam as maneiras inovadoras de espalhamento de pânico e terror.
A mais nova (recebi sexta-feira passada) é um email que aparentemente é uma conversa de MSN, colada e repassada para “o bem da humanidade”.
Alguém que, aparenta ser médico, conversa com uma amiga que gentilmente pede permissão (esse pedaço de informação inútil e autosserviente pseudo-humilde está também incluído na mensagem) para enviar o conteúdo do diálogo para avisar todo o mundo que a gripe suína vai comer o seu fígado.
O melhor de tudo é que eu recebi esse spam por engano.
Existe uma geóloga arquiteta (valeu Sara) que trabalha na UFRN com um outro Igor Santos e que acha que o email dele é igual ao meu.
Eu já avisei várias vezes mas ela parece não se importar e continua mandando.
Dessa vez, mandou essa mensagem para mil outras pessoas (expondo todos os endereços para potenciais spammeiros de plantão) e eu pude responder diretamente, via email, para todos.
E a resposta está, neste momento, virando artigo de blogue.
Eis:

Cecilia, você conhece esse “deco” ou essa “Lilis”?
Porque isso tem cara de ser email falso.
Por exemplo, semana passada o México registrou mais de mil casos novos da gripe (http://indexet.investimentosenoticias.com.br/arquivo/2009/08/04/165/VIRUS-A-H1N1-Mexico-tem-mais-de-1-mil-novos-casos-da-doenca.html) e nesse texto tem dizendo que eles acabaram por lá tomando medidas drásticas e que o vírus tem níveis, o que não é verdade e qualquer médico saberia disso.
Outra, aí diz que a única solução é diagnosticar antes do vírus atingir o pulmão. Um médico jamais diria isso porque não faz sentido. O vírus está no sangue e, levando o coração 1 minuto para bombear todo o sangue do corpo uma vez, sessenta segundo após a infecção o vírus já estaria por todo o corpo.
O médico citado é um cirurgião cardiovascular (segundo o Google, para “Marcelo Tizzot Miguel”, visto que “marclo” não existe) e dificilmente seria o primeiro a diagnosticar um caso de gripe.
E em qual segunda-feira Curitiba vai ser posta em Estado de Calamidade Pública? Porque antes deveria passar pelo estágio de Estado de Emergência, segundo avaliação da Defesa Civil (http://www.defesacivil.gov.br/situacao/index.asp).
E numa busca rápida eu achei cópias desse email de três semanas atrás. Novamente, qual segunda-feira?
A UNIMED já desmentiu essa parte em seu site (http://www.unimed.com.br/pct/index.jsp?cd_canal=49146&cd_secao=49125&cd_materia=289426) e, de acordo com o jornal GP1 (http://www.gp1.com.br/noticias/gripe-comum-matou-17-por-dia-em-sp-em-2008-91900.asp): “A gripe comum foi responsável por 17 mortes por dia em São Paulo no ano passado. Ao todo, 6.324 pessoas morreram na cidade em 2008 devido a males provocados pela gripe, como pneumonias, bronquites e outras doenças pulmonares.”
Mais de seis mil pessoas mortas em São Paulo e mais de setenta mil mortas no país só ano passado por causa da gripe comum e nem Estado de Emergência foi necessário
Até o dia de hoje, no mundo todo, a gripe suína matou mil quatrocentas e sessenta e duas pessoas (http://news.xinhuanet.com/english/2009-08/14/content_11882170.htm), quatro vezes menos pessoas que só na cidade de São Paulo de gripe comum ano passado.
Já se passaram quase seis meses, então extrapolando, deverão morrer, no mundo todo de complicações da gripe suína, metade da pessoas que morreram de gripe comum em uma só cidade brasileira.
Emails que espalham o pânico fazem mais mal que bem, pois dão a sensação de impotência, deixando as pessoas catatônicas e as impedindo de agir, pois “tudo já está perdido e sem remédio”.

Mais sobre o caso, leia no blogue do Atila.

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