Problemas ambientais atuais e desenvolvimento sustentável
A pressão exercida pelo homem sobre os ecossistemas tem aumentado desde a segunda revolução industrial refletindo na necessidade de desenvolvimento de novas técnicas de conservação, prevenção e mitigação ambientais. Essas técnicas visam reduzir os níveis de degradação ambiental recentemente observados como a contaminação das coleções d’água e dos solos, a poluição atmosférica e a substituição indiscriminada da cobertura vegetal nativa, com a conseqüente redução dos hábitats silvestres, entre outras formas de agressão ao meio ambiente (Silva, 2002).
A mudança da postura do homem com relação à natureza teve início a partir da década de 60. Marco importante no desenvolvimento das ciências ambientais foi o lançamento do livro “Primavera Silenciosa” da britânica Rachel Carson que mostrava os efeitos negativos do uso indiscriminado de insumos agrícolas. Desde então a preocupação de promover a mudança de comportamento no relacionamento entre o homem e a natureza começa a ser observado. O principal objetivo passa a ser o alcance do equilíbrio entre os interesses econômicos e conservacionistas levando à melhorias na qualidade de vida da população, dando origem aos processos que, em conjunto, futuramente seriam denominados de desenvolvimento sustentável. Tal desenvolvimento pode ser entendido como um modelo que visa atender as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de gerações futuras atenderem suas próprias necessidades.
O desenvolvimento sustentável, além do desenvolvimento social e equilíbrio ecológico, deve ainda ser acrescidos de um enfoque especial no desenvolvimento econômico como uma das principais vertentes. Nesse sentido, acrescido de um espírito de responsabilidade comum, os modelos produtivos são levados a sentidos harmoniosos, o que os torna não mais destrutivos, mas sim construtivos, como ferramenta de manutenção da qualidade de vida das gerações atuais e futuras. Dessa forma, pode-se perceber que o modelo de desenvolvimento atualmente proposto não condena o desenvolvimento econômico, muito pelo contrário, atribui a ele um importante papel social e ambiental.
O modelo de desenvolvimento atualmente proposto entende que, além da imposição legal como meio de alcance de melhorias ambientais, existem ainda os aspectos éticos, ecológicos e econômicos a ele relacionado. Pode-se entender os aspectos éticos como uma medida do grau de responsabilidade do agente impactante. Já os aspectos ecológicos permitem a escolha de melhores alternativas para minimizar as influências negativas das diversas atividades humanas. Os aspectos econômicos envolvem tanto as vantagens competitivas de uma política ambiental responsável, como a obtenção de certificados ambientais ou mesmo os menores custos das ações preventivas em relação às ações corretivas. Nesse ponto, as técnicas preventivas, como os estudos de vulnerabilidade ambiental vêm ganhando força como ferramentas que permitem planejamentos ambientais mais adequados, eficientes e baratos.
O modelo de desenvolvimento industrial (pode-se incluir nesse ítem o desenvolvimento agroindustrial) implantado após a revolução industrial no século XIX promoveu não só o aumento da extração dos recursos naturais, como também tem emitido cada vez mais produtos de alta sofisticação, cuja composição dificulta sua degradação natural. Muitos destes ao reagirem com substâncias ácidas ou fogo, liberam compostos tóxicos que podem até mesmo ser letais para os seres vivos, além de causarem uma lenta e contínua destruição do ambiente (Pereira Neto, 1996). Pode-se concluir, portanto, que a evolução da população e a forte industrialização aumentaram significativametne a geração de resíduos das mais diversas naturezas, biodegradáveis, não biodegradáveis, recalcitrantes ou xenobióticos, que determinaram um processo contínuo de deterioração ambiental com sérias implicações na qualidade de vida do homem (Bidone e Povinelli, 1999). Nesse ponto é necessário argumentar que, acompanhado de ferramentas de gestão ambiental eficientes, tal desenvolvimento industrial pode ser perfeitamente encarado como um fato positivo e não apenas como agente de degradação ambiental.
Por tudo exposto acima as questões que envolvem o tratamento e a disposição final de resíduos e outros poluentes têm se tornado cada vez mais importantes para o homem moderno. A necessidade de consciliação do desenvolvimento com a sustentabilidade ambiental tem feito com que as diversas questões referentes a esses assuntos sejam exploradas e desenvolvidas continuamente.
Ferramentas preventivas como estudos de vulnerabilidade e risco de contaminação dos diversos compartimentos ambientais (solo, água, ar) também tem sido frequentemente utilizadas como forma de antever e evitar a ocorrência de problemas ambientais. O contato íntimo dos resíduos, ou qualquer outra forma de contato de poluentes provenientes das mais diversas atividades humanas, com os solos e as conseqüências da ocorrência não planejada desses fatos tornam essa questão de vital importância para o desenvolvimento sustentável local e regional.
É importante ressaltar que técnicas para prevenção ou mitigação de impactos ambientais existem. Algumas vezes elas não são economicamente viáveis. Outras, é a falta de vontade por parte do agente impactante que não permite a implantação das mesmas. É importante que os agentes públicos, privados e até mesmo os consumidores façam sua parte. Diversos são os mecanismos que permitem saber se uma empresa é ambientalmente responsável. O principal deles é a certificação ambiental, sendo a mundialmente conhecida série ISO 14000 a mais comumente encontrada. Assim sendo, cabe também a nós observarmos a procedência dos produtos consumidos, dando preferência àqueles que, em sua produção, incorporem um padrão de qualidade ambiental. Só dessa forma podemos esperar que os resultados do meio produtivo se aproximem do desenvolvimento sustentável inicialmente e conceitualmente proposto. Fato esse ainda longe de ocorrer nos dias de hoje.
Seqüestro de carbono em solos tropicais II
Em solos tropicais profundos, submetidos a grande atividade bioturbadora (misturadora) da mesofauna (principalmente cupins e minhocas, mas também formigas e outros invertebrados), como os Latossolos, há presença de estoques de carbono consideráveis em profundidade, até mesmo com valores numericamente superiores aos estoques superficiais. No ambiente tropical não se podem considerar razoáveis estimativas de estoque de carbono que não contabilizem o que está armazenado subsuperficialmente nem adequadas ou eficientes estratégias de manejo de solos ou ecossistemas pensadas sem o levar em conta. Trata-se de uma promissora área de estudo, por serem ainda escassos os trabalhos contabilizando os estoques de carbono profundos em solos de regiões tropicais em escalas mais detalhadas, e ainda menos investigada a influência das práticas de manejo do solo sobre o compartimento. Saber-se quanto carbono se encontra acumulado no solo sem uma noção de sua estabilidade frente a mudanças ambientais traduz-se em conhecimento limitado. As perdas naturais de carbono orgânico do solo (COS) não são homogêneas, variando entre classes e regiões. Tanto a natureza da matéria orgânica do solo quanto as interações entre esta e o ambiente, quer seja no solo ou fora deste, influenciam sua estabilidade no solo. De particular importância são as interações com a matriz mineral, principalmente as argilas, que podem estabilizar a matéria orgânica no solo, dificultando sua perda na forma de CO2. Aliar as informações quanto ao carbono estocado com dados confiáveis sobre sua estabilidade torna mais factível estabelecer quais áreas são mais vulneráveis, auxiliar no planejamento de uso da terra e inclusive no estabelecimento, em áreas convertidas à agricultura, de valores padrões de perdas toleráveis de matéria orgânica do solo visando minimizar a perda de qualidade do solo.
Seqüestro de carbono em solos tropicais I
Na iminência de mudanças climáticas de controversa reversibilidade, a importância do conhecimento dos estoques de carbono em diferentes classes de solos está ligada à tentativa de avaliar o que poderá ser perdido no caso de mudanças no uso da terra com a adoção de práticas intensificadoras da decomposição ou mineralização da matéria orgânica ou de aumentos de temperatura como conseqüência das mudanças climáticas globais e, mais recentemente, o que isto pode representar em termos de serviços ambientais de estocagem de carbono pelos solos. As estimativas do que se encontra estocado na forma de carbono orgânico nos solos do mundo variam de 1500 a 2300 Pg (petagramas, um petagrama corresponde a um trilhão de quilogramas ou 1.000.000.000.000.000 de gramas), dependendo da profundidade considerada. Estima-se que de 1850 a 1998, mudanças no uso da terra (basicamente desmatamento para implantação da agricultura) tenham sido responsáveis pela emissão líquida de 136 ± 55 Pg de carbono para a atmosfera, tanto pela decomposição de restos vegetais quanto pela mineralização/oxidação da matéria orgânica do solo (MOS). Os estudos de avaliação de estoques de carbono (EC) em solos têm sido feitos com o objetivo de se conhecer o mais detalhadamente possível o tamanho do compartimento solo como armazenador de carbono, imprescindível no auxílio ao levantamento dos conteúdos de carbono orgânico seqüestrados nos ecossistemas terrestres, levando em conta que em escala geológica, as trocas de CO2 entre a atmosfera e os solos são rápidas. O conhecimento detalhado dos valores e da dinâmica deste carbono pode ajudar na determinação do comportamento de sumidouro ou fonte de dióxido de carbono, principal gás de efeito estufa, do solo. Não há ainda consenso quanto a isto nem conhecimento detalhado do papel particular das classes de solo, embora existam estimativas genéricas razoavelmente confiáveis do conteúdo de carbono estocado nos solos do mundo. Embora a situação esteja mudando rapidamente, houve até há pouco aceitação quase consensual de que os conteúdos de matéria orgânica do solo até os 20-30cm superficiais seriam responsáveis pela quase totalidade do carbono orgânico (CO) estocado neste compartimento. Uma série de trabalhos recentes, no entanto, tem demonstrado a reconsideração de que há conteúdos nada desprezíveis de carbono orgânico em camadas mais profundas do solo, demonstrando o quão estável é este carbono, por isso podendo vir a ser um reservatório potencialmente mais eficiente em seqüestrar CO2 por períodos de tempo mais longos do que fazem as camadas mais superficiais. (Continua)
Por que a OPEP odeia o etanol
Excelente entrevista com o Sr. Miguel Jorge, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil, publicada no “Estado de SP” e reproduzida pelo Jornal da Ciência. Bom saber quais as estratégias utilizadas para demonizar o etanol. Vale conferir.
Composição química de rochas
Temos recebido muitas perguntas ultimamente sobre composição química de rochas, principalmente depois da publicação deste post. Comumente perguntam-nos algo do tipo “qual o elemento químico que forma o granito” ou outra rocha qualquer. É necessário que as coisas fiquem bem claras. Uma rocha é, em geral, um agregado de minerais. O granito, por exemplo, é majoritariamente formado dos minerais quartzo, feldspatos e micas. Um mineral, por sua vez, é uma substância, natural ou artificial, de composição química conhecida e característica, com estrutura atômica ordenada, geralmente na forma de cristais. Há minerais formados por apenas um elemento químico, como o ouro, mas a maioria dos minerais é de compostos multielementares. Há grupos de minerais “aparentados”, como os silicatos, formados a partir de inúmeras combinações físicas e químicas a partir de tetraedros de silício. Todos os minerais que compõem o granito por exemplo são silicatos: o quartzo e o feldspato são tectosilicatos e as micas são filossilicatos. A composição mineralógica das rochas ígneas dependerá basicamente da composição do magma a partir do qual se formaram. A composição das rochas metamórficas e sedimentares dependerá da composição das rochas ou sedimentos que lhes deram origem, lembrando que sedimentos são em geral resultado da intemperização (“decomposição”) de outras rochas ou da precipitação de compostos químicos. Dentro de determinado grupo de rochas, no entanto, há predominância ou maior presença de certos elementos químicos. As rochas ígneas ácidas são ricas em silício e relativamente pobres em ferro e magnésio, geralmente apresentando cor clara (leucocráticas) e são também chamadas rochas félsicas (de FELdspato e SÍlica), um exemplo é o próprio granito. Os solos originados destas rochas são geralmente mais amarelados. As rochas ditas básicas são menos ricas em silício e mais ricas em minerais contendo magnésio e ferro, por isso são também chamadas máficas, são rochas mais escuras (melanocráticas) e os solos delas originados costumam ser mais avermelhados. Um exemplo comum de rocha máfica é o basalto. Os minerais que compõem as rochas básicas são predominantemente silicatos: olivina, piroxênio, feldspatóides e feldspatos. As rochas metamórficas costumam ter composição semelhante à da rocha que lhe deu origem: o gnaisse é composto pelos mesmos minerais do granito. Dependendo do ambiente onde se dá o metamorfismo, no entanto, pode haver mudanças na composição em relação à rocha original. A composição mineralógica das rochas sedimentares, como já foi dito, depende da composição dos sedimentos. Rochas formadas a partir da litificação de areias de quartzo, como arenitos, são compostas principalmente por este mineral. Alguns arenitos, chamados de arcosianos, contêm também feldspatos. O calcário é formado da precipitação de carbonato de cálcio. A composição química dos solos, formados a partir do intemperismo químico e físico das rochas, é até certo ponto herdada da rocha parental.
Mais um ano sem Stephen Jay Gould
Meu hobby mais absorvente antes de fazer pós-graduação era fazer pesquisas genealógicas, minha e dos outros. Adquiri este hábito em minha adolescência, conversando com meu avô materno sobre velhos parentes. Acho que este passatempo tem algo a ver com minha personalidade e escolhas profissionais: não gosto de “conhecer” nada sem lhe saber a origem, como surgiu e se desenvolveu, em quais condições. Tenho bem claro na mente o momento em que minha “vocação” para divulgador de ciência. Comecei o mestrado em Fitotecnia na UFV em 2000 e vinha ávido por conhecimento. A Biblioteca da universidade me pareceu, e parece, um paraíso. Sempre tive o hábito nerd de realmente explorar bibliotecas e livrarias e numa destas ocasiões descobri a revista Natural History, do American Museum of Natural History. Dei de cara com um artigo do Stephen Jay Gould. Já ouvira falar dele, não fazia muito tempo seu livro O polegar do panda fora lançado no Brasil, mas não conhecia o homem e a obra. Sem exagero, ali descobri que eu queria fazer Ciência. Muito depois é que descobri que os escritos de Jay Gould eram um tanto controversos entre os próprios biólogos, alguns achando que ele fazia tempestades em copos d’água, exagerava conflitos meramente por recurso retórico. Naquele encontro inicial no entanto eu só tinha olhos para a erudição e estilo único do cientista. Em seus textos entendi a importância crucial da utilização do método científico, como a adoção daquela maneira de se abordar os problemas tinha um impacto veramente filosófico na maneira de interpretar o mundo, quem foi esta grande personalidade chamada Darwin, maior entre os maiores, porque sua descoberta do mecanismo da evolução, a seleção natural, mudara a forma como entendemos a vida. Em seus textos vi que se podia não só gostar da Estatística, que no tempo eu enfrentava, como também usá-la, como ele, para se encontrar forças para vencer um câncer. Em 20 de maio de 2002, pouco tempo depois de publicar seu 300° artigo em sua coluna “This view of life” na Natural History, intitulado “I have landed”, pequena obra prima em que fala de suas origens familiares e a continuidade da vida, Stephen Jay Gould morreu aos sessenta anos em seu apartamento em Nova Iorque, cercado de familiares, livros e fósseis. O Geófagos é fruto de seus textos, e como bom filho lembra tristemente sua morte. Voltando ao tema da gênese de coisas e fatos, o título deste post me veio de uma lembrança de juventude. Quando fazia graduação em Areia, Paraíba, muitas vezes viajei de Campina Grande para aquela cidade. Em certo ponto do caminho havia um bar, cujo dono era admirador do cantor Altemar Dutra e por isso instalou uma placa, razoavelmente visível, na frente do estabelecimento, com os dizeres “Mais um ano sem Altemar Dutra”. Eu achava aquilo engraçado, porque era uma placa que não perderia nunca a atualidade.
O infanticídio, a platéia e a lógica de Darwin
A opinião pública sempre fica indignada com fatos como este recentemente ocorrido em São Paulo, em que o pai e a madrasta são suspeitos, é bom repetir – por enquanto são apenas suspeitos – da morte de Isabella Oliveira Nardoni, uma garotinha de cinco anos. Há outros exemplos recentes como o daquela mãe, Simone Cassiano da Silva, que jogou a filha recém-nascida na Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte.
Animais criados em cativeiro, como os suínos, por exemplo, podem comer as próprias crias, motivados por deficiências nutricionais (de proteínas, ferro, etc.). Em grupos de animais que vivem em bandos, como leões e macacos, o líder recém-empossado pode matar as crias novas, filhas do líder anterior, para garantir a perpetuação de sua própria carga genética. Geralmente peixes, anfíbios e répteis não cuidam de seus filhotes, que são entregues à própria sorte na natureza, mas eles já nascem prontos e sabem se defender sozinhos e com eficiência, portanto ainda estão por aí.
Por que nos causa tanta indignação o fato, ou a simples suspeita, de que um pai ou mãe tirou a vida do próprio filho?
Primeiro porque nós racionalizamos o fato e, portanto, os nossos códigos de ética, moral, direito e religião condenam qualquer tipo de homicídio. Mas há uma razão maior. Darwin explica. E vejam só – vamos abrir um parênteses aqui – os nossos códigos de ética, moral, direito e religião também condenam com veemência, por exemplo, o uso de drogas, que causam violência, morte, aliciamento de menores e etc. mas neste caso ninguém se indigna tanto e com tanta intensidade como na questão do infanticídio. Voltemos a Darwin. No tempo em que o homem habitava as cavernas e a civilização humana ainda estava em seus primórdios, com um contingente populacional ainda reduzido, o homem e sua prole corriam riscos de toda sorte e natureza. E para piorar, nossos bebês nascem prematuros, você sabe por quê? Darwin também explica. Mas isso é outro papo. O fato é que eles nascem prematuros e precisam de muitos cuidados. Aqueles pais que cuidavam bem de seus filhos tiveram seus descendentes preservados até que os mesmos atingissem a idade reprodutiva ou mais e, portanto, estes pais tiveram sua carga genética garantida até a próxima geração, e assim por diante. Os outros pais, aqueles que não cuidavam bem de suas crias, perderam-nas antes que atingissem a idade reprodutiva, ou seja, na população como um todo sobressaiu-se, principalmente, a carga genética daqueles que se deixavam seduzir por um sentimento, que hoje nós consideramos muitíssimo nobre, chamado amor parental. Somos descendentes desses.
É a lógica da velha Seleção Natural, sobressaem na população aqueles indivíduos que apresentam um conjunto de características que são mais eficientes quando se trata de sua sobrevivência e preservação, e de sua espécie por conseqüência. É simples assim.
Daí a nossa indignação quando a dor e a tragédia atingem as crianças.
Traições, Darwin, Freud e o Povo
Vez por outra uma “celebridade” é flagrada pulando a cerca. De Bill Clinton ninguém quer saber mais, a mídia vive de fatos novos. Então, depois de Renan, desconhecido da mídia internacional, foi a vez do cabra de Nova York, um célebre internacional flagrado com a boca na botija (sem trocadilho). A seqüência é previsível. O cidadão vem à público com a patroa ao lado para se explicar. A cena, dependendo dos arroubos de quem olha, pode ser tanto cômica, quanto trágica. A mulher do Don Juan geralmente permanece calada e cabisbaixa, para horror das feministas. E segue-se a cantilena previsível, lá está “a mulher devastada”, “ultrajada”, “traída”, “ferida em sua dignidade”, “viúva de marido vivo” e tantos outros adjetivos proferidos por quem, talvez, nunca tenha encenado na prática aquele enredo de tango argentino. Alguém se lembra que o vice-governador de Nova York, ao tomar posse, tanto ele quanto a mulher – vejam só – assumiram antecipadamente que já tiveram casos extraconjugais? É isso aí meus caros, as puladas de cerca, tanto deles quanto delas, existem desde que o mundo é mundo, ou melhor, desde que a reprodução sexuada surgiu no pedaço (coisa de milhões de anos atrás, no Proterozóico). Ainda entram nesta conta duas condicionantes de peso, uma é que o homem ainda ocupa a maioria dos cargos públicos de destaque, aí proporcionalmente eles aparecem mais na hora do flagra. A outra condicionante é que, segundo a biologia evolutiva, parece que o homem é realmente mais propenso às puladas de cerca. Neste caso, Dr. Darwin explica mais que Dr. Freud. De um lado está o “Gene Egoísta” (invenção de Richard Dawkins) masculino querendo espalhar-se o quanto pode. Para contrabalançar, do outro lado está o “gene seletivo” (acabei de inventar) feminino colocando critério na festa, pois o pai de sua prole não pode ser qualquer um, e assim caminhamos todos. Nesta seara dos traídos, homem ou mulher, cada um se ajeita como pode. Não há receitas ou código de conduta para estas horas. No quesito traição, segundo um dito popular, o mundo é dividido em dois grupos, os que sabem e os que não descobriram ainda. O que precisamos mesmo é consultar com mais freqüência gente sábia, especialistas do naipe de Dr. Darwin, Dr. Freud, Dawkins, Kant, Dostoiévski, Schopenhauer, Nietzsche, Kierkegaard, Sartre e muitos outros. Mas há momentos em que é preciso ouvir também a filosofia popular, a voz povo, tão antiga quanto as puladas de cerca. Na minha região de origem, o leste de Minas Gerais, entre os tantos ditos populares dignos de nota, há um lapidar que diz: chifre bem administrado não é defeito, é qualidade. E fim de papo!
Anel de Blogs Científicos
Acaba de ser inaugurado pela USP Ribeirão Preto o Laboratório de Divulgação Científica que hospeda o Anel de Blogs Científicos, cujo objetivo é agregar os blogueiros de ciência de língua portuguesa. O Geófagos teve a honra de ser um dos primeiros blogs convidados e já fazer parte do dito anel. Quem nos convidou foi o coordenador do projeto, Prof. Osame Kinouchi, também blogueiro no ótimo Semciência. Há algum tempo fazemos parte de algo parecido, o português Divulgar Ciência. Agora o fenômeno blog ganha a academia e, felizmente, com os blogs de ciência. O Anel de Blogs Científicos convida os blogueiros de ciência a se inscreverem mandando um e-mail para o Gustavo Miranda Forte (“Zedy”) no seguinte endereço: forte@fmrp.usp.br. Blogueiros de ciência, unamo-nos!
Nicolelis, Nordeste e Nobel
Como algum desejado leitor fiel deve ter percebido, temos mudado um pouco o “perfil” dos textos publicados no Geófagos. Além de meramente educativos, nossos posts têm agora procurado sugerir soluções. Semana passada, neste post, sugerimos como alternativa para o real avanço da região Nordeste o abandono de tentativas destinadas ao malfado, como a agropecuária em regiões sobre embasamento cristalino, e a conversão da região em pólo científico e tecnológico, como o que acontece embrionariamente na UFCG, em Campina Grande. Além de ter nascido e crescido na região, observando-a e meditando alternativas, tenho sido influenciado também pelas ações do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, fundador do Instituto Internacional de Neurociências de Natal, que, depois de atingir sucesso e prestígio profissionais internacionais, resolveu adotar o Nordeste como sede de seu Instituto e tem, como nós, a idéia de transformar a região em algo como o Vale do Silício, na Califórnia. O Jornal da Ciência acaba de publicar este texto sobre Nicolelis e sua caminhada irreversível para o Nobel. Não nos ufanemos demasiadamente no entanto: Nicolelis é brasileiro, formou-se e doutorou-se no Brasil, mas só teve condições de se mostrar ao mundo porque universidades americanas viram e gostaram de seu trabalho, a ponto de lhe criarem um laboratório próprio, com seu nome. O Brasil não lhe deu condições para aqui trabalhar e produzir o que tem produzido, mas, tenho certeza, as “autoridades” se apressarão em dividir os louros, quando vierem. E continuarão sem concordar que o país não precisa mais de políticos, mas de cientistas.