Religião ambientalista

Tenho verdadeiro horror à discussão superficial, à unanimidade dogmática e desinformada. O que aprendi, infelizmente não na escola, nem mesmo na universidade, mas lendo Gould, Sagan, Asimov e mesmo Dawkins, foi que o pensamento científico era e é a melhor saída para a rigidez mental típica da mentalidade bidimensional, sem profundidade. Apesar de não me incluir entre os ateus militantes, na verdade classificando-me mais como um agnóstico conciliador, tenho bem em mente que o pensamento religioso não raro dificulta ou impossibilita a discussão de temas mais controversos, pois se baseia na fé, na crença inabalável. A ciência, idealmente, se deveria guiar por dados. Idealmente. Tento ter em todos os aspectos da vida um pensamento, se não completamente cético, o mais crítico possível. Sigo assim os “preceitos” do genial Mário Schenberg, para quem o intelectual deveria manter uma distância crítica em relação às próprias crenças. Vejo, no entanto, que não são raras as pessoas que aceitam alguns fatos, ainda que cientificamente comprovados até o presente, como artigos de fé. Aceitariam estes fatos como verdadeiros, mesmo que a ciência não lhes desse o aval. Este tipo de atitude tem sido comum nas discussões relativas às mudanças climáticas e aos organismos geneticamente modificados.

Vejam bem, isto não invalida os fatos, invalida o modo de encarar a realidade destas pessoas. Li recentemente um post no De Rerum Natura em que se citava um trecho de discurso do recentemente falecido escritor Michael Crichton que achei bem interessante. O autor do post, o físico português Carlos Fiolhais, apesar de não fazer muitos comentários, foi duramente criticado por alguns leitores, aparentemente pela simples razão de não ter criticado Crichton. Desprezo este tipo de patrulhamento ideológico.

Pelo que ouço e leio, Crichton era cético em relação ao aquecimento global pelas atividades humanas. Minha impressão é de que as evidências científicas demonstrando a realidade das mudanças climáticas são muito fortes e expressei isto inúmeras vezes aqui no Geófagos e em outros fóruns de discussão. Na verdade, vejo este blog como um embrião de think tank cujo objetivo principal é pensar estratégias de enfrentamento ou convivência com estas mudanças. Não investiria tanto tempo nisto se não pensasse que as mudanças climáticas são reais. Tendo dito isto tudo, confesso que procurei ler o tal discurso de Michael Crichton e não nego, é um material muito bem escrito, pergunta questões bastante relevante e toca num problema que me preocupa muito: o ambientalismo como religião. Aliás, este é o título do discurso – Environmentalism as religion.

O trecho que Fiolhais transcreveu e que eu traduzo é o seguinte: “Hoje, uma das mais poderosas religiões no Mundo Ocidental é o ambientalismo. O ambientalismo parece ser a religião predileta dos ateus urbanos. (…) Há um Éden inicial, um paraíso, um estado de graça e unidade com a natureza, uma queda em desgraça para um estado de poluição como resultado de se ter comido da árvore do conhecimento, e como resultado de nossas ações há um dia do juízo vindo para nós todos. Somos todos pecadores da energia, fadados a morrer, a não ser que busquemos a salvação, chamada agora de sustentabilidade. A sustentabilidade é a salvação na igreja do ambiente. Da mesma forma que a comida orgânica é sua comunhão, aquela hóstia livre de pesticidas que as pessoas direitas com as crenças certas ingerirão.” E por aí continua ele, num tom que me pareceu equilibrado, embora cético, clamando ao final por uma ciência do ambientalismo no lugar de uma religião do ambientalismo. Não vi uma palavra em seu texto que o condenasse.

Não tenho dúvida que a questão das mudanças climáticas, assim como outras questões de interesse ambiental, tem não raro adotado a retórica religiosa onde seria mais apropriada a objetividade da feia prosa científica. Eu mesmo já fiz isso, e não deveria ter feito. Não sou o único. Em um artigo recente para a revista Prospect Magazine, o filósofo Edward Sidelski reclama por uma necessidade de se resgatarem valores morais quase extintos e diz tradução minha: “É fácil rir do ambientalismo radical. Suas projeções climáticas são duvidosas e mesmo que sejam exatas, não fica claro como um punhado de entusiastas podem reverter o apocalipse que se aproxima. Mas isto não é o importante. O movimento verde pode falar a língua da ciência, mas o que realmente o move é um imperativo ético. É uma tentativa de criar uma sociedade em que algumas escolhas são reconhecidamente melhores que outras, em que a natureza é vista como um obstáculo aos desejos irresponsáveis. Em resumo, é uma religião – uma religião sem Deus.” E vai além, comparando as comunidades orgânicas aos antigos monges beneditinos. O tom aqui é francamente favorável aos ambientalistas radicais, mas diz a mesma coisa que Crichton. Mas as palavras de Sidelski sugerem que o conhecimento científico por si só não é suficiente para despertar um comportamento ético, para guiar uma moral sem a necessidade de religião, o que acho no mínimo discutível.

O ambientalismo tornou-se um sucedâneo de religião, com dogmas inquestionáveis, inimigos da religião (Crichton), uma divindade maléfica (o sistema, as indústrias), infiéis, hereges e toda a profusão de maniqueísmo mal-disfarçado. Eu fico com Crichton: "… no fim, a ciência oferece a única saída para além da política. E se permitirmos a politização da ciência, estamos perdidos. Entraremos uma versão internet do período das trevas".

Leituras recomendadas

Este post no blog Futurismic relata a publicação de pesquisas relacionando períodos de secas nas regiões de monsões, na Ásia, com a queda de dinastias chinesas, ótima leitura. Ainda sobre mudanças climáticas, embora um pouco desatualizada, há no Futurismic esta excelente entrevista com o escritor de ficção científica Kim Stanley Robinson. Embora seja geóloga, a Claudia Chow dá uma excelente consultoria agronômica, além de divulgar ciência primorosamente, neste post. Por falar em divulgação científica, há uns textos que desejaríamos ter escrito, de tão bons. É o caso deste post do Carlos Hotta sobre aspirinas tamponadas, esclarecedor. Boas leituras.

Sucesso!

Há pouco mais de um mês resolvi “instalar” no Geófagos o Site Meter, um contador de acessos ao blog. Nas outras encarnações do Geófagos também acompanhava o acesso às páginas com este contador e, naquelas vivências, nunca conseguimos registrar mais do que 250 acessos diários. Qual não foi minha satisfação ao notar que estávamos atingindo, nesta fase Lablog, mais de 600 acessos diários durante a semana, um pouco menos nos fins de semana. Nos últimos três dias tivemos mais de 700 visitas diária. Resumidamente, no último mês recebemos mais de 15.000 visitas, o que tem nos deixado extremamente satisfeitos e inspirados a melhorar sempre a qualidade de nossos posts. Ainda sentimos que os leitores interagem pouco com o blog, comentando raramente os posts, embora isto também tenha melhorado. Não temos dúvida de que, além da qualidade do blog, o ótimo trabalho de divulgação dos Lablogs pelo Carlos Hotta e pelo Átila Iamarino contribuíram bastante para este aumento na leitura e visitação do Geófagos. Agradecemos a todos.

Vocêé seu fator de impacto

O editor de um periódico científico do qual sou assinante recentemente enviou, creio que para todos os sócios, um e-mail no mínimo curioso. Na mensagem ele informava sobre uma série de mudanças que precisariam ser feitas em relação à política de publicação de artigos na revista e depois explicava, detalhadamente, as razões das mudanças: como o periódico passara a ser classificado recentemente como de nível “A Internacional” o número de artigos submetidos e publicados aumentos vertiginosamente. No entanto, como o número de citações dos artigos publicados não acompanhou o ritmo do número de artigos publicados, o dito periódico corre agora o risco de perder a classificação de A Internacional. Vejam bem, teoricamente a qualidade da revista é tão boa que a permitiu ser classificada entre as melhores do mundo na área, mas devido a um artefato aritmético qualquer, sem que tenha havido mudança observável na qualidade da revista, pelo contrário, há a ameaça de “descer do pódium”. É cisma minha, ou este sistema de classificação é, no mínimo, falho. Permitam que eu use o termo que realmente desejo: é um sistema burro, estúpido. Estamos nos tornando escravos de números.
Qualquer um que, como eu, saiu de uma árdua pós-graduação e agora sofre para conseguir um emprego conhece uma outra face desta escravidão: as coisas ficam muito mais difíceis se não houver, em nosso geralmente minguado currículo, um número expressivo de artigos publicados. Não se faz, comumente, nenhuma exigência especial quanto à qualidade dos mesmos, o que se quer é quantidade. Claro, com a criação dos tais fatores de impacto, em teoria tenta-se medir indiretamente a qualidade de um artigo pelo número de citações ao mesmo – ainda assim, a grande ênfase é nos números. Por que, então, se utilizam estes indicadores? Respondo da forma que considero a menos hipócrita possível: porque os americanos disseram que era para se utilizar e nós somos cultural e cientificamente subservientes. Sim, em sua mania de reduzir tudo a cifras, imaginam que a qualidade está do lado de quem produz muito: sem exagero, é a mesmíssima coisa que considerar que Harold Robbins ou Sidney Sheldon são melhores escritores que J. D. Salinger ou  que Cervantes porque os dois primeiros produziram muito mais, é um absurdo, é idiota. De quem seriam os maiores fatores de impacto?
O pior é que o sistema encoraja a procriação de artigos científicos que em nada contribuem para a ciência, nada acrescentam, que jamais serão lidos ou citados. Quem, no meio, desconhece a tal “multiplicação dos pães”, a virtual geração espontânea de artigos a partir de dados esquálidos? Quem lê a Nature ou a Science tem acompanhado a avalanche de casos de fraudes e plágios de artigos gerados, não tenho dúvidas, pela pressão em publicar. Aqui mesmo no Brasil tivemos um fato recente em São Paulo. Antes de conseguir minha atual bolsa, concorri a uma bolsa de pós-doutorado em Minas pensando em ter tempo para publicar alguns artigos, mas não consegui porque não tinha suficientes artigos publicados, e não sou caso isolado. Serão os pesquisadores de hoje mais desonestos do que os de outras épocas? Sinceramente não creio, mas há uma pressão inexplicável pela geração de artigos. Alguém já percebeu que se se der ênfase demais a este tipo de coisa, por exemplo na escolha de professores universitários, a qualidade de ensino pode cair? Qual a ênfase que está sendo dada a bons professores, com boa didática, com valores outros que não apenas ter um espesso currículo? Eu tive professores na universidade que mal sabiam se expressar com frases de mais de três palavras, mas publicavam horrores.
Será que somos tão incompetentes que não podemos pensar em formas mais eficientes de se avaliar a qualidade de um acadêmico que não seja a que o chefe mandou usar? Não me venham com a conversa de que este é o sistema, que temos de nos adequar. Na primeira parte deste post mostrei o que acontece quando tentamos nos adequar demais. A blogosfera também se torna escrava de números e fatores de impacto: google pagerank, rank Technorati, acessos diários. Não é preciso ser ingênuo para saber qual blog terá melhores indicadores, o nosso ou um de download de filmes pornô? Há algum tempo li um ScienceBlogger comentar que o número de acessos de seu blog subiu estratosfericamente porque escreveu um post em que citava Britney Spears. Nenhuma mudança de qualidade aqui tampouco. Será pedir demais que enfatizemos a qualidade antes da quantidade? Nosso fator de impacto dirá tudo sobre nós?

Miss Blog Brasil 2008

Não, não é um concurso para eleger os rostinhos bonitos da blogosfera. É para eleger as melhores blogueiras brasileiras, em termos de conteúdo de blog. O blog Repórter Net resolveu promover este concurso devido ao grande número de ótimos blogs escritos por mulheres na blogosfera feminina. Fico imensamente feliz em dizer que duas colegas do LaBlogatórios já se inscreveram: Paula Signorini, do Rastro de Carbono e Cláudia Chow, do Sustentabilidade Ecodesenvolvimento. Não tenho dúvidas, páreo duro para as outras blogueiras. Ambas as LaBlogueiras escrevem principalmente sobre meio-ambiente e, em termos de conteúdo, são o que de melhor há na blogosfera científica em língua portuguesa. A votação pelos internautas ainda não está aberta, mas assim que estiver faremos posts eleitorais por aqui que em nada deverão ao TRE. Sem brincadeira, uma boa iniciativa, embora o título do prêmio talvez devesse ter sido melhor escolhido. Paula e Cláudia, a vitória será nossa!

O lado negro das redes sociais

Esta é tradução amadora do título deste post no blog Futurismic, comentando um post no blog da Wired, segundo o qual ao invés de procurarem e socializarem com pessoas de diferentes ideologias, o comum é que se procure, nas redes de socialização, apenas grupos de ideologia similar, tornando as pessoas menos flexíveis. Tendo a concordar com isto. Aliás, não somos nós LaBlogueiros um grupo coincidentemente homogêneo? Mas os posts não abordam apenas o lado negativo da coisa: “It’s not all negativity, though; Krebs believes that social networks can be useful tools once the “strong individuals or groups that can lead to group-thinking shifts” are identified… which should make the marketing types happy, if no one else.” O que me faz pensar, refletindo sobre as palavras de uma colega blogueira, que eu deveria melhorar minhas abilidades autopromocionais.

Caligrafia chinesa e fractais

Phillip Ball tece interessantes comentários sobre o artigo “‘Fractal Expression’ in Chinese Calligraphy“, escrito por Yulelin Li, em que o (a) autor(a) apresenta evidências histórica e matemáticas de que o artista chinês Huai Su, entre outros, conseguiu, aparentemente de forma não casual, que algumas de suas obras de caligrafia apresentassem fractalidade, utilizando como padrão a ser imitado nuvens de verão, rachaduras em paredes e manchas de água no teto:
“……Zhenqing asked: “Do you have your own inspiration?” Su answered: “I often marvel at the spectacular summer clouds and imitate it …… I also find the cracks in a wall very natural.” Zhenqing asked: “How about water stains of a leaking house?” Su rose, grabbed Yan’s hands, and exclaimed: “I get it!”
Para os fãs de erudição sem limites.

Posts excelentes

Desculpem-me os fãs de Richard Dawkins, mas como divulgador de ciência, ele jamais chegou aos pés de Stephen Jay Gould, nem em estilo, nem em erudição, muito menos em humor. De toda forma, Dawkins como divulgador científico era muito melhor do que o atual Dawkins “voz que clama no deserto”, pregador fanático do ateísmo dogmático. Sinceramente, acho que a estratégia de Dawkins e de seu ainda mais fanático discípulo P. Z. Myers em nada difere da pregação neo-evangélica que eles, com razão, criticam. Tinha medo que apenas eu, entre os que se crêem humanistas, pensava assim. Um post magníficamente escrito do Desidério Murcho me faz ver que não, outros pensam como eu e de forma certamente mais articulada. Além disso, o texto do Desidério dá um severo puxão de orelhas nos acadêmicos idealistas que correm o risco de confundir ideologia com verdade científica. Terei mais cuidado com alguns posts mais enfáticos que de vez em quando escrevo. Um outro post de ótima qualidade saiu aqui mesmo nos LaBlogs, no blog Ecce Medicus, sobre a comoditização do conhecimento científico, vale a pena ler.

Saramago e a desmarginalização dos blogs

Antes de começar a escrever o Geófagos, há pouco mais de dois anos, enquanto ainda fazíamos o doutorado, das coisas que mais nos preocuparam seria como nossos pares veriam um colega escrevendo um blog. Ontem relembrei isto ao ler este post de Bráulio Tavares em que ele comentava o assombro de alguns amigos quando o ouviam dizer que liam blogs, “essas coisas de menininhas adolescentes”, e não adiantava ele dizer que eram blogs de jornalistas, “Pois deve ser um jornalista muito desocupado – o cara tem tempo de fazer blog!”. Temíamos que algo assim fosse dito de nós. A situação começou a mudar quando não apenas alguns colegas nos solicitaram a participar do blog como até mesmo professores começaram a nos ler. Bem, quem tinha alguma dúvida da validade dos blogs como um meio de expressão válido e adulto, por assim dizer, não tem mais motivo nenhum para temer o preconceito. Os preconceituosos é que correm o risco de parecer antiquados: após ler ontem aqui sobre um blog mantido por um Chancellor de uma grande universidade americana, a University of North Carolina at Chapel Hill, descobrimos hoje maravilhados e perplexos que ninguém menos que José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura e em nossa opinião o maior escritor em língua portuguesa vivo, acaba de lançar um blog, O Caderno de Saramago, que já começamos avidamente a ler. Os fatos falam por si.

Blogosfera Recifense

Aos poucos, para desassustar, vou tentando me familiarizar com minha nova morada, a cidade do Recife. Apesar da violência onipresente, não há como negar que o Recife tem atrativos invulgares, principalmente no que diz respeito à vida cultural. Aos poucos vou explorando também a blogosfera recifense e hoje tive a sorte de encontrar casualmente um blog muito bem escrito, chamado Estuário. Aqui está um link para um dos melhores posts que já li em toda blogosfera. Isso é que é crônica urbana.
Ítalo M. R. Guedes

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