150 anos do livro A Descendência do Homem e a Seleção Sexual de Darwin

Neste dia de 24 de fevereiro há exatos 150 anos foi publicado em Londres com dois volumes de 450 páginas o The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex de Charles Darwin. O livro foi um marco para o estudo da evolução humana e aqui no MARCO EVOLUTIVO não poderíamos deixar de celebrar esta data. Originalmente a ideia de Darwin era apenas ter um capítulo sobre humanos em seu livro The variation of animals and plants under domestication de 1866, mas como o livro já estava grande ele resolveu fazer em separado um pequeno ensaio sobre nossa ancestralidade primata e a seleção sexual, o que acabou crescendo e virando os dois volumes do The Descent of Man em 1871. Neste livro Darwin finalmente pode desenvolver tudo o que ele se referiu ao final do Origem das Espécies quando disse que, por conta da evolução por seleção natural, no futuro muita luz seria lançada sobre a origem dos humanos e nossa psicologia e história.

Intuitivamente sempre nos parece que a diferença psicológica entre humanos e outros primatas é enorme, tanto que até o Alfred Wallace abandonou a explicação evolucionista ao se tratar da mente humana por achar pouco possível de que toda nossa capacidade intelectual tenha evoluído naturalmente em contextos tribais aparentemente pouco exigentes por grandes inteligências. Muito do The Descent é uma reposta ao desafio de Wallace. Darwin argumenta que todas as nossas características psicológicas podem ser encontradas em algum grau em outras espécies, incluindo capacidades para a música, a beleza, e a moralidade. É por isso que numa carta a Wallace Darwin diz que a evolução humana era o maior e mais interessante problema para o naturalista.

Outra noção popular na época era a de que toda a exuberante beleza na natureza teria sido magicamente criada para satisfazer os humanos que seriam o ápice da evolução. Graças a Darwin e anos de pesquisa subsequente, hoje sabemos que a evolução não tem ápice e que somos tão únicos e tão especiais quanto cada uma das outras espécies. No The Descent Darwin argumenta que a beleza sonora e visual encontrada no mundo animal evoluiu naturalmente pelo processo de seleção sexual. Indivíduos mais vistosos e sonoros eram preferidos na busca por um parceiro sexual, o que ao longo de muitos ciclos de seleção, dá origem a cada vez mais beleza.

A evolução dos armamentos como chifres era mais facialmente explicada pela competição entre machos o que deixara as armas mais eficientes e maiores. Mas para explicar a evolução da beleza era necessário perceber que as fêmeas das outras espécies também têm senso estético e que a variação nesse senso estético era a pressão social favorecendo a evolução dos ornamentos animais. Portanto, para Darwin a beleza do pavão ou da ave do paraíso não necessariamente precisa indicar uma qualidade de sobrevivência, basta ela ser agradável o suficiente para as fêmeas da espécie que a ornamentação poderia evoluir sendo um fim em si mesma.

Atualmente como parte das celebrações do sesquicentenário do The Descent, diversas iniciativas tentam resgatar o que Darwin acertou e o que Darwin errou no livro, e todos o desdobramento mais atuais nos dois tópicos centrais do livro: evolução humana e seleção sexual. O livro A Most Interesting Problem: What Darwin’s Descent of Man Got Right and Wrong about Human Evolution apresenta uma releitura da perspectiva atual de cada capítulo relativo ao ser humano. Está sendo muito bem avaliado e me pareceu muito interessante tanto para quem quer se atualizar sobre evolução humana quanto para quem quer se aprofundar nas hipóteses do The Descent. Em Darwin, sexual selection, and the brain Micheal Ryan faz uma revisão das várias linhas de pesquisa relacionadas à ideia da Darwin sobre a evolução da beleza sendo um fim em si mesma. Em Darwin’s closet: the queer sides of The descent of man (1871), Ross Brooks ressalta como Darwin integrou a ideia de variação individual nos assuntos da seleção sexual o que foi fundamental para o nascimento da sexologia moderna. No Periódico Evolutionary Human Sciences existem uma compilação de artigos celebrando os 150 anos do The Descent, por enquanto com 3 artigos e com promessa de outros mais por vir.

Claro que como todo livro, o The Descent tem várias limitações e vieses de época, mas nele Darwin deixou claro que as origens evolutivas dos humanos podem sim ser desvendadas. E nesse sentido enquanto um programa de pesquisa a ser desenvolvido, Darwin deu uma inestimável contribuição à evolução humana. E, se percebermos como aspectos morfológicos, biogeográficos, interespecificamente comparativos, mas também psicológicos e comportamentais estão integrados, o The Descent pode ser considerado bem moderno. Isto porque, de lá para cá, ainda são poucos biólogos focando na psicologia e no comportamento, e pouco psicólogos focando na evolução. Felizmente as áreas estão cada vez mais se integrando e talvez um dia cheguemos ao grau de integração que o próprio Darwin expressou 150 atrás.

Ades Egypti e seu Entusiasmo Contagiante

Era impossível ficar ao lado de nosso querido César Ades, que nasceu no Cairo, Egito, e não ser levado por seu entusiasmo contagiante. Conheci o César em 2003 no XX Enconto anual de Etologia (EAE) em Natal, em meu terceiro ano de graduação eu ainda não havia encontrado minha área de pesquisa. Lá depois de uma brilhante palestra sobre todos os EAEs anteriores eu estava mais do que cativado pela Etologia, principalmente voltada para os humanos. Ele autografou meu livro de resumo e me desejou um futuro brilhante.

Em meu último ano de graduação fiz um trabalho sobre a consciência animal e se não fosse um texto do César ter me tocado e me motivado não teria tirado da nota máxima.

Em 2004, ao final de meu bacharelado na Unesp de Bauru com Sandro Caramaschi, ex-aluno do Prof. César, fui conversar com ele para estudar possibilidade de um mestrado. Eu estava super nervoso, mas ele me deixou bem a vontade e no decorrer da conversa percebemos que estávamos em sentidos contrários: ele era um psicólogo mais voltado para o comportamento dos outros animais e eu um biólogo interessado no ser humano. Então, ele me indicou a Profa Vera Bussab que acabou sendo minha orientadora de mestrado e de doutorado no Bloco F do IP-USP, inaugurado pelo César enquanto diretor do Instituto anos antes.

Sua disciplina de pós sobre Comunicação Animal me forneceu bases sólidas para um estudo comparativo da musicalidade humana. Cada aula com ele era uma maravilha, ambiente descontraído, informações precisas e conexões muito bem elaboradas.

Fora as belas homenagens oficiais a ele realizadas pelo Instituto de Psicologia da USP, muitas palavras relevantes e tocantes foram colocadas aqui na nossa Série Especial do ScienceBlogs Brasil em homenagem ao César, o Grande ao meu ver.

Eu (depois de ficar uma semana e meia fora do ar devido a uma fratura e cirurgia no braço dois dias após seu falecimento) gostaria de acrescentar algo que julgo muito louvável sobre ele. César Ades era tão entusiasmado e curioso por conhecimento que ele não conseguia se conter em apenas dar aulas, fazer pesquisas, publicar, orientar, ter cargos administrativos, organizar eventos, ele também fazia e valorizava a divulgação científica.

Ao ser esse acadêmico generalista digno de um Da Vinci moderno, a divulgação científica não poderia passar em branco. Ele deu diversas entrevistas tais como a brilhante ‘Psicologia e Biologia – Entrevista com César Ades’, e a ‘Entrevista: César Ades estuda a evolução do comportamento animal’. Escreveu e deu várias contribuições para a Ciência Hoje Criança como explicando a importância da limpeza nos animais em ‘Tá limpo!’. Ele deu várias palestras e também participou de várias comemorações do Dia de Darwin. Esse ano, César compareceu ao Catavento Cultural para participar de um talk show com o Prof Nélio Bizzo. Como sempre tudo bem descontraído e informativo. Ele sempre frisava na importância de Darwin enquanto o primeiro psicólogo evolucionista. Sua importância como divulgador é crucial e assim como todas suas outras características irá continuar inspirando gerações de pesquisadores e admiradores.

Uma de suas mais atuais metas era a de reunir etólogos eminentes da América Latina para um simpósio debatendo origens, desafios e perspectivas futuras da área, de modo a gerar um livro em conjunto sobre as experiências em cada país e a semente de uma aliança Latino-Americana de Etologia. Reuniremos esforços para realizar essa grande ideia junto a alunos e profs.

Um dos mais tocantes comentários sobre o César pra mim foi o do Prof. Fernando Ribeiro quando queria destacar uma virtude dele.

“Quem o vê hoje, e encanta-se com seu entusiasmo, conhece o mesmo César Ades de 40 anos atrás. E foi esse entusiasmo que escolhi, a fim de destacar uma de suas virtudes, ao cumprimentá-lo, na ocasião de sua indicação para o Instituto de Estudos Avançados, quando disse a ele: Fui percorrendo suas marcas, a inteligência, a erudição, o caráter… mas como me impus uma escolha, fiquei com o entusiasmo, sem o qual a inteligência não se acende, a erudição não se atinge, o caráter não se transmite. Sim, porque César Ades é, e sempre foi, um professor. Sua extroversão e a expressividade com que se comunica constituem sua face visível”

Fique agora com os dois vídeos de uma entrevista de César Ades concedida ao programa Trajetória da TV USP em 2011 e com o vídeo mais recente do César Ades no Dia de Darwin. Assim um pouco dele e seu entusiasmo sempre viverá em nós de modo a podermos contagiar toda uma outra geração com suas idéias e atitudes.

Dia de Darwin 2012

Comunicação Animal e Linguagem

“Se um leão falasse, nós não o entenderíamos” disse o filósofo Ludwig Wittgenstein. E o famoso rugido do leão dos estúdios MGM seria mais ou menos o que ouviriamos. Esta é a foto do leão, do cinegrafista e do operador de áudio do dia em que a cena do rugido da MGM foi gravada em 1924.

Os paralelos da comunicação animal e da linguagem humana pedem uma abordagem por um olhar comparativo e amplo. Não dá para isolar o ser humano ao estudar nenhum aspecto de nosso interesse. Temos sempre muito a ganhar ao situar os humanos entre ‘seus semelhantes’, os outros seres vivos.

Então, a dica dessa vez é a palestra gratuita “Comunicação animal e linguagem humana”, com o Prof. Dr. Didier Demolin, do Departamento de Linguística. Será realizada às 17h no dia 27 de outubro, essa quinta-feira. Além de gratuita é aberta aos interessados. Sala de eventos do IEA, Rua Praça do Relógio, 109, Bloco K, 5º andar, Cidade Universitária, São Paulo.

Haverá também transmissão ao vivo no site do IEA (Instituto de Estudos Avançados da USP). Não perca.

Segue abaixo um vídeo do físico teórico Michio Kaku falando que hoje nós já conseguimos, ao analisar o som emitido por mamíferos aquáticos, por exemplo, dizer que se trata de linguagem inteligente, porém ainda falta muito para conseguirmos decifrar o que estão dizendo.

David Attenborough, bowerbird, corvo e a orquídea mimética

David Attenborough, coroado como Sir pela Rainha da Inglaterra, vem coroar três temas de posts muito visitados aqui no MARCO EVOLUTIVO. Depois de nos falar sobre a imensa capacidade de imitação vocal do pássaro lira, David Attenborough, um dos maiores divulgador de documentários biológicos, apresenta agora três vídeos: um sobre o bower bird, outro sobre o corvo o outro sobre a orquídea que mimetiza a fêmea de vespa.

O bower bird, ave que constrói ninhos intensamente decorados como chamarizes de fêmeas foi tema de dois posts. Em Bowerbirds e a Arte de Seduzir I conhecemos os dotes artísticos na área da arquitetura e decoração desse grupo de pássaros australianos e vimos como a seleção sexual pode esculpir ornamentos extra-corpóreos.

Em Bowerbirds e a Arte de Seduzir II vimos que esses pássaros, além de exímios construtores de ninho, são imitadores de cantos de outras espécies também. E às vezes a fêmea se guia mais pela a acurácia e a variedade de espécies imitadas do que pelo próprio ninho decorado. Dessa forma até a canção pode ser encarada como um ornamento extra-corpóreo valorizado pela fêmea. No vídeo abaixo Sir Attenborough fecha a trilogia do MARCO EVOLUTIVO apresentando o bowerbird que constrói os ninhos maiores e mais ornamentados do mundo, o extremo em ornamento extra-corpóreo. Ele ressalta a dedicação e a opção de escolha dessas aves sobre o item decorativo mais esteticamente efetivo para as fêmeas.

O corvo mostrou toda sua capacidade mental ao passar no teste do autoreconhecimento no espelho em Curvando-se ao Corvo, o Pensador. Lá o próprio David Attenborough narra a façanha do uso do transito pelo corvo como uma ferramenta para abrir sementes. Cada vez mais percebemos que as capacidades intelectuais humanas não são o ápice de um grande salto qualitativo em relação aos outros animais. Mas sim são um contínuo em especialização compartilhada por muitos outros animais com ecologias semelhantes. No vídeo abaixo Sir Attenborough apresenta como o corvo com uso de ferramenta utiliza o ataque de seu oponente contra ele mesmo. Ele ressalta também como as técnicas de pesca de larvas usando ferramentas são transmitidas de geração em geração.

O caso da Orquídea que mimetiza a fêmea da vespa foi o tema do Coevolução e Seleção Sexual no Caso da Vespa Tarada. Lá vimos como um grupo de orquídeas que, ao se enveredar numa orgia pansexual com outro reino de seres vivos, acaba entrando na dinâmica de manipulação e exploração estética da seleção sexual de algumas vespas e abelhas. Vimos como os canais de estímulos sexuais estão abertos a manipulação por serem dificilmente deixados de lado na evolução sem um prejuízo na aptidão. No vídeo abaixo Sir Attenborough apresenta as diferentes maneiras que as orquídeas induzem os machos de vespa a levarem de flor em flor seus sacos de pólen numa orgia de zumbidos. Ele ressalta as formas, cores e cheiros das orquídeas que super excitam os machos.

Simpósio de Sexologia e Coletânia em Seleção Sexual

Nesta quinta feita, dia 01/09 tem início na UNESP de São José do Rio Preto o Simpósio de Sexologia promovido pelo Centro Acadêmico de Biologia “3 de Setembro”. O evento abordará os estudos acerca da sexualidade, envolvendo três grandes temáticas: a biológica comparativa e adaptativa; a do direito envolvendo aborto e crimes sexuais; e a informativa e de saúde envolvendo orientação sexual, sexualidade nas universidades e DSTs. Achei muito interessante a programação, pois geralmente a abordagem evolutiva para a sexualidade está fora da Sexologia.

Durante o Simpósio de Sexologia eu darei um mini-curso sobre a Evolução das Estratégias Sexuais. Para os participantes e para todos interessados no tema eu recomendo que leiam os posts sobre seleção sexual do MARCO EVOLUTIVO. Para descobrir sobre os padrões da seleção sexual nos outros animais vejam:

Para descobrir influências da seleção sexual no comportamento humano vejam:

E para vejam ótimos vídeos de especialistas no assunto vejam:
 

E falando em ótimos vídeos, aqui veremos em primeira mão um vídeo colocado hoje no youtube de um podcast do Biólogo Evolucionista Tim Clutton-Brock do Museu de Zoologia da Universidade de Cambridge. Nele Clutton-Brock aborda primeiro o desafio à evolução que os ornamentos representaram pra Darwin e sua solução foi criar a Seleção Sexual. Ele separa a beleza em dois tipos: a beleza simples e funcional do design adaptativo que evoluiu por seleção natural; e a beleza exagerada, multifacetada e complexa dos ornamentos que evoluiu por seleção sexual.

Ele fala que a seleção sexual, apesar de pensada só para formas e cores, atua em todas as formas de sistemas de sinalização e envolve sons e cheiros atraentes. Para ele as aves e mamíferos diferem quanto aos canais de comunicação o que pode ser evidenciado nas diferenças de ornamentos. As aves são em geral mais visuais e sonoras enquanto os mamíferos são em geral mais voltados para os ornamentos olfativos. Ele borda também que a maioria das pesquisas tem foco nas exibições masculinas, mas que atualmente os ornamentos femininos estão sendo mais estudados. Aborda também o efeito da assimetria no investimento parental nas diferenças sexuais nos humanos e nos benefícios que as fêmeas têm na seleção sexual.

A Mente Musical

Ocorreu em Goiânia no final de maio o V Simpósio de Cognição e Artes Musicais (SIMCAM). Um verdadeiro ponto de encontro entre humanidades e ciências em torno da musicalidade humana. Uma iniciativa anual de cinco anos da Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais, composta por pesquisadores brasileiros de diversas áreas de educação musical até neurociências da música.

O SIMCAM sempre tem convidados internacionais, ótimas palestras e mesas redondas, apresentações orais e de pôsteres, além de várias apresentações musicais de todos os estilos e gêneros: de música barroca até eletroacústica. O SIMCAM é sempre uma ótima oportunidade para conhecermos melhor pesquisas e pesquisadores interessados nos vários aspectos de musicalidade humana.

Nesse ano foram dois os convidados internacionais. A Katie Overy da University of Edinburgh, Reino Unido não pode comparecer de última hora, mas mandou sua apresentação e o pdf do seu artigo a tempo de divulgar a todos suas pesquisas. Sua comunicação girou em torno das relações entre a experiência musical e o sistema de neurônio espelho propondo um modelo de experiências afetivas e gestuais da música.

O Steven Brown da McMaster University, Canadá compareceu e falou sobre porque algumas pessoas cantam desafinado. Mostrou com suas pesquisas como a desafinação não está relacionada a aspectos da memória, da percepção melódica, nem habilidade motora e sim na habilidade imitação vocal. Sua palestra foi muito interessante, pois além de tudo mostrou várias pessoas cantando desafinado, cantos de outras espécies e de outras culturas, que arrancou risadas e exclamações da platéia.

O Steven Brown ainda veio para o Instituto de Psicologia da USP dar uma disciplina de pós-graduação a convite meu e da minha orientadora. A disciplina foi sobre as Artes e o Cérebro e ele abordou o estudo unificado das artes, suas origens evolutivas, os mecanismos cerebrais envolvidos na dança e módulos cerebrais relacionados a diferentes manifestações artísticas. A disciplina foi muito boa, rica em conteúdos e discussões. Apareceram quase 30 alunos dentre mestrandos doutorandos e professores de outras unidades.


A grande quantidade de pessoas interessadas na disciplina somada às centenas de pessoas que já participaram dos SIMCAMs mostram crescente interesse pelas pesquisas sobre artes e principalmente música. Muitos livros atualmente estão sendo lançados sobre o tema dentre os famosos estão o “Alucinações musicais” do Oliver Sacks e o “This is your Brain on Music” de Daniel Levitin.

em busca da mente musical.jpg
A união interdisciplinar promovida pela Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais já até culminou no o primeiro livro brasileiro sobre cognição musical, o “Em Busca da Mente Musical”, um esforço de vários autores editado pela Beatriz Ilari da UFPR. O livro conta com um capitulo escrito pelo próprio Daniel Levitin.

Abaixo veremos vídeo e entrevista de Oliver Sacks comentando sobre os interessantes casos neurológicos relacionados à musicalidade, como sinestesias e amusias. E NESSE link vocês poderão assistir um documentário The Muscial Brain de 45 min com Daniel Levitin sobre vários aspectos do cérebro musical desde o desenvolvimento musical em bebês até a evolução da musicalidade. Nesse documentário Levitin submete o cantor Sting do The Police ao imagiamento cerebral realizando diferentes tarefas. São Vídeos e livros imperdíveis para os amantes da ciência e da música.

Novos Blogs sobre Etologia no Brasil

Gansos me biquem! Devo estar sonhando… Mas felizmente não estou!! É com enorme satisfação que saúdo e apresento os mais novos blogs sobre Etologia que acabam de adentrar na Blogosfera científica. São eles o ETOLOGIA NO BRASIL criado em 29 de dezembro do ano passado e o Mais sobre Etologia criado exatamente hoje. Eu por ser sócio da SBEt fico particularmente feliz e orgulhoso com a iniciativa.

Trata-se de uma iniciativa da Sociedade Brasileira de Etologia (SBEt), que está com a página repaginada, tudo para ampliar a difusão dos temas e enfoques etológicos no Brasil. “O blogue é uma espécie de jornal (quase) diário da SBEt, onde serão veiculados assuntos bastante diversos sobre etologia no Brasil e no Mundo. Artigos interessantes, curiosidades, temas polêmicos e dicas serão veiculadas no blogue. Resultados de pesquisas, teses, dissertações e monografias defendidas (ou a serem defendidas) serão anunciadas no blogue. Eventos, reuniões, cursos, congressos (locais, regionais, etc) serão veiculados sempre que necessário.”

Para seguir os feeds dos blog o endereço é

http://etologiabrasil.blogspot.com/feeds/posts/default para o ETOLOGIA NO BRASIL e http://maisetologia.blogspot.com/feeds/posts/default para o Mais sobre Etologia

Eles também aceitam contribuições: “qualquer assunto, fotos, gráficos, informações as mais diversas relacionadas à etologia serão bem-vindas.” É só entrar em contato pelos blogues.

Essa é uma ótima iniciativa, pois além de dar um maior gás para integrar pesquisadores da biologia do comportamento animal, “o blogue não se destina somente aos sócios; é uma mídia para todos os públicos que queiram saber alguma coisa sobre etologia.” E isso é muito bom, pois muitos etólogos gostam e acham importante a comunicação científica, mas diversas decepções com jornalistas acabam tolhendo suas iniciativas, daí a importância dos blogues, para não existir intermadiários entre o pesquisador e o plúblico.

Esse Ano de Darwin será particularmente importante para a biologia do comportamento, pois teremos dois grandes congressos científicos: no primeiro semestre teremos o 46º Animal Behavior Meeting que ocorrerá entre os dias 22 a 26 de junho e contará com palestra de Sir Richard Dawkins.

E no segundo semestre teremos o XXVII Encontro Anual de Etologia que será na cidade de Bonito em novembro, com promessas de participações internacionais com participantes convidados da América Latina e grandes homenagens a Charles Darwin. Então vamos ficar ligados na notícias e eventos sobre Etologia e comemorarmos juntos o Ano de Darwin, o primeiro grande etólogo.

Bowerbirds e a Arte de Seduzir II

É claro que na festa de aniversário do MARCO EVOLUTIVO estaria presente um grande artista dando um show. Conhecemos os bowerbirds em post anterior e vimos também a força da seleção sexual na evolução de ornamentos estéticos extra-corpóreos. Essa mesma seleção sexual no caso do Lyre bird pressionou a evolução de uma enorme capacidade de imitação vocal, que é muito difundida por entre as exibições sexuais de macho de muitas espécies, inclusive nos bowerbirds. Então será que é possível que ambas as formas de exibição possam estar relacionadas? E qual das duas as fêmeas gostam mais?
.
Um artigo na Biology Letters nos responde a essas questões e mostra como as habilidades de construção estão relacionadas com as de imitação. Coleman et al (2007) mostraram que as preferências das fêmeas podem favorecer tanto a acurácia quanto a complexidade das exibições de imitação vocal de macho satin bowerbird, um espécie de olhos azuis que adora objetos azius.
.
Eles testaram duas hipóteses sobre a função da imitação vocal em população natural de satin bowerbird. Segundo a hipótese da acurácia da imitação, as fêmeas acessam a qualidade e fidedignidade da imitação na escolha de parceiros, então a acurácia da imitação estará positivamente relacionada com o sucesso no acasalamento. Segundo a hipótese do tamanho do repertório, as fêmeas acessam o número de diferentes imitações vocais do macho quando escolhem parceiros, então o sucesso no acasalamento estará positivamente relacionado à quantidade de diferentes espécies imitadas pelo macho.

Por meio de comparações espectrográficas das exibições de imitação da corte do macho satin bowerbird com os cantos das espécies imitadas eles apoiaram ambas as hipóteses. Tanto a acurácia quanto o número de espécies imitadas contribuem positiva e independentemente para o sucesso no acasalamento do macho. A regressão múltipla mostrou que o número de espécies imitadas explicou 58% da variação no sucesso de acasalamento, mais do que a acurácia da imitação, que foi responsável por 38% da variação no acasalamento.
.
Além disso, eles encontraram que tanto a acurácia quanto a variedade de cantos imitados estão positivamente correlacionados outros elementos da exibição masculina sabidamente importantes para o sucesso no acasalamento, como a qualidade do ninho construído e a atratividade de sua decoração. Tanto que a acurácia da imitação e a variedade de espécies imitadas explicaram mais o sucesso no acasalamento do que a qualidade e a decoração do ninho. Apesar de que a acurácia da imitação e a variedade de imitações não estarem relacionadas com a carga de ectoparasitas e nem as condições corporais, tais parâmetros podem prover às fêmeas informações importantes sobre a qualidade do macho quando jovem, época em que aprendem e refinam suas exibições sonoras.
.
Agora veja no primeiro filme as artimanhas que os machos satin bowerbird usam para acumular objetos azuis para decorar seu ninho e por sua vez impressionar a fêmea. No segundo e no terceiro vídeo note a variedade de imitações de cantos diferentes que eles fazem na hora da corte. E neste link veja Sir David Attenborough falando sobre a extraordinária capacidade de construção e de decoração estética dos bowerbirds.

Referência
Coleman, S. W.; Patricelli, G. L.; Coyle, B.; Siani, J. & Borgia, G. (2007) Female preferences drive the evolution of mimetic accuracy in male sexual displays. Biology Letters, 3, 463-466.

Bowerbirds e a Arte de Seduzir I

Pense num animal que produza arte… Muito bem por considerar o ser humano mais um animal!! Mas agora pense em outro animal que produza manifestações artísticas, ou seja, manifestações intencionais extra-corpóreas, esteticamente valorizadas, bem trabalhadas, ornamentadas, muito apreciadas e invejadas. Será que existe? Lembre-se que não somos o ápice da evolução, nem somos os únicos a ter auto-conhecimento, característica que compartilhamos com orangotangos, golfinhos e elefantes.

Então será que até manifestações artísticas não são exclusividade dos humanos? Pois então conheça os Bowerbirds, ou pássaro-arquiteto, e descubra a continuidade evolutiva entre a ornamentação corporal e a arte, ou melhor, ornamentação extra-corporal. Os Bowerbirds são um grupo de várias espécies de pássaros da Austrália e Nova Guiné. Eles têm apenas 21 cm de altura, mas constroem ninhos de até 3m de vários tipos e formatos que enfeitam com flores, conchas, besouros e qualquer outro objeto coloridos.
.
.
As fêmeas ancestrais de Bowerbirds desenvolveram um incrível senso estético, por isso, elas parecem favorecer ninhos robustos, simétricos e bem enfeitados com cores que podem refletir inclinações sensoriais. Eles realizam danças na frente desses ninhos, e quando uma parceira aparece, elas inspecionam e se gostaram andam para dentro do ninho, acasalam, e a fêmea sai para construir um outro ninho, pequeno e funcional, onde irá colocar seus ovos, sem qualquer participação do macho. Isso mesmo, tanto o macho quanto a fêmea constroem ninho, mas só o das fêmeas serve para chocar os ovos, pois o do macho seduz as fêmeas.
.
A qualidade do ninho artístico, o número de decorações preferidas e as danças e cantos contribuem muito para o sucesso reprodutivo dos machos. Muitas fêmeas, de coloração mais clara, se acasalam com um único macho depois de visitar os ninhos de muitos machos. Alguns machos chegam a acasalar com 25 fêmeas em seu “ninho de amor” em uma estação de reprodução. As fêmeas que acasalaram com macho de alta qualidade reduzem muito suas buscas por ninhos e acabam retornando para acasalar com o mesmo macho nos anos sucessivos. E quanto mais experiente a fêmea fica ao longo das épocas de acasalamento ela passa da dar menos valor para a decoração do ninho e mais para o canto e a dança do macho.
.
O alto custo despendido na construção, confecção e decoração dos ninhos pode refletir indicadores de aptidão do macho. Além disso, os machos brigam uns com os outros, tentando destruir os ninhos alheios, e tendo que lutar para defender e manter impecável o seu ninho. Isso mostra a aptidão do macho, pois se ele é capaz de construir um ninho com 15 vezes sua altura, decorá-lo, e mantê-lo inteiro e vistoso apesar do ataque constante de outros machos, é porque a sua aptidão é muito alta, e ele trará melhores características para passar para sua prole.
.
.
Os ornamentos extra-corpóreos assim como os ornamentos corpóreos, como penas e cores, também evoluem por seleção sexual. Richard Dawkins cunhou o conceito de fenótipo estendido que é o alcance total dos genes do indivíduo no ambiente. Dawkins argumentou que os genes são selecionados, muitas vezes, pelos efeitos que se espalham para fora do corpo e chegam ao ambiente. Então, se até as construções estéticas do Bowerbird evoluíram por seleção sexual imaginem as nossas construções estéticas. Veja no vídeo abaixo a difícil vida artistica de um Bowerbird.

Vou te dar muita pressão, vou sim!

Um dos maiores ensinamentos evolutivos é que devemos tentar ao máximo olhar para os seres vivos – inclusive para o animal humano – com o mesmo estranhamento que um biólogo marciano olharia. Ou seja, abandone seu antropocentrismo! Com esse sentimento podemos capturar as verdades evolutivas por trás do óbvio ao nosso redor, inclusive da letra de funk acima.

Desde Darwin e Wallace e os primórdios da seleção natural a questão sobre a consciência ou acaso das pressões seletivas era muito controvertida. O próprio Darwin salientou que “Muitos escritores têm compreendido mal, ou têm criticado o termo Seleção Natural. Alguns têm mesmo imaginado que a Seleção Natural induz à variabilidade, quando pelo contrário envolve somente a conservação das variações acidentalmente produzidas, quando são vantajosas ao indivíduo nas condições de existência em que vive. […] Outros têm objetado que o termo seleção envolve uma escolha consciente nos animais que tornaram modificados; e tem-se mesmo argumentado que sendo as plantas isentas de qualquer vontade, a Seleção Natural não lhes é aplicável!”
Como a palavra “acidentalmente” deixa bem claro as pressões seletivas da Seleção Natural não envolvem qualquer tipo de consciência – para desespero dos criacionistas de designers inteligentes. O algorítimo darwiniano é nada mais do que uma receita que independe do substrato, dadas as condições e ingredientes certos ela sempre funcionará mecanicamente. Essa é a famosa perigosa idéia de Darwin esmiuçada por Daniel Dennett (1995).

Então podemos pensar que o “Vou te dar muita pressão” não passa de um absurdo criacionista, pois Darwin mostrou concretamente que o sujeito da oração (sem duplo sentido religioso heim! Eu quis dizer “frase”) não é indeterminado nem está oculto, é inexistente. Darwin ainda acrescenta que “No sentido literal da palavra, não há dúvida que o termo Seleção Natural é um termo errôneo; mas quem jamais criticou os químicos, por se servirem do termo afinidade eletiva falando de diferentes elementos? […] Todos sabem o que significam e o que querem exprimir estas expressões metafóricas e que são quase necessárias para a concisão.”

Mas será que todo termo evolucionista “seleção” está tão isento de vontade própria assim? Mas é claro que não! E foi o próprio Darwin quem matou a charada descobrindo a Seleção Sexual. Ao contrário do sentido totalmente casual e mecânico do “seleção” da Seleção Natural, a Seleção Sexual envolve sim uma vontade direcional. Mas não uma vontade direcional divina, uma vontade literalmente animal. Essa vontade intencional própria é uma das maiores pressões seletivas na evolução dos animais, pois são as mentes dos próprio animais que exercem pressão evolutiva em outros animais.
As mentes, enquanto funcionamento do sistema nervoso, são tão materiais quanto o funcionamento do liquidificador. O interessante é que um simples processo mecânico não-intencional pôde originar aparatos complexos e intencionais como as mentes animais (que maravilha de idéia perigosa). E são as escolhas por livre e espontânea vontade dessas mentes que são o obvio sujeito oculto por trás da frase de funk.
Agora que percebemos que o “eu” oculto no “Vou te dar muita pressão” não é divino, mas sexual olhamos com outros olhos o óbvio sentido sexual da letra. Além disso, as pressões seletivas intencionais não estão só restritas às escolhas que os animais fazem intra-especificamente como na seleção sexual, pois até quando se relacionam com outras espécies sejam animais ou plantas estão “dando muita pressão” também. Mas, é claro que as forças são maiores na difícil vida intra-específica grandemente abarcada pela Seleção Sexual.
Chegado o estranhamento, vamos aos indícios. Se existe uma diferença qualitativa da pressão metaforicamente seletiva da Seleção Natural para a pressão literalmente seletiva da Seleção Sexual esperaríamos encontrar adaptações mais refinadas, complexas e mais bem esculpidas fruto das pressões intencionais.
Aqui veremos um vídeo sobre como a paisagem passiva das florestas pressionou o canto das aves florestais para sons mais simples, com notas longas bem demarcadas e com menos variação de notas – características sonoras que escapam às barreiras refletoras de sons das folhas. Veremos também como a pressão seletiva é diferente no alto na floresta do chão dela. Em quanto que neste vídeo veremos como a paisagem psicológica intencionalmente ativa das aves moldou as mais requintadas cores e exibições de corte.
Depois desse texto você nunca mais ouvirá o Bonde do Tigrão do mesmo jeito. Porque o simples ato de escolher ouvir sempre ou nunca mais ouvir essa música já é “dar muita pressão” literalmente.
Referência
Carvalho, E. M. M. (Org.) (1986). O Pensamento Vivo de Darwin. São Paulo: Martin Claret.
Dennett, D. (1995). A perigosa Idéia de Darwin. Rio de Janeiro: Rocco.