Psicologia Evolucionista – Edição Especial Psique

A edição Especial Psique Ciência & Vida sobre Psicologia Evolucionista saiu no final de 2007 pela editora Escala. “Um olhar sobre a Psicologia Evolucionista”, que ainda está nas bancas, e é nada mais nada menos que a primeira publicação nacional em divulgação científica sobre Psicologia Evolucionista feita por pesquisadores da área no Brasil.
A pretensão foi mostrar ao leitor interessado como as ações mais simples, atuais e corriqueiras, como escolher uma roupa, assistir TV ou mesmo prestar atenção em certas coisas em detrimento de outras, podem ser explicadas e estudadas pela Psicologia Evolucionista. E o resultado já está aparecendo desde no site do Projeto Milênio em Psicologia Evolucionista até em postagens na comunidade de Psicologia Evolucionista do orkut até elogios em blogs de ciência, como no Científica Mente.
O Especial é fruto de um empenho de divulgação inteiramente voluntário de graduandos em psicologia e pós-graduandos em Psicologia Experimental da USP em parceria com graduandos em psicologia e pós-graduandos em Psicobiologia da UFRN. Nas palavras editoriais: “Trabalhando com o rigor científico que caracteriza esta disciplina, há hoje um profícuo grupo de profissionais e estudantes, em diferentes centros geradores de saber no País, dedicados à pesquisa de temas tão centrais na definição do que seja ser humano [Se referindo ao Projeto do Milênio de Psicologia Evolucionista]. Alguns deles se dispuseram generosamente a compartilhar seus conhecimentos e descobertas nas páginas deste Especial da revista Psique e produziram textos ricos e esclarecedores sobre a aplicação da Psicologia Evolucionista nos mais diferentes contextos.”

O Especial conta com 8 textos escritos por pesquisadores especialistas (no qual estou incluído), dois retirados da Agência Notisa de Jornalismos Científico, uma lista com dicas de livros da área, uma lista com dicas de links importantes e um fechamento feito pela também especialista Doutora Cibele Biondo na Coordenação Técnica.

O texto introdutório intitulado “Uma longa história” pelos psicólogos Altay Alves de Souza e Leonardo Cosentino em conjunto com os biólogos José Henrique Ferreira e eu, Marco Varella, apresenta de forma simples as história dos antepassados da Psicologia Evolucionista e seus fundamentos teóricos e conceituais. Alem disso, apresenta também um histórico da pesquisa nacional na área graças ao Grupo de Trabalho de Psicologia Evolucionista na Associação Nacional de Pós-Graduação em Psicologia e ao Instituto do Milênio de Psicologia Evolucionista.
O segundo texto trata dos mal-entendidos. Em “A era dos mal-entendidos” Isabella Bertelli, estudante de psicologia e eu, Marco Varella, biólogo apresentamos a questão dos mal-entendidos mais comuns sobre da Psicologia Evolucionista. Como todo campo de ciência, a Psicologia Evolucionista sofre críticas e contestações. O propósito deste artigo é oferecer subsídios conceituais esclarecedores aos leitores para conseguirem diferenciar uma crítica fundamentada de críticas baseadas em interpretações equivocadas e preconceituosas, gerando problemas de entendimento.
O terceiro é sobre Neotenia, expresso no artigo “Que olhos grandes você tem!” da psicóloga Lia Viégas. Ela conta como as características neotênicas (infantilizadas) geram efeitos nas pessoas e como isso ocorre como resultado de um importante processo evolutivo que contribuiu na sobrevivência e reprodução do ancestral humano no passado e hoje garante a vinculação materna (e os afagos) dos nossos bebês.
O terceiro texto é sobre diferenças cerebrais entre homens e mulheres. É um texto extraído da Agência Notisa de Jornalismos Científico que aborda apenas a Neurociência e não faz muita ligação com a Psicologia Evolucionista. É sobre uma cardiologista que escreveu um livro sobre as diferenças cerebrais entre homens e mulheres “Porque os homens nunca lembram e as mulheres nunca esquecem”. Isso mostra como as agências de notícia vêm negligenciando a Psicologia Evolucionista e até confundindo com Neurociências.
O quarto texto é sobre heurísticas e tomadas de decisão. O artigo “Será que caso ou compro uma bicicleta?” dos psicólogos Altay Alves Lino de Souza e Álvaro da Costa Batista Guedes aborda um dos comportamentos mais prosaicos e importantes do ser humano: tomar decisões. Eles detalham quais são os mecanismos implícitos nos processos de julgamento e tomada de decisão, como eles poderiam ter ajudado nossos ancestrais a sobreviver e a reproduzir e como por meio deles, podemos cometer “erros” sistemáticos.
O quinto texto é sobre desejo por variedade sexual. É a reedição do meu texto sobre as primeiras pesquisas inter-culturais com relação ao desejo por diferentes parceiros sexuais ao longo na vida e as diferenças entre homens e mulheres. Este texto está postado numa versão melhorada aqui no MARCO EVOLUTIVO.
O sexto é sobre as visões evolucionistas sobre a depressão pós parto. Tema que tem vindo a tona não só no âmbito científico, mas também na comunidade como um todo. Sobretudo após as freqüentes notícias de bebês abandonados ou mesmo infanticídios. O artigo “Quando a dor é Mãe” das psicólogas Gabriela Andrade, Lia Viegas, Marina Cecchini e Emma Otta com a bióloga Renata Pereira de Felipe apresenta como a Psicologia Evolucionista pode contribuir nessa questão de saúde pública.
O sétimo é sobre a neurologia da homossexualidade. Mais uma vez a Psique por intermédio da Agência Notisa de Jornalismos Científico confunde Psicologia Evolucionista com Neurociência. O texto focado em como as preferências sexuais se instalam nas áreas cerebrais aborda também pesquisas genéticas sobre a homossexualidade.
O oitavo texto é sobre a seleção de parceiros amorosos. Em “Procura-se”, a psicóloga Luísa Spinelli e o biólogo Wallisen Hattori apresentam os fundamentos teóricos da Seleção Sexual e da Teoria do Investimento Parental. Além disso, eles apresentam os resultados empíricos de diferentes pesquisas sobre as preferências afetivo-emocionais para a escolha de parceiros e as diferenças entre homens e mulheres. Tudo indica que em matéria de sexo, Darwin explica!
O nono texto é sobre a amizade e a constituição de vínculos. Em “Uma mão lava a outra” o biólogo César Ornelas discute qual a importância das estratégias sociais como forma de obter sucesso e garantir a sobrevivência na comunidade. Neste ponto entra a questão do egoísmo e altruísmo e qual a importância de cada um para a sobrevivência do indivíduo e do grupo.
Na lista de livros constam: Tabula Rasa de Steven Pinker; Não há dois iguais: Natureza humana e individualidade de Judith Harris; The Evolution os Mind: fundamental questions and controversies de Steve Gangestad e Jeffry Simpson (eds.); Introducing Evolutionary Psychology de Dylan Evans e Oscar Zarate; Instinto Humano de Robert Winston; e O Pensamento de animais e intelectuais: evolução e epistemologia de Denis Werner.
Na lista de links constam o Center of Evolutionary Psychology, o The Human Behavior & Evolution Society, o The International Society or Human Ethology, O Instituto do Milênio, o Laboratório de Psicologia Comparativa e Etologia da USP, e a Sociedade Brasileira de Etologia. Todos esses links e outros se encontram na lista de links do MARCO EVOLUTIVO.
E no fechamento a Doutora Cibele Biondo faz um brilhante balanço dos textos publicados, da contribuição da visão biologicamente cultural da Psicologia Evolucionista para a Psicologia e Ciências Humanas bem como enquanto campo frutífero de pesquisa em plena expansão mundial e nacional.
No geral o grupo trabalhou muito, dentro do prazo editorial curtíssimo, e fez um ótimo e inédito trabalho de esclarecimento público, porém alguns erro editoriais apareceram, pois não tivemos acesso à versão editada pronta para a publicação. Os erros foram desde grandes atribuições errôneas de autoria a até pequenos detalhes dos textos principalmente nas legendas de figuras. Mas que no geral não desmerece todo o esforço e entusiasmo depositado nesta empreitada nova tanto para muitos autores quanto para a divulgação científica nacional.
Todos estão de parabéns pesquisadores, divulgadores e editores pelo magnífico presente aos leitores brasileiros. Boa Leitura!

Criatividade: nossa cauda de pavão mental

Você já assistiu a algum programa mostrando premiações de comerciais de televisão? Um comercial melhor que o outro, mais engraçado, mais inusitado, mais criativo. Não dá para assistir e não ficar admirado com a capacidade criativa do ser humano. E por mais que a estrutura do comercial seja previsível, o desfecho sempre é inusitado e interessante. Todo comercial premiado tem um começo que soa estranho ou óbvio sobre algo familiar, daí no final vem a pérola criativa, o clímax, que dá um novo sentido para a estranheza ou para o óbvio inicial. Essas criações humanas nos deixam instigados em compreender as origens dessa capacidade criativa que permeia toda a vida social do ser humano.
A criatividade é frequentemente considerada uma das características fundamentais do nosso comportamento moderno. Enfoques etnográficos, arqueológicos e etológicos mostram que muitos dos comportamentos que expressam a criatividade, como a ornamentação corporal, a pintura, a dança, a música, o humor e a criação de histórias são comportamentos universais para todas as culturas e têm raízes em épocas muito antigas. Somado a isso, a facilidade e espontaneidade com que as crianças precocemente expressam sua criatividade em brincadeiras nos sugerem que nossa capacidade criativa seja uma potencialidade intrínseca da natureza humana.
Adaptação mental
Mas será que a criatividade humana é apenas um efeito colateral da atividade neural caótica de nossos cérebros complexos e grandes? Ou ela teria algum valor adaptativo ao longo de nossa evolução? Tendo em vista a universalidade, a antiguidade e a precocidade envolvida nos processos criativos, bem como a quantidade de energia e tempo que gastamos com comportamentos criativos, desde produção, participação e apreciação, é bem possível que a cognição envolvida na criatividade tenha desempenhado alguma função adaptativa em nosso ambiente ancestral. Dado que a evolução elimina facilmente da população ancestral comportamentos que consomem muitos recursos e não proporcionam consideráveis benefícios evolutivos à sobrevivência ou à reprodução dos indivíduos.
De certo modo não precisamos usar muito a criatividade para imaginar como a seleção natural teria favorecido ancestrais que solucionavam criativamente seus problemas de sobrevivência. Qualquer idéia nova que ajudasse na obtenção de alimento como armadilhas, utensílios como cestos e redes, e estratégias para surpreender a caça dariam uma enorme vantagem adaptativa ao indivíduo, seus parentes e amigos. Ou então qualquer forma criativa de solucionar melhor outros problemas de sobrevivência, como evitar doenças, espantar predadores, lidar com o frio e com a seca, traria conseqüências positivas para a evolução da criatividade.
De fato muita pesquisa sobre criatividade tem seu foco principal na capacidade de se resolver problemas práticos, como os de sobrevivência. A própria definição de criatividade envolve a habilidade de se produzir algo novo e útil. A utilidade envolve a adequação da idéia criativa para a solução de um problema bem definido. A novidade reflete a dificuldade daquela solução para tal problema dada a baixa freqüência com que as pessoas puderam solucioná-lo anteriormente. Por esse foco, as pesquisas sobre criatividade justificam seus custos como um modo de descobrir como as pessoas poderiam melhorar sua capacidade de resolver problemas técnicos. As empresas valorizam pensadores criativos para poderem solucionar melhor problemas empresariais internos e externos, além de patentear novas invenções. Como se a busca por novidade não pudesse ser estudada como tendo um fim em si mesma, apenas como um meio de encontrar soluções para problemas difíceis.

Seleção sexual entra em cena

É bem possível que haja vantagens adaptativas à criatividade pautadas na sobrevivência, mas isso não exclui possíveis vantagens relacionadas à reprodução. Pense no pé humano. Ele é diferente do pé do chimpanzé, pois foi adaptado ao nosso modo bípede de andar. Essa vantagem à sobrevivência não exclui a possibilidade da seleção sexual ter atuado, pois a escolha de parceiros pode valorizar além da funcionalidade, a estética das adaptações. Isso acrescenta uma nova dinâmica seletiva somada à anterior. Agora não apenas a pressão cega do ambiente atua e sim a escolha ativa e consciente por parte das pessoas. E você deve conhecer pessoas que admiram, adoram ou têm fetiches por pés (podolatria), ou ainda pessoas que não gostam do próprio pé a ponto de ter vergonha de sair com o pé à mostra. Além disso, ninguém duvida que a estética de mãos e pés não seja importante dada as consagradas profissões de manicure e pedicure, fora aqueles profissionais modelos de mãos e pés para comerciais. Então, assim como a estética e a sensualidade do pé pode evoluir também pela seleção sexual, além da pressão seletiva para o andar bípede, a criatividade pode ter evoluído em parte por suas vantagens na atração, manutenção e na disputa por parceiros amorosos.
Essa mudança de foco da solução criativa visando problemas técnicos para a exibição criativa relacionada à paquera tem sido um novo campo frutífero de investigação científica. Apoiando a idéia da influência da seleção sexual, estudos têm mostrado que nós expressamos um desejo por criatividade num parceiro amoroso. Mesmo quem não é cientista já vivenciou uma situação de conquista amorosa, e percebeu na pele como a criatividade é importante para transformar um primeiro contato duvidoso numa conversa interessante, descontraída e prazerosa ou num tremendo fora desconcertante.
A primeira pesquisa
Uma pesquisa de 2006, amostrando no total 262 homens e 353 mulheres, traz grandes contribuições a essa questão ao testar as influências da seleção sexual na criatividade humana. Griskevicius, Cialdini e Kenrick reconhecem que os órgãos mentais, que são os processadores cognitivos voltados para problemas adaptativos específicos, são adaptativamente bem sensíveis a pistas ecológicas indicadoras de determinado problema ou oportunidade para os quais são voltados. Pistas ambientais relacionadas ao acasalamento ativam o sistema de busca por parceiros amorosos e os mecanismos cognitivos relacionados ao cortejo amoroso, facilitando percepções, cognições e comportamentos particulares associados ao sucesso reprodutivo. Então, se exibições de criatividade evoluíram em parte por seu benefício na conquista amorosa, pistas voltadas para ativar a busca por parceiros amorosos ativariam exibições de criatividade nas pessoas.

Eles realizaram quatro experimentos para testar a influência da ativação mental romântica no aumento da exibição de criatividade. Usaram medidas repetidas (antes e depois) da criatividade dos participantes, que escreviam histórias livres sobre diferentes figuras equivalentes antes e depois do tratamento experimental. As histórias eram avaliadas por juizes independentes quanto a serem criativas, originais, inteligentes, imaginativas, cativantes, engraçadas, envolventes e charmosas, atributos que juntos compunham a medida subjetiva de criatividade.

Estudo número 1

No primeiro estudo, o procedimento de ativação era a apresentação para metade dos participantes de fotos de pessoas atraentes e era pedido para que escolhessem a que mais agradasse e depois que escrevessem como imaginariam o primeiro encontro com a pessoa. A outra metade era a controle, viam uma foto de uma rua com alguns prédios e era pedido para que se imaginassem lá e escrevessem quais seriam as melhores condições climáticas para passear e ver os prédios. A análise mostrou que os homens que viram as fotos de mulheres bonitas apresentaram maiores índices de criatividade na segunda história. Para as mulheres, não houve diferença no nível de criatividade da primeira para a segunda história entre as que viram homens bonitos e as que viram a rua.
Estudo número 2
No segundo estudo o procedimento de ativação mudou de fotos para histórias de contextos de busca de parceiros. Isso visando evitar vieses das diferenças entre homens e mulheres no efeito da exposição visual de parceiros em potencial, já que homens são mais visuais e mulheres mais contextuais. As histórias de contextos de busca de parceiros eram textos descrevendo uma situação em três versões: curto prazo, longo prazo e controle, que compunham grupos independentes.
Na versão de curto prazo, o texto descrevia uma situação de busca de parceiro romântico para um relacionamento curto e levava o participante a se imaginar encontrando e sendo correspondido por uma pessoa atraente no último final de semana de sua viagem de férias, numa ilha exótica, sem a possibilidade de reencontro e que termina com beijos na praia. Na versão de longo prazo o texto descrevia uma situação de busca de parceiro romântico para um relacionamento de longo prazo e levava o participante a se imaginar encontrando e sendo correspondido por uma pessoa atraente que estuda na mesma universidade, que é vista frequentemente e termina com beijos. Na versão controle o texto descrevia uma situação neutra quanto à busca de parceiros em que o participante era levado a se imaginar com um amigo do mesmo sexo procurando os ingressos de um show que iriam à noite e depois de muito procurar eles encontram e assistem ao show. A análise mostrou que tanto os homens que leram as histórias de curto prazo quanto os que leram as de longo prazo apresentaram maiores índices de criatividade na segunda história. Para as mulheres não houve diferença entre as controle, curto prazo e longo prazo.

Estudo número 3

No terceiro estudo o procedimento das três versões de histórias se manteve, mas visando evitar vieses das diferenças entre homens e mulheres quanto à necessidade de comprometimento amoroso no relacionamento de longo prazo, o texto da história de longo prazo foi completado. Acrescentaram uma frase indicando que a pessoa já se mostrou comprometida para a relação séria anterior, que os seus amigos e os amigos da pessoa aprovam a relação e termina com beijos de reatamento do casal.
Os autores usaram antes e depois das histórias uma medida objetiva da criatividade, o teste RAT (Remote Associates Test), que avalia a capacidade e a facilidade dos indivíduos em fazer associações apropriadas entre palavras relacionadas. A análise mostrou que, assim como com as histórias criativas, o teste RAT foi influenciado pelo contexto de curto prazo apenas para os homens. Já no contexto de longo prazo comprometido, homens e mulheres apresentaram igualmente melhores resultados de criatividade do que o controle. Isso mostra que homens e mulheres têm capacidades de aumento nas capacidades criativas quando expostos a contextos amorosos, mesmo as mulheres sendo muito mais exigentes quanto às condições necessárias para sua melhora.
Estudo número 4 

No último dos quatro estudos, o teste objetivo de criatividade RAT foi usado e o procedimento de história continha: a de curto prazo, a controle, e um terceiro grupo que receberia uma proposta de incentivo econômico para ser mais criativo. Aqueles que, tentando ao máximo ser mais criativo, estivessem entre os 30% melhores ganhariam 60 dólares. A análise mostrou que, assim como os outros estudos, os homens expostos ao contexto de busca de parceiros de curto prazo se mostraram mais criativos do que o grupo controle. E se mostraram mais criativos também do que os que receberiam o incentivo monetário e se esforçaram para ficarem criativos. Não houve diferenças para as mulheres das condições controle, curto prazo e incentivo monetário.
Os quatro experimentos exploraram os efeitos das motivações românticas na exibição de criatividade. Mesmo sem incentivos específicos, motivações românticas aumentaram a criatividade dos indivíduos segundo indicadores subjetivos e objetivos. Esse aumento não está relacionado com um maior empenho nas tarefas, como mais palavras escritas ou mais tempo elaborando a história, nem com mudanças de humor e não foi alcançado pelo incentivo monetário para ser mais criativo.
Conclusões interessantes
Para os homens, as pistas contextuais voltadas para relacionamentos de curto e de longo prazo aumentaram as exibições de criatividade. O que mostra que as exigências sobre a qualidade da parceira requeridas pelos homens para ativar exibições de criatividade são baixas. Isso porque eles não têm muito a perder em ambos os tipos de relacionamento, já que não foram eles que carregaram os custos fisiológicos de gestações desejadas e indesejadas durante todo o período no ambiente ancestral. Para as mulheres, apenas as pistas contextuais voltadas para relacionamentos de longo prazo comprometidos aumentaram as exibições de criatividade. Isso indica que as exigências sobre a qualidade do parceiro requeridas pelas mulheres para sua exibição criativa são mais elevadas. Isso porque o comprometimento por parte dos homens garantia a união do casal necessária para o cuidado bi-parental da prole no ambiente ancestral.
As Musas
É possível supor que exibições criativas evoluíram em parte por seu benefício na conquista amorosa pela seleção sexual, então poderemos finalmente ter uma explicação evolutiva para o antigo e muito difundido fenômeno das musas inspiradoras. O Guinness Book lista o pintor Pablo Picasso como o artista mais produtivo da história, com admiráveis 147.800 obras de arte. 

A carreira de Picasso é marcada por uma série de períodos artísticos de profunda inspiração criativa – a fase azul, rosa, cubista, surrealista – nas quais sua pintura revelava transformações visuais extravagantes. Porém um olhar mais atento para seus períodos gerativos mostra uma constante intrigante: cada nova época criativa floresce com pinturas de uma nova mulher, uma musa. Essa história artística não é exclusiva de Picasso: Salvador Dali, Friedrich Nietzsche e Dante dentre outros que também tiveram musas inspiradoras influenciando suas criações.
A noção enigmática de musa tem raízes na mitologia grega em que nove deusas musas atravessavam a Terra agitando os espíritos criativos de mortais artistas e pensadores. Segundos historiadores, todas as musas compartilham um fator comum intrigante e inexplicável: musas tanto reais da história quanto da mitologia são universalmente mulheres. Pense em quantas músicas existem com nomes de mulheres: Michele, Ana Júlia, Janaina, Maria Maria, Carolina, Ive Brussel, Bebete, Madalena, Dinorah Dinorah, Iracema, Aurora, Amélia, Bete Balanço dentre muitas outras.

Agora podemos explicar isso. As musas não são todas mulheres porque a figura masculina não é capazes de inspirar pessoas, nem porque os homens são mais criativos do que mulheres. Mas sim porque, como o estudo demonstrou, os homens têm seu potencial criativo disparado por mais contextos amorosos: imagens do sexo oposto, relacionamentos de curto prazo, longo prazo, e longo prazo comprometido. Enquanto as mulheres, que são tão criativas quanto os homens, têm seu potencial criativo disparado apenas quanto o companheiro demonstra comprometimento.

Um exemplo do efeito equivalente aos das musas para as mulheres e que também está de acordo com os resultados femininos do estudo vem de Elizabeth Barrett Browning, uma poetisa vitoriana renomada. Aos vinte anos, enquanto se encontrava com uma produção artística mediana, ela recebeu uma carta de um fã apaixonado, Robert Browning, que lhe declarou seu amor. Elizabeth não se convenceu das intenções de seu fã por pelo menos um ano inteiro quando, muitas cartas de Robert depois, eles concordaram em iniciar a sério seu relacionamento. E foi precisamente durante esse período do relacionamento quando Elizabeth inspirou-se a escrever Sonnets from the Portuguese, que se tornou sua obra criativa mais importante e mais aclamada criticamente.

Criatividade como indicador de aptidão
Tudo bem, a criatividade tem muita importância na seleção de parceiros amorosos, mas por que essa característica mental humana seria valorizada? O que ela têm de especial? Será que a criatividade indica alguma coisa relevante para a seleção sexual? É bem possível que sim. A criatividade pode tanto indicar confiavelmente algo sobre a pessoa criativa quanto ela pode explorar as propensões cognitivas preexistentes nos espectadores superestimulando-as no cortejo amoroso. Uma propensão cognitiva que temos é a neofilia, a atração pelo novo, ela está entranhada no cérebro dos animais. Os cérebros são naturalmente voltados para previsões. As mentes operam um modelo interno do que de biologicamente relevante está acontecendo no mundo e prestam atenção quando o mundo desvia-se do esperado. O poder de atração da atenção, da novidade, é uma das inclinações psicológicas mais fundamentais que poderiam ter influenciado a evolução das exibições de cortejo. No livro A Origem do Homem e a Seleção Sexual de 1971, Charles Darwin escreveu: “Pareceria até que a mera novidade, ou a mudança pela mudança em si mesma, às vezes tem agido como um encanto sobre as fêmeas de pássaros, do mesmo modo que as mudanças na moda nos afetam.”


Anti-tédio

Nas sociedades humanas modernas, a neofilia é a fundação de muitas manifestações como a pintura, música, televisão (programas e comerciais), filmes, mídia, imprensa, drogas, viagens, pornigrafia, moda, rádio e industrias de pesquisa, que respondem por uma proporção substancial da economia global. Antes dessas indústrias do entretenimento começar a nos divertir, precisávamos divertir uns aos outros na savana africana ancestral. Nessa visão, a criatividade evoluiu pela seleção sexual como um dispositivo anti-tédio. Os parceiros sexuais entediados depois de alguns dias ou semanas podem não ter estabelecido relacionamentos mais duradouros abrindo mão de vantagens reprodutivas. Cérebros menos criativos que ofereciam menos novidades contínuas, sendo menos interessantes como parceiros sexuais, amantes, amigos e companheiros, não tinham o suporte necessário para deixar muitos filhos.

As formas atraentes de novidade tendem a basear-se em um truque unicamente humano: a recombinação criativa de elementos simbólicos aprendidos, como palavras, gestos, movimentos, símbolos visuais, para a produção de arranjos novos com novos significados emergentes, como em histórias, melodias, poesias, danças, piadas e pinturas. Este truque permite que as exibições de cortejo humanas não apenas provoquem os sentidos e a atenção de potenciais parceiros amorosos, mas criem novas idéias e emoções nas mentes de todas as pessoas independentes de intenções sexuais e de paquera explícita. Como podemos ver, essas exibições sociais não precisam ser sexuais como a pôrno-chanchada para ser produto de seleção sexual. Se um filme de terror entreter, causar fascínio e admiração nas pessoas de modo que seu criador tenha um melhor status e uma maior apreciação social, inevitavelmente suas chances de reproduzir vão aumentar.
Sabemos então como nossas propensões neofílicas podem ter sido exploradas pela seleção sexual da criatividade. Agora precisamos saber se a criatividade em si indica alguma característica evolutivamente desejável no parceiro. Como a maioria dos mamíferos começa a vida sendo graciosos, brincalhões e inovadores, e gradualmente tornam-se sérios, pragmáticos e levados pelo hábito, comportamentos brincalhões e criativos na pós-puberdade podem ser indicadores de juventude, saúde e fertilidade. E como existe uma correlação positiva moderada entre a criatividade e a inteligência, de modo que a alta inteligência parece ser uma condição necessária, mas não suficiente para a alta criatividade, é possível que a criatividade seja um bom indicador de inteligência geral também.
Juventude, saúde, fertilidade, humor e inteligência são características influenciadas pela interação entre muitos genes e muito sensíveis ao ambiente de desenvolvimento, portanto elas são mais vulneráveis a mutações e a efeitos ambientais deletérios o que as torna bons indicadores de qualidade genética, de bons genes. Se a criatividade for um indicador de bons genes então ela deveria estar mais relacionada a relacionamentos de curto prazo do que de longo prazo. Essa questão foi pesquisada em 2006 num trabalho de Haselton e Miller. Eles também avaliaram se a preferência pela criatividade masculina por parte das mulheres variava conforme as mudanças na fertilidade ao longo das fases do ciclo menstrual.

A segunda pesquisa

Haselton e Miller amostraram 41 mulheres que não tomavam contraceptivos hormonais e tinham o ciclo menstrual regular. As participantes liam pequenas descrições de homens muito criativos e pobres e de homens pouco criativos e ricos além de dar informações sobre a data da última menstruação, que possibilitou calcular nível de fertilidade da participante no dia da pesquisa. As análises mostraram a existência de uma correlação positiva entre fertilidade e a preferência por homens criativos e pobres apenas quando as mulheres respondiam pensando em relacionamentos de curto prazo. E para relacionamentos de longo prazo não houve relação entre preferência por criatividade e fase do ciclo menstrual. A estimativa da fertilidade feminina previu sua preferência para o curto prazo tanto na sua preferência por cada tipo de homem, quanto na escolha forçada entre o criativo e pobre e o pouco criativo e rico.
Amplos horizontes
Esses resultados sugerem que a inteligência criativa masculina seja um indicador de aptidão referente a bons genes e que ela evoluiu em parte pela seleção sexual, com as mulheres preferindo homens mais criativos para relacionamentos de curto prazo. O trabalho sobre a preferência pela criatividade em relacionamentos de curto prazo no período fértil e o trabalho anterior sobre a maior exibição da criatividade em contextos relacionados com a busca de parceiros dão uma boa noção de quanto é promissor o estudo de características psicológicas imersas na criatividade pela ótica da seleção sexual. Muitos estudos sobre música, dança, poesia, pintura, escultura, teatro, malabarismos, humor e narração de histórias dentre outros ainda estão por vir. Isso irá aproximar as pessoas das áreas de comunicação e artes de psicólogos e biólogos. E além de mais pesquisadores nessa área, a Psicologia Evolucionista vai precisar de muita criatividade para desenvolver desenhos experimentais como esses capazes de testar hipóteses evolucionistas de seleção sexual.
Dicas de leituras
Darwin, C. R. (1871/2004). A origem do homem e a seleção sexual. Belo Horizonte: Itatiaia.
Griskevicius, V.; Cialdini, R. B. & Kenrick, D. (2006). Peacocks, Picasso, and parental investment: The effects of romantic motives on creativity. Journal of Personality and Social Psychology, 91(1), 63 – 76.
Haselton, M. G. & Miller, G. F. (2006). Women’s fertility across the cycle increases the short-term attractiveness of creative intelligence. Human Nature, 17(1), 50 – 73.
Miller, G. F. (2001). A mente seletiva. Rio de Janeiro: Campus.