Nota de Rodapé (6)

Prezados,
Minha avaliação do imbróglio de Honduras continua a mesma. Espero que a Democracia saia ilesa de lá. Embora eu não acredite que isso vá acontecer, devido a pressões várias, principalmente aquelas orquestradas pela Alba.
Resolvi, por minha própria conta e risco, substituir por esta nota o post que aqui havia colocado tratando do assunto. Ele fugia um tanto dos propósitos do blog.
Se eventualmente alguém se interessar, pode pedi-lo por e-mail: elton_valente@yahoo.com.br
PS. Meus sinceros agradecimentos aos comentários de João Carlos; Roberto Takata e Gabsz.

Enfim, uma chance de começar de novo!

Devo anunciar aos Amigos Geófagos que passei em um concurso público para docente no Instituto Federal de Minas Gerais, Campus de São João Evangelista (antiga Escola Agrotécnica). Para que a coisa se concretize, falta o MEC autorizar a “assinatura do contrato”, pelo que aguardo com uma certa ansiedade.
Enfim, meu currículo foi avaliado naquilo que ele tem de algum valor, o que corresponde, em boa parte, à minha experiência profissional.
A “massa corporal” de meu currículo foi adquirida com muito exercício e suor, e não por efeito anabolizante de papers e outras drogas similares.
Ironicamente, desta vez não fui muito bem na prova didática. Mas o processo de realização do concurso, a meu ver, foi coerente com os seus propósitos. Entre outras coisas, foi atribuído peso 1,5 para a prova didática e peso 1 para as outras avaliações. A prova objetiva foi de questões fechadas (embora eu prefira a prova aberta, dissertativa). Os currículos, de todos, foram avaliados naquilo que tinham a oferecer. Dos nove candidatos, foram classificados sete.
Vou retornar ao exercício da profissão de professor. Coisa de que gosto muito, além da extensão rural. A extensão me permitiu levar conhecimentos e adquirir conhecimentos, foi uma troca justa e muito gratificante, sem contar o prazer de trabalhar com nosso povo, nas pequenas comunidades rurais, nos municípios pequenos. A extensão rural é uma espécie de irmã da docência. O bom professor e o bom extensionista têm muito em comum.
Considero um bom professor aquele que, entre outras coisas, tem noção da importância de seu trabalho, tem responsabilidade e amor à profissão, e não se vê como “educador”, mas sim como um orientador no processo de aquisição de conhecimentos. Porque, geralmente, experiências e conhecimentos nós adquirimos sozinhos, pelo nosso próprio exercício. Facilita muito quando uma alma caridosa nos aponta alguns caminhos.
O bom professor é, enfim, um plantador de boas sementes. E tudo indica que aqui vou eu, mais uma vez, semear minhas sementes enquanto posso.

O Desafio das Idéias e a Ordem Estabelecida: Um Ensaio

É um grande desafio ter idéias próprias, livres – como diz nosso Amigo Ítalo, usando as palavras de Riobaldo: pensar forro! – É complicado pensar forro.
Não vou considerar como “complicador” o fato de que duas ou mais pessoas possam ter, separadamente, as mesmas idéias – chamo a isso de pressão do conhecimento – pois a cada nova descoberta, um conhecimento vai pressionando o outro e as novas idéias surgem, pipocam, quase que ao mesmo tempo, em pessoas diferentes, em lugares diferentes. Foi mais ou menos assim com Darwin e Alfred Wallace; Mendeleiev e Lothar Meyer; Oparin e Haldane; e muitos outros.
Nesta relação de desafios, não vou considerar também o fato que algumas pessoas possuem uma facilidade, uma capacidade inata de raciocínio, de conclusões lógicas dentro de seu universo de conhecimento. Conheço algumas pessoas assim, que não frequentaram a escola formal, mas possuem uma capacidade de raciocínio lógico, contextualização e síntese acima da média geral.
E é bom lembrar ainda que, além dos desafios, quem se propõe a raciocinar, às vezes pode esbarrar no ridículo e chegar a conclusões medíocres. O que é comum e natural, pois isso faz parte do processo, vem com o pacote. O anedotário da ciência e tecnologia está cheio de frases e posturas equivocadas e famosas de alguns gênios destas áreas. Mas esses pequenos equívocos em nada desabonam seus autores.
Os grandes desafios de ter idéias próprias, aos quais quero me referir, são outros. O primeiro deles são os estudos. É preciso exercitar o cérebro para que ele possa funcionar com desenvoltura. O estudo, além de exercitá-lo, fornece um arsenal de informações que são, no fim das contas, a matéria prima de onde surgem as idéias. Estudar demanda disciplina, tempo e descaso com as vaidades humanas. Daí o grande desafio para a maioria das pessoas que não nasceram gênios. O mundo das vaidades é uma tentação quase irresistível, como argumenta, e se justifica para a esposa, um veterinário amigo meu em relação às suas vaidades: “fui pressionado pela mídia!”
O outro desafio, talvez o maior deles, é que as novas idéias podem esbarrar na ordem estabelecida, ir de encontro, bater de frente com o “sistema”, bater de frente com os dogmas e desafiar o senso comum. E isso já rendeu processos, execrações públicas e mortes na Fogueira do Santo Ofício. Para ficar nos exemplos mais famosos, foi assim com Giordano Bruno, Joana D’Arc, Galileu Galilei e Darwin que, se este não enfrentou A Fogueira, suas idéias enfrentaram e ainda enfrentam o Tribunal do Santo Ofício.
O processo de pensar forro é um grande desafio. É mais fácil seguir o rebanho, não importa para onde ele vá. E assim, vejo o mundo caminhando irremediavelmente na direção do que previu o “visionário” George Orwell, no romance 1984, com o seu Big Brother. Sim! É daí que nasceu o Big Brother da holandesa Endemol.
Vejo meus colegas quase desesperados correndo em busca de “publicações e papers“, sendo pressionados por seus orientadores, pelos departamentos, pelas agências de fomento, pelos concursos públicos, pelo “sistema”. Ninguém quer saber de qualidade, nem de maturidade profissional. O que importa é o número. E quanto mais rápido, melhor! Vejo pouca gente criticando esse processo. E essa pouca gente, até onde sei, resume-se ao Geófagos.
A falta de bom senso é tanta que, recentemente, participei de um concurso público para docente de uma universidade federal em que a prova escrita tinha peso 4. A pessoa que passou no concurso não ficou entre os primeiros colocados na prova didática. Não estou querendo dizer que um bom professor não necessite saber escrever bem, ao contrário, mas não estamos selecionando alguém para a Academia de Letras, e sim para professor. Então, se era preciso atribuir peso, deveria ser para a prova didática. É o que me parece óbvio. Fui o segundo colocado na prova didática, mas quando ponderaram a nota do currículo, fui DESCLASSIFICADO. Eu não tinha um “currículo bom” na avaliação deles. Classificaram três pessoas e meu nome nem apareceu na lista. Meus 12 anos de efetivo serviço de docência e extensão rural não serviram para nada, pois são anteriores a cinco anos, a data limite que estabeleceram. Não estou querendo dizer que eu deveria ter sido classificado apenas porque tirei boa nota na prova didática, mas sim que a coisa fosse feita com coerência, razão e bom senso.
Acabei de assistir a um filme chamado Austrália. Falaram muito mal desse filme, por razões de clichês e outras filigranas. É um filme mediano na minha avaliação, mas traz nos diálogos uma frase memorável e forte: “não é porque é assim, que deveria ser assim!” Vejo o mundo caminhando na direção oposta desta consciência. Não vejo nada de bom nisso. Mas posso, talvez, estar equivocado!

Ciência, Certezas e Equívocos: Nota de Rodapé (5)

A razão desta “nota” é para dizer que é preciso ter muito cuidado coma as “certezas”. Portanto, peço à Comunidade Geófágica que me permita uma explicação, não uma justificativa, para o meu equívoco do texto passado. É sempre possível tirar alguma lição dos fatos, quaisquer que sejam eles.
Naquele texto, errei a cidade de Chicó e João Grilo, personagens da peça Auto da Compadecida. A história se passa em Taperoá, na Paraíba. Mas há uma canção de autoria de Raimundo Fagner, Manera Fru Fru, Manera, do disco O Último Pau de Arara (há duas versões do disco – tenho ambas). Nesta canção, Fagner repete três vezes a frase “é só catimbó e o Chicó tá no Icó“. Nem sei quantas vezes ouvi isso. Daí, mesmo Ariano Suassuna dizendo o contrário, eu tinha “certeza” de que Chicó estava no Icó, e pronto.
Li a peça Auto da Compadecida por ocasião do famigerado vestibular e por recomendação de um Professor que tive. Muito tempo depois, fizeram a minissérie e o filme O Auto da Compadecida. Assisti a ambos. Geralmente, as versões cinematográficas ou televisivas de livros e peças de teatro ficam pobres em relação aos originais. Mas neste caso não. Todos são bons, pois a obra é excelente, com elementos shakespearianos evidentes – Ariano Suassuna sabe das coisas. Enfim: mesmo depois de tudo isso, Chicó continuou no Icó, eu tinha certeza disso. Coisa de cabeça-dura.
Neste sentido, para quem pretende de alguma forma trabalhar com a Ciência, é bom lembrar sempre de que no terreno das certezas, quem costuma reinar imperiosamente são os equívocos. Fica aí um recado aos cabeças-duras, feito eu.

Esse Brasilão Imenso

Cumpri mais uma etapa de minha “Peregrinação” pelo Brasil. Desta vez me bandeei para o lado da Caatinga. É outro mundo. Muito bem descrito por Euclides da Cunha em Os Sertões.
Fui de ônibus, junto ao nosso povo, em um Gontijo “Sertanejo” (N.° 15305), linha de Belo Horizonte – MG a Fortaleza no Ceará. É chão que não acaba mais. Os passageiros, como sempre, são gente humilde e lutadora. Um jovem casal, com três crianças, saiu de Governador Valadares para tentar a vida em Canindé, no Ceará. Um senhor, Seu Francisco, partiu de Belo Horizonte, ia visitar sua mãe em Icó, também no Ceará, a cidade de João Grilo e Chicó, imortalizada pelas mãos e pela cabeça privilegiada de Ariano Suassuna em O Auto da Compadecida.
Durante a viagem, os ambientes foram se sucedendo, das pastagens degradadas do Médio Rio Doce, em Minas Gerais, a uma maior diversidade de uso dos solos na Bahia. A partir de Itaobim, ainda em Minas Gerais, a BR-116 segue cortando uma área de transição entre a Mata Atlântica e a Caatinga. As terras são utilizadas com pastagens, culturas de eucalipto, café, mandioca, e hortaliças nos arredores das cidades (lembrei-me do assunto tratado por nossa colega Flávia, aqui no Geófagos). E assim, à medida que se avança para a Bahia, vai-se lentamente adentrando a Caatinga, na Bahia central, onde se encontram plantações de palma forrageira e muitos leitos secos de rios.
Observei extensas áreas de Murundus (morrotes com mais ou menos um metro a um metro e meio de altura em relação ao nível do terreno). Sua gênese é um objeto de discussão muito interessante, merece um post no Geófagos.
À medida que adentrávamos a Caatinga, fui recordando minha graduação, quando ainda haviam umas disciplinas intituladas Estudos dos Problemas Brasileiros, as tais EPBs. Lembro-me de que se falavam de uns “Projetos de Combate à Seca no Nordeste”, da antiga SUDENE. Na época eu ainda não tinha a maturidade necessária para observar e criticar tal equívoco. Qualquer iniciativa que objetive “o combate à seca” no Nordeste já nasce equivocada. Ninguém combate a seca e sai vitorioso, é uma luta nos moldes de Dom Quixote de La Mancha com seus Moinhos de Vento. Parece que enxergaram o equívoco e mudaram o nome da coisa para “Programa de Convivência Com a Seca”. Aí sim, menos mal! Dá para fazer uma ou outra proposta!
Abrindo um parênteses, em relação aos norte-americanos, o meu antiamericanismo refere-se à sua política externa e ao seu modus vivendi. Mas devemos reconhecer que eles são pragmáticos. Cito como exemplo Las Vegas, onde corre “um rio de dinheiro” em pleno deserto. Foi uma excelente idéia, diga-se. Adequaram uma atividade rentável a uma região desértica, imprópria para a maioria das atividades econômicas.
Não estou propondo, necessariamente, uma Las Vegas para a Caatinga, com uma Boulevard Caatingueira. Até porque as condições climáticas da Caatinga ainda permitem uma série de atividades econômicas, inclusive agropecuárias e alguns usos do solo. O Nordeste não é um deserto. Mesmo assim, todas as atividades que incentivem o turismo são bem vindas.
Além disso, há outras questões fundamentais. Lembro-me de uma excelente crônica do saudoso jornalista Henfil, irmão do Betinho (Herbert de Souza). A crônica tem o título de “Golô”. Nome dado a um retirante nordestino que “morava” em uma praça de Belo Horizonte. Na crônica, em defesa de Golô e seus irmãos, Henfil pede que não mandem donativos para o Nordeste. Mandem, sim, caminhões de advogados. Pois os maiores problemas do Nordeste não serão resolvidos com donativos ou água, mas sim com advogados, toneladas de advogados.
PS. Quem tiver interesse na crônica, pode me pedir por e-mail:
(elton_valente@yahoo.com.br).
PS.2 [Errata] A cidade de João Grilo e Chicó é Taperoá, na Paraíba, e não Icó, no Ceará, como afirmei equivocadamente no texto. Esta correção é creditada a um paraibano legítimo, Ítalo Rocha, pessoa muitíssimo cara ao Geófagos. Portanto, peço humildes desculpas à Comunidade Geofágica, ao Ítalo, aos paraibanos e à Ariano Suassuna pelo meu equívoco.
Muita saúde a todos!
Elton.

O que penso

Acho que cometi um erro. Há tempos, desde que comecei a formar uma consciência independente e a pensar forro, como diz Riobaldo, venho criticando a tendência subserviente dos brasileiros em imitar as mais insossas manifestações “culturais” dos americanos do norte. Não falo apenas da prostituição cultural dos moradores da Barra da Tijuca, com suas reproduções grotescas da Estátua da Liberdade, nem dos ridículos templos de futilidade e vaidade denominados “shopping centers”, anunciando “sales”, como se a substituição cultural já estivesse irremediavelmente consumada. Não é só isso.
Nos meios intelectuais, no meio acadêmico, dentro da universidade e dos centros de pesquisa, já não se busca apenas o saber. Sob direta influência do pragmatismo industrial americano há hoje entre os acadêmicos um culto quase totêmico a uma divindade chamada currículo. Implantou-se com grossas raízes a crença que a medida da competência de um profissional, de um intelectual, é o número de trabalhos publicados. De trabalhos não, de “papers”, para deixar bem clara a filiação cultural da nova classe intelectual. Os industriais pragmáticos americanos do norte, mantenedores das universidades privadas daquela nação, não tendo conhecimento para julgar o mérito de um acadêmico, de sua pesquisa, de seu trabalho científico, mediam-no pelo número de artigos ou outras peças escritas publicadas. Mediam sua “produtividade” como se o conhecimento fossem latas de tomate, pregos, rolos de papel higiênico, “toilet paper”. Paper.
A colonização cultural mais eficiente é aquela que atinge seus próprios críticos. Interessado em divulgar a pouca ciência que sei para as massas luso-parlantes, para a espécie rara que ainda fala apenas e majoritariamente o português, bastaria apenas para mim uma dessas páginas gratuitas que se encontra na internet, montar um blog sem filiação e esperar que alguém me lesse, como fiz inicialmente. Mas a vaidade, alimentada também pela eficaz máquina de colonização cultural, fez-me desejar fazer parte do melhor, ou melhor, “of the best”. Não, não foi suficiente ser um blog de ciência, era necessário ser um science blog, de preferência um ScienceBlog.
Cá estou eu, de vez em quando criticando severamente a hipocrisia dos outros enquanto eu mesmo chafurdo tranquilamente nas entranhas putrefatas de meu sepulcro caiado. Se o que eu queria e quero é divulgar algum conhecimento para aqueles cuja ignorância fala português, para que escrever em inglês, se não por pura vaidade? Para ter maior visibilidade? Meus conterrâneos da Paraíba, do Amazonas, de Goiás, de Santa Catarina encontrarão mais facilmente meus textos porque escrevo em inglês? Meus potenciais leitores portugueses, moçambicamos e angolanos compreenderão melhor meus textos se escritos em inglês? Realmente, as técnicas de persuasão e lavagem cerebral atingiram um alto grau de refinamento.
Minha culpa, minha tão grande culpa. É uma pena que não tenhamos permanecido como Lablogatórios, e o pior é que eu fui dos que mais entusiasticamente o extinguiram em favor dos ScienceBlogs. A influência não é problema, o problema é a subserviência. A subserviência de, além de escrever em uma plataforma deles, escrever também na língua deles, como eu mesmo fiz, como se disséssemos a nossos mestres “olhem para nós, somos civilizados, escrevemos em inglês”. Sinceramente, não acredito que para divulgar minha ciência isto seja necessário ou benéfico. Não pretendo ofender ninguém, apenas expor o que creio sejam contradições, contradições inclusive minhas. As minhas, pretendo sanar. Acredito que este seja meu último texto nesta plataforma.

Ciência e Subjetividade!

Nobres colegas!
Estou com a versão definitiva de minha tese pronta para a Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UFV, ou seja, com isso vou cumprir com o último dos “doze trabalhos” desta fase da vida, que escolhi e que me trouxe muita satisfação pessoal.
Aproveito para dizer, em tom de nostalgia e saudade, esse “charme brasileiro de alguém sozinho a cismar”, que tenho uma enorme dívida de gratidão com a Serra do Cipó. Dívida esta que eu mesmo me atribuí, pois a Serra, metaforicamente falando, não me cobrou nada, nem a admiração por aquela beleza surpreendente. Peço licença para saldar um pouco dessa dívida aqui. É certo que precisamos separar o que é ciência, necessária e objetiva, do que é subjetivo, adverbial, e lúdico. Mas, por favor, estas coisas não precisam ser díspares, adversas, opostas. Elas podem, e devem, conviver de forma independente e sadia, mas dando-se à virtude, numa atitude ética e oportuna, do auxílio mútuo, enquanto fatores da evolução humana.
Digo isso porque estas duas atitudes se aproximaram de forma bastante imperativa durante o meu trabalho na Serra do Cipó. Quando conheci a Serra, no curso do meu doutorado, inevitavelmente o primeiro modelo que se construiu sob minha percepção foi subjetivo. Depois, numa tentativa de desvendar a matemática por trás daquela beleza toda, vieram as análises, correlações e conclusões objetivas, científicas, necessárias. A ciência é necessária!
E assim, depois da tese pronta, das conclusões revistas, pensei: é insatisfatório, além de injusto, que se desenvolva uma pesquisa científica em um lugar como a Serra do Cipó e tal trabalho, embora necessariamente objetivo, não revele de alguma forma, em algum canto ou parágrafo, que o seu autor não foi apenas um pesquisador-observador frio, mecanicista, que não enxergou ali nada mais do que fatores ambientais e a convergência de variáveis pedobioclimáticas. A Serra do Cipó não merece isso, assim como muitas outras riquezas naturais desse Brasilão imenso, e do mundo.
Daí, senhores, eu me senti na obrigação moral e ética de manifestar o meu entendimento pessoal, subjetivo, adverbial, em relação à Serra. Em uma página da tese, anterior aos agradecimentos (pois não realizei o trabalho sozinho), eu registrei essa percepção. Dei-lhe o título de A Serra do Rio Cipó. Peço licença, de novo, para disponibilizá-la aqui no Geófagos:
A Serra do Rio Cipó, na Cordilheira do Espinhaço, em Minas Gerais, é um ambiente extremamente peculiar. Há ali uma convergência de fatores ambientais, geológicos, geomorfológicos, pedológicos, fitofisionômicos e climáticos, que moldam um sistema admirável. É um ambiente pobre em recursos químicos, no que tange aos solos e às rochas que lhes dão origem. No entanto, é um sistema que compõe uma paisagem espantosamente bela, apresentando geoambientes diversos, que se sucedem em curtos espaços ao longo da Serra, formando gradientes de campos graminosos, matas de candeia e capões florestais.
Quando se analisa aquela composição ambiental com o olhar objetivo e necessário da ciência, esbarra-se com um contraste, que se manifesta em um aparente paradoxo. O sistema é pobre, paupérrimo, em recursos químicos do ponto de vista nutricional, no que reza a cartilha da fertilidade do solo com seu viés agronômico, embasado na filosofia mecanicista. Mas ali estão irrecusáveis, diante dos olhos, os capões de mata, as vochysias, candeias, byrsonimas, velózias, paepalanthus, richiteragos, lavoisieras, marcétias, microlícias e muitos outros gêneros de plantas que se desenvolvem impávidas. Quando florescem, elas apresentam seus indescritíveis canteiros naturais, colorindo a Serra com variadas tintas.
A quem se dá o prazer (ou não) de enxergar esse fato, a natureza é imperativa, mostrando de forma inquestionável que a pobreza é um conceito relativo, restando-nos, da surpresa, o deslumbramento, pois é impossível ser indiferente diante daquela paisagem.

O Homem e o Planeta: a real dimensão de nossa grandeza, ou pequenitude!

Existe um provérbio onde se diz que não há soluções fáceis para problemas difíceis. Corroborando o velho provérbio, encontramos obstáculos praticamente intransponíveis para a equalização das questões ambientais, sociais e econômicas da civilização. Primeiro porque, como já afirmei aqui no Geófagos, crescimento econômico não se harmoniza com sustentabilidade ambiental, são coisas diametralmente opostas, uma só vai em detrimento da outra. Além disso, o maior dos problemas encontra-se no próprio homem, pois há princípios humanos que são imutáveis, daí o grande sucesso universal das Tragédias Gregas.
Responda rápido: qual é a espécie que melhor representa o Planeta Terra?
Se as respostas a esta pergunta fossem registradas, eu me arrisco a dizer que por maioria esmagadora de votos a vencedora seria a espécie humana. Digo mais, dificilmente alguém questionaria a pergunta, argumentando que ela foi mal formulada, porque uma só espécie não é suficiente para representar a Terra, ou a Biosfera.
Sabem o que é isso? Desculpem a franqueza, mas chama-se Megalomania, Arrogância, Pretensão, Egocentrismo e Estupidez. A razão disso, Darwin explica muito mais que Freud. Faz parte da natureza humana achar-se como tal, isso foi importante em um passado muito remoto.
Agora nós estamos na onda de “destruir” e “salvar” o planeta. É mais um enredo de epopéia maniqueísta megalomaníaca que nos propomos. Vez em quando a humanidade, desde que ela assim se compreende, é assaltada por um delírio coletivo desta natureza, respaldado por quase nada de ciência e tudo de sensacionalismo, quando não misticismo e outros sentimentos ungidos na fonte alucinógena da espiritualidade. E lá vamos nós outra vez, nestes tempos de aquecimento global.
O modelo de agricultura que se pratica hoje, as agressões aos solos, à cobertura vegetal, aos rios, lagos e oceanos são maiores e mais comprometedores do futuro do que “as emissões de gases” simplesmente. Estes estragos remontam ao Holoceno, desde que o homem deixou de ser uma espécie com um número limitado de indivíduos, relativamente integrada ao ecossistema, e tornou-se uma espécie cosmopolita, inventora de tecnologias. Foi bom para a espécie e muito ruim para a superfície do planeta. A atmosfera entrou nessa dança há pouco mais de um século, ou dois. Mas uma chaminé de usina soltando fumaça a todo vapor e um engarrafamento de automóveis, caminhões e ônibus produzem um enorme efeito na fotografia, e na tela.
O homem certamente é responsável por uma parcela no atual aumento da temperatura global. E o vilão dessa história não é só as emissões diretas e indiretas de gases, como querem muitos. Um bom exemplo são as mudanças no albedo (relação entre a luz recebida e refletida) da superfície terrestre, causadas pelas atividades humanas, que certamente têm alguma relação com o aumento da temperatura global. Mas, ao que tudo indica, ninguém quer saber deste assunto, muito menos do fato de que a Terra á capaz de aquecer-se e resfriar-se sozinha. A “razão do evento” tem de estar no fato de que “somos nós os protagonistas”!(?).
De qualquer forma, o homem faz parte desta equação, mas estamos superestimando “nossa variável” porque somos uns megalomaníacos incorrigíveis (sem contar o apoio dos espertalhões). Temos certeza de que somos o supra-sumo da criação(?), temos Deus(?) a nosso favor(?), somos capazes de salvar o planeta(?) ou acabar com ele de vez(?). Somos capazes de mudar o clima global com a nossa presença(?). Somos capazes de empurrar, chutar o planeta para uma era de aquecimento(?), que será seguida de uma glaciação(?). Quanta pretensão a nossa! Na verdade, somos o nosso maior problema. Nós não oferecemos nenhuma ameaça grave à existência deste Planeta. Somos ameaça grave, gravíssima, sim, à nossa própria existência. E quando se diz “salvar o planeta”, entenda-se “salvar a nós mesmos” com a maior dose de egocentrismo possível, pois nós nos consideramos como o próprio planeta. Comparando com a idade geológica da Terra e da grande maioria das espécies, ou a classe dos mamíferos, nossa espécie chegou aqui há pouquíssimo tempo, no último minuto, e queremos ser “os donos da bola” e estabelecer as regras do jogo.
E isso vai continuar assim, pelo menos enquanto a Terra não “se aborrecer” com a nossa presença e não nos transformar em fósseis de dentes arreganhados feito os Dinossauros. Vejam que para isso basta UM ÚNICO “sacolejo”. E nós crentes que a ameaçamos – provocação é diferente de ameaça – Ela, sim, ao mesmo tempo que nos oferece as condições básicas de sobrevivência, nos oferece também diversas possibilidades, potencialíssimas, de acabar com a nossa raça.
Se fôssemos mais humildes, mais racionais e menos fantasiosos, talvez pudéssemos divisar a verdadeira dimensão de nossa pequenitude, respeitar, de verdade, os ciclos da Natureza, viver melhor e, quem sabe, ser “grandes” de verdade, e até arriscar uma proposta menos sombria em relação ao nosso futuro.

Adendo (No Divã do Geófagos)

Sobre o texto de ontem, resolvi ser um pouco mais claro com relação ao “elemento ligante” entre a mensagem do texto e a “autoridade” citada, a título de exemplo, no terceiro parágrafo.
O fato é que o cidadão demonstrou, naquela ocasião, desconhecer a real dimensão de sua atividade profissional, intimamente ligada à Pesquisa, Ensino e Extensão, pilares das universidades federais brasileiras, sinalizando certo despreparo para ocupar os cargos que ocupava. Demonstrou desconhecer os objetivos norteadores da Ciência, os objetivos norteadores de sua profissão e, também, desconhecer o Brasil e suas múltiplas faces. Falha do “Sistema” que o colocou lá? Pode ser! De qualquer forma, tais fatos são bastante desqualificadores.
Enquanto profissionais, precisamos estar preparados para ocupar determinados cargos. E este preparo vai além da Academia (longe da militância e das ideologias partidárias). Precisamos conhecer verdadeiramente nossa realidade, nossa profissão e a realidade do lugar em que vivemos. Na prática, é a diferença que faz de um Político um Estadista.

No Divã do Geófagos: o Geófagos também é terapia!

Nosso amigo Manuel, que muito nos honra com sua presença constante no Geófagos, muito apropriadamente qualificou de “peregrinação” as minhas andanças dos últimos tempos. Já fiz outras peregrinações além destas últimas. Sinto-me razoavelmente qualificado para falar deste assunto.
Tenho visto, entre colegas e professores das universidades, pessoas que desconhecem a realidade do Brasil, desconhecem as carências, as dificuldades que os brasileiros mais humildes enfrentam. Podem até ter alguma informação a respeito, mas não esbarraram com isso na prática. Existe um importante Brasil rico, de que falei no texto passado, mas existe outro, o Brasil carente, que conheço e reconheço ao longo de minha vida.
No início de minha pós-graduação eu assistia a um excelente seminário de um grande amigo nosso, pessoa muitíssimo cara ao Geófagos. Ele falava sobre os fitólitos, assunto interessante, curioso e de grande relevância acadêmica em diversas áreas. Uma “autoridade” do Departamento de Solos da UFV questionou-o sobre a “aplicação social prática” de seu estudo. Eu esperei impacientemente que alguém da platéia lhe desse (à “autoridade”) uma resposta à altura. Havia gente gabaritada para isso lá. Eu era um “calouro” ali naquele momento. Não me manifestei, embora todos os Anjos e Demônios que me acompanham me impelissem para isso. Eu tinha, e tenho, a dizer àquela “autoridade” que ela nos apontasse uma, apenas uma “aplicação social prática” da Teoria da Relatividade, da Teoria da Evolução, entre outros tantos exemplos, como o Raio Laser, que quando foi inventado dizia-se que era uma solução sem problema (isso é histórico). Nada pode pautar a Ciência, exceto a ética, mesmo assim, em alguns poucos casos onde isso se faz necessário. A Ciência pode, e deve, colaborar nas questões sociais, mas quem tem o dever de resolvê-las é a administração pública, é o setor político-administrativo, são os Três Poderes da República no Brasil.
Estou tecendo este comentário porque estive com estes dois Brasis nesta minha atual peregrinação. Mas esta não é a primeira vez que os encontro. Minha biografia e meu currículo lattes mostram e confirmam isso.
Recomendo aos amigos, colegas e aos simpatizantes do Geófagos, que não percam a oportunidade de conhecer o Brasil. Aproveitem uma de suas férias e viajem de ônibus pelo Brasil afora, não fica caro. Repito, não pode ser de avião ou automóvel, é preciso viajar de ônibus, preferencialmente nos mais humildes, de localidades distantes, para encontrar e reconhecer o Brasil de que falo.
No meu retorno de Jataí, em Goiás, para Viçosa, viajei no Gontijo 11240, linha de Porto Velho a Mantena. Recomendo também o Expresso Linhares, de Jaboticatubas, na Serra do Cipó, ou a Viação Araguarina de Goiás. Tais viagens serão muito proveitosas se forem realizadas como complemento ao melhor dos exercícios, que é trabalhar com Extensão Rural em municípios com menos de 10.000 habitantes.
A peregrinação voluntária, em busca de sabedoria, pode nos ajudar muito. Pode ajudar a ponderar nossas atitudes pessoais e ponderar o exercício de nossa vida profissional. Mas tenha cuidado. O seu “Caminho de Santiago de Compostela” só terá validade se você estiver atento ao que busca. Senão você pode sair de lá pior do que quando entrou!

Categorias