Feliz Bicentenário de Alfred R. Wallace
Começamos este ano novo de 2023 aqui no MARCO EVOLUTIVO já celebrando neste 8 de janeiro o bicentenário do nascimento de Alfred Russel Wallace (1823-1913). Acadêmicos do mundo todo estão relembrando as aventuras e descobertas de Wallace, o explorador naturalista, geógrafo e antropólogo inglês que co-descobriu a evolução por seleção natural junto ao Darwin. Seu legado e originalidade estão sendo finalmente amplamente discutidos e divulgados de modo que não se trata mais de caracterizá-lo como um mero pesquisador à sombra de Darwin. Wallace merece ser reconhecido como um evolucionista de peso, pai da biogeografia, especialista em especiação, coloração animal, cartografia, descobridor de várias espécies (da palmeira piaçava até o sapo voador da Indonésia passando pela ave do paraíso), e grande aprendiz e pensador interdisciplinar que contribuiu em diversos temas como glaciologia, epidemiologia, astrobiologia e políticas públicas.
Desde 2013 quando das comemorações do centenário de seu falecimento, já ocorre um esforço internacional para lançar luz sobre as contribuições e legado acadêmico da Wallace. Tanto que na época foi inaugurado um grande quadro de Alfred Wallace na escadaria do Museu de História Natural de Londres, reparando assim uma injustiça histórica, visto que até então apenas a estátua de Darwin figurava por lá. E já em 2010 foi criado o “Wallace Correpondence Project” reunindo num repositório e disponibilizando online um enorme número de correspondências de Wallace. E em 2012 foi criado o Wallace Online com todos as publicações a manuscritos do autor. Aos poucos, sua relevância científica vai sendo disseminada e reconhecida.
De família humilde, Wallace teve que trabalhar desde cedo para ajudar a sustentar a família. Atuou como construtor e agrimensor passando bastante tempo ao ar livre, e acabou desenvolvendo, como autodidata, seu interesse por cartografia, história natural, botânica, geologia e astronomia na livraria da família. Mesmo sem ter educação formal, chegou a dar aulas de topologia, cartografia e desenho, mas acabou virando explorador profissional se mantendo da coleta e venda de espécimes para museus e colecionadores particulares. Ao longo de sua vida Wallace explorou diversos países como o Reuni Unido, França, Suíça, Colômbia, Venezuela, Malta, Egito, Índia, Sri Lanka, Malásia, Singapura, Indonésia, Timor Leste, EUA, Canadá, e também o Brasil.
Sua primeira grande expedição foi no Brasil (Belem-PA) aos 25 anos de idade. Ficou 4 anos no Pará (1848-1852) e, por um tempo, esteve junto com outro naturalista de renome, Henry Walter Bates, o descobridor do mimetismo batesiano. No Brasil, Wallace se encantou com a imensidão sublime da floresta tropical e com a beleza rara dos pássaros e borboletas locais. Ele observou como os rios Amazonas, Negro e Madeira funcionavam como barreiras geográficas recortando a fauna local como limites naturais. Esse isolamento geográfico poderia contribuir para a formação de diferentes espécies. Descobriu e descreveu várias espécies novas, incluindo a palmeira piaçava, e aprendeu com os ribeirinhos e indígenas locais seus vários usos. Ele também fez anotações etnográficas sobre os costumes e rituais de tribos amazônicas, e descreveu pinturas rupestres de Monte Alegre (PA).
Wallace deu muito azar ao retornar para a Europa, pois seu navio pegou fogo e naufragou perdendo a maioria do que havia anotado e coletado nos dois últimos anos. Felizmente, após 10 dias à deriva em botes, ele e a tripulação foram resgatados por um cargueiro rumo à Inglaterra. Ficou inicialmente arrasado mas mesmo assim não desanimou das explorações futuras. Apesar do ocorrido e de ter perdido muita coisa no naufrágio, Wallace ainda conseguiu publicar artigos e livros sobre macacos e palmeiras da Amazônia, por exemplo.
Foi no Arquipélago Malaio em que passou mais tempo (1854-1862) explorando os detalhes da natureza e das tribos locais, o que impulsionou suas maiores contribuições. Lá coletou cerca de 125 mil espécimes, uns 5 mil novos, incluindo o sapo voador e a ave do paraíso. Em Bornéu, ele fez umas das primeiras observações naturalísticas de orangotangos em seu habitat natural contribuindo novamente para a primatogia.
Suas observações biogeográficas no arquipélago o levaram a descobrir uma divisão natural que separa a fauna asiática da fauna australiana, hoje conhecida como a Linha de Wallace. Em homenagem às suas descobertas, as ilhas próximas a essa região do arquipélago Malaio são chamadas coletivamente por “Wallacea”. Lá Wallace escreveu os artigos evolutivos de maior relevância, descrevendo descendência comum, especiação e a seleção natural. Após anos de observação naturalística e leitura de Malthus e de Lyell, entre outros, ele teve o insight da seleção natural num momento febril com malária. E depois mandou uma carta a Darwin comunicando suas descobertas evolutivas, o que fez com que Darwin finalmente tornasse público seus longos estudos evolutivos numa publicação conjunta em 1858.
Wallace era contra a escravidão, anti-eugenia, anti-vivissecção, anti-militarização e anti-imperialismo e anti-terraplanismo. Ele chegou até a ganhar uma aposta de terraplanista provando a curvatura da água de um canal usando um telescópio e duas estacas na mesma altura da água, mas separadas em 10 km. Wallace era a favor dos direitos das mulheres ao voto, era também um conservacionista contrário à introdução de espécies exóticas, ao desmatamento das florestas tropicais e da erosão do solo, e ainda era um socialista a favor da reforma agrária. Wallace foi o primeiro presidente da Sociedade pela Nacionalização de Terras e permaneceu no cargo por 30 anos.
Entretanto, ao final da vida ele se tornou mais antropocêntrico e religioso se envolvendo com hipnose e espiritismo. Apesar de acertadamente não considerar as populações tribais como intermediárias entre os grandes símios e os humanos civilizados, Wallace chegou a erroneamente achar que na evolução humana, ao contrário do que ocorrera com as outras espécies, houve intervenção divina para aumento da capacidade cerebral. Além disso, ele acreditava em frenologia e, por suspeitar das autoridades e dos interesses dos médicos, ele chegou a se juntar ao movimento anti-vacina da varíola da época. Ele achava que a vacina iria interferir no balanço natural dos organismos e que a vacina não era segura. Mesmo estando no lado errado da história nestes últimos assuntos, ele conseguiu que, no caso das vacinas, novos procedimentos de segurança fossem recomendados; e por conta do seu antropocentrismo, conseguiu mostrar em seus livros sobre Astrobiologia que não havia vida inteligente criando canais de irrigação em Marte.
Por não ser parte da aristocracia inglesa, Wallace teve que batalhar muito mais para conseguir sua bagagem acadêmica autodidata e para fazer com que suas descobertas fossem valorizadas. Desde então seu legado naturalista explorador e teórico interdisciplinar está cada vez mais divulgado e apreciado, chegando a ganhar diversas medalhas de mérito acadêmico. Desejo que os pontos fortes de sua biografia e seu legado científico nos sirvam de inspiração nesta celebração internacional dos 200 anos de Alfred Russel Wallace. Assista documentários sobre as expedições de Wallace aqui e aqui.
150 anos do livro A Descendência do Homem e a Seleção Sexual de Darwin
Neste dia de 24 de fevereiro há exatos 150 anos foi publicado em Londres com dois volumes de 450 páginas o The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex de Charles Darwin. O livro foi um marco para o estudo da evolução humana e aqui no MARCO EVOLUTIVO não poderíamos deixar de celebrar esta data. Originalmente a ideia de Darwin era apenas ter um capítulo sobre humanos em seu livro The variation of animals and plants under domestication de 1866, mas como o livro já estava grande ele resolveu fazer em separado um pequeno ensaio sobre nossa ancestralidade primata e a seleção sexual, o que acabou crescendo e virando os dois volumes do The Descent of Man em 1871. Neste livro Darwin finalmente pode desenvolver tudo o que ele se referiu ao final do Origem das Espécies quando disse que, por conta da evolução por seleção natural, no futuro muita luz seria lançada sobre a origem dos humanos e nossa psicologia e história.
Intuitivamente sempre nos parece que a diferença psicológica entre humanos e outros primatas é enorme, tanto que até o Alfred Wallace abandonou a explicação evolucionista ao se tratar da mente humana por achar pouco possível de que toda nossa capacidade intelectual tenha evoluído naturalmente em contextos tribais aparentemente pouco exigentes por grandes inteligências. Muito do The Descent é uma reposta ao desafio de Wallace. Darwin argumenta que todas as nossas características psicológicas podem ser encontradas em algum grau em outras espécies, incluindo capacidades para a música, a beleza, e a moralidade. É por isso que numa carta a Wallace Darwin diz que a evolução humana era o maior e mais interessante problema para o naturalista.
Outra noção popular na época era a de que toda a exuberante beleza na natureza teria sido magicamente criada para satisfazer os humanos que seriam o ápice da evolução. Graças a Darwin e anos de pesquisa subsequente, hoje sabemos que a evolução não tem ápice e que somos tão únicos e tão especiais quanto cada uma das outras espécies. No The Descent Darwin argumenta que a beleza sonora e visual encontrada no mundo animal evoluiu naturalmente pelo processo de seleção sexual. Indivíduos mais vistosos e sonoros eram preferidos na busca por um parceiro sexual, o que ao longo de muitos ciclos de seleção, dá origem a cada vez mais beleza.
A evolução dos armamentos como chifres era mais facialmente explicada pela competição entre machos o que deixara as armas mais eficientes e maiores. Mas para explicar a evolução da beleza era necessário perceber que as fêmeas das outras espécies também têm senso estético e que a variação nesse senso estético era a pressão social favorecendo a evolução dos ornamentos animais. Portanto, para Darwin a beleza do pavão ou da ave do paraíso não necessariamente precisa indicar uma qualidade de sobrevivência, basta ela ser agradável o suficiente para as fêmeas da espécie que a ornamentação poderia evoluir sendo um fim em si mesma.
Atualmente como parte das celebrações do sesquicentenário do The Descent, diversas iniciativas tentam resgatar o que Darwin acertou e o que Darwin errou no livro, e todos o desdobramento mais atuais nos dois tópicos centrais do livro: evolução humana e seleção sexual. O livro A Most Interesting Problem: What Darwin’s Descent of Man Got Right and Wrong about Human Evolution apresenta uma releitura da perspectiva atual de cada capítulo relativo ao ser humano. Está sendo muito bem avaliado e me pareceu muito interessante tanto para quem quer se atualizar sobre evolução humana quanto para quem quer se aprofundar nas hipóteses do The Descent. Em Darwin, sexual selection, and the brain Micheal Ryan faz uma revisão das várias linhas de pesquisa relacionadas à ideia da Darwin sobre a evolução da beleza sendo um fim em si mesma. Em Darwin’s closet: the queer sides of The descent of man (1871), Ross Brooks ressalta como Darwin integrou a ideia de variação individual nos assuntos da seleção sexual o que foi fundamental para o nascimento da sexologia moderna. No Periódico Evolutionary Human Sciences existem uma compilação de artigos celebrando os 150 anos do The Descent, por enquanto com 3 artigos e com promessa de outros mais por vir.
Claro que como todo livro, o The Descent tem várias limitações e vieses de época, mas nele Darwin deixou claro que as origens evolutivas dos humanos podem sim ser desvendadas. E nesse sentido enquanto um programa de pesquisa a ser desenvolvido, Darwin deu uma inestimável contribuição à evolução humana. E, se percebermos como aspectos morfológicos, biogeográficos, interespecificamente comparativos, mas também psicológicos e comportamentais estão integrados, o The Descent pode ser considerado bem moderno. Isto porque, de lá para cá, ainda são poucos biólogos focando na psicologia e no comportamento, e pouco psicólogos focando na evolução. Felizmente as áreas estão cada vez mais se integrando e talvez um dia cheguemos ao grau de integração que o próprio Darwin expressou 150 atrás.
Feliz Darwin Day 2020 Brasil!!!
No dia 12 de fevereiro de 1809 nascia Charles R. Darwin. Aquele menino curioso, travesso, colecionador de besouros, e nada muito estudioso, virou um jovem explorador e caçador de pássaros. Mas o que ele fez depois de abandonar a faculdade de medicina o colocou no caminho para um futuro de muito impacto. Ao combinar geologia, com história natural e demografia, com observações cuidadosas, expedição ao redor do mundo, coletas de espécimes e fósseis, experimentos caseiros, muita leitura, reflexão, e troca de cartas com especialistas, Darwin, seus livros e descobertas, se tornaram o pilar da Biologia moderna, que por sua vez, ancora para as Ciências Humanas. Nesse Darwin Day de 2020, estamos comemorando os 211 anos de Darwin e os 161 anos do seu livro seminal “A Origem das Espécies”. Trata-se da maior celebração mundial da Ciência e da Razão inspirada na vida e obra de Darwin, continuando a também merecida comemoração de ontem do Dia Internacional da Mulher e Menina na Ciência.
No MARCO EVOLUTIVO, celebramos anualmente o Dia de Darwin começando em 2008, passando pelo Bicentenário em 2009, e por 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, pela Década de Darwin Days em 2018 e até 2019. Me alegra muito ver o crescimento de celebrações do Darwin Day no Brasil mesmo sendo num período de férias de verão pré-carnaval. E como as abordagens se diversificaram, alguns celebram no dia 12 (UFU, UFSC, MZ-USP), outros na semana inteira ou mês de fevereiro (MZ-USP), outros em março com o início das aulas da graduação e pós (Unesp Botucatu, FMVZ-USP). Tem muita programação imperdível. O importante é aumentar o conhecimento, vislumbre e engajamento sobre o evolucionismo darwinista no Brasil. Afinal somos ainda a única espécie do sistema solar que já descobriu a evolução por seleção natural.
Hoje também é celebrado o Dia do Orgulho Ateu no Brasil. Nada mais apropriado do que comemorar a liberdade das amarras da religião no dia de nascimento do naturalista britânico para quem apoiar a evolução por seleção natural era como confessar um assassinato. Isso porque, com Darwin, as explicações criacionistas não são mais necessárias para explicar a origem e diversificação dos seres vivos. Apesar de parecer que Darwin tornou de vez desnecessária a crença religiosa, o que ele possibilitou, muito pelo contrário, é uma explicação materialista evolutiva tanto para a origem e diversificação das espécies e suas adaptações corporais quanto suas adaptações mentais. E assim, até a propensão para religiosidade e/ou seus subcomponentes afetivos-cognitivos também podem ser explicadas evolutivamente. Os possíveis valores adaptativos ancestrais da religiosidade podem ser desde reforçar o tribalismo, promover assimilação cultural alheia, motivar expansão territorial e conflitos entre grupos, controlar a fidelidade, sexualidade e reprodução feminina, fomentar sexualidade mais conservadora, oferecer propósitos de vida além dos de cuidado parental, ativar o efeito placebo de auto-cura, oferecer conforto e esperança frente ao medo da morte, entre outros. As pesquisas sobre esse tema estão florescendo nas últimas décadas, e assim que as evidências forem se acumulando saberemos quantos e quais desses valores adaptativos são os mais embasados para explicar a evolução da propensão para desenvolver a capacidade da religiosidade/espiritualidade. Veja exemplos aqui e aqui (livro da imagem).
Então, ao invés dos religiosos ficarem chateados por Darwin ter explicado os seres vivos, incluindo a origem primata dos humanos, nos termos materialistas sem a interferência de qualquer divindade mitológica, eles deveriam também celebrar o Darwin Day, pois o evolucionismo pode explicar a existência de sua própria tendência a religiosidade/espiritualidade. Sabemos que não é manifesto na natureza a existência de qualquer divindade criadora minimamente inteligente ou bondosa, visto a extinção das espécies, as crueldades que indivíduos fazem uns com os outros, os órgãos vestigiais, os erros de design de vários órgãos, suas disfunções, as doenças hereditárias, entre outras. Porém, a capacidade para se ter as experiências e tecer os raciocínios religiosos tem sua realidade embasada na própria evolução da mente humana. É por isso que esses raciocínios religiosos são antigos, universais e experienciados subjetivamente como verídicos, intuitivos, profundos e poderosos, pois são parte evoluída de longa data da mente humana, e não porque esse ou outro ser mitológico mágico local realmente exista invisível e antropomorficamente. Contra-intuitivamente, a pura fé religiosa é mais prova do alcance e poder da evolução biológica do que da existência de qualquer suposta divindade. A evolução da fé leva à ‘fé’ na evolução.
Muitas capacidade mentais foram recrutadas e reorganizadas para compor a religiosidade. Soeling & Voland (2002) elencaram as capacidades do misticismo, da ética, do raciocínio mitológico, e da tendência para realizar rituais. Dentro das capacidades para o misticismo, além das tendências para a contemplação transcendental, existem as tendências de pensamento essencialista, e de superativação da capacidade de identificar agentes intencionais (antropomorfização). Veja também van Leeuwen & van Elk (2019) para um modelo mais recente. Na revisão da literatura sobre biopsicologia do antropomorfismo (Varella, 2018), mostrei como essa superativação da detecção da intencionalidade é profundamente enraizada e evoluída da mente humana (junto com outros primatas próximos). Ela tem a função protetora por nos fazer ver intenção onde não tem para não deixarmos de ver onde tem, especialmente em contextos de vulnerabilidade. Foi melhor para nossos ancestrais pré-históricos se assustar com o vento mexendo a moita do que não se assustar quando o tigre-dente-de-sabre estava escondido na moita. Como no geral os religiosos tem mais medo da morte do que os não religiosos (mas a coisa é mais complicada do que isso) faz sentido eles verem agente intencional onde existem apenas processos astronômicos, físico-químicos, e biopopulacionais transgeracionais.
Somado a isso, os humanos (junto com outros primatas próximos) projetam e fazem ferramentas que nos ajudam na sobrevivência e reprodução há muito tempo pra essa capacidade mental de projetista/engenheiro também fazer parte intrínseca da mente humana. E isso também explica o quão intuitivo é o falacioso ‘argumento do design’ usado por criacionistas e adeptos do, também pseudocientífico, design inteligente. Achar piamente que para se produzir algo funcional e complexo é preciso sempre de um projetista inteligente, apesar de ‘fazer sentido’ intuitivamente, não é prova da plausibilidade da teologia natural, mas sim do caráter evoluído da nossa capacidade cognitiva de imaginar, reconhecer e produzir ferramentas e outros artefatos.
Atualmente temos o desafio de promover e intensificar o ensino de evolução em várias faixas etárias entre os humanos. Mas no futuro quando conseguirmos nos comunicar melhor com as outras espécies (e impedirmos sua extinção por degradação de habitat) teremos que também enfrentar o criacionismo dos gorilas e orangotangos, e o design inteligente dos corvos e macacos-prego. Não só porque isso está em parte devidamente profetizado na série Futurama (S06E09), mas porque esses e outros animais também tem as mesmas capacidades de entender propósitos e metas em outros, e de produzir ferramentas. Penso que uma boa maneira de lidar com isso é reafirmar a realidade do sentimento religiosos e a intuitividade profunda dos raciocínios intencionais e projetistas como produtos legítimos da evolução biológica.
Desejo um ótimo Darwin Day em 2020 para todas as tribos!
FELIZ DARWIN DAY 2016 BRASIL
É chegado o seu, o meu, o nosso Dia de Darwin! Hoje, dia 12 de fevereiro, Charles Robert Darwin faria 207 anos, então no mundo todo estão sendo rememorados e comemorados sua obra e seu legado científico para a humanidade. Isso porque seu livro mais influente “A Origem das Espécies” foi publicado em 1859, no ano em que ele comemorava 50 anos, então hoje também estamos comemorando os 157 anos desse que foi o livro que mudou a história das ciências naturais e acabou influenciando também exatas e humanas. Aqui no MARCO EVOLUTIVO incentivamos e comemoramos essa data desde em 2008, 2009 (Bicentenário – Ano de Darwin), 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, até 2015.
O segredo de como a Revolução Darwiniana nos deu uma nova visão de mundo está em identificarmos os pilares do mundo aristotélico que ela ajudou a quebrar. Encontramos essa ideia no livro de 2015 “From Aristotle’s Teleology to Darwin’s Genealogy: The Stamp of Inutility” de Marco Solinas, um historiador italiano que virá à FEUSP dar uma disciplina condensada de pós-graduação de 22 a 26 de fevereiro 2016, a convite do
Prof. Nélio Bizzo. Os pilares do mundo Aristotélico, segundo Solinas, são o Fixismo (o mundo e as espécies não mudam), Essencialismo (cada espécie teria qualidades únicas e descontínuas), e a Teleologia aristotélica (tudo e todos estavam perfeitamente adaptados funcionalmente para a manutenção das relações existentes). Eu torno explícito a adição do Antropocentrismo (os humanos são qualitativamente superiores em importância aos outros seres vivos e são o centro das atenções) como um quarto pilar aristotélico, o qual Solinas comenta, mas não chega a elevar a condição de pilar. Assim temos esse ‘quadrúpede’ aristotélico que sobreviveu séculos chegando ao fim graças às marteladas de Darwin em cada uma das suas bases.
Darwin, que era um naturalista (não confundir com naturista!), rompe com o fixismo ao perceber que, assim como com a geologia, as condições e os seres vivos estavam em constante mudança lenta e gradual; tornou-se um trasformacionista (não confundir com transformista!). Darwin rompe com o essencialismo ao aplicar o pensamento populacional e perceber que a variação individual não é um mero ruído, mas sim a matéria prima para a seleção; assim percebeu que são as populações que evoluem e não o indivíduo, então tornou-se um populacionista (não confundir com populista!). Darwin então rompe com a teleologia panadaptacionista e perfeccionista de Aristóteles ao chamar atenção para as muitas imperfeições e inutilidades dos seres vivos, como os órgãos vestigiais, justamente o que deveríamos observar se um processo demográfico cego e automático como a seleção natural estivesse atuando; tornou-se um selecionista (não confundir com seletista). E finalmente Darwin rompe com o antropocentrismo ao perceber que o ser humano não é o ápice da evolução, pois esta é multirramificada e sem metas ou rumo, então não existem seres superiores nem inferiores; torna se um indivíduo humilde perante a biodiversidade.
Enquanto você não enfrentar e demolir cada um dos pilares do mundo pré-darwinista você vai ter alguns mal-entendidos sobre evolução biológica e não vai sentir todo o peso e poder da Revolução Darwinista. Nada melhor do que um bom Darwin Day cheio de atrações para abraçarmos de vez seu legado.
Em Osasco, o Nélio Bizzo e eu estaremos hoje 12/02 na Escola de Artes “Antonio Savi”/Biblioteca Municipal “Monteiro Lobato” de Osasco a partir das 18h30 assistindo e discutindo um documentário, tudo organizado pela Secretaria do Meio Ambiente e Borboletário Municipal. O Darwin Day em Osasco tem entrada gratuita, o evento será transmitido ao vivo através das mídias sociais. Note que o endereço correto é o Rua Tenente Avelar Pires de Azevedo nº 360
Em São Paulo, teremos Darwin Day no Museu de Zoologia da USP e no Museu Catavento.
No MZUSP, que foi recentemente reaberto ao público com uma excelente exposição, a programação vai de hoje 12/02 até dia 19/02 com ótimas palestras, oficinas, jogos e exposições. Vale muito a pena conferir.
No Catavento – Espaço Cultural da Ciência em Sampa, no novíssimo Museu do Amanhã no Rio de Janeiro e no Sesi Tiradentes – Centro Cultural Yves Alves em Tiradentes, Minas, a MOSTRA VERCIÊNCIA DIA DE DARWIN vai exibir o episódio “Darwin no Brasil” uma produção da BBC de 1978 sobre a viagem a bordo do HMS Beagle e vinda de Darwin ao Brasil entre outros vídeos.
No Catavento serão sessões às 12h e as 14h hoje 12/02 e amanhã 13/02.
No Museu do Amanhã será a tarde inteira de sábado dia 13/02 das 13 às 19h com uma palestra e cinco vídeos. Imperdível para os cariocas.
O Prof Gastão Galvão dará a palestra A importância da pesquisa de Darwin e a vinda dele ao Brasil”. Depois virão os documentários:
13h20 – “A viagem de Charles Darwin – Episódio Darwin no Brasil” (50min)
14h20 – Darwin e a árvore da vida (60min)
15h30 – Macacos geniais (60min)
16h40 – Grandes britânicos: Darwin (50min)
17h40 – O jardim de Darwin (60min)
No Sesi Tiradentes serão duas exibições de vídeo: Darwin e a Árvore da Vida (às 18h00) e A Viagem de Charles Darwin (às 20h00).
Em Belém do Pará, o pessoal do Lagen do ICB da Universidade Federal do Pará organiza o seu 1º Darwin Day desde ontem. Hoje a partir das 14h terão ainda duas palestras imperdíveis: uma sobre a Teoria Evolutiva ministrada pelo Prof Júlio Pieczarka, e outra sobre EVODEVO ministrada pelo Prof Igor Schneider.
Outros locais como o IB-USP e a USP Ribeirão
provavelmente terão as comemorações do Darwin Day em alguns meses. É lindo demais ver o Darwin Day se difundindo pelo país. Convido as outras universidades a organizarem o seu Darwin Day e ampliarem essa tendência mundial evolucionista. Aproveitem!
Fechamos então com a gravação do III Darwin Day de USP de Ribeirão Preto do ano passado que teve 5 horas de duração e palestras e discussões muito interessantes e instigantes.
Brasil, Feliz DARWIN DAY 2015!
Feliz 2015 a todos! Começamos o ano já celebrando os 206 anos de Charles R. Darwin como fazemos desde 2008 aqui no MARCO EVOLUTIVO. Neste dia 12 de fevereiro, o famoso “DARWIN DAY”, o mundo inteiro está promovendo eventos e reflexões sobre a vida, obra e todo o legado de Darwin.
“Há uma grandeza nessa visão da vida”, disse Darwin ao contemplar as implicações da mudança de paradigma iniciada por ele. Após muitas leituras, cartas, viagens, coletas, experimentos, descobertas e dilemas, Darwin se viu na obrigação avisar o mundo simplesmente que a Natureza está nua!
Assim como no conto de fadas “A roupa nova do Rei” de Hans Andersen, a maioria na época de Darwin estava mais preocupado em validar sua própria e merecida superioridade frente aos outros seres do que encarar os fatos humildemente. Afinal, só os inteligentes conseguem ver a roupa nova do rei, não é mesmo? Darwin, ao abandonar o antropocentrismo criacionista, foi como aquela criança que fez o favor de mostrar a todos que somos tão especiais quanto qualquer outra espécie, e que toda a eficiência, funcionalidade, complexidade e aparência de intencionalidade no projeto dos seres vivos é fruto do mecanismo cego seletivo e não da intrução premeditada de um criador.
É claro que o gosto amargo que se sente com a possibilidade de conceber que se esteve muito errado ainda hoje impede muitos de perceber a Natureza nua mais como um nu artístico do que como uma pornografia fajuta. Por isso, junte cruriosidade, coragem e humildade e descubra também a beleza e grandeza da verdade nua e crua da Evolução Biológica.
Esse ano no Brasil teremos ótimos eventos. Hoje à noite às 20h no Universidade Municipal de São Caetano do Sul, SP o grande Prof. Nélio Bizzo dará uma palestra intitulada “O que pensam os jovens sobre evolução?”.
Em sampa, teremos amanhã (13/02/2015) o II Darwin Day no IB da USP com o tema “Combatendo a anti-Ciência com Educação”. O evento será transmitido ao vivo online nesse link.
Em breve será divulgado os detalhes do III Darwin Day da USP de Ribeirão Preto na página deles do Facebook. Abaixo segue o vídeo do evento passado do quel tive a honra de participar.
Assistam também o documentário curto da BBC “Darwin’s Struggle: The Evolution Of The Origin Of Species”, é muito bom. Tenham todos mais um ótimo Dia de Darwin!!
Feliz Dia de Lamarck e Hamilton!!!
Hoje, dia 1º de agosto, estamos comemorando um dia evolutivamente marcante! Nessa mesma data nasceram dois gigantes evolucionistas que foram fundamentais para nosso melhor entendimento dos seres vivos.
Jean-Baptiste Lamarck comemora hoje 268 anos! Nascido em 1744, o naturalista frances, além de cunhar os termos “Biologia” para o estudo dos seres vivos, e “Invertebrados” para os animais sem vertebra, foi um dos primeiros a aceitar que as espécies podiam mudar, ou seja evoluir, e ainda propôs um mecanismo para essa mudança. Ele descobriu e classificou alguns milhares de espécies. Teve mais de 220 espécies nomeadas em sua homenagem. Faleceu aos 85 anos em 1829. Descubra qual foi seu verdadeiro erro no MARCO EVOLUTIVO e mais sobre sua vida na Wiki.
Willian Donald Hamilton comemoraria hoje 76 anos! Nascido em 1936, o biólogo evolucionista britânico, além de ser um dos proponentes iniciais da teoria da Rainha Vermelha para evolução da reprodução sexuada, revolucionou a biologia evolutiva com a Regra de Hamilton (C < r x B) ao explicar a evolução de comportamentos altruístas dando as bases para a Sociobiologia e para o ponto de vista do gene na evolução. Ganhou 10 prêmios científicos. Ele faleceu aos 63 anos em 2000, e gostaria que, após sua morte, fosse mandado ao Brasil para ter seu corpo devorado pelo besouro carniceiro do gênero Coprophanaeus. Descubra o porquê na Wiki.
Ambos teóricos evolucionistas foram pioneiros em seu tempo e trouxeram grandes mudanças em como vemos a evolução das espécies. Lamarck mostrou que apenas leis naturais são suficientes para a transformação das espécies. E Hamilton mostrou que os beneficiados dos comportamentos altruístas são os genes e não o indivíduo ou a espécie. Vamos celebrar e relembrar esses dois pilares do evolucionismo. Feliz dia de Lamarck e Hamilton!!
Seleção Sexual, de Parentesco, Natural, Artificial e Social
O papel e a importância das fêmeas têm mudado muito, não só em nossa sociedade, mas também nas próprias teorias evolutivas. Após 141 da publicação do livro ‘A Descendência do Homem e a Seleção Sexual’, em que Darwin introduz a importância e as implicações evolutivas da escolha da fêmea, pesquisadores rediscutem o papel das fêmeas na seleção sexual e sua abrangência para incluir aspectos não diretamente relacionados com a reprodução.
MARCO EVOLUTIVO traz diretamente do futuro, do dia 19 de agosto de 2012, um número especial do periódico Philosophical Transactions of the Royal Society B: biological Sciences. Intitulado “Seleção sexual, conflito social e a perspectiva feminina”, o número conta com 11 artigos que giram em torno da competição social feminina.
Enquanto alguns sugerem expandir o escopo da seleção sexual para incluir todas as formas de competição entre fêmeas, outros propõem incluir a seleção sexual dentro de algo maior chamado de seleção social, outros ainda querem substituí-la completamente por esta. Num sentido mais amplo, a seleção social é tida simplesmente como, a seleção resultante das interações intraespecíficas sociais. Tudo surgiu quando alguns pesquisadores não conseguiram ver como parte da seleção sexual algo que não fosse diretamente ligado à reprodução, como dominância social, por exemplo. Daí inventaram essa tal seleção social.
Sinceramente, pra mim essa discussão é decepcionante. Primeiro, assim como a seleção natural não parou no Darwin, a seleção sexual também evoluiu. O fato de o Dariwn não ter valorizado a ornamentação da fêmea, nem a competição entre fêmeas, não significa que hoje não saibamos que todas as opções ocorrem: competição entre machos, entre fêmeas, entre macho e fêmeas, escolha da fêmea e do macho. E pra isso não precisamos inventar outro conceito.
Segundo, o simples fato da existência da consagrada competição intrasexual, ou seja, luta direta e indireta ritualizada, mostra que seleção sexual não é só sobre sexo, ou apenas coisas diretamente relacionadas à cópula. Ela envolve até as coisas indiretamente relacionadas ao sexo.
Agora, só há evolução, se há reprodução, seja direta, via filhos, ou indireta, via filhos de parentes. Então, a meta final evolutiva, não é só sobreviver (seleção natural), nem só socializar (seleção social), essas atividades são apenas meios para o fim da reprodução (seleção sexual e seleção de parentesco). Mesmo assim, muitos evolucionistas eminentes, como era o caso do próprio Ernst Mayr, consideram a seleção sexual apenas algo menor dentro da seleção natural e de parentesco.
Terceiro, o simples fato de Darwin ter colocado a origem do homem em processos naturais, deixa turva a distinção entre seleção natural e seleção artificial. Não há nada de mais artificial no ser humano (e nem no que ele faz) do que em qualquer outro animal. Pra mim, tudo isso mostra que não adianta criarmos ou eliminarmos tais conceitos de seleções se não percebermos que estamos misturando duas coisas. Uma é ‘quem faz a seleção?’: a natureza, o homem, a sociedade ou a fêmea. Outra coisa é, ‘visando a que? sobrevivência, reprodução direta ou reprodução indireta.
Quanto à última questão, a coisa é tranquila, por mim, deixaria a sobreviência com a seleção natural, a reprodução direta com a sexual e a indireta com a de parentesco.
Para a primeira questão podemos simplificar em dois grupos de atores seletivos: os físicos, os quais são, em geral, mais inertes, não coevoluem com aquilo que selecionam, no sentido de não possuir conflito de interesses; e os biológicos, os quais são direcionais e reativos, pois sempre coevoluem com o que selecionam.
Alguns fatores físicos são sim alterados em resposta a uma seleção condicionada por ele, é o caso da construção de nicho, em que todo animal (não só o ser humano) altera seu meio de acordo com suas necessidades, afrouxando algumas pressões seletivas e criando outras. Mas essas pressçoes nunca ‘revidam’ ou ‘perseguem’ evolutivamente aqueles que selecionam, não têm uma agenda própria. Os fatores seletivos biológicos podem vir de outras espécies (como predadores, parasitas, gripes, presas ou domesticação) ou ser intraespecíficos. A importância da dinâmica intraespecífica é grande, pois veja: ao caçar uma capivara, a onça não só vence um indivíduos de outra espécie, como sai na frente, naquele dia, na competição por comida com os indivíduos da sua própria espécie.
As interações intraespecíficas podem ser afiliativas, aversivas ou neutras, de cunho sexual ou não, pra ambos os sexos. O grande desafio então, é expandir o entendimento atualizado sobre os conceitos e não criar novos termos tapa-buraco. Assim como existe competição intrassexual (macho-macho e claro também fêmea-fêmea), existe competição intersexual, entre macho e fêmea, e ainda existe também cooperação intrassexual (macho-macho e fêmea-fêmea). Assim como existe seleção intersexual (fêmea escolhe macho, e também macho escolhe fêmea), existe seleção intrasexual (macho escolhe macho e fêmea escolhe fêmea). Tudo isso influenciando a evolução de armamentos (agressões diretas e indiretas, incluindo piadas ofensivas, bulling e fofoca) e ornamentos (diretos ou indiretos, incluindo piadas positivas, altruísmo e recomendação/indicação de pessoas).
Além disso, as interações sociais dentro da espécie podem ser afiliativas, aversivas ou neutras, de cunho sexual ou não, pra ambos os sexos, sendo parente ou não! Ou seja, existe sim toda uma gama de interrelações entre seleção sexual e de parentesco que deve ser mais bem explorada, afinal ambas são reprodução.
Bom, espero ter ajudado pra abrir o leque de opções e esclarecer que essa onda de fazer caricatura de conceitos clássicos, forçando a barra em aplicá-los apenas em casos específicos para então abrir caminho para conceitos ditos ‘mais abrangentes’ (que fazem a mesma coisa no final), tá por fora.
Ades Egypti e seu Entusiasmo Contagiante
Era impossível ficar ao lado de nosso querido César Ades, que nasceu no Cairo, Egito, e não ser levado por seu entusiasmo contagiante. Conheci o César em 2003 no XX Enconto anual de Etologia (EAE) em Natal, em meu terceiro ano de graduação eu ainda não havia encontrado minha área de pesquisa. Lá depois de uma brilhante palestra sobre todos os EAEs anteriores eu estava mais do que cativado pela Etologia, principalmente voltada para os humanos. Ele autografou meu livro de resumo e me desejou um futuro brilhante.
Em meu último ano de graduação fiz um trabalho sobre a consciência animal e se não fosse um texto do César ter me tocado e me motivado não teria tirado da nota máxima.
Em 2004, ao final de meu bacharelado na Unesp de Bauru com Sandro Caramaschi, ex-aluno do Prof. César, fui conversar com ele para estudar possibilidade de um mestrado. Eu estava super nervoso, mas ele me deixou bem a vontade e no decorrer da conversa percebemos que estávamos em sentidos contrários: ele era um psicólogo mais voltado para o comportamento dos outros animais e eu um biólogo interessado no ser humano. Então, ele me indicou a Profa Vera Bussab que acabou sendo minha orientadora de mestrado e de doutorado no Bloco F do IP-USP, inaugurado pelo César enquanto diretor do Instituto anos antes.
Sua disciplina de pós sobre Comunicação Animal me forneceu bases sólidas para um estudo comparativo da musicalidade humana. Cada aula com ele era uma maravilha, ambiente descontraído, informações precisas e conexões muito bem elaboradas.
Fora as belas homenagens oficiais a ele realizadas pelo Instituto de Psicologia da USP, muitas palavras relevantes e tocantes foram colocadas aqui na nossa Série Especial do ScienceBlogs Brasil em homenagem ao César, o Grande ao meu ver.
- Um memorial ao Cesar Ades
- Sobre o falecimento de César Ades.
- Ao mestre, com carinho
- Uma homenagem ao mestre César Ades
Eu (depois de ficar uma semana e meia fora do ar devido a uma fratura e cirurgia no braço dois dias após seu falecimento) gostaria de acrescentar algo que julgo muito louvável sobre ele. César Ades era tão entusiasmado e curioso por conhecimento que ele não conseguia se conter em apenas dar aulas, fazer pesquisas, publicar, orientar, ter cargos administrativos, organizar eventos, ele também fazia e valorizava a divulgação científica.
Ao ser esse acadêmico generalista digno de um Da Vinci moderno, a divulgação científica não poderia passar em branco. Ele deu diversas entrevistas tais como a brilhante ‘Psicologia e Biologia – Entrevista com César Ades’, e a ‘Entrevista: César Ades estuda a evolução do comportamento animal’. Escreveu e deu várias contribuições para a Ciência Hoje Criança como explicando a importância da limpeza nos animais em ‘Tá limpo!’. Ele deu várias palestras e também participou de várias comemorações do Dia de Darwin. Esse ano, César compareceu ao Catavento Cultural para participar de um talk show com o Prof Nélio Bizzo. Como sempre tudo bem descontraído e informativo. Ele sempre frisava na importância de Darwin enquanto o primeiro psicólogo evolucionista. Sua importância como divulgador é crucial e assim como todas suas outras características irá continuar inspirando gerações de pesquisadores e admiradores.
Uma de suas mais atuais metas era a de reunir etólogos eminentes da América Latina para um simpósio debatendo origens, desafios e perspectivas futuras da área, de modo a gerar um livro em conjunto sobre as experiências em cada país e a semente de uma aliança Latino-Americana de Etologia. Reuniremos esforços para realizar essa grande ideia junto a alunos e profs.
Um dos mais tocantes comentários sobre o César pra mim foi o do Prof. Fernando Ribeiro quando queria destacar uma virtude dele.
“Quem o vê hoje, e encanta-se com seu entusiasmo, conhece o mesmo César Ades de 40 anos atrás. E foi esse entusiasmo que escolhi, a fim de destacar uma de suas virtudes, ao cumprimentá-lo, na ocasião de sua indicação para o Instituto de Estudos Avançados, quando disse a ele: Fui percorrendo suas marcas, a inteligência, a erudição, o caráter… mas como me impus uma escolha, fiquei com o entusiasmo, sem o qual a inteligência não se acende, a erudição não se atinge, o caráter não se transmite. Sim, porque César Ades é, e sempre foi, um professor. Sua extroversão e a expressividade com que se comunica constituem sua face visível”
Fique agora com os dois vídeos de uma entrevista de César Ades concedida ao programa Trajetória da TV USP em 2011 e com o vídeo mais recente do César Ades no Dia de Darwin. Assim um pouco dele e seu entusiasmo sempre viverá em nós de modo a podermos contagiar toda uma outra geração com suas idéias e atitudes.
Dia de Darwin 2012
Fim do Mundo na Cabeça
O fim do mundo não foi inventado pelos Maias, Astecas, Profetas ou cometas. Ele sempre existiu e mora dentro de nossas mentes. Trata-se da manifestação mais genuína de nosso pluralismo de estratégias comportamentais contingentes à disponibilidade de fatores sócio-ambientais. Explico, dá-se mais valor imediato para o recurso mais raro, nossa mente está sempre alerta à disponibilidade de recursos, logo se falta o amanhã todo recurso estocado deve ser consumido agora. E tem-se a euforia do último dia.
Quanto mais pessoas acharem que o mundo vai acabar dessa vez, mais óbvio ele passa a ser e mais pistas se tem para ajustar a estratégia de alocação de recursos imediatista. Então, sendo assim a questão não passa mais a ser quando ou como o mundo vai acabar, mais sim quais conseqüências o fim do mundo trará. Todo fim do mundo, como sempre, levanta questões: reprodutivas, competitivas, paliativas e contemplativas. Basicamente o eixo condutor é o do dilema entre estratégias ‘rápido e rasteiro’ e ‘calmo e certeiro’. Seres vivos que se reproduzem cedo, vivem pouco e tem prole grande devotando pouco cuidado parental são estrategistas r de ‘rápidos’, enquanto aqueles que tardam a se reproduzir, vivem muito, tem prole pouco numerosa e devotam muito cuidado parental são os estrategistas k de ‘kalmos’.
Nós humanos só tememos o fim do mundo porque temos medo da morte. A morte só surgiu quando do aparecimento do sexo, pois seres de reprodução assexuada não morrem nunca. Logo, um fim do mundo sem sexo é a morte só pra quem se reproduz sexuadamente. Muitos seres vivos na hora H dos finalmentes, ao final da ‘saideira’ da vida só pensam e fazem uma coisa, sexo. No final do mundo para os salmões a palavra de ordem é ficar vermelhão e se acasalar. Alguns insetos já fecundados só pensam em botar os ovos no momento da morte. Daí que percebemos que não se trata de sobrevivência dos mais adaptados, mas sim de reprodução diferencial.
A depleção de recursos é um ponto alto da histeria de massas. Sempre de um desastre natural há um frenezi pelos últimos valiosos recursos. Então temos um contexto para competição, manipulação e violência. A competitividade aparece sempre em que se investe mais em acasalar agora do que se poupar para investir na prole. É claro que a competição por parceiros e recursos não é um fim em si, mas sim um meio para alcançar melhores condições e oportunidades reprodutivas.
É claro que no fim das contas há sempre um arrependimento e uma nostalgia. No leito de morte a maioria das pessoas acha que devia ter trabalhado menos, ser e fazer aquilo que sempre quis, gostar mais e passar mais tempo com os parentes e amigos, perdoado mais as pessoas. Então, do fim surge possibilidades de releituras e recomeços alternativos. Pena que no caso da espécie humana a coisa esteja ficando tarde demais para um arrependimento e um recomeço mais sustentável.
Sabendo que somos os descendentes dos sobreviventes de 5 grandes extinções em massa, das quais boa parte da biodiversidade da Terra sumiu do mapa, podemos nos sentir com sorte. Entretanto, a sorte a posteriori é uma ilusão, assim como extraterrestres, gnomos, deuses e democracia. Mas ainda assim existe beleza em ver tanta gente ganhando dinheiro com o desespero alheio, e tudo o mais acontecendo conforme as previsões comportamentais, ao sermos tão frágeis enquanto sociedade autodestrutiva.
Então, não deixe que essa nova onda de datas do fim do mundo te acerte em cheio na sua propensão cognitiva para o imediatismo e aproveite o momento para rever seus conceitos. Vida longa ao fim do mundo.
Este post fez parte nos últimos minutos do término da blogagem coletiva, “2012: O Último Carnaval?” e espero contribua para a discussão.
Feliz Dia de Darwin 2012
Simplesmente são 203 anos para o aniversariante mais célebre de hoje, Charles Darwin. Todo dia 12 de fevereiro, comemoramos no mundo todo o Darwin Day, uma celebração sobre Evolução, Ciência e Humanismo. Também comemoramos no Brasil o Dia do Orgulho Ateu. Como podem imaginar, não se trata de tietagem vazia, mas sim de uma homenagem mais que merecida para o cientista que em sua vida e obra levantou temas e posturas muito avançadas, abrangentes e revolucionárias.
Darwin hoje representa para nós acima de tudo Coragem. Valentia para se questionar e mudar, evoluir no pensamento. De caçador de animais e degustador de animais exóticos, passou a defender o respeito para com os animais e condenar as práticas de crueldade. Já que não faz muito sentido ser contrário ao trabalho escravo, o que ainda acontece em muitos lugares do Brasil e do mundo, e não se questionar sobre como tratamos os animais. De religioso e estudante para ser pastor anglicano, virou pesquisador em História Natural e abandonou a crença em deus. Não faz muito sentido acreditar num papai noel, mesmo depois de descobrir que não existe mágica, apenas truques, efeito placebo, auto-engano e tribalismo.
Sem essa coragem para abandonar esse nosso antropocentrismo terrorista nunca conseguiremos construir uma realidade mais universalmente justa e respeitosa. O antropocentrismo terrorista, que ao pregar que o ‘homem’ é o ápice, quase divino e, por tanto, está autorizado a usar e abusar das outras culturas, etnias, espécies e ecossistemas, está, não só está destruindo a si mesmo, mas levando tudo o mais junto para o buraco.
Tenha a coragem de aceitar o desafio proposto por Darwin. Veja a si mesmo como tão especial quanto qualquer outra espécie seja bonita e fofinha ou feia e venenosa, sinta-se conectado a todas elas, pois todos somos parentes e, então veja a beleza de se orgulhar de suas bactérias da flora intestinal. Não tenha medo de cultivar dúvidas, despir a curiosidade de tabus e dogmas, experimente beber do experimentar e testar possibilidades alternativas. E então permita que as reflexões nesse dia de Darwin evoluam em você.
Nesse vídeo veremos uma mensagem do idealizador da celebração mundial do Darwin Day, Robert Stephens.