África no Ambiente de Adaptabilidade Evolutiva

A espécie humana é africana. E nessa Blogagem Coletiva estamos escrevendo sobre a África, onde evoluímos, onde diversas pressões seletivas locais agindo em conjunto moldaram nossa mente. E nossa mente é um conjunto de mecanismos para processamento de informação que foram moldados pelo processo evolutivo para a resolução de problemas enfrentados em nosso ambiente ancestral.
O Ambiente de Adaptação Evolutiva não é necessariamente um lugar específico, como a África, ou um hábitat específico, como a savana, mesmo que lugares ou habitats possam eventualmente fazer parte dele. O Ambiente de Adaptação Evolutiva é uma composição de propriedades adaptativas relevantes que atuaram para cada espécie.
Funciona como um ambiente hipotético onde todas as propriedades que geraram as principais pressões evolutivas em nossos ancestrais estivessem presentes. Se caracterizarmos bem esse ambiente, podemos avaliar qual eram os dilemas evolutivos que mais pressionaram os membros das populações ancestrais, há cinco mil ou dez mil gerações atrás.
Seguindo a perspectiva do Ambiente de Adaptação Evolutiva, nossas características funcionais mentais seriam aquelas adaptadas a um ambiente social caracterizado por uma estrutura de sociedade caçador-coletor nômade existente no período Pleistoceno de 200 mil a 12 mil anos antes do presente. Os grupos humanos ancestrais apresentavam baixa densidade populacional, caracterizados por agrupamentos baseados no parentesco atingindo cerca de 200 pessoas. Os grupos apresentavam uma tecnologia simples, alta mortalidade infantil e baixa expectativa de vida. Alta vulnerabilidade ambiental e poucas opções de estilos de vida.
Os principais problemas adaptativos que nossos ancestrais enfrentaram foram: Problemas de sobrevivência e crescimento, caracterizado pelos desafios existentes até se chegar ao momento da reprodução, como detecção de animais perigosos; preferência alimentar e a detecção de alimentos contaminados entre outros. Problemas de acasalamento, ou seja, selecionar, atrair e reter um parceiro amoroso e executar o comportamento sexual requerido para o sucesso da reprodução. Problemas de parentais, ou seja, fazer com que a prole sobreviva e cresça até o momento da reprodução. E por fim existiam os Problema da ajuda à parentes caracterizado pelas ajudas na reprodução dos parentes e filhos de parentes.
Aqui estamos nós, uma espécie com uma mente calibrada para um ambiente caçador-coletor ancestral que se auto-introduziu em vários outros ambientes do mundo. E sempre que uma espécie é introduzida muito desequilíbrio ecológico ocorre, seja por ela não estar adaptada aos novos desafios seja pelo desbalanço nas relações ecológicas existentes. Boa sorte ao nossos descendentes.

Coevolução e Seleção Sexual no Caso da Vespa Tarada

Quer saber por que é muito mais fácil que vírus de computador se multipliquem via sites pornô? Então se ponha no lugar de uma vespa macho e desvende as relações entre a coevolução e a seleção sexual.
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As mudanças evolutivas recíprocas são o foco dos estudos coevolutivos. A coevolução pode ser definida como “mudanças evolutivas em um atributo de uma população em resposta a um atributo dos indivíduos de uma segunda população, seguido por uma resposta evolutiva da segunda população à mudança da primeira” (Janzen, 1980). Os estudos coevolutivos analisam os resultados diferentes tipos de interações entre populações que na maioria das vezes são entendidas como populações de espécies diferentes (Thompson,1989), mas populações dentro da mesma espécie, como macho e fêmeas, também coevoluem.
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Inicialmente o conceito de coevolução foi usado indiscriminadamente ao se referir a qualquer interação entre diferentes populações (Janzen, 1980). Atualmente o conceito está muito mais bem delimitado, reservado apenas para mudanças evolutivas claramente recíprocas, específicas e simultâneas. Tais pressupostos são facilmente contemplados se pensarmos na coevolução entre machos e fêmeas da mesma espécie.
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Nas espécies de reprodução sexuada, machos e fêmeas interagem específica, recíproca e simultaneamente ao longo de um amplo período evolutivo, o que possibilita a fácil exploração dos produtos e processos envolvidos nessa coevolução. Desta constatação é possível reconhecer a importância de se olhar para mudanças evolutivas recíprocas intra-específicas proporcionadas pela seleção sexual para o estudo da coevolução entre espécies diferentes.
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Os primeiros etólogos costumavam olhar os rituais de corte e acasalamento como uma associação harmoniosa, na qual machos e fêmeas cooperavam preenchendo funções de interesse comum aos dois sexos, tais como a “sincronização da receptividade sexual”, a “consolidação da ligação” ou ainda a “identificação de co-específicos”. Da mesma forma, como os primeiros ecólogos olhavam para a interação entre as diferentes espécies também como uma associação harmoniosa. Atualmente, a ênfase está colocada mais nos conflitos de interesse entre machos e fêmeas. Assim como se admite que ambos os sexos façam uma aliança incomoda, na qual cada um tenta maximizar o próprio sucesso na propagação dos genes, cada espécie envolvida num evento de coevolução também enfrenta conflitos de interesse (Krebs & Davies, 1996).
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A dinâmica coevolutiva entre machos e fêmeas pode abarcar a coevolução entre planta e polinizador, como é o caso do mimetismo sexual e a pseudocópula que ocorre na polinização das orquídeas do gênero Ophrys. Conhecido como mimetismo pouyanniano ou sexual ocorre quando uma flor de orquídea apresenta a forma, coloração (Spaethe, Moser & Paulus, 2007) e cheiro de acasalamento (Ayasse, Schiestl, Paulus, 2003) da fêmea de alguma espécie de abelhas na maioria dos casos, e na minoria, de vespas ou besouros todos espécie-específicos. Isso faz com que o macho da respectiva espécie seja atraído à flor para copular, o que acaba por dispersar as políneas para outros estigmas concluindo a polinização. O ajuste coevoluído não é apenas espacial, mas temporal. A atração dos machos pelas flores miméticas ocorre num período em que as fêmeas ainda não estão receptivas, ou às vezes nem disponíveis ainda.
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Recentemente, Schiestl e Cozzolino (2008), por meio de análises filogenéticas e comparativas em 18 espécies diferentes, encontraram indicações de que os alcanos presentes nos odores atrativos das orquideas Ophrys miméticas são características já presentes nos ancestrais do gênero. Tais compostos podem ser tidos como preadaptações existentes nas flores que evoluíram diversificando e intensificando-se ao entrar de carona na dinâmica química da seleção sexual coevoluída de insetos explorando, manipulando e às vezes superestimulando as preferências sensoriais e comportamentais dos machos.
Realmente os machos são manipulados pelas flores sem nenhum benefício em troca. Entretanto, após algumas tentativas passam a evitar o convite tentador das orquídeas, pois apenas machos inexperientes são enganados, e isso faz com que as orquídeas tenham menos oportunidades de polinização levando a uma maior pressão seletiva para o aumento da sua ornamentação (Andersson, 1994; Spaethe, Moser, Paulus, 2007).
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Segundo a teoria biológica da sinalização, os sinais evoluíram no emissor por manipular o comportamento do receptor em benefício próprio. Os sinais apareceram como instrumentos de manipulação, conduzindo assim, uma corrida armamentista entre a resistência à manipulação dos receptores e o poder de persuasão dos emissores (Krebs & Davies, 1996). Os machos polinizadores das orquídeas Ophrys estão evoluindo no sentido à resistência do sinal apresentado pela flor, porém sendo este muito semelhante ao sinal da fêmea da própria espécie, sua aptidão começa a diminuir a partir que eles começam ficar insensíveis às próprias fêmeas. Eles então estão presos em duas dinâmicas coevolutivas uma intra e outra interespecífica que fazem com que cada vez mais as orquídeas desse grupo fiquem mais perecidas com as fêmeas.
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Abaixo veremos no primeiro vídeo Sir Richard Dawkins narrando uma cópula alucinada de um macho vespa tarado por uma orquídea pra lá de sensual: compare na foto ao lado a orquídea poposuda e a fêmea que ela mimetiza. E no segundo veremos pela NewScientist que as orquídeas australianas que levam a vespa ao clímax do orgasmo tem mais chances de polinização.

Referências
Andersson, M. (1994). Sexual Seletion. Princeton: Princeton University Press.
Ayasse, M.; Schiestl, F. P.; Paulus, H. F. (2003). Pollinator attraction in a sexually deceptive orchid by means of unconventional chemicals. Proceedings Royal Society of London B, 270, 517–522.
Janzen, D. H. (1980). When is it coevolution? Evolution, 34(3), 611-612.
Krebs, J. R.; Davies, N. B. (1996). Introdução a Ecologia Comportamental. São Paulo: Atheneu.
Schiestl, F. P.; Cozzolino, S. (2008). Evolution of sexual mimicry in the orchid subtribe orchidinae: the role of preadaptations in the attraction of male bees as pollinators BMC Evolutionary Biology, 8:27
Spaethe, J.; Moser, W. H.; Paulus, H. F. (2007). Increase of pollinator attraction by means of a visual signal in the sexually deceptive orchid, Ophrys heldreichii (Orchidaceae). Plant Systematic and Evolution. 264: 31–40.
Thompson, J. N. (1989). Concepts of Coevolution. Trends in Ecology and Evolution. 4(6), 180-183.