Seqüestro de carbono em solos tropicais I

Na iminência de mudanças climáticas de controversa reversibilidade, a importância do conhecimento dos estoques de carbono em diferentes classes de solos está ligada à tentativa de avaliar o que poderá ser perdido no caso de mudanças no uso da terra com a adoção de práticas intensificadoras da decomposição ou mineralização da matéria orgânica ou de aumentos de temperatura como conseqüência das mudanças climáticas globais e, mais recentemente, o que isto pode representar em termos de serviços ambientais de estocagem de carbono pelos solos. As estimativas do que se encontra estocado na forma de carbono orgânico nos solos do mundo variam de 1500 a 2300 Pg (petagramas, um petagrama corresponde a um trilhão de quilogramas ou 1.000.000.000.000.000 de gramas), dependendo da profundidade considerada. Estima-se que de 1850 a 1998, mudanças no uso da terra (basicamente desmatamento para implantação da agricultura) tenham sido responsáveis pela emissão líquida de 136 ± 55 Pg de carbono para a atmosfera, tanto pela decomposição de restos vegetais quanto pela mineralização/oxidação da matéria orgânica do solo (MOS). Os estudos de avaliação de estoques de carbono (EC) em solos têm sido feitos com o objetivo de se conhecer o mais detalhadamente possível o tamanho do compartimento solo como armazenador de carbono, imprescindível no auxílio ao levantamento dos conteúdos de carbono orgânico seqüestrados nos ecossistemas terrestres, levando em conta que em escala geológica, as trocas de CO2 entre a atmosfera e os solos são rápidas. O conhecimento detalhado dos valores e da dinâmica deste carbono pode ajudar na determinação do comportamento de sumidouro ou fonte de dióxido de carbono, principal gás de efeito estufa, do solo. Não há ainda consenso quanto a isto nem conhecimento detalhado do papel particular das classes de solo, embora existam estimativas genéricas razoavelmente confiáveis do conteúdo de carbono estocado nos solos do mundo. Embora a situação esteja mudando rapidamente, houve até há pouco aceitação quase consensual de que os conteúdos de matéria orgânica do solo até os 20-30cm superficiais seriam responsáveis pela quase totalidade do carbono orgânico (CO) estocado neste compartimento. Uma série de trabalhos recentes, no entanto, tem demonstrado a reconsideração de que há conteúdos nada desprezíveis de carbono orgânico em camadas mais profundas do solo, demonstrando o quão estável é este carbono, por isso podendo vir a ser um reservatório potencialmente mais eficiente em seqüestrar CO2 por períodos de tempo mais longos do que fazem as camadas mais superficiais. (Continua)

Composição química de rochas

Temos recebido muitas perguntas ultimamente sobre composição química de rochas, principalmente depois da publicação deste post. Comumente perguntam-nos algo do tipo “qual o elemento químico que forma o granito” ou outra rocha qualquer. É necessário que as coisas fiquem bem claras. Uma rocha é, em geral, um agregado de minerais. O granito, por exemplo, é majoritariamente formado dos minerais quartzo, feldspatos e micas. Um mineral, por sua vez, é uma substância, natural ou artificial, de composição química conhecida e característica, com estrutura atômica ordenada, geralmente na forma de cristais. Há minerais formados por apenas um elemento químico, como o ouro, mas a maioria dos minerais é de compostos multielementares. Há grupos de minerais “aparentados”, como os silicatos, formados a partir de inúmeras combinações físicas e químicas a partir de tetraedros de silício. Todos os minerais que compõem o granito por exemplo são silicatos: o quartzo e o feldspato são tectosilicatos e as micas são filossilicatos. A composição mineralógica das rochas ígneas dependerá basicamente da composição do magma a partir do qual se formaram. A composição das rochas metamórficas e sedimentares dependerá da composição das rochas ou sedimentos que lhes deram origem, lembrando que sedimentos são em geral resultado da intemperização (“decomposição”) de outras rochas ou da precipitação de compostos químicos. Dentro de determinado grupo de rochas, no entanto, há predominância ou maior presença de certos elementos químicos. As rochas ígneas ácidas são ricas em silício e relativamente pobres em ferro e magnésio, geralmente apresentando cor clara (leucocráticas) e são também chamadas rochas félsicas (de FELdspato e SÍlica), um exemplo é o próprio granito. Os solos originados destas rochas são geralmente mais amarelados. As rochas ditas básicas são menos ricas em silício e mais ricas em minerais contendo magnésio e ferro, por isso são também chamadas máficas, são rochas mais escuras (melanocráticas) e os solos delas originados costumam ser mais avermelhados. Um exemplo comum de rocha máfica é o basalto. Os minerais que compõem as rochas básicas são predominantemente silicatos: olivina, piroxênio, feldspatóides e feldspatos. As rochas metamórficas costumam ter composição semelhante à da rocha que lhe deu origem: o gnaisse é composto pelos mesmos minerais do granito. Dependendo do ambiente onde se dá o metamorfismo, no entanto, pode haver mudanças na composição em relação à rocha original. A composição mineralógica das rochas sedimentares, como já foi dito, depende da composição dos sedimentos. Rochas formadas a partir da litificação de areias de quartzo, como arenitos, são compostas principalmente por este mineral. Alguns arenitos, chamados de arcosianos, contêm também feldspatos. O calcário é formado da precipitação de carbonato de cálcio. A composição química dos solos, formados a partir do intemperismo químico e físico das rochas, é até certo ponto herdada da rocha parental.  

Guiana vende serviços ambientais e conserva floresta

Há poucos dias o Jornal da Ciência publicou esta notícia anunciando a venda pelo governo da Guiana de serviços ambientais a um fundo de capitais britânico. Que serviços ambientais? Basicamente, os benefícios ao meio ambiente de uma floresta mantida intacta. Em dezembro publiquei aqui no Geófagos o post Como pagar ao meio ambiente?, infelizmente muito pouco lido, introduzindo aos leitores como seria a prestação de serviços ambientais e sua valoração. Vê-se agora um país vendendo os serviços de 405000 hectares de mata, entre os quais “regulação de chuvas, armazenagem de carbono e regulação do clima”. Os que não conhecem a realidade da pequena agricultura brasileira descapitalizada, criticam, a partir de seus escritórios com ar condicionado, a derrubada de matas para fazer carvão por agricultores ignorantes e de pequena visão. Mas a visão tem que ser pequena e de curto prazo: de que adianta salvar as florestas para o futuro e morrer de fome hoje? É inútil tentar-se salvar o mundo apelando para as consciências, principalmente quando estas estão famintas. O agricultor em geral não derruba matas por maldade, mas por necessidade. A forma mais eficaz de se evitar isto é pagando de forma justa para que eles mantenham a vegetação de pé, pagando os serviços ambientais prestado pelas matas intocadas. E não só das matas, o solo acumula muito mais carbono que a vegetação e isto é um grande e potencialmente caro serviço, deveria também ser pago. Aliás, isto seria uma alternativa interessante para auxiliar a conservação da caatinga e do cerrado, a primeira ameaçada pela completa ausência de fonte de renda de agricultores do semi-árido, o segundo pela voracidade entomológica de sojicultores et allii. Há regiões de difícil agricultura que poderiam ser usadas extensivamente para isso. A Zona da Mata mineira, por exemplo, é uma região extremamente montanhosa e de solos nutricionalmente pobres. As áreas mais produtivas são os terraços nos vales. Mesmo assim, os morros estão quase completamente desmatados para a formação de pastagens, aliás muito degradadas, e a madeira restante é em geral usada para fazer carvão. Os topos dos morros se prestam à regeneração das matas e prestariam um serviço ambiental essencial para a região: a captura e manutenção da água que alimenta as nascentes de rios da região. É necessário buscar-se alternativas ousadas para a resolução dos grandes problemas ambientais de nosso tempo e usar o realismo monetarista como aliado, revertendo o papel do dinheiro como grande causador das tragédias mundiais modernas.

Ciência Ambiental por completo

Caros leitores,
Tantas vezes vejo nos notíciários, em conversa com profissionais da área e até mesmo em comunicados científicos um profundo desconhecimento sobre a verdadeira ciência ambiental. Quando se pensa em ambiente logo associamos a ele o verde de uma floresta ou os tons azulados da água. Isso é um reflexo puro e simples das conotações colocadas pelos grandes veículos de comunicação sobre o ambiente como meio físico ou biótico. Quando se inicia os estudos de disciplinas que se enquandram especificamente no campo das “ambientais” logo se vê que os pilares básicos para qualquer pesquisa na área são os três meios: físico, biótico e para surpresa de muitos o sócio-econômico ou antrópico, chamem-no como quiserem. Em suma isso significa que uma ação ambiental efetiva deve sempre envolver os três meios. Ou seja, não existe preservação, conservação ou planejamento ambiental, bem como quaisquer outros trabalhos correlatos sem que haja um envolvimento desses meios. Na minha opinião, inclusive, a esses três meios deveriam ser dadas importâncias iguais em trabalhos ambientais. Mas isso é uma discussão futura. Hoje o que temos visto é uma atribuição exacerbada de questões relacionadas aos meios físico e biótico. Mas pensemos bem se esse tipo de abordagem funciona. Imaginemos temas relacionados à qualidade da água em centros urbanos. É possível resolver os problemas de saneamento básico, de esgotamento sanitário e consequentemente da despoluição dos corpos d´água sem que problemas de moradia sejam solucionados? É óbvio que não. Enquanto existirem déficits habitacionais, moradores em favelas, vilas ou palafitas sem a mínima estrutura, problemas realacionados a despejos de esgotos e resíduos sólidos continuarão existindo. O mesmo raciocínio se aplica, por exemplo, aos carvoeiros do interior do Brasil ou àqueles vendedores da fauna silvestre na beira das estradas brasileiras. A escolha que essas pessoas têm que fazer é simples e negligenciada pelas autoridades. Muitas vezes, para obter o alimento da família, essas pessoas são obrigadas a “esquecer” da legislação ambiental e instintivamente optarem pela vida. Assim, se as ciências ambientais não forem consideradas por completo, inclusive com considerações acerca dos problemas sociais, trabalhos nessa área estarão fadados ao fracasso.    

Evolução humana e pedologia II

Bem, em recente post discuti a respeito da influência pedológica e geomorfológica no sucesso da evolução do homem primitivo. Agora discutirei acerca da influência dos solos na evolução do homem moderno. Para início de conversa é necessário entendermos um pouco mais sobre algumas características de grupos antigos e recentes. No início o gênero “homo” era nômade e vivia basicamente da caça e de frutos nativos. A fixação do homem em um determinado espaço com o consequente desenvolvimento da feição social hoje existente só foi possível graças ao aprendizado de como cultivar a terra. A essência agrícola do homem perdurou até o desenvolvimento de técnicas industriais. O próprio sucesso das sociedades feudais só foi possível porque existiam quem abastecesse os feudos com produtos essenciais para a sobrevivência da população. Com a advento das técnicas industriais e sobretudo após as duas revoluções industriais no século XIX ocorre uma elevada migração de pessoas para os então denominados centros urbanos. Esse fato agrava a necessidade de produção de alimentos em larga escala. O problema é que com a expansão de tais centros urbanos, cada vez mais tinha-se menos pessoas para produzir e mais pessoas para consumir os alimentos. Além disso, começa-se a limitar a disponibilidade de novas fronteiras agrícolas para implantação de campos de produção de alimentos. Para ter-se uma idéia de como a população vem crescendo vertiginosamente, segundo a wikipédia em 1912 eram necessários cerca de 123 anos para acrescentar um bilhão de habitantes à população mundial. Já em 1987 as estimativas apontavam para a necessidade de cerca de 12 anos para que o mesmo incremento ocorresse. Estimativas também apontam que na década de 30 a população mundial atingiu a marca de 2 bilhões de habitantes, sendo o primeiro bilhão atingido no século XIX. Já ao final da década de 90 do século XX a população mundial já atingia a marca dos 6 bilhões de habitantes, ou seja, um incremento de 4 bilhões de habitantes em cerca de 70 anos. Se analisarmos, por exemplo a população brasileira, segundo o último censo do IBGE, realizado no ano 2000, cerca de 137953959 brasileiros eram residentes em áreas urbanas. Já a mão de obra produtora de alimentos, aqueles habitantes residentes em área rural, constituíam um total de 31 845 211. Isso representa que cerca de 81% da população brasileira vive em zonas urbanas e apenas 19% vivem na zona rural, ou seja, são potenciais produtores de alimentos. Essa realidade pode tranquilamente ser extrapolada para uma escala global. Claro que excessões locais ou regionais existem, porém, a regra é semelhante à realidade brasileira. Com menos gente produzindo alimentos e com fronteiras agrícolas cada vez mais escassas a solução para que a sociedade moderna não entrasse em um “colapso alimentício” foi a utilização de técnicas de cultivos cada vez mais eficientes. Tais técnicas sempre foram puxadas pelo conhecimento do comportamento do compartimento solo frente à diferentes situações. Entender a fundo a interação solo-planta foi, sem dúvida, o “input” para que uma agricultura eficiente se instalasse. Dessa forma, menores áreas e menos pessoas seriam requeridas para a produção alimentícia. A consequência disso é que mais pessoas poderiam residir em cidades, aumentando a disponibilidade de mão de obra industrial, intelectual e comercial. Assim sendo, o surgimento de novas tecnologias em todos os setores ficou facilitado pela disponibilidade maior de mão de obra, mão de obra essa que agora não mais precisaria passar parte do seu tempo preocupado em como conseguir alimento, vestimenta ou abrigo. Não mais haveria de se preocupar porque era por essa mão de obra sabido que o alimento seria obtido na venda da esquina, a roupa na loja da tiazinha ao lado e o abrigo estaria lá, construído. Claro que a situação é muito mais complexa do que como colocada aqui, apresentando todas as complicações e implicações sociais conhecidas nos dias de hoje. Desigualdade social e todos os problemas dela advindos são exemplos claros de como o modo atual de vida pode ser também maléfico à determinadas classes. Os problemas ambientais também são exemplos claros das complicações do atual modelo de desenvolvimento. Porém, não existe dúvida de que a qualidade de vida da população mundial vem melhorando. Basta perguntar à maioria das pessoas que vivem em zonas urbanas se eles gostariam de morar no campo, produzindo seu próprio alimento e sem as facilidades e conforto do dia a dia. Outro aspecto positivo é o aumento da longevidade (expectativa de vida) das pessoas. Assim, podemos sim inferir que o desenvolvimento da pedologia e também de outras ciências agrárias foram fatores de impulso e responsáveis pelo sucesso do atual modo de vida da população mundial.

Caatinga no litoral brasileiro

Caros leitores,
Em recente viagem ao litoral fluminense fui apresentado a uma relíquia biológica. Uma região de Caatinga (típica de climas semi-áridos) em pleno litoral brasileiro. Acho então interessante discutirmos alguns aspectos relacionados à formação desse ecossistema. Esses aspectos foram melhor discutidos pelo professor Carlos Schaefer em diversos trabalhos, o que será apresentado aqui é apenas uma síntese dos mesmos. Durante o último período glacial um clima mais seco se instalou no que hoje viria ser o Brasil. Essa maior restrição pluviométrica permitiu que vegetação típica de caatinga se implantasse desde o que, hoje é denominado sertão nordestino, até o litoral do sudeste brasileiro. Após a glaciação uma nova era, úmida, se instalou. Isso fez com que a caatinga sucumbisse, ficando restrita ao semi-árido nordestino e localmente entre os municípios de Araruama e Arraial do Cabo, no estado do Rio de Janeiro. Em ambos casos, a semi-aridez é provocada pela presença de barreiras orográficas (cadeias de montanhas que impedem a chegada de nuvens carregadas ao continente). Isso é didaticamente observado na Ilha de Cabo Frio, aonde uma das faces recebe constantemente chuvas orográficas e apresenta Mata Atlântica como vegetação nativa, enquanto que, na outra face, incoberta pela anteriormente citada, o impedimento orográfico provoca a semi-aridez, formando um ecossistema típico de caatinga. A presença de tal barreira em tal região fluminense permitiu que um “pedaço do litoral sudeste” mantivesse o clima semi-árido e consequentemente a caatinga foi preservada ao longo do tempo, sobre solos típicos de tais regiões, como Luvissolos, Argissolos e Latossolos eutróficos, entre outros. Assim, a caatinga presente no litoral fluminense trata-se de uma paleocaatinga, refletindo aspectos passados que por condições específicas de restrições climáticas se preservou ao longo do tempo geológico.

Ecologia de paisagens e a Serra do Cipó

Mais um excelente post convidado do amigo Elton Valente. Abaixo ele discorre sobre um assunto de já tratei aqui: o desenvolvimento de vegetação exuberante, como a floresta amazônica, sobre solos tropicais quimicamente pobres, como os Latossolos. No caso da área da tese do Elton ocorrem coisas mais extremas, matas ombrófilas (sombreadas) sobre areia quase pura. Sobre a área da Serra do Cipó em que o Valente desenvolve sua tese, também já há algo aqui no Geófagos. Boa leitura.
“Hoje o assunto destas linhas não são os meus desabafos “sócio-político-ambientais” (ufa!) – Aliás, quero registrar o fato de que o meu colega e amigo Ítalo Rocha tem sido bastante generoso comigo, permitindo-me publicá-los aqui no Geófagos. Desta vez quero falar da minha pesquisa de doutorado. Em linhas gerais, o projeto consiste em estudar as relações entre o solo e a vegetação em alguns geoambientes da Serra do Cipó, em Santana do Riacho, nas proximidades de Belo Horizonte.
Intuitivamente nós associamos a uma vegetação robusta, frondosa, níveis elevados de fertilidade do solo. Quando se trata da produtividade das culturas comercias, esta relação é verdadeira, portanto corrigimos as “deficiências” do sistema. Em condições naturais não é bem assim, a natureza sempre nos reserva boas surpresas. Tanto nos trópicos quanto em regiões temperadas, às vezes, sobre solos ricos quimicamente, pode se encontrar uma vegetação de baixa biomassa, ou subarbustiva, até mesmo herbácea, pois outros fatores podem determinar tal condição, por exemplo, a profundidade do perfil do solo, a disponibilidade de água, a temperatura local, ou uma associação destes fatores, entre outros. Por outro lado, nestes “tristes trópicos” (como dizia Claude Lévi-Strauss), é quase uma regra encontrar solos pobres, como os Latossolos, sustentando vegetação exuberante. O fato é que, mais que isso, não é raro encontrar uma vegetação igualmente frondosa assentada sobre solos muitíssimo pobres quimicamente (abaixo da linha da pobreza, eu diria em tom de jocosidade). É exatamente isto que encontramos nos trabalhos de campo de minha pesquisa: solos extremamente pobres sustentando uma vegetação de fitofisionomia ombrófila, bem desenvolvida, frondosa, florísticamente associada à Mata Atlântica. E, num aparente paradoxo, os solos são tão pobres quimicamente que os poucos nutrientes que ali se encontram estão restritos à manta orgânica e ao horizonte A. A rocha de origem do solo não os fornece. Nos horizontes sub-superficiais, em alguns casos, elementos como P, Ca e Mg apresentam valores nulos ou traços.
Tenho suscitado muitas dúvidas e questões sobre isto, o que é ótimo para o trabalho. Por ora não posso comentá-las aqui. Mas o fato é que ainda conhecemos pouco sobre Ecologia de Paisagens. É neste ramo da ciência que, no fim das contas e a bem da verdade, está inserido o meu trabalho (estou no Departamento de Solos – e quero continuar aqui). Acho que em função dos problemas ambientais graves que estamos vivenciando e que ainda estão por vir, muitos pesquisadores das ciências naturais, como Ciência do Solo e Biologia entre outras, estão deixando “a linha dos especialistas”, onde o indivíduo “sabe muito de pouco”, e seguindo a trilha dos antigos naturalistas, aqueles que sabiam um pouco de cada coisa para entender o todo. Como dizia o sábio Aristóteles: “o todo é muito maior do que a simples soma de suas partes”. Na estrutura da paisagem, a Biocenose e o Biótopo se entrelaçam de forma indissociável (isto já soa como um lugar comum) formando o Ecossistema, ou seja, formando um conjunto muito complexo, mas de uma lógica espantosamente simples, que se traduz no equilíbrio dinâmico dos elementos naturais, em sistemas abertos por natureza. Pensando assim é que talvez seja possível encontrar um caminho para elucidar, pelo menos em parte, aquelas minhas questões sobre a Serra do Rio Cipó.
Elton L. Valente”

Estoques de carbono, erosão e boa ciência I

Estoque de carbono do solo é uma estimativa da massa total de carbono orgânico (e/ou inorgânico) de um solo, levando em consideração a profundidade (espessura) do solo e sua densidade. Por que conhecer os estoques de carbono nos solos? Atualmente, de forma pragmática, estas estimativas são feitas visando avaliar o quanto poderia ser perdido no caso de haver mudanças no uso da terra. Estima-se que de 1850 a 1998, mudanças no uso que se faz das terras (basicamente derrubadas de florestas ou outros tipos de vegetação nativa para implantação de agricultura) tenham sido responsáveis pela emissão líquida de em torno de 136 Pg (petagramas, um petagrama corresponde a um trilhão de quilogramas ou 1.000.000.000.000.000 de gramas) de C principalmente na forma de dióxido de carbono (CO2) para a atmosfera tanto pela decomposição dos restos vegetais quanto pela oxidação da matéria orgânica do solo. Segundo pesquisas, a perda histórica de carbono orgânico do solo em terras convertidas à agricultura pode variar de 30 a 40 t/ha. Esta quantidade é muitas vezes correspondente a todo o carbono de horizontes superficiais de alguns solos. O conhecimento dos estoques de carbono em solos pode auxiliar inclusive no planejamento de uso da terra bem como no estabelecimento de limites de perdas toleráveis nos teores de matéria orgânica do solo e da correção de práticas de manejo. Pelo que posso observar nas pesquisas que se tem feito sobre a capacidade dos solos em seqüestrar carbono, muitos têm considerado que a perda de matéria orgânica representa uma oportunidade para que fontes de CO2 se tornem agora sumidouros (seqüestradores). Em solos em que se perdeu apenas ou majoritariamente a matéria orgânica, principalmente por oxidação biológica ou não, isto pode ser factível. Mas o que dizer de solos em que se perdeu a matéria orgânica, juntamente com a fração mineral do solo, por erosão, solos onde houve muitas vezes perda completa do horizonte superficial? Para ilustrar isto usarei uma metáfora facilmente entendível: uma coisa é perder água de um reservatório por evaporação, outra coisa é perdê-la porque o reservatório foi destruído. Aliás, esta é uma preocupação relevante inclusive face a um artigo publicado no último dia 26 de outubro na Science intitulado “The impact of agricultural soil erosion on the global carbon cycle” em que os pesquisadores concluem que a erosão de solos agrícolas constitui antes um sumidouro que uma fonte de CO2 para a atmosfera, embora não um sumidouro considerável. Entendamos o contexto do trabalho. Por um tempo (e ainda hoje) muitos cientistas do solo e outros afirmavam que a erosão dos solos agrícolas constituiria uma fonte de gases de efeito estufa para a atmosfera porque praticamente toda a matéria orgânica neles contida acabaria rapidamente decomposta. Logo se viu no entanto que havia uma falha neste raciocínio: obviamente uma boa parte da matéria orgânica erodida seria enterrada junto com os sedimentos minerais, principalmente sob a água, e se tornaria indisponível aos microrganismos decompositores, ficando assim seqüestrada por um tempo porventura maior do que se continuasse no solo intacto. A dúvida era qual dos dois efeitos preponderava: a decomposição ou o seqüestro. Segundo os autores do trabalho citado acima, prepondera o seqüestro, embora por uma pequena margem. Bom. Mas falar em termos globais muitas vezes não leva em consideração os efeitos de curto prazo locais. Apesar de a matéria orgânica estar estabilizada nos sedimentos, permanece o fato de que há solos agrícolas que a perderam e que possivelmente perderam e perdem produtividade com isso. Não apenas produtividade em termos químicos, mas há perda também da qualidade biológica e física dos solos, impedindo que haja crescimento ideal das plantas que poderiam fixar mais carbono.   

Agricultura sustentável no semi-árido nordestino?

Às vezes é quase impossível fugir de certos assuntos “moda”. Sustentabilidade na agricultura, seqüestro de carbono e mudanças climáticas globais são alguns dos temas mais comuns em qualquer foro de discussão ambiental. O problema é encarar estes assuntos de forma objetiva, o mais imparcialmente possível, sem adotar uma atitude dogmática, de fé inquestionável mesmo contra os fatos. Um destes temas difíceis é o da sustentabilidade da agricultura na região semi-árida do nordeste brasileiro. Não me refiro à agricultura tecnificada dos perímetros irrigados das áreas sobre material geológico sedimentar, mas à agricultura, pequena ou não, das áreas sobre substrato geológico cristalino, onde não há água em quantidade e qualidade suficiente para projetos de irrigação ambiciosos. Eu mesmo venho escrevendo sobre isto prolificamente no Geófagos, mas uma série de leituras e peregrinações recentes me fez relfetir o assunto um pouco mais profundamente. A semi-aridez traz uma série de problemas para a agricultura. Naturalmente, a produção de biomassa vegetal é baixa, quando comparada com outros ecossistemas, a vegetação, nativa ou não, tende a ser mais esparsa, expondo mais o solo às intempéries. Isto por si só pode aumentar as taxas de perdas por erosão. Há trabalhos de pesquisas recentes realizados em universidades nordestinas indicando que a vegetação nativa (caatinga) oferece pouca proteção aos agentes erosivos, principalmente água. Isto faz sentido. No começo das chuvas, que costumam ser altamente erosivas, a vegetação apresenta-se quase completamente desfolhada e o solo exposto, em climas semi-áridos há em geral eventos de chuvas torrenciais, de alta erosividade, o que tende a exacerbar a perda de solo e de carbono. Claramente há concentrações baixas de matéria orgânica nos solos, devidas à baixa produção de biomassa, erosão da camada superficial do solo (erosão laminar) além da perda natural quer por oxidação biológica quer por fotooxidação. As taxas de intemperismo das rochas (mecanismo que dá origem aos solos) tendem a ser mais baixas, a “reposição” do solo perdido é mais lenta, os solos são pouco profundos, a capacidade de armazenamento de água pelos solos é pequena e as perdas por evapotranspiração são altas. Devido aos altos graus de incerteza na produção agrícola, o uso de insumos (adubos principalmente) é rara, o que faz com que os nutrientes retirados pelas plantas sejam na verdade “minados”, já que não há reposição. Mesmo a reposição natural é incompleta, primeiro porque quase nada de resíduo vegetal é deixado sobre os solos, segundo porque o declínio na produtividade das terras faz com que o tempo de pousio (“descanso”) das áreas agricultadas seja cada vez menor, impedindo o restabelecimento da vegetação nativa com conseqüente restauração da fertilidade natural. Em termos de utilização de solos agrícolas como sumidouro de carbono visando a reversão parcial das mudanças climáticas globais, é bem possível que a agricultura do semi-árido fosse reprovada, talvez constituindo antes uma fonte de CO2 para a atmosfera, associada com a irresponsável depredação da caatinga. Creio que nada há de sustentável no uso agrícola atual das terras do semi-árido e que a sociedade e autoridades míopes não vêem que apenas ciência e tecnologia de qualidade e com continuidade podem reverter o processo de degradação ambiental severa a que esta região vem sendo submetida há séculos.   

Solo: Um compartimento esquecido pelas Ciências Ambientais

Bem pessoal, nesse segundo post pretendo falar um pouco sobre a importância dos solos quando tratamos de questões ambientais. Ao longo do tempo a Ciência do Solo foi caracterizada como essencialmente agrícola, voltando os estudos relacionados a esse compartimento ambiental visando a produção agrícola. Dessa maneira a importância ambiental do solo ficou de certa maneira “esquecida” durante algum tempo. Por outro lado a recente evolução e o incremento da importância dos estudos ambientais observados nas últimas três décadas se deu, principalmente, em função de questões relacionadas a água. Outro foco atual das questões ambientais tem sido as mudanças climáticas globais. Entretanto muito pouco tem se ouvido falar em questões relacionadas a degradação do compartimento solo. Será que o solo como meio físico é menos importante do que a água ou o ar, ou mesmo as questões ambientais relacionadas aos solos são menos importantes que outras como as mudanças climáticas globais? Eu acredito que não. Na verdade entendo que todas essas questões têm sua importância e estão interligadas, tornando as ciências ambientais multidisciplinares. Vamos entender um pouco mais sobre a importância ambiental do solo. Analisando friamente podemos perceber que o solo apresenta uma ligação bastante íntima com a hidrosfera, biosfera e atmosfera. Ele pode ser entendido também como um compartimento intermediário entre os demais. É nele que crescem as plantas, correm os rios e por ele passam as águas de abastecimento dos diversos aquíferos. Além disso, existe o íntimo contato de animais com o solo. Tudo isso nos leva a levantar a hipótese de que, se os solos forem contaminados, outros compartimentos ambientais também poderão o ser. Nesse sentido o solo entendido como componente ativo do ciclo hidrológico nos leva a inferir algumas considerações. A degradação física dos solos pode alterar negativamente o regime hídrico de determinada região, reduzindo a capacidade de abastecimento de sistemas aquíferos e consequentemente de mananciais superficiais. Além disso, o aumento da erosão do solo pode ocasionar o assoreamento de corpos d´água superficiais ou até mesmo levar contaminantes adsorvidos para os tais corpos d´água. Além de serem entendidos como verdadeiras “caixas d´água” os solos também podem ser entendidos como “filtros ou reatores naturais” capazes de “purificar” as águas de abastecimento dos aquíferos. Tais características, segundo Glazovskaya (1990), caracterizam o solo como uma Barreira Geoquímica à entrada e poluentes em outros compartimentos ambientais a ele ligados. Dessa forma, a entrada de contaminantes no sistema pode superar a carga crítica dos solos, assim como a degradação desse compartimento pode ocasionar uma redução dessa carga crítica. Entende-se por carga crítica dos solos a capacidade máxima desse compartimento reter contaminantes sem alterar suas funções ecológicas. Assim sendo, uma vez em teores altos nos solos, os contaminantes podem ser liberados, atingindo a solução do solo, entrando então na cadeia trófica seja pela incorporação nos vegetais ou por contaminação das águas utilizadas como hábitat para diversas espécies ou para consumo humano ou animal. Além disso, Stiglianni (198 8) propôs que a contaminação de solos por elementos ou compostos químicos deveria ser vista como uma Bomba Relógio. Nesse sentido, os contaminantes que se acumulam nos solos devido à adsorção em colóides minerais e orgânicos dos solos, ou ainda por precipitação em formas insolúveis em água, são liberados por lentas alterações ambientais, como por exemplo, a acidificação das águas da chuva, a salinização, desertificação, eutrofização, entre outros processos aos quais os diversos compartimentos ambientais em contato com o solo estão expostos. Podemos então definir o contaminante associado ao solo como o explosivo de nossa bomba, enquanto as lentas alterações ambientais representam o detonador e os alvos podem ser a microbiota do solo, as águas subterrâneas, a vegetação, entre outros. Além do mais, rentemente, pesquisas também vêm mostrando a intensa capacidade de fixação de carbono da pedosfera (compartimento ambiental representado pelos solos), em muitos casos maior até do que o poder de fixação da biosfera, representada principalmente pela capacidade de fixação de carbono de populações vegetais. Esses são apenas alguns aspectos pelos quais acredito que a Ciência do Solo também deve ser encarada com destaque nas Ciências Ambientais, ficando claro aqui que a Ciência do Solo é muito mais vasta que os simples exemplos citados e pesquisas na área ambiental vêm ganhando força, mesmo que ainda não na velocidade esperada. Enfim, por todas as colocações acima feitas os solos devem tomar lugar de destaque junto às Ciências Ambientais, tornando seus estudos ambientais tão intensos e importantes como aqueles relacionados a outros temas dessa área tão importante para a evolução humana.
Carlos Pacheco

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