150 anos do livro A Descendência do Homem e a Seleção Sexual de Darwin

Neste dia de 24 de fevereiro há exatos 150 anos foi publicado em Londres com dois volumes de 450 páginas o The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex de Charles Darwin. O livro foi um marco para o estudo da evolução humana e aqui no MARCO EVOLUTIVO não poderíamos deixar de celebrar esta data. Originalmente a ideia de Darwin era apenas ter um capítulo sobre humanos em seu livro The variation of animals and plants under domestication de 1866, mas como o livro já estava grande ele resolveu fazer em separado um pequeno ensaio sobre nossa ancestralidade primata e a seleção sexual, o que acabou crescendo e virando os dois volumes do The Descent of Man em 1871. Neste livro Darwin finalmente pode desenvolver tudo o que ele se referiu ao final do Origem das Espécies quando disse que, por conta da evolução por seleção natural, no futuro muita luz seria lançada sobre a origem dos humanos e nossa psicologia e história.

Intuitivamente sempre nos parece que a diferença psicológica entre humanos e outros primatas é enorme, tanto que até o Alfred Wallace abandonou a explicação evolucionista ao se tratar da mente humana por achar pouco possível de que toda nossa capacidade intelectual tenha evoluído naturalmente em contextos tribais aparentemente pouco exigentes por grandes inteligências. Muito do The Descent é uma reposta ao desafio de Wallace. Darwin argumenta que todas as nossas características psicológicas podem ser encontradas em algum grau em outras espécies, incluindo capacidades para a música, a beleza, e a moralidade. É por isso que numa carta a Wallace Darwin diz que a evolução humana era o maior e mais interessante problema para o naturalista.

Outra noção popular na época era a de que toda a exuberante beleza na natureza teria sido magicamente criada para satisfazer os humanos que seriam o ápice da evolução. Graças a Darwin e anos de pesquisa subsequente, hoje sabemos que a evolução não tem ápice e que somos tão únicos e tão especiais quanto cada uma das outras espécies. No The Descent Darwin argumenta que a beleza sonora e visual encontrada no mundo animal evoluiu naturalmente pelo processo de seleção sexual. Indivíduos mais vistosos e sonoros eram preferidos na busca por um parceiro sexual, o que ao longo de muitos ciclos de seleção, dá origem a cada vez mais beleza.

A evolução dos armamentos como chifres era mais facialmente explicada pela competição entre machos o que deixara as armas mais eficientes e maiores. Mas para explicar a evolução da beleza era necessário perceber que as fêmeas das outras espécies também têm senso estético e que a variação nesse senso estético era a pressão social favorecendo a evolução dos ornamentos animais. Portanto, para Darwin a beleza do pavão ou da ave do paraíso não necessariamente precisa indicar uma qualidade de sobrevivência, basta ela ser agradável o suficiente para as fêmeas da espécie que a ornamentação poderia evoluir sendo um fim em si mesma.

Atualmente como parte das celebrações do sesquicentenário do The Descent, diversas iniciativas tentam resgatar o que Darwin acertou e o que Darwin errou no livro, e todos o desdobramento mais atuais nos dois tópicos centrais do livro: evolução humana e seleção sexual. O livro A Most Interesting Problem: What Darwin’s Descent of Man Got Right and Wrong about Human Evolution apresenta uma releitura da perspectiva atual de cada capítulo relativo ao ser humano. Está sendo muito bem avaliado e me pareceu muito interessante tanto para quem quer se atualizar sobre evolução humana quanto para quem quer se aprofundar nas hipóteses do The Descent. Em Darwin, sexual selection, and the brain Micheal Ryan faz uma revisão das várias linhas de pesquisa relacionadas à ideia da Darwin sobre a evolução da beleza sendo um fim em si mesma. Em Darwin’s closet: the queer sides of The descent of man (1871), Ross Brooks ressalta como Darwin integrou a ideia de variação individual nos assuntos da seleção sexual o que foi fundamental para o nascimento da sexologia moderna. No Periódico Evolutionary Human Sciences existem uma compilação de artigos celebrando os 150 anos do The Descent, por enquanto com 3 artigos e com promessa de outros mais por vir.

Claro que como todo livro, o The Descent tem várias limitações e vieses de época, mas nele Darwin deixou claro que as origens evolutivas dos humanos podem sim ser desvendadas. E nesse sentido enquanto um programa de pesquisa a ser desenvolvido, Darwin deu uma inestimável contribuição à evolução humana. E, se percebermos como aspectos morfológicos, biogeográficos, interespecificamente comparativos, mas também psicológicos e comportamentais estão integrados, o The Descent pode ser considerado bem moderno. Isto porque, de lá para cá, ainda são poucos biólogos focando na psicologia e no comportamento, e pouco psicólogos focando na evolução. Felizmente as áreas estão cada vez mais se integrando e talvez um dia cheguemos ao grau de integração que o próprio Darwin expressou 150 atrás.

Dia de Darwin 2021 e os 150 anos do “Descendência do Homem”

É chegado o Darwin Day 2021, a grande celebração internacional da biografia, publicações e legado de Charles Robert Darwin. Hoje, dia 12/2/21, Darwin faz 212 anos. E daqui 12 dias seu livro “A Descendência do Homem e Seleção em Relação ao Sexo” (1871) completa 150 anos de publicação, 12 anos depois do sesquicentenário do “Origem das espécies”.  No “Descendência” (12 letras), Darwin aborda as semelhanças morfológicas, comportamentais e psicológicas entre humanos e não-humanos como evidência da ancestralidade comum, e discute a importância da seleção sexual para a evolução de algumas características compartilhadas. Darwin deixa claro que as diferenças que existem entre nós e os outros animais são de grau e não de tipo, e que todos os humanos vieram de um ancestral comum africano. Trata-se então de um dia, um mês e um ano muito especiais para o evolucionismo, especialmente aplicado ao ser humano.

Nos últimos 12 anos aqui no MARCO EVOLUTIVO, temos celebrado ininterruptamente o Dia de Darwin começando em 2008, passando pelo Bicentenário em 2009, e por 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, pela Década de Darwin Days em 2018, 2019 e em 2020. Por conta da pandemia muitos eventos no Brasil e no mundo todo estão sendo realizados online, o que facilita muito a participação e a disseminação das ideias e do legado de Darwin. Então busque online por Darwin Day 2021 e aproveite. Veja a discussão sobre Evolução Humana promovida pela Sociedade Brasileira de Genética.

No “Descendência” Darwin ressalta que epidemias, assim como guerras, são um importante fator de seleção fazendo com que a população humana não realize todo seu potencial de multiplicação. Seguindo esses primeiros passos de se abordar os surtos de doenças evolutivamente, especialmente num livro sobre a evolução do corpo e do comportamento humano, alguns psicólogos evolucionistas contemporâneos têm continuado essa linha durante a atual pandemia de COVID-19 causada pelo novo coronavírus. Temas como as tendências evoluídas de se evitar contágio por patógenos, as respostas comportamentais e psicológicas a ameaças, cooperação e cuidado em tempos de crise de saúde, entre outros, estão sendo abordados teórica e empiricamente no momento. Veja Seitz et al. (2020), Arnot et al., (2020), Dezecache et al. (2020), Troisi (2020), e Ackerman et al. (2020).

Um tema comum nessas novas publicações é o descompasso temporal evolutivo (evolutionary mismatch) entre o ambiente ancestral, para o qual boa parte das nossas tendências está adaptada, e o ambiente atual, que preserva cada vez menos semelhança com as condições ancestrais. Se o descompasso entre o ambiente de adaptação evolutiva ancestral e o contexto moderno urbanizado, pós-industrial e tecnológico pré-pandemia já era considerado pouco representativo do modo de vida caçador coletor ancestral, levando a vários problemas como o sedentarismo, obesidade, solidão e estresse crônico, esse descompasso só aumentou durante a atual pandemia de COVID-19. A pandemia de COVID-19 está sendo referida como o grande descompasso evolutivo.

O conceito evolutivo do descompasso é importante pois mostra que as adaptações não são absolutas, mas sim relativas a um ambiente específico. Quem conhece o tamanho do ambiente natural dos grandes felinos entende porque eles estão sempre andando para lá e para cá em seus recintos no zoológico. Assim como os leões, os humanos também vão tender a querer se comportar como se ainda estivessem em sua família estendida tribal rodeados de parentes e amigos, alta interação social diária, alimentação comunal, deslocamento diário e entretenimento em grupo ao redor da fogueira à noite.

Ao longo dos anos fomos criando substitutos como a televisão, cinema, o telefone, internet, email, vídeo chamadas, realidade virtual, educação à distância, esteira de corrida/caminhada, aplicativos de escolha de parceiros, pornografia, os documentários de natureza, etc. Mas, ainda assim, quanto mais perto do contexto original maior é o apelo psicológico, como de reencontrar a família no restaurante ou os amigos na escola/universidade ou no bar à noite, o futebol com os amigos no final de semana, a atividade física na academia de ginástica, a socialização nos cultos religiosos, e as oportunidades de se encontrar novos parceiros sexuais nas boates e discotecas.

Porém, durante a pandemia essa resistência de se deixar a vida moderna mais virtual/online ainda, que é compreensível e prevista à luz dos descompassos evolutivos, está colocando a sociedade e a espécie inteira em perigo. São justamente a escola/universidade, o restaurante, o bar, a igreja, a academia, as boates e discotecas que estão sendo identificados como locais com eventos de super-espalhamento do novo coronavírus (suprespreading events) que poderiam ser evitados visto que os indivíduos oportunisticamente decidem se expor ao perigo.

Mais do que nunca teremos que utilizar e disseminar os vários substitutos virtuais  para manter os mínimos níveis de estimulação e atuação social, os quais ajudam a manter a sanidade corporal e mental (apesar de eles também levarem a alguns prejuízos). Então, nesse dia de Darwin é importante participar dos vários eventos online, e entender a problemática dos descompassos evolutivos para tentar ao máximo minimizar mortes evitáveis decorrente da irresponsabilidade epidemiológica de alguns poucos.

 

 

 

 

Mulheres cientistas no combate à pandemia

Começamos o primeiro ano 21 do Século XXI com muitos desafios e, incrivelmente, algumas razões para celebrar. Porém, reinicio as postagens no MARCO EVOLUTIVO pedindo um minuto de silêncio em respeito aos mais de 235 mil mortos pelo SARS-COV-2 causados da COVID-19 no Brasil até então, e aos mais de 2,371 milhões que se tem notícia no Mundo todo até então. Se nos EUA 40% das mortes por COVID-19 poderiam ter sido evitadas caso Trump tivesse levado a pandemia e à ciência à sério, no Brasil governado por Bolsonaro essa porcentagem deve ser ainda maior, infelizmente. Até porque, um estudo pre-registrado mostrou que decretar a obrigatoriedade do uso de máscaras é a solução mais efetiva, justa, socialmente responsável para diminuir a transmissão do novo coronavírus.

Nesse 11 de fevereiro estamos no Dia Internacional da Mulher e Menina na Ciência. Trata-se de uma celebração mundial enfatizando a imensa importância das mulheres na Ciência, apontando formas de se corrigir a desigualdade de gênero das oportunidades na Ciência, e inspirando as meninas a seguirem este trajeto profissional. Durante desastres e crises de saúde pública, sempre são as mulheres que mais sofrem devido ao fechamento das creches e escolas e o decorrente aumento da já carregada dupla jornada de trabalho, pessoal e profissional. Portanto, o poder público e a sociedade precisam se mobilizar para proteger as mulheres ainda mais durante essa pandemia. Apesar disso, um estudo em 8 países com 21.649 participantes mostrou que as mulheres são as que mais entendem a seriedade da pandemia e mais respeitam e seguem as medidas sanitárias de saúde pública que evitam o aumento na transmissão do coronavírus; elas fazem mais distanciamento social, usam mais máscara, e assim, protegem a si mesmas e à toda a sociedade. Temos muito o que agradecê-las.

Então, nada mais apropriado do que o tema desse ano do Dia Internacional da Mulher e Menina na Ciência, pois celebra as mulheres cientistas à frente do combate à pandemia da COVID-19, seu papel crucial desde a descoberta do primeiro coronavirus humano, passando pelo sequenciamento do genoma do novo coronavírus até a elaboração e testagem das vacinas. Da Ciência básica à aplicada, as mulheres cientistas tem contribuído para o rápido avanço no conhecimento e nas medidas protetivas contra a COVID-19. Portanto, a Ciência precisa de mais mulheres porque o mundo precisa de mais Ciência para lidar com os novos desafios fruto da progressiva devastação ambiental.

Quase tão antiga quanto meu último post, essa pandemia do novo coronavírus está mostrando claramente que não há futuro para humanidade sem respeito, disseminação, financiamento, vagas e estabilidade para a Ciência e cientistas. Até porque, a Ciência é a única forma de produção de conhecimento que pode gerar aplicações cotidianas como as vacinas beneficiando a todos, inclusive aqueles que negam os inegáveis avanços da Ciência. Temos algumas dezenas de meses de pandemia pela frente ainda, mas nunca é tarde para parar, ouvir, entender e seguir as recomendações científicas sobre as melhoras formas de se evitar a pandemia. Basta seguir as várias publicações científicas (como essa sobre a importância do uso de máscaras), os vários informes de Sociedades Científicas (como a de Infectologia), e os vários divulgadores de ciência nacionais (como o Atila Iamarino) e internacionais (como o pessoal do SciShow) com atualizações e recomendações sobre a pandemia de COVID-19.

Nesse sentido gostaria de ressaltar o excelente trabalho sendo realizado pelo Blogs de Ciência da Unicamp. Liderado pela cientista Ana de Medeiros Arnt do Instituto de Biologia, o grupo tem publicado desde o começo da pandemia muita informação embasada cientificamente em forma de texto, áudio e vídeo sobre COVID-19. Trata-se de conteúdo e didática de primeira no momento em que mais precisamos da Ciência em nossas vidas. Então, nada mais óbvio do que o ScienceBlogs Brasil se juntar ao grupo e se hospedar no Blogs de Ciência da Unicamp. Tal junção ocorreu em abril de 2020 e estamos muito satisfeitos por poder engrossar o coro do jornalismo, da divulgação, da disseminação, da popularização, e da educação não-formal científica no Brasil.