Leituras recomendadas
Este post no blog Futurismic relata a publicação de pesquisas relacionando períodos de secas nas regiões de monsões, na Ásia, com a queda de dinastias chinesas, ótima leitura. Ainda sobre mudanças climáticas, embora um pouco desatualizada, há no Futurismic esta excelente entrevista com o escritor de ficção científica Kim Stanley Robinson. Embora seja geóloga, a Claudia Chow dá uma excelente consultoria agronômica, além de divulgar ciência primorosamente, neste post. Por falar em divulgação científica, há uns textos que desejaríamos ter escrito, de tão bons. É o caso deste post do Carlos Hotta sobre aspirinas tamponadas, esclarecedor. Boas leituras.
Entrevista com a Paula Signorini
Nossa colega de Lablogatorios, a Paula Signorini, do Rastro de Carbono será entrevistada amanhã, sábado dia 08/11, na Rádio CBN, a partir das 13:30h, horário de Brasília. Paula escreve principalmente sobre meio-ambiente e a influência da sociedade moderna nas mudanças climáticas globais. Recentemente ela, junto com Claudia Chow, do Ecodesenvolvimento, increveram-se no Concurso Miss Blog Brasil, fato que também documentamos. Temos certeza que Paula representará excelentemente as blogueiras e os blogueiros de ciência em língua portuguesa na entrevista e torcemos para que haja oportunidade para uma propaganda dos Lablogatórios. Certamente estaremos de ouvidos atentos na hora da entrevista.
A natureza da irresponsabilidade ou A ignorância infinita de Palin
Ainda não tivemos oportunidade de congratular o povo americano pela mundialmente desejada eleição do candidato democrata Barack Obama à presidência dos Estados Unidos. Aproveitamos para fazer isto agora. Esperamos, como a maior parte do mundo, que a política destrutiva americana seja revertida, que os ideais iluministas que guiaram a fundação daquela nação pelos “founding fathers” sejam não apenas relembrados, mas retomados. Enfim esperamos que o novo presidente e o povo americano conscientizem-se que o mundo não é o playground de empresas e donos de poços de petróleo e de que as mudanças climáticas globais são um fato científico e não palavras de ordem vazias de uma esquerda liberal anti-americana, o que quer que isto signifique. O mundo emocionou-se não apenas com a vitória de Obama mas também com a dignidade do derrotado McCain. Um belo discurso de reconhecimento da vitória de Obama ele fez, realmente tocante. Mas, sinceramente, o risco a que McCain expôs o mundo, ao escolher Sarah Palin como candidata a vice é quase imperdoável. Palin é quase um arquétipo do ultrarreligioso fundamentalista americano, uma pessoa cuja visão estreita do mundo não pode ser imputada apenas à educação deficiente, mas também a uma inteligência limitada, talvez de cunho genético. Sua ignorância é de agora em diante proverbial. Ontem um jornalista americano revelou que a quase vice-presidente da nação mais influente do mundo desconhecia que a África era um continente! Acreditem nisso, ela achava que a África era um país, esta pessoa que se dizia gabaritada para a política externa porque governara um estado próximo à Rússia. Vejam por si mesmos:
É um absurdo. Foi sem dúvida uma irresponsabilidade digna de um republicano herdeiro de Bush expor o mundo a tal indizível risco.
Sucesso!
Há pouco mais de um mês resolvi “instalar” no Geófagos o Site Meter, um contador de acessos ao blog. Nas outras encarnações do Geófagos também acompanhava o acesso às páginas com este contador e, naquelas vivências, nunca conseguimos registrar mais do que 250 acessos diários. Qual não foi minha satisfação ao notar que estávamos atingindo, nesta fase Lablog, mais de 600 acessos diários durante a semana, um pouco menos nos fins de semana. Nos últimos três dias tivemos mais de 700 visitas diária. Resumidamente, no último mês recebemos mais de 15.000 visitas, o que tem nos deixado extremamente satisfeitos e inspirados a melhorar sempre a qualidade de nossos posts. Ainda sentimos que os leitores interagem pouco com o blog, comentando raramente os posts, embora isto também tenha melhorado. Não temos dúvida de que, além da qualidade do blog, o ótimo trabalho de divulgação dos Lablogs pelo Carlos Hotta e pelo Átila Iamarino contribuíram bastante para este aumento na leitura e visitação do Geófagos. Agradecemos a todos.
O dever constitucional de defesa do ambiente pelos cidadãos brasileiros
Aproveitando a onda gerada pelo meu último post, resolvi chamar a atenção dos nossos leitores para uma obrigação constitucional por tantas vezes esquecida. Costumeiramente observamos o brasileiro atribuindo aos governos responsabilidades por diversos fatos cotidianos. Com as questões ambientais não é diferente. Diversas vezes observamos reclamações entre pessoas próximas com relação a depósitos irregulares de lixo, materiais de construção, poluição sonora, poluição hídrica, veículos em situações irregulares, entre outros. No entanto, por tantas e tantas vezes, essas reclamações se restringem a uma rápida conversa ou mesmo a um “estresse momentâneo”. Passado aquele momento de revolta, simplesmente retomamos nossa rotina, como se nada houvesse acontecido. É assim também para outros assuntos como política, educação, saúde pública, enfim, para acontecimentos comuns do nosso dia a dia. Resumo tal situação em poucas palavras, e não tenho medo de proferí-las, o brasileiro é um ser comodista. Comodismo esse, que, por diversas vezes se dá de maneira irresponsável. É muito mais fácil “deixarmos pra lá” do que tomarmos alguma atitude. Entretanto, alguém já parou pra pensar quantas vezes nossa omissão já gerou prejuízos para outras pessoas? Ao invés de reclamarmos ou atribuirmos a culpa das mazelas cotidianas aos governos deveríamos, inicialmente, nos informar sobre nossas obrigações legais. No Brasil, os princípios legais supremos são atribuídos pela constituição federal de 1988. Em se tratando de assuntos ambientais, a carta magma brasileira trata em seu artigo 225 dos direitos e deveres dos diversos setores da sociedade. O referido artigo diz que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum e essencial à qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações“. Diversas colocações podem ser feitas a partir do texto desse artigo, mas um, em especial, se enquadra no enfoque desse post. O referido artigo atribui não só ao poder público, mas também à coletividade o dever de defender e preservar o ambiente. Portanto, todas as cobranças presentes em diversos textos publicados e relacionados ao ambiente não são somente coisa de “ecochatos” ou algo parecido. Elas também são fruto de uma obrigação constitucional. Cada vez que nos omitimos, não cumprimos nosso dever constitucional. Acredito ainda, que o fato mais importante a se colocar aqui é que a obrigação se apresenta muito mais ampla do que a simples preservação do ambiente. Usar racionalmente os recursos naturais, não dispor resíduos de maneira inadequada, respeitar as restrições ambientais, manter veículos funcionando dentro das normas ambientais de emissões de ruídos e atmosféricas, entre outros, são sim obrigações, no entanto, não são as únicas. Também é nossa obrigação a defesa do ambiente. Sendo assim, denunciar atos lesivos ao ambiente também refletem uma obrigação constitucional. Obviamente, quando do cumprimento dessa última, devemos fazê-lo pelo acionamento dos órgãos responsáveis, que apresentam Poder de Polícia. Tudo deve ser feito dentro da legalidade, por meio da ação dos mecanismos disponíveis. Portanto, é necessário e nossa obrigação ficarmos atentos aos fatos que nos cercam, agindo como cidadãos conscientes, tanto nos nossos atos cotidianos quanto, quando necessário, na denúncia de atos abusivos ao ambiente.
Carlos Pacheco
Novo capitalismo?
Encontrei o seguinte manifesto no blog do escritor português e ganhador do Nobel de literatura, José Saramago. São palavras de enorme lucidez e tomo a liberdade de copiá-las integralmente aqui. Merecem ser atentamente lidas:
“Novo capitalismo?”
Chegou o momento da mudança à escala pública e individual. Chegou o momento da justiça.
A crise financeira aí está de novo destroçando as nossas economias, desferindo duros golpes nas nossas vidas. Na última década, os seus abanões têm sido cada vez mais frequente e dramáticos. Ásia Oriental, Argentina, Turquia, Brasil, Rússia, a hecatombe da Nova Economia, provam que não se trata de acidentes conjunturais fortuitos que acontecem na superfície da vida económica mas que estão inscritos no próprio coração do sistema.
Essas rupturas, que acabaram produzindo uma contracção funesta da vida económica actual, com o argumento do desemprego e da generalização da desigualdade, assinalam a quebra do capitalismo financeiro e significam o definitivo ancilosamento da ordem económica mundial em que vivemos. Há, pois, que transformá-lo radicalmente.
Na entrevista com o presidente Bush, Durão Barroso, Presidente da Comissão Europeia, declarou que a presente crise deve conduzir a uma “nova ordem económica mundial”, o que é aceitável, se esta nova ordem se orientar pelos princípios democráticos – que nunca deveriam ter sido abandonados – da justiça, liberdade, igualdade e solidariedade.
As “leis do mercado” conduziram a uma situação caótica que levou a um “resgate” de milhares de milhões de dólares, de tal modo que, como se referiu acertadamente, “se privatizaram os ganhos e se nacionalizaram as perdas”. Encontraram ajuda para os culpados e não para as vítimas. Esta é uma ocasião única para redefinir o sistema económico mundial a favor da justiça social.
Não havia dinheiro para os fundos de combate à SIDA, nem de apoio para a alimentação no mundo… e afinal, num autêntico turbilhão financeiro, acontece que havia fundos para que não se arruinassem aqueles mesmos que, favorecendo excessivamente as bolhas informáticas e imobiliárias, arruinaram o edifício económico mundial da “globalização”.
Por isto é totalmente errado que o Presidente Sarkozy tenha falado sobre a realização de todos estes esforços a cargo dos contribuintes “para um novo capitalismo”!… e que o Presidente Bush, como dele seria de esperar, tenha concordado que deve salvaguardar-se “a liberdade de mercado” (sem que desapareçam os subsídios agrícolas!)…
Não: agora devemos ser resgatados, os cidadãos, favorecendo com rapidez e valentia a transição de uma economia de guerra para uma economia de desenvolvimento global, em que essa vergonha colectiva do investimento de três mil milhões de dólares por dia em armas, ao mesmo tempo que morrem de fome mais de 60 mil pessoas, seja superada. Uma economia de desenvolvimento que elimine a abusiva exploração dos recursos naturais que tem lugar na actualidade (petróleo, gás, minerais, carvão) e que faça com que se apliquem normas vigiadas por uma Nações Unidas refundadas – que envolvam o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial “para a reconstrução e desenvolvimento” e a Organização Mundial de Comércio, que não seja um clube privado de nações, mas sim uma instituição da ONU – que disponham dos meios pessoais, humanos e técnicos necessários para exercer a sua autoridade jurídica e ética de forma eficaz.
Investimento nas energias renováveis, na produção de alimentos (agricultura e aquicultura), na obtenção e condução de água, na saúde, educação, habitação… para que a “nova ordem económica” seja, por fim, democrática e beneficie as pessoas. O engano da globalização e da economia de mercado deve terminar! A sociedade civil já não será um espectador resignado e, se necessário for, utilizará todo o poder de cidadania que hoje, com as modernas tecnologias de comunicação, possui.
Novo capitalismo? Não!
Chegou o momento da mudança à escala pública e individual. Chegou o momento da justiça.
Federico Mayor Zaragoza
Francisco Altemir
José Saramago
Roberto Savio
Mário Soares
José Vidal Beneyto
Avanço do nível do mar no litoral brasileiro
Há alguns meses atrás tive a oportunidade de visitar duas regiões por mim já conhecidas, uma no litoral sul e outra no litoral norte do estado do Espírito Santo. Fiquei chocado com o que vi. O nível do mar subiu absurdamente nos últimos cinco ou seis anos, desde a minha visita anterior. Fiquei curioso com aquela situação e fotografei com a finalidade de documentar o acontecido. Ao mesmo tempo fiquei chateado por, no passado, não ter tomado a mesma atitude pois a documentação e a comparação das duas épocas seria de grande valia. A verdade é que observei estradas, residências, hotéis e pousadas, todos à beira mar, sendo consumidas pela força das marés, que ao meu ver, estariam ganhando força ao longo do tempo. Procurei então uma forma de explicar esse fenômeno, afinal, não é comum em tão curto período observar-se mudanças tão drásticas em se tratando de meios naturais. Lembrei-me logo do tão falado aumento dos níveis do mar devido ao aquecimento global, no entanto, tal hipótese era muito improvável pois espera-se que tais desastres naturais advindos desse fenômeno global aconteçam a longo prazo. Entretanto, para minha surpresa, assistindo ao Jornal Nacional de sábado, 01/11/2008, vi uma reportagem tratando de pesquisas realizadas pela Universidade Federal da Paraíba que concluiram que, a degradação e represamento dos rios Paraibanos eram os grandes responsáveis pelo avanço do mar sobre o continente daquele estado. A explicação é fácil de ser entendida. Menos água transporta menos sedimentos. Esses últimos são os principais responsáveis pelos depósitos de areia que formam as praias. A presença de maiores quantidades de areias equivale a praias maiores, que por sua vez, impedem o avanço do nível do mar sobre o continente propriamente dito. No entanto, com a reduzida chegada de sedimentos, a reposição de areia nas praias tem sofrido uma sensível redução, tornando o balanço entre chegada e retirada (via mar) negativo. Ou seja, está se perdendo mais areia para o mar do que o rio é capaz de repor. Dessa forma, a dinâmica tem sido alterada graças à degradação dos rios e o mar tem ganhado força, destruindo paisagens continentais importantes naquela região. Logo me lembrei de diversos outros casos semelhantes registrados na literatura, alguns deles no próprio litoral brasileiro, como aquele ocorrido na foz do Rio São Francisco, entre os estados de Sergipe e Alagoas. O avanço do nível do mar nesse caso tem produzido, além da destruição de paisagens continentais, também a intrusão de água salgada na calha do rio, tendo efeitos importantes na dinâmica daquele ecossistema. Portanto, a hipótese mais provável dos casos por mim citados no início desse texto é que a degradação dos cursos d´água que banham aquela região estejam comprometendo toda a dinâmica do ciclo hidrológico. O resultado então é o avanço do nível do mar causando prejuízos consideráveis à população e ao ambiente. Corrobora com essa hipótese uma das principais bacias hidrográficas que tem sua foz no estado do Espírito Santo, que é a do Rio Doce. Quem conhece essa bacia sabe que ela é uma das mais degradadas do território brasileiro, com índices de assoreamento assustadores. É necessário revermos nossos conceitos imediatamente. Não tenho dúvidas que um dos principais causadores de tais fenômenos é o desperdício. Quantos e quantos de nós ainda hoje tomam banhos demorados, esquecem as torneiras abertas, lavam calçadas com quantidades abundantes de água, entre outros. Fica o alerta, ou mudamos nossas atitudes ou sofremos as consequências de nossos atos.
Carlos Pacheco
Vocêé seu fator de impacto
O editor de um periódico científico do qual sou assinante recentemente enviou, creio que para todos os sócios, um e-mail no mínimo curioso. Na mensagem ele informava sobre uma série de mudanças que precisariam ser feitas em relação à política de publicação de artigos na revista e depois explicava, detalhadamente, as razões das mudanças: como o periódico passara a ser classificado recentemente como de nível “A Internacional” o número de artigos submetidos e publicados aumentos vertiginosamente. No entanto, como o número de citações dos artigos publicados não acompanhou o ritmo do número de artigos publicados, o dito periódico corre agora o risco de perder a classificação de A Internacional. Vejam bem, teoricamente a qualidade da revista é tão boa que a permitiu ser classificada entre as melhores do mundo na área, mas devido a um artefato aritmético qualquer, sem que tenha havido mudança observável na qualidade da revista, pelo contrário, há a ameaça de “descer do pódium”. É cisma minha, ou este sistema de classificação é, no mínimo, falho. Permitam que eu use o termo que realmente desejo: é um sistema burro, estúpido. Estamos nos tornando escravos de números.
Qualquer um que, como eu, saiu de uma árdua pós-graduação e agora sofre para conseguir um emprego conhece uma outra face desta escravidão: as coisas ficam muito mais difíceis se não houver, em nosso geralmente minguado currículo, um número expressivo de artigos publicados. Não se faz, comumente, nenhuma exigência especial quanto à qualidade dos mesmos, o que se quer é quantidade. Claro, com a criação dos tais fatores de impacto, em teoria tenta-se medir indiretamente a qualidade de um artigo pelo número de citações ao mesmo – ainda assim, a grande ênfase é nos números. Por que, então, se utilizam estes indicadores? Respondo da forma que considero a menos hipócrita possível: porque os americanos disseram que era para se utilizar e nós somos cultural e cientificamente subservientes. Sim, em sua mania de reduzir tudo a cifras, imaginam que a qualidade está do lado de quem produz muito: sem exagero, é a mesmíssima coisa que considerar que Harold Robbins ou Sidney Sheldon são melhores escritores que J. D. Salinger ou que Cervantes porque os dois primeiros produziram muito mais, é um absurdo, é idiota. De quem seriam os maiores fatores de impacto?
O pior é que o sistema encoraja a procriação de artigos científicos que em nada contribuem para a ciência, nada acrescentam, que jamais serão lidos ou citados. Quem, no meio, desconhece a tal “multiplicação dos pães”, a virtual geração espontânea de artigos a partir de dados esquálidos? Quem lê a Nature ou a Science tem acompanhado a avalanche de casos de fraudes e plágios de artigos gerados, não tenho dúvidas, pela pressão em publicar. Aqui mesmo no Brasil tivemos um fato recente em São Paulo. Antes de conseguir minha atual bolsa, concorri a uma bolsa de pós-doutorado em Minas pensando em ter tempo para publicar alguns artigos, mas não consegui porque não tinha suficientes artigos publicados, e não sou caso isolado. Serão os pesquisadores de hoje mais desonestos do que os de outras épocas? Sinceramente não creio, mas há uma pressão inexplicável pela geração de artigos. Alguém já percebeu que se se der ênfase demais a este tipo de coisa, por exemplo na escolha de professores universitários, a qualidade de ensino pode cair? Qual a ênfase que está sendo dada a bons professores, com boa didática, com valores outros que não apenas ter um espesso currículo? Eu tive professores na universidade que mal sabiam se expressar com frases de mais de três palavras, mas publicavam horrores.
Será que somos tão incompetentes que não podemos pensar em formas mais eficientes de se avaliar a qualidade de um acadêmico que não seja a que o chefe mandou usar? Não me venham com a conversa de que este é o sistema, que temos de nos adequar. Na primeira parte deste post mostrei o que acontece quando tentamos nos adequar demais. A blogosfera também se torna escrava de números e fatores de impacto: google pagerank, rank Technorati, acessos diários. Não é preciso ser ingênuo para saber qual blog terá melhores indicadores, o nosso ou um de download de filmes pornô? Há algum tempo li um ScienceBlogger comentar que o número de acessos de seu blog subiu estratosfericamente porque escreveu um post em que citava Britney Spears. Nenhuma mudança de qualidade aqui tampouco. Será pedir demais que enfatizemos a qualidade antes da quantidade? Nosso fator de impacto dirá tudo sobre nós?
O fascínio da Ciência (ou Desaprendendo para ensinar)
Entre os que defendem a visão científica do mundo como a forma mais eficaz para realmente explicar o universo e todo o resto, é comum utilizarmos como argumento o fato de o conhecimento científico não ser estático, dogmático, ao contrário de outras formas de interpretação da realidade. Em meu próprio campo de estudo, acabo de esbarrar, esta é a palavra mais apropriada, com algo do tipo. Entre minhas atribuições como bolsista PRODOC-Capes está a de ministrar aulas. Estou atualmente responsável pela disciplina de Matéria Orgânica do Solo na pós-graduação e, previsivelmente, preciso ler muito para oferecer o que há de mais atual na literatura científica sobre o assunto. Quando estudei comecei a me familiarizar com as pesquisas sobre decomposição da matéria orgânica do solo, lá pelos idos do começo do milênio, foi-me ensinado que uma das variáveis mais importantes no controle da decomposição era a razão entre conteúdo de carbono e conteúdo de nitrogênio de um composto orgânico, conhecida como relação C/N: quanto maior esta relação, mais carbono em relação a nitrogênio, mais difícil de se decompor o material, maior a imobilização de nitrogênio pelas células microbianas, o que poderia afetar negativamente a nutrição vegetal. Melhor do que a relação C/N como indicadora de qualidade do material orgânico, aprendi então, era a relação lignina/N: a relação C/N era muito geral e não indicava exatamente quais compostos carbonáceos eram mais resistente à decomposição, a relação lignina/N já refinava a coisa, ao considerar que os compostos ricos em lignina eram os mais resistentes, afetando mais diretamente a capacidade decompositora dos microrganismos. Estava eu ontem me preparando para uma aula sobre nitrogênio no solo a ser dada amanhã, quando encontro este recente trecho de um texto sobre o assunto, de autoria do cientista do IAC, Heitor Cantarella: “A relação lignina/N também tem sido usada como um indicador para a mineralização de substratos orgânicos, porém a relação C/N tem se mostrado mais útil para tal” e cita uma quantidade de artigos recente apoiando a afirmação. As implicações desta mudança de visão não são pequenas: é necessário reavaliar-se práticas de manejo do solo visando não só a nutrição de plantas como o sequestro de carbono em solos tropicais. Senti-me irremediavelmente ultrapassado, mas não. Isto é a ciência em funcionamento, saudável funcionamento: fatos mais recentes e conclusivos desdizem o que antes se acreditava, oferecendo uma perspectiva mais confiável, possivelmente, dos processos naturais. Que outra forma de interpretação do mundo permite isso? O dogmatismo religioso, talvez?