Feliz Bicentenário de Alfred R. Wallace

Começamos este ano novo de 2023 aqui no MARCO EVOLUTIVO já celebrando neste 8 de janeiro o bicentenário do nascimento de Alfred Russel Wallace (1823-1913). Acadêmicos do mundo todo estão relembrando as aventuras e descobertas de Wallace, o explorador naturalista, geógrafo e antropólogo inglês que co-descobriu a evolução por seleção natural junto ao Darwin. Seu legado e originalidade estão sendo finalmente amplamente discutidos e divulgados de modo que não se trata mais de caracterizá-lo como um mero pesquisador à sombra de Darwin. Wallace merece ser reconhecido como um evolucionista de peso, pai da biogeografia, especialista em especiação, coloração animal, cartografia, descobridor de várias espécies (da palmeira piaçava até o sapo voador da Indonésia passando pela ave do paraíso), e grande aprendiz e pensador interdisciplinar que contribuiu em diversos temas como glaciologia, epidemiologia, astrobiologia e políticas públicas.

Desde 2013 quando das comemorações do centenário de seu falecimento, já ocorre um esforço internacional para lançar luz sobre as contribuições e legado acadêmico da Wallace.  Tanto que na época foi inaugurado um grande quadro de Alfred Wallace na escadaria do Museu de História Natural de Londres, reparando assim uma injustiça histórica, visto que até então apenas a estátua de Darwin figurava por lá. E já em 2010 foi criado o “Wallace Correpondence Project” reunindo num repositório e disponibilizando online um enorme número de correspondências de Wallace. E em 2012 foi criado o Wallace Online com todos as publicações a manuscritos do autor. Aos poucos, sua relevância científica vai sendo disseminada e reconhecida.

De família humilde, Wallace teve que trabalhar desde cedo para ajudar a sustentar a família. Atuou como construtor e agrimensor passando bastante tempo ao ar livre, e acabou desenvolvendo, como autodidata, seu interesse por cartografia, história natural, botânica, geologia e astronomia na livraria da família. Mesmo sem ter educação formal, chegou a dar aulas de topologia, cartografia e desenho, mas acabou virando explorador profissional se mantendo da coleta e venda de espécimes para museus e colecionadores particulares. Ao longo de sua vida Wallace explorou diversos países como o Reuni Unido, França, Suíça, Colômbia, Venezuela, Malta, Egito, Índia, Sri Lanka, Malásia, Singapura, Indonésia, Timor Leste, EUA, Canadá, e também o Brasil.

Sua primeira grande expedição foi no Brasil (Belem-PA) aos 25 anos de idade. Ficou 4 anos no Pará (1848-1852) e, por um tempo, esteve junto com outro naturalista de renome, Henry Walter Bates, o descobridor do mimetismo batesiano. No Brasil, Wallace se encantou com a imensidão sublime da floresta tropical e com a beleza rara dos pássaros e borboletas locais. Ele observou como os rios Amazonas, Negro e Madeira funcionavam como barreiras geográficas recortando a fauna local como limites naturais. Esse isolamento geográfico poderia contribuir para a formação de diferentes espécies. Descobriu e descreveu várias espécies novas, incluindo a palmeira piaçava, e aprendeu com os ribeirinhos e indígenas locais seus vários usos. Ele também fez anotações etnográficas sobre os costumes e rituais de tribos amazônicas, e descreveu pinturas rupestres de Monte Alegre (PA).

Wallace deu muito azar ao retornar para a Europa, pois seu navio pegou fogo e naufragou perdendo a maioria do que havia anotado e coletado nos dois últimos anos. Felizmente, após 10 dias à deriva em botes, ele e a tripulação foram resgatados por um cargueiro rumo à Inglaterra. Ficou inicialmente arrasado mas mesmo assim não desanimou das explorações futuras. Apesar do ocorrido e de ter perdido muita coisa no naufrágio, Wallace ainda conseguiu publicar artigos e livros sobre macacos e palmeiras da Amazônia, por exemplo.

    

Foi no Arquipélago Malaio em que passou mais tempo (1854-1862) explorando os detalhes da natureza e das tribos locais, o que impulsionou suas maiores contribuições. Lá coletou cerca de 125 mil espécimes, uns 5 mil novos, incluindo o sapo voador e a ave do paraíso. Em Bornéu, ele fez umas das primeiras observações naturalísticas de orangotangos em seu habitat natural contribuindo novamente para a primatogia.

Suas observações biogeográficas no arquipélago o levaram a descobrir uma divisão natural que separa a fauna asiática da fauna australiana, hoje conhecida como a Linha de Wallace. Em homenagem às suas descobertas, as ilhas próximas a essa região do arquipélago Malaio são chamadas coletivamente por “Wallacea”. Lá Wallace escreveu os artigos evolutivos de maior relevância, descrevendo descendência comum, especiação e a seleção natural. Após anos de observação naturalística e leitura de Malthus e de Lyell, entre outros, ele teve o insight da seleção natural num momento febril com malária. E depois mandou uma carta a Darwin comunicando suas descobertas evolutivas, o que fez com que Darwin finalmente tornasse público seus longos estudos evolutivos numa publicação conjunta em 1858.

Wallace era contra a escravidão, anti-eugenia, anti-vivissecção, anti-militarização e anti-imperialismo e anti-terraplanismo. Ele chegou até a ganhar uma aposta de terraplanista provando a curvatura da água de um canal usando um telescópio e duas estacas na mesma altura da água, mas separadas em 10 km. Wallace era a favor dos direitos das mulheres ao voto, era também um conservacionista contrário à introdução de espécies exóticas, ao desmatamento das florestas tropicais e da erosão do solo, e ainda era um socialista a favor da reforma agrária. Wallace foi o primeiro presidente da Sociedade pela Nacionalização de Terras e permaneceu no cargo por 30 anos.

Entretanto, ao final da vida ele se tornou mais antropocêntrico e religioso se envolvendo com hipnose e espiritismo. Apesar de acertadamente não considerar as populações tribais como intermediárias entre os grandes símios e os humanos civilizados, Wallace chegou a erroneamente achar que na evolução humana, ao contrário do que ocorrera com as outras espécies, houve intervenção divina para aumento da capacidade cerebral. Além disso, ele acreditava em frenologia e, por suspeitar das autoridades e dos interesses dos médicos, ele chegou a se juntar ao movimento anti-vacina da varíola da época. Ele achava que a vacina iria interferir no balanço natural dos organismos e que a vacina não era segura. Mesmo estando no lado errado da história nestes últimos assuntos, ele conseguiu que, no caso das vacinas, novos procedimentos de segurança fossem recomendados; e por conta do seu antropocentrismo, conseguiu mostrar em seus livros sobre Astrobiologia que não havia vida inteligente criando canais de irrigação em Marte.

Por não ser parte da aristocracia inglesa, Wallace teve que batalhar muito mais para conseguir sua bagagem acadêmica autodidata e para fazer com que suas descobertas fossem valorizadas. Desde então seu legado naturalista explorador e teórico interdisciplinar está cada vez mais divulgado e apreciado, chegando a ganhar diversas medalhas de mérito acadêmico. Desejo que os pontos fortes de sua biografia e seu legado científico nos sirvam de inspiração nesta celebração internacional dos 200 anos de Alfred Russel Wallace. Assista documentários sobre as expedições de Wallace aqui e aqui

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