Rapidinha: alguém me explica, por favor?
Como pode uma panela ser “ecologicamente saudável”? Isso pelo menos faz algum sentido?
Tirando o caso de que dos sete itens do campo “composição” apenas três são realmente composicionais (e, desses três, dois não tendo significado algum por serem caracterizados apenas através de nomes de marcas arbitrárias e não-descritivas) e o irritante fato de que, ao clicar no “clique aqui para ampliar a foto”, a imagem na verdade diminui (negrito para simular minha irritação), como pode uma panela alegar que emite menos CO2 (sic) e é ecologicamente saudável?
Eu até queria comprar uma frigideira antiaderente (estou pensando em uma de titânio, que na verdade não é de titânio mesmo, mas de alumínio, cerâmica, magma e “bolsas de ar“), mas agora fiquei preocupado com a minha saúde ecológica.
Só sei que, com certeza, não vai ser uma Brinox.
Como fugir da carinhosa brutalidade do casal de PhDs
Se você não faz ideia do que signifique o título, sugiro que leia o enigma publicada semana passada, tenta resolver e, só então, volte aqui para ler a resposta.
Iniciando do começo, visando preservar sua saúde mamilar (já que sua sanidade mental não tem mais conserto neste ponto), você tem quarenta fotografias com dez viradas para cima e trinta para baixo. Segundo o enunciado, sem poder enxergar “você terá que separar as fotografias de modo que tenha dois montinhos com precisamente o mesmo número de imagens à mostra”. Lembrando que zero também é um número, existe uma forma de resolução que funciona com qualquer número de itens acima de um: em um monte, você separa os número que foi dado (dez, neste caso) e, em seguida, vira tudo naquele monte.
Desta forma, se todas as fotos estavam para cima, todas ficaram para baixo, resultando em zero dos dois lados. Se nenhuma estava do lado certo, ao virar ao contrário, todas ficarão, deixando dez de cada lado, satisfazendo as condições impostas. Testem as outras combinações e notem como funciona com qualquer uma (e, novamente, com qualquer valor: trinta e oito no total com sete para cima; dezoito total, três para cima; mil, setecentos e um total, mil e setecentos para cima; etc).
Alternativamente, se a questão fosse “separar as fotos em duas pilhas com exatamente o mesmo número delas virada para baixo“, bastaria inverter a pilha contendo trinta, já que este foi o número dado como já tendo as fotos para baixo.
Na fase subsequente, basta criar um paradoxo. A resposta mais contextual seria afirmar que você jamais precisará de manicure novamente (“terei minhas unhas separadas das falanges por uma finíssima cunha metálica”). Se eles o fizerem, sua frase terá se tornado uma verdade, o que os forçaria a cumprir as próprias condições (lembre-se, eles são um psicólogo e um economista, dois seres infindavelmente lógicos) e recriar sua topologia pudenda. O que faria da sua frase uma mentira, os forçando a repetir o ciclo.
Ficando eles sem escolha, chegamos ao revólver. Aqui, você só pode torcer para que as leis estatísticas esteja de bom humor e sorriam para você.
Mas, como a sorte vem para os que estão preparados, você pode aumentar um pouquinho suas chances.
O negócio é o seguinte: se as duas balas estão encostadas e a primeira tentativa não resultou em um tiro na sua cabeça, sem mexer novamente no tambor a única bala que pode ser acionada é a primeira. Logo, podemos considerar ambas como uma só entidade, deixando o tambor com cinco espaços possíveis. Um já foi testado, deixando sobrar quatro; três deles certamente vazios e um (representado pela primeira bala) acionável explosivamente (a segunda bala não entra nesta conta porque ela não está disponível, pois para a sua situação, só interessa o primeiro tiro).
Você tem três chances em quatro, ou 75%.
Se o tambor for rodado novamente, a Sra. Aleatoriedade volta a tomar conta e você passa a ter quatro chances em seis, ou duas em três, ou 66%. Não é uma garantia de que você vai sobreviver, mas já que não existe uma terceira opção, é melhor optar pelo gatilho simplesmente ser puxado mais uma vez.
13% a mais pode parecer pouco, mas numa situação assim é melhor que nada.
Eduardo acertou a segunda etapa mas escorregou na resposta da terceira, bem como Danillo.
Apenas Beto acertou as três. Parabéns!
Fuja! Ou morra… de amor (!?)
Digamos que um salafrário casal sadô-masô amarrou você a uma cadeira, com uma brutalidade particularmente carinhosa, e concluiu que você se daria a um excelente recheio de dor e prazer.
Enquanto você é sanduichado pelo par, que se abraça ao seu redor, asperamente afaga sua privacidade e mordisca seu brio, eles divisam uma situação que lhes causaria tão agradável sofrimento em que você escaparia de suas grosseiras carícias (e uma provável cova rasa encimada por sais de potassa).
Como obviamente eles vendaram você visando amplificar o prazer de todos os envolvidos (o deles, ao aumentar o seu nível de estresse; e o seu, impedindo que você repare nos brinquedinhos ao seu redor), a ideia revolve ao redor de jogos que podem ser resolvidos às cegas.
Já que ambos contam com doutorados, sendo um em psicologia cognitiva experimental e outro em macroeconomia social, eles conhecem intimamente o valor dos incentivos. Para que você não se desanime durante sua tarefa inicial, para cada tentativa que resultar em falha, uma sexy eletrocussão lhe atravessará o peito, partindo de seus mamilos (o que eles esperam que aumente sua avidez em continuar tentando até o máximo que suas terminações nervosas possam suportar), devidamente conectados com garras-jacaré.

Calma, não é esse tipo de tortura. Para tudo há limites.
A primeira parte do suplício recreativo, eles contam: “No Sybian à sua frente há quarenta fotografias dos resultados das nossas aventuras com parceiros com menor integridade intersticial do que esperamos que você tenha. Dez delas estão viradas com as chocantes imagens para cima, enquanto as outras trinta estão ao contrário, escondendo os horrores excitantes que retratam. Para que evite a ausência de elétrãos livres em suas papilas mamárias, ao desamarrarmos suas mãos e ainda com os olhos obscurecidos pela mais fina seda, você não deve obter sucesso em separar as fotos em duas pilhas com exatamente o mesmo número delas virada para cima.”
Após desfiar essa cadeia labiríntica de negativas (e alguns choques experimentais), você percebe que, para o seu bem (suponho, afinal nunca posso ter certeza das preferências dos meus leitores), você terá que separar as fotografias de modo que tenha dois montinhos com precisamente o mesmo número de imagens à mostra, e terá que fazer isso sem ver qualquer uma delas.
Vale salientar neste ponto que, a menos que você seja O Demolidor, elas também são indistinguíveis por tato. Sua inteligência, e não seus sentidos, deverão ser usados.
Caso consiga vencer a primeira provação, e retirando qualquer dúvida sobre a preferência por negativas desnecessárias, eles prosseguem: “agora, para não sofrer mais, você precisará mentir se quiser ter suas unhas separadas das falanges por uma finíssima cunha metálica, ou dizer a verdade para que sua genitália ganhe uma decoração inédita.”
Aqui, apesar da sua pulsação descontrolada e as temíveis conclusões que sua imaginação insiste em mostrar vividamente, existe uma forma de evitar onicoptose adquirida ou genitosquise involuntária.

Eu chamo o meu de "um cidadão, um voto".
Conseguindo transpor aquele temeroso obstáculo, vem a última e mais arriscada etapa desta amorosa tortura e que é responsável pela maioria das fotos que você, infelizmente, precisou tocar e que agora contam com as suas impressões digitais.
Mas não se preocupe com isso no momento, você precisa se concentrar.
FOCO!
Um revólver aparece em cena. Este comporta até seis balas mas o Casal 20 (eles representam o 2 e o 0 é você), num simbolismo macabro do amor(daçado) eterno que os une, usa apenas duas balas e, continuando a abstrusidade da metáfora pouco apropriada, as colocam em câmaras adjacentes do tambor, como nas covas cilíndricas em que o inseparável casal doentio espera ser inumado.
A seguir, eles giram o tambor e, antes que o movimento cesse por completo, a arma é travada e o gatilho é acionado, com a boca do cano experientemente apontada para a sua têmpora esquerda.
Nada acontece. A câmara estava vazia e a agulha acertou apenas ar.
E eis que aqui finalmente chegamos no fim da linha.
A proposta derradeira é esta: eles podem simplesmente puxar o gatilho novamente ou repetir a rotação do tambor e, só então, tentar mais um tiro na sua cabeça. Se você não virar o quadragésimo primeiro retrato da coleção, você pode traumatizadamente e sem ressentimentos ir embora.
O que você escolhe? É melhor tentar a próxima câmara do revólver ou restaurar a condição aleatória inicial?
A boa (e curta) vida
O texto a seguir foi escrito por Dudley Clendinen e publicado no New York Times em julho de 2011 e trata da autonomia de um paciente terminal.
A tradução foi feita por mim, sem permissão.
—
Eu tenho amigos maravilhosos. Neste último ano, um me levou para Istambul. Um me deu uma caixa de chocolates artesanais. Quinze deles fizeram dois excitantes e pré-póstumos funerais para mim. Vários assinaram cheques grandes. Dois me enviaram uma caixa com todas as cantatas sacras de Bach. E um, do Texas, pôs a mão no meu ombro emagrecido e pareceu estudar o terreno onde estávamos. Ele tinha vindo me ver.
“Precisamos comprar uma pistola, não é?”, Ele perguntou em voz baixa. Para eu atirar em mim mesmo, ele queria dizer.
“Sim docinho,” eu disse, com um sorriso. “Precisamos”.
Eu o amava por isso.
Eu amo a todos eles. Tenho uma sorte imensa por ter a minha família e amigos, e minha filha, meu trabalho e minha vida. Mas eu tenho esclerose lateral amiotrófica, ou ELA, mais gentilmente conhecida como doença de Lou Gehrig, por causa do grande rebatedor Yankee e homem de primeira base, a quem foi dito que o tinha em 1939, e que aceitou o veredicto com tanta graça, morrendo menos de dois anos depois . Ele tinha quase 38 anos.
Às vezes eu a chamo de Lou, em sua homenagem, e porque o familiar parece menos ameaçador. Mas não é uma doença gentil. Os nervos e músculos pulsam e se contorcer e, progressivamente, morrem. Do lado de fora, parece a onda de teclas de piano nos músculos sob a minha pele. Por dentro, parece aquela ansiedade que dá frio do estômago, tentando sair. Ela começa nas mãos e nos pés e vai fazendo seu caminho para cima e para dentro, ou ela começa nos músculos da boca e da garganta e no peito e abdômen, e vai indo para baixo e para fora. A segunda maneira é chamada “bulbar”, e que é o jeito que acontece comigo. Nós não vivemos muito porque ela afeta a nossa capacidade de respirar logo no início e só fica pior.
No momento, para alguém com 66, eu pareço muito bem. Perdi 10 quilos. Meu rosto está mais fino. Eu até ouço alguns “Olá, bonitão”, de que gosto. Eu penso nisso como minha fase de cosméticos. Mas é difícil sorrir e mastigar. Estou com falta de ar. Eu engasgo muito. Eu soo como bêbado ofegante do lábio preso. Para um alcoólatra em recuperação, é realmente irritante.
Não há nenhum tratamento significativo. Não há cura. Existe uma medicação, Rilutek, o que pode fazer a diferença de alguns meses. É vendido por cerca de US $ 14.000 por ano. O que não me parece valer a pena. Se eu deixar a doença correr seu curso, com todo o carinho e apoio pessoal, medico e tecnológico que precisarei ter nos próximos poucos meses, ela vai me deixar, em 5 ou 8 ou 12 anos, uma múmia consciente, mas imóvel, muda, murcha e incontinente. Mantida por tubos de alimentação e de excreção e por máquinas de respiração e sucção.
Não, obrigado. Eu odeio dar trabalho. Eu não acho que vou ficar para ver a metade final de Lou.
Eu acho que é importante dizer isso. Nós somos obcecados neste país por coisas como comer, vestir, beber, achar emprego e um companheiro. Sobre sexo e filhos. Sobre como viver. Mas nós não falamos sobre como morrer. Agimos como se encarar a morte não fosse uma das maiores emoções da vida e um dos maiores desafios. Acredite em mim, é. Isto não é entediante. Mas temos de ser capazes de ver os médicos e máquinas, sistemas médicos e seguros, familiares e amigos e religiões como informativos – e não impositores -, a fim de sermos livres.
E esse é o ponto. Não se trata de uma doença em particular ou mesmo da morte. Isso é sobre a vida, quando você sabe que não resta muito. Essa é a bênção estranha de Lou. Não há como escapar e pouco a fazer. É libertador.
Comecei a perder a dicção em maio de 2010. Quando o neurologista me deu o diagnóstico em novembro daquele ano, ele apertou minha mão com um sorriso amarelo e me liberou para o frio, vazio e cinza estacionamento abaixo.
Era crepúsculo. Ele confirmou o que eu tinha suspeitado por seis meses de testes com outros especialistas à procura de outras explicações. Mas suspeita e certeza são duas coisas diferentes. Ali, de repente me bateu que eu ia morrer. “Eu não estou preparado para isso”, pensei. “Eu não sei se fico aqui, entro no carro, me sento nela, ou dirijo. Para onde? Por quê?” A confusão durou cerca de cinco minutos, e então me lembrei que eu tinha um plano. Eu tinha um jantar marcado em Washington naquela noite com um velho amigo, um estudioso e autor que estava se sentindo deprimido. Conversávamos muito sobre ele. Justo. Hoje à noite, eu aumentaria a aposta. Falaríamos sobre Lou.
Na manhã seguinte, percebi que eu tinha um modo de vida. Por 22 anos, tinha ido a terapeutas e reuniões dos alcoolicos anônimos. Eles me ajudaram a lidar com um alcoólatra gay que era. Eles me ensinaram a me manter sóbrio e saudável. Ensinaram-me que eu poderia ser eu mesmo, mas que a vida não era apenas sobre mim. Eles me ensinaram como ser um pai. E, talvez mais importante, eles me ensinaram que eu posso fazer qualquer coisa, um dia de cada vez.
Incluindo isto.
Estou, de fato, preparado. Isto não é tão difícil para mim como é para outros. Não é tão difícil como é para Whitney, minha filha de 30 anos de idade, e para minha família e amigos. Eu sei. Eu tenho experiência.
Eu era próximo da minha velha prima, Florence, doente terminal. Ela queria morrer, não esperar. Eu era legalmente responsável por duas tias, Bessie e Carolyn, e pela minha mãe, as quais teriam morrido de causas naturais anos antes se não por causa da tecnologia médica, sistemas bem-intencionados e mãos carinhosas e atenciosas.
Eu passei centenas de dias ao lado da mãe, segurando a mão dela, tentando contar-lhe histórias engraçadas. Davam-na banho, e fraldas, a vestiam e a alimentavam, e nos últimos anos ela olhava para mim, seu único filho, como olharia uma nuvem passageira.
Eu não quero essa experiência para Whitney – nem para quem gosta de mim. Protelar seria um desperdício colossal de amor e dinheiro.
Se eu optar pela traqueostomia que vou precisar nos próximos meses para evitar asfixia ou morte por pneumonia aspirativa, o respirador e os funcionários e um sistema de apoio necessário para manter-me vivo vai custar meio milhão de dólares por ano. Meio milhão do dinheiro de quem, eu não sei.
Eu prefiro morrer. Eu respeito os desejos de pessoas que querem viver tanto tempo quanto puderem. Mas eu gostaria o mesmo respeito para aqueles de nós que decidem – racionalmente – o contrário. Eu fiz minha lição de casa. Eu tenho um plano. Se eu pegar pneumonia, eu deixo ela me levar. Se não, existem aquelas outras maneiras. Eu só tenho que agir enquanto minhas mãos continuam funcionando: a arma, entorpecentes, lâminas afiadas, um saco plástico, um carro rápido, remédios, chá de oleandro (uma maneira educada do Sul), monóxido de carbono, mesmo hélio. Que me daria uma voz muito engraçada no final.
Eu encontrei um caminho. Não uma arma. Uma forma que é calma e tranquila.
Saber disso me conforta. Eu não me preocupo mais com alimentos gordurosos. Eu não me preocupo em ter dinheiro suficiente para envelhecer. Eu não vou envelhecer.
Estou tendo uma experiência maravilhosa.
Eu tenho uma filha brilhante, linda e talentosa que mora por perto, o presente da minha vida. Eu não sei se ela aprova, mas ela entende. Deixa-la é a única coisa que eu odeio. Mas tudo o que posso fazer é dar a ela um pai que era vigoroso até o fim e soube quando desistir. O que mais existe? Eu passo muito tempo escrevendo cartas e notas, e gravando as conversas sobre isso, que eu encaro como A Boa Vida Curta (e Terna Saída), para a WYPR-FM, a principal estação pública de radio em Baltimore. Eu quero quebrar o gelo, tornar mais fácil falar sobre a morte. Estou muito atrasado em minhas notas, mas as pessoas são incrivelmente pacientes e agradáveis. E convidativa. Eu tenho convites e mais convites.
No mês passado, um velho amigo me trouxe uma gravação dos maiores shows que ele já havia ouvido; Leonard Cohen, ao vivo, em Londres, há três anos. Música poderosa, etérea, escrita por um poeta, compositor e cantor, cuja vida tem sido tão dura e vigorosa como uma velha árvore.
A canção que me paralisou, palavras e música, foi “Dance Me to the End of Love”. Essa é a maneira que eu sinto ultimamente. Eu estou dançando, girando ao redor, feliz nos últimos compassos da vida que eu amo. Quando a música parar – quando eu não puder amarrar minha gravata borboleta, contar uma história engraçada, passear com meu cachorro, conversar com Whitney, beijar alguém especial, ou escrever linhas como estas – eu saberei que a vida acabou.
É hora de ir embora.
—
Dudley Clendinen é um ex-correspondente nacional e editorialista do The Times e autor de “Um Lugar Chamado Canterbury”.
Aprenda porque o ovo de chocolate é o símbolo da Páscoa
Chocolate, da mesma forma que o festival pagão do natal, representa o consumismo e a artificialidade.
Sem qualquer função social e sem representar qualquer papel no desenvolvimento humano (que não possa ser fácil e rapidamente explicados por outros fatores), o chocolate é uma construção artificial que alguns grupos continuamente tentam pintar como salutar, apesar de não apresentar qualquer benefício (apenas alguns deméritos) para o organismo e para a população.
É apenas uma falsa promessa vendida por grupos interessados que lucram diretamente com a venda desencadeada por propagandas ilusórias de algo que dá prazer imediato mas, se engolido inquestionavelmente, se torna prejudicial a longo prazo. Como os ilógicos dogmas religiosos.
A criação de um ovo proveniente de um mamífero não-monotremado representa a ignorante inocência cristã e o desdém religioso em relação à realidade, do tipo que chama baleia de peixe e morcego de ave em livros sagrados, mesmo estes tendo sido escritos sob uma suposta “inspiração divina”.
A idealização antropomórfica de um coelho senciente que sacrifica os próprios descendentes distribuindo seus fisiologicamente impossíveis ovos em uma época específica demonstra a falta de consistência interna e a absurdidade a qual são submetidos aqueles que crêem. Se a recompensa é eterna, por que ela aparece em prestações, uma vez por ano, em forma de fetos achocolatados de pseudo-roedores mágicos?
O espaço vazio pelo qual se paga e que deixa o ovo até dez vezes mais caro que a mesma quantidade de chocolate puro representa as falsas promessas da religião e a ilusão de algo grandioso mas que é, no fim das contas, completamente vazio e desprovido de lógica.
Os bombons dentro do ovo existem para criar a ilusão de valor agregado, um custo/benefício inexistente, visto que o conjunto continua a ser, em sua maior parte, ar embalado. Em outras palavras, balela.
A ostensível embalagem é designada para atrair, pela cobiça, os mais ingênuos (dentre estes, a maioria composta por crianças), que se prendem a uma esperança irrealizável de que, aderindo àquele ritual, estarão de alguma forma se engrandecendo ou melhorando de vida, desconsiderando por completo o fato do invólucro ser o primeiro a ir para a lixeira no fim do dia. Como as falsas amizades de “encontros de casais” e “grupos de jovens”.
Há ainda aqueles que guardam dito pacote por sua beleza ou por aquilo que representa, exemplificando o tipo de dissonância cognitiva daqueles que preferem enganar a si mesmos a admitir que estão apenas acumulando lixo em suas vidas, por mais brilhoso e colorido que seja.
Ignorância dolosa com uma cobertura de benefícios fictícios. Por essas características, o ovo de chocolate representa tão bem a páscoa.
Se eu fosse…
…um trítio, hoje eu teria apenas 17,5% de chance de ainda existir.
…uma promoção enganosa de uma companhia telefônica, estaria vencendo.
…Tesla, estaria desenvolvendo minha famosa bobina.
…um Ursus arctos horribilis, estaria estatisticamente nos meus últimos suspiros.
…Asimov, estaria lançando o primeiro volume d’A Fundação.
…um canal de TV, seria famoso por programas de auditório.
…um país independente, seria Belize.
…Einstein, estaria calculando a existência do fenômeno de lente gravitacional.
…um fotão das letras luminosas do Departamento de Reclamações de Eadrax, os habitantes de Pólux estariam lendo hoje “vá lamber sabão”.
…Douglas Adams, estaria lançando meu dicionário de verbetes inéditos e programando meu primeiro jogo de computador.
No entanto, como eu sou nada disso, estou aqui escrevendo um blogue que, caso esteja sendo transmitido ao espaço, estaria agora chegando em Alfa Centauro.
E que, se fosse um isótopo de germânio-68, estaria nos seus últimos 2,4%.
Mas ainda bem que não é.
Solução do enigma ligeiramente físico.
Isto é uma resposta. Se você ainda não leu o enigma, vá lá e depois volte aqui.
—
A solução mais segura é a seguinte: dobre a cordas em três pedaços iguais e corte em uma das dobras. Agora você terá duas cordas, uma com 75 e outra com 150 metros.
Amarre a ponta da menor no primeiro gancho. Com a ponta livre, faça um laço com espaço suficiente para acomodar a segunda corda com folga.
Puxe a corda maior para dentro do laço até a metade. Agora você terá um pedaço inteiro com aproximadamente 75 e um pedaço de 150 dobrado ao meio, dando mais 75. Somando os dois, você terá uma corda com quase 150, o que é suficiente para que você chegue ao segundo gancho (mesmo que você tenha perdido um metro inteiro nesse arranjo, a não ser que você tenha menos de um metro de altura com os braços esticados, isso não será problema).
Chegando ao segundo gancho, puxe a corda de 150 metros até o fim, amarre uma das pontas no suporte e desça.
Pronto. Agora vá tratar dos seus calos.
Essa é a resposta mais matematicamente correta, como Vinicius Makoto Mori e Pedro descobriram primeiro. Os leitores, porém, acharam algumas outras formas de se salvar (ou tentar se salvar, o que vier primeiro). Eis algumas:
Leonardo – “Enquanto as lentes dos óculos por meio da convergência dos raios solares, cortam lentamente a corda na altura do 1º guancho, desço repidamente até o segundo gancho e espero a corda terminar de ser cortada. Aí é só amarrar a corda no segundo gancho e descer até o térreo.”
Maria – “Um… Amarre a corda no tamanco, bote o óculos, amarre a meia na cabeça (?), se arme com o canivete e mete a pancada nos zumbis! Se sobreviver, é só pegar o elevador e ir pro térreo…”
Angel Pena – “Numa posição apropriada, por exemplo a 50 m do topo, utilizando os oculos, o canivete (encostado e fechado na corda) e os tamancos, todos eles presos pela media, desceria até o segundo gancho (sem corda) e ataria a extremidade da única corda. Me segurando do segundo gancho com corda, faria a corda girar para conseguir um movimento de rotação do contrapeso (tamancos) em torno à corda (que esta em contato com a lamina do canivete). O giro e o atrito com a lâmina cortará a corda caindo até o chão. Dai é só descer.”
Herdeiro do Vigário – “Desculpe a persistência, mas gostaria de fazer outra pergunta… O aviso poderia ser recortado de modo a formar uma frase oferecendo recompensa a quem subir levando uma corda de 300m?”
A resposta é sim, como demonstra este anagrama:
“SOCORRO, MANDEM UM HELICOPTERO
ESTOU PRESO NO TELHADO
ZUMBIS NA ESCADA NÃO ME DEIXAM ESCAPAR
CORDA INSUFICIENTE
PAGO ATE 50 CONTO OU DOU ALGO ALEM
MANDA-ME FERA
50º ANDAR
AFANAR FRANÇA
ÇA VÀ
QED”
Girino – “cubro a mão com a meia pra não “queimar” com o atrito da corda, pulo do prédio com a corda na mão e “miro” na direção do segundo gancho. quando passar pelo gancho, acerto a corda no gancho e uso a meia pra frear a queda. amarro a ponta da corda nela mesma no ponto onde eu consegui freiar de forma que o restante da corda chegue até o chão (se não chegar no chão, subo alguns metros pela corda pra fazer isso). desço até no chão, enfio os dois tamancos no rabo do primeiro zumbi que aparecer, coloco os óculos, faço pose com o celular e vou pra galera!”
Ranieri Severiano – “Mataria os zumbis com tamancadas e os jogaria do alto do prédio. Como no filme 300, seria formada uma montanha de zumbis da altura do prédio por onde se poderia descer.”
Mas, a melhor de todas, foi outra de Girino – “Faço um carretel de corda enrolando ela no celular. tiro o celular do meio do carretel e amarro os tamancos na ponta da corda que ficou no centro do carretel (mas eles tem de ficar soltos, pra fora do carretel pois vão funcionar como freio inercial). cubro o gancho com a meia, só por precaução, encaixo o carretel de corda no gancho.amarro a corda na minha cintura, deixando uma ponta relativamente grande para fazer um laço. pulo do prédio. a corda vai desenrolar mas o tamanco, ao girar, vai diminuir a velocidade de rotação do conjunto (freio inercial) permitindo que a descida não seja excessivamente rápida.”
Outros tantos decidiram pular enquanto amarrados à corda. A isso só tenho uma observação: ai!
Notei também que vocês tiveram muitos usos para os tamancos. Vocês são estranhos…
Enigma físico (ou quase, é mais um problema de lógica)
Cena A: você está no topo de um edifício bem alto e, sabendo o número de pavimentos (noventa e nove andares + pilotis) você supõe que o prédio tem trezentos metros de altura.
Cena B: a saída, por algum motivo, está bloqueada (zumbis, digamos) e, como se trata de uma situação real (fora os zumbis), você não pode simplesmente pular dali. Nem mesmo para outro prédio vizinho, visto que um edifício de cem andares deve, por lei, ter uma área de terreno consideravelmente grande. A não ser que você tenha asas (o que eu seriamente duvido), é impossível chegar em qualquer outro telhado sem se espatifar terminalmente contra o chão.

Eu disse que a lateral do prédio é lisa?
Cena 3: você nota uma corda com uma etiqueta dizendo “contém 225m” e um gancho na beirada da edificação, provavelmente deixados por um conjunto convoluto de situações improváveis envolvendo um representante de equipamentos para rapel e um limpador de janelas desleixado (provavelmente por causa do aviso prévio recebido na manhã anterior), completamente não-relacionados mas deus-ex-machinamente necessários para o resto do enigma.
Cena 4: Ao lado da porta que dá para a horda maligna de mortos-vivos você vê um aviso que lê: “ATENÇÃO AVENTUREIROS – O 50° ANDAR CONTA COM UM GANCHO SEMELHANTE AO ABANDONADO PELA FIRMA DE LIMPEZA, SENDO QUE DE OUTRA MARCA MAS IGUALMENTE FIXADO À PAREDE COM CINCO PARAFUSOS REFORÇADOS”
Cena IV: obviamente, você carrega consigo um óculos, um canivete, um pé-de-meia extra e um telefone celular sem carga (de bateria, não de créditos). Por alguma razão que não me diz respeito, você está usando tamancos holandeses de madeira tradicionais.
Questão 1: em tal situação, usando o que lhe está disponível, o que você faria para chegar com vida ao térreo?
(Nota: o andar térreo, ao contrário do telhado, está livre dos infectados. Uma vez na rua, você estará a salvo.)
Seres humanos semi-nus e o senso de humor – uma homenagem
Em homenagem ao meu amigo e ídolo intelectual Karl Guimarães d’Montaigne e às suas comentaristas ^feministas^ (aspas irônicas), apresento aqui uma propaganda australiana de roupa de baixo que muito provavelmente não fere a dignidade humana mas que quase certamente magoa algumas sensibilidades mais frágeis e afronta contra os distorcidos princípios enviesados de pseudo-humanistas que gostam de sujar o nome das boas (e bons) feministas.
Aproveitem.

Estes são objetos de verdade.
Bônus: eis aqui o link para o Dispersando sobre a morte do humor.
Que, sinceramente, é de uma total inutilidade para pessoas secas e de coração murcho, que não irão entender sequer o significado do título pelo mesmo motivo que os persas jamais entenderiam o termo “dinheiro de plástico”; ignorância conceitual.
P.S. Ainda um outro link, para um vídeo propagandeando cuecas e que em nada machuca a dignidade masculina (termo que uso aqui por minha própria conta e risco, visto que algumas pessoas não acreditam na ideia de que homens têm permissão para ostentar algo tão nobre quanto dignidade).
Mas evite assistir a ele no trabalho.
Você se daria bem num mundo pós-apocalíptico?
[Texto originalmente publicado no Papo de Homem que estou reciclando para a Blogagem Coletiva Apocalíptica]
– Sabia que caju é uma fruta?
– Sim! Toda amêndoa é fruta!
– Não, não é da castanha que estou falando. Ela vem junto com uma fruta suculenta, que pode ser tanto amarela quanto vermelha.
– Sério?
– Deixe-me achar uma foto aqui para mostrar… Isso é a fruta do caju. O que vocês comem é essa parte aqui, a castanha.
– Que coisa estranha! Que gosto tem?
Se esse diálogo parece estranho é porque aconteceu do outro lado do mundo, quando eu morava na Austrália.
Amêndoas em geral são bastante apreciadas por lá como lanche e castanha de caju (conhecidas apenas por cashew) é uma das mais populares, facilmente encontradas em qualquer supermercado ou loja de conveniência, geralmente em duas versões:
– crua, que obviamente não é crua mesmo, apenas levemente tostada e esbranquiçada, e;
– assada, que é tostada até ficar dourada.
Sempre já descascadas e separadas em duas partes.
Os australianos não sabem que não estão comendo castanhas cruas, mas eles também desconhecem que uma iguaria dentre as suas favoritas é apenas parte de um conjunto (a parte macia, doce e suculenta é na verdade um pseudofruto, mas era mais fácil chamar de fruta e acabar logo com a conversa enquanto eu estava por cima).
“Tá. E daí?”
E daí, caro leitor, que eles não sabem o que estão comendo. Não sabem o que aquilo é, não sabem como é preparado, não sabem de onde vem, nunca viram um in natura nem sabem que gosto tem um caju.
Só sabem que a castanha é gostosa e vai bem com cerveja.
Um órgão regulador do comércio dum país de primeiro mundo deixa que um produto seja abertamente vendido com raw (cru) escrito na embalagem, mesmo ele sendo assado (não recomendo que façam, mas um experimento interessante é morder uma castanha natural e ver o que acontece quando o ácido anacárdico que ela contém começar a escorrer pelos seus lábios), então eu imagino quantos outros nós eles não estariam levando de coisas bem mais sofisticadas.
(Não estou criticando práticas comerciais internacionais. O que eu disse aí em cima vai fazer sentido num minuto.)
Os australianos (a maioria) pensam que podem achar no meio do mato um arbusto que dá cashews como amendoins e que é só colher e comer, como amoras.
Não sabem que para chegar ao produto embalado elas precisam primeiro ser colhidas, separadas do caju, assadas sobre fogo intenso (a fumaça resultante é terrível e só sai das roupas quando você compra novas), descascadas (parte mais difícil do processo), separadas e polidas.
Pascoal, um morador da vila de pescadores de Genipabu, sabe o que comer castanhas envolve. E por isso só o faz uma ou duas vezes ao ano.
Não vou supor que ele plantou um cajueiro porque não precisa; a máxima de Caminha “em se plantando, tudo dá” é 100% adequada à Genipabu (desde que “tudo” seja um eufemismo para “cajueiro”), mas eu sei que ele tem uma lata de leite especial, onde foi pregada uma ripa de madeira para servir de cabo, e que serve de assadeira de castanhas.
O fogareiro eu não sei se ainda existe pois ele precisou dos tijolos para um reparo na parede do quarto mês passado, mas imagino que não seja difícil montar outro rapidamente.
O mesmo pé de caju pode fornecer a lenha, enquanto sua mulher e filhas fornecem o trabalho manual de descascar dezenas de castanhas ainda quentes porque “é mais fácil enquanto ainda tá pegando fogo“, segundo me garantiu a esposa Zefinha, mulher de belas unhas (que cria galinhas no quintal de casa alimentando-as com o milho que ela mesma planta).
Ah, Pascoal também sabe manobrar uma jangada sobre correnteza de maré em completa escuridão, “ler” suas imediações para saber não só onde está mas onde os peixes estão, arremessar tarrafas que foram tecidas (e posteriormente remendadas) por ele, tratar um peixe em alto-mar usando um facão de doze polegadas (sob a luz das estrelas) e retornar são e salvo para terra firme no quebrar da barra.
Só não sabe vender (ele é meio careiro), mas cada um com sua especialidade.
O que me possibilita fazer uma transição perfeitamente suave e perguntar: qual a sua especialidade?
O que você sabe fazer? Não tenho dúvida (talvez só um pouquinho) de que você é um membro ativo e importante da sociedade e uma peça fundamental na engrenagem social contemporânea, mas o que você sabe fazer?
Vamos supor que falte energia em toda a cidade agora (ou pelo menos pouco depois de você ler a próxima pergunta). O que você pode fazer em sua casa/trabalho, das coisas que você faz costumeiramente, sem eletricidade? Melhor ainda, tente lembrar do apagão do dia 11/11/09 (caso não tenha sofrido um bloqueio mental por trauma psicológico extremo) que estatisticamente afetou a sua vizinhança. O que exatamente você fez enquanto a energia não voltou?
A única coisa em que eu consigo pensar é tomar banho, já que eu sempre tomo banho frio (a resistência do meu chuveiro queimou em 2007 e eu nunca lembro de comprar outra), e lavar a louça.
Na minha terceira visita à geladeira, seu estoque já começará a esquentar / derreter / apodrecer / criar crostas lodais / juntar água / reviver / talhar.
Meu tocador portátil de MP3 não durará muito pois eu sempre esqueço de deixar carregando tempo suficiente e meu laptop seria inútil sem Internet pois jogar Soldat sozinho não tem graça e eu já zerei Lego Star Wars duas vezes (eu não possuo um televisor, então não sentiria falta de uma caixa mágica piscante, mas entendo que isso constitua um problema para alguns).
Também não posso ir caminhar, pois o elevador não está funcionando e eu não sou louco de descer pela escada porque corro o risco de ter que subir por ela na volta. Uma coisa é me exercitar, outra bem diferente é ser otário.
Escada… pff.
Ou seja, meu dia sem eletricidade se resumiria a eu sentado numa cadeira defronte à pia, vendo água escorrer pela torneira, numa fútil tentativa de me confortar em saber que pelo menos algum aspecto da minha vida moderna ainda funciona.
E como eu tenho quase certeza de que todos os outros moradores da cidade estariam fazendo exatamente a mesma coisa, a água acumulada acabaria rapidamente, pois sem eletricidade não há como bombear água cano acima até as caixas d’água.
Agora, num mundo sem energia elétrica (computadores) e sem água corrente (descarga), volto a perguntar: o quê você sabe fazer? Isso é, fora ligar e pedir uma pizza pois os telefones e fornos a lenha ainda funcionam (pelo menos temporariamente, enquanto o gerador da companhia telefônica e o forno da pizzaria tiverem o que queimar).
Dependendo da época do ano e do nível de poluição em sua cidade, o sol vai desaparecer bem rápido e as noites serão muito longas e escuras.
O que você faria com apenas doze horas de luz? Lembre-se; não há energia em lugar algum, então todas as cervejas estão quentes (o que tira a razão de ser dos alimentos fritos e dos churrasquinhos de rua), logo todos os bares estão fechados.
Se você mora num lugar quente, não pode contar com ventiladores. Se mora num lugar frio, não pode ligar o aquecedor.
Em breve, o gás também acabará, levando consigo a feijoada (feita com produtos salgados que não precisam de refrigeração), que nesse ponto nada mais é que forro para a cachaça, única bebida conhecida que pode ser tomada em temperatura ambiente.
“Ah, mas ainda restam as frutas!”
Ao que eu pergunto: quem é o índio que ainda come frutas?
Tudo bem, algumas pessoas (hippies) realmente ingerem alimentos não-fritos.
Mas se você, leitor, for uma dessas pessoas (um hippie), você tem uma fruteira em casa?
E não me refiro ao móvel com rodinhas onde bananas de supermercado são deixadas até apodrecer nem ao receptáculo semiesferóide que fica sobre a mesa cheio de peças disformes de cera pintada, mas sim às árvores de onde nascem frutas. Tem uma dessas na sua casa?
Porque se você mora num apartamento eu sei que não tem (bonsai não conta, não insista).
Vou conceder (fantasiosamente) que exista um pé-de-X no seu quintal. Com qual frequência você pode colher Xs maduros durante o ano? E qual a quantidade absoluta de Xs maduros que sua árvore produz por dia? E por quanto tempo você aguentaria comer nada além de Xs?
Ah, mas seu terreno é grande e tem um pé-de-Y também! Ótimo, agora você pode alternar Xs e Ys até abusar dos dois ou até passar a época da floração, o que vier primeiro!
Eu estou propositalmente deixando de citar as de supermercado, pois qualé o motorista de caminhão que vai gastar o restinho da sua preciosa gasolina indo buscar e deixar frutas (ou “rango de hippie”, como são conhecidas na profissão) ao redor do país? Porque a região onde dá jabuticaba não é a mesma onde nasce mamão.
Ademais, sem energia não há adutoras nem irrigação agressiva e voltamos ao tempo das cavernas, quando precisávamos esperar até março para comer pitombas e jambos só davam entre outubro e novembro.
Nesse ponto, o pico inicial de desespero já voltou ao nível normal de constante pessimismo e falta de perspectiva e o episódio de assar o cachorro usando as cadeiras da sala como lenha já volta a parecer um ato bárbaro e não mais um momento “ou ele, ou eu” de necessidade, causado pela visão anuviada pela fome e as alucinações causadas pela falta de banho e rádio.
Se você precisar, você sabe arranjar comida? E com “arranjar” não estou fazendo referência a roubar, mas a produzir comida a partir de, bom, a partir de seja lá o que produz comida.
E todos os dias, para o resto da sua vida, pois sem eletricidade não há refrigeração e a conservação desse alimento produzido diariamente será grandemente prejudicada por isso.
Mas pelo menos você estaria comendo alimentos frescos todos os dias.
E quanto à água? Pois ela acabou alguns parágrafos acima e já se passaram alguns meses na linha do tempo deste texto.
Já descobriu como obter água potável ou morreu junto com o cachorro/churrasco?
Falando nisso, se sua casa pegar fogo, você sabe usar um extintor? Tem certeza?
Uma coisa básica, fácil e intuitiva como tirar um lacre, puxar um pino e espremer uma válvula é um conceito totalmente alienígena para algumas pessoas (constatei isso pessoalmente no Dia do Grande Esguicho, como ficou conhecido no meu prédio o dia em que alguns vândalos esvaziaram alguns extintores nos corredores, não sem muita dificuldade).
Imagino o quão difícil serias tarefas ordens de magnitude mais complexas, como destilar água ou acender uma fogueira (que, em caso de perda de controle, consumiria todo um quarteirão antes de alguns indivíduos conseguirem entender que a mangueira de um extintor é flexível e precisa estar apontando para a base da chama).
Recentemente eu fiquei 24 horas sem Internet e sofri bastante. Passei pelo menos dezoito dessas vinte e quatro sentado defronte ao monitor, esperando algo acontecer. Planejava apenas ler meus emails e ir lavar a louça, mas enquanto a rede não retornava, minha mente também não funcionava. É como se minha casa só existisse virtualmente e, sem conexão, não posso sequer varrer a sala e limpar o banheiro.
Não é péssimo quando perdemos algo com o qual nos acostumamos? A Internet só tem uns quinze anos, a Web 2.0 uns cinco ou seis, mas quem conseguiria, voluntariamente, deixar de usar Orkut, MSN, Twitter, Facebook, etc?
O mundo funcionou perfeitamente bem durante décadas sem um telefone em cada bolso, mas imagine passar uma semana sem celular.
Só imagine. O terror é por conta da casa.
Imagine agora que não há mais veículos motorizados e você tem que ir numa bicicleta (ou pior, caminhando!) para onde quer que seja o local onde você recolhe sua comida/água. Qual a melhor estratégia a adotar quando seu lar e sua fonte de alimentação não habitam o mesmo fuso horário?
E não estou falando de quinze graus de curvatura geóide, porque isso, para quem está a pé, é como daqui até Marte. Me refiro à distância que, sob certas circunstâncias, deixa de ser contada em passos ou quilômetros e passa a ser medida em horas ou luas.
Boa sorte voltando para casa no mesmo dia em que saiu para catar comida.
Voltando à estratégia, é melhor caramujar (levar sua casa consigo) ou fidipedesar (correr 42 quilômetros indo e 42 voltando)?
No caso de um apocalipse tecnológico, além de passar o dia chorando com saudades do meu GReader (na época em que este texto foi escrito, o Google ainda não tinha dado o tiro no pé de acabar com o Reader), eu acho que não me importaria em dormir no mato de vez em quando, desde que estivesse sempre perto de uma fonte de água bebível e comida abundante.
E como saber se aquele líquido pode ser consumido seguramente?
O método ideal envolve transformá-lo em cerveja, mas nem sempre isso é possível (ou desejável; lembre-se que não existem mais geladeiras).
Então, #comôfas?
Sem tecnologia, eu não sei. E nesse mundo pós-apocalíptico não posso usar o Google para descobrir. Poderia usá-lo agora e decorar a informação, mas isso dá muito trabalho e eu posso fazer mais tarde.
Chegando nos finalmentes: estamos sem energia, sem água tratada corrente, sem alimentos e sem perspectiva de melhorar.
“Sem perspectiva? Mas o espírito humano é inquebrantável, caro amigo!”
Concordo. O otimismo é a doença mental mais difundida no mundo, beirando proporções pandêmicas, mas pensamento positivo não vai trazer o Viva a Noite de volta. Não é?
Vivemos num mundo quase 100% especializado, onde cada indivíduo é exatamente isso: individual e especialista.
Eu, por exemplo, sou formado em Engenharia de Áudio com especialização em Gravação e Edição. Sem um computador possante, sou tão firme quanto um prego na areia e apenas estou fazendo peso na Terra.
Se você for um biólogo pode até entender bastante do Mundo Natural, mas eu aposto que sua função atual se resume a um laboratório cheio de coisas com nomes contendo o sufixo “eletrônico”.
E se trabalhar num escritório (como eu atualmente) é certeza que depende totalmente de um computador, que depende de eletricidade. Se esta acabar, você está na rua, sem função.
Se for advogado você ainda pode manter seu trabalho temporariamente (até o mundo abraçar a anarquia generalizada com as pernas), mas imagine preparar uma peça com uma caneta. E se precisar copiar um processo?
Neste nosso mundo ocidental refinadamente tecnológico temos todo o conforto do mundo. Desde que elétrons corram livres por fios de cobre, para lá e para cá, sessenta vezes por segundo.
Acabou energia, acabou civilização. Todos correremos loucos pelas ruas, destruindo tudo que for inteiro e ateando fogo a tudo que for inflamável, até morrermos de sede.
Se perdermos nosso estilo de vida, nunca mais o teremos de volta, pois não existem mais (ou se existem são extintamente escassos) inventores alquimistas renacentistas que sabem, em casa, transformar areia em tecnologia.
Se alguém quiser construir um carro, jamais o fará sozinho. Mesmo depois de extrair e purificar minério, derreter e preparar metal, desenvolver e montar peças móveis e fixas, preparar e executar um plano e, finalmente, construir um carro, ainda é necessário produzir combustível, óleos, sistemas hidráulicos e vulcanização de borracha. Que precisará ser extraída por você.
Sem nossas máquinas automatizadas, fazer um parafuso que seja é a coisa mais difícil do mundo! Imagine um eixo de roda verdadeiramente reto.
Viveríamos em caos total, pois sem máquinas somos inúteis e sem tecnologia somos muito frágeis. Não teríamos a mínima chance. Morreríamos à míngua, totalemente desamparados.
Enquanto isso, Pascoal e Zefinha, que moram perto de um poço artesiano, continuam suas vidas normais de pescador (obtendo a própria comida) e dona-de-casa (remendando as próprias roupas), assando castanhas uma vez ao ano.