Podcast Dispensáveis
Rapidamente porque eu tenho muita coisa na minha mesa que precisa ser digitada daqui para mais tarde.
Semana passada eu participei da gravação do sexto episódio do podcast Dispensáveis, falando sobre viagem no tempo.
E este já está no ar.
O que precipitou minha intervenção foi, muito provavelmente, meu ensaio especulativo sobre viajantes temporais, escrito numa época em que eu era ingênuo e não revisava concordância e/ou pontuação (sério, o texto tem uns dez anos já, escrito quando nem blogue existia ainda. Sejam gentis).
Para sua comodidade, aqui está o link direto para a página onde o episódio pode ser ouvido direto em seu navegador ou baixado como mp3 para o seu máximo prazer.
Sempre lembrando, nós do ScienceBlogs Brasil também temos um podcast, o Dispersando.
Lembrando sempre mais uma vez ainda, ele está parado por falta de fundos.
Nota mental para mim mesmo: preciso de calças novas.
Homeopatia é feita de nada e NÃO funciona contra dengue
Em Natal, a prefeita Micarla de Sousa (eleita pelo PV) sancionou a Lei nº 6.252, de 25 de maio de 2011 (link em PDF) que diz:
A PREFEITA DO MUNICÍPIO DE NATAL,
Faço saber que a Câmara Municipal aprovou e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º – Autoriza o Poder Executivo a realizar estudos e pesquisas no sentido de adotar medicação homeopática, no combate e prevenção de dengue em Natal.
I – A medicação a que se refere o artigo 1º poderá ser ministrada nos bairros que apresentem os maiores índices de infestação da doença ou nas áreas onde a equipe técnica da Secretaria Municipal de Saúde definir como prioritárias ou de risco iminente para proliferação de casos;
II – A aplicação do medicamento será executada pelas unidades de saúde, na dosagem prescrita por profissional competente;
III – A Secretaria de Saúde do Município de Natal, através de uma equipe multidisciplinar, fará o acompanhamento e monitoramento, com as notificações necessárias, dos usuários atendidos pela medicação a que se refere o artigo 1ª desta Lei.
Art. 2º – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Um grande problema não é o texto acima, mas a maneira como a coisa foi levada à frente. Esses “estudos e pesquisas” não ocorreram. Especialista não foram consultados e, especialmente, o Conselho Regional de Medicina não foi ouvido.
Entrando em vigor, essa lei certamente beneficiaria, e muito, algumas pessoas, tendo em vista que homeopatia é feita de nada.
O pior, no entanto, é o fato de existirem pessoas em cargos altos (como prefeita e vereadores) que não só acreditam nessa macumba disfarçada de medicina que é a homeopatia como não têm o mínimo interesse na saúde da população (se tivessem, teriam consultado infectologistas ou teriam procurado o CRM, o que não ocorreu).
Jeancarlo Cavalcante, presidente do Conselho, falando ao jornal Tribuna do Norte disse que, tanto a sanção quanto a aplicação dessa lei são “uma temeridade”. Mas ele disse isso porque é o presidente.
Como eu não devo contas políticas a ninguém, posso dizer com mais letras: dar homeopatia a pessoas doentes ou tentar usar homeopatia para prevenir doenças potencialmente fatais é uma irresponsabilidade e demonstra, mais uma vez, o descaso do poder administrativo da minha cidade para com a população, cujo interesse deveria ser prioridade.
Por mais que esse “passe de mágica” (como disse ao mesmo jornal o presidente da Sociedade Riograndense do Norte de Infectologia, Hênio Lacerda) estivesse sendo aceito por ingenuidade de Micarla de Sousa, seria dever da primeira servidora pública da cidade procurar pessoas que, ao contrário dela, realmente soubessem do que se trata medicina, doenças, tratamento, etc. Confiar na própria suposta inteligência é, demonstrativamente, um erro para pessoas assim, em cargos tão importantes.
Em entrevista ao Novo Jornal, Munir Massud, Professor da UFRN e especialista em Bioética Médica, aponta que homeopatia “não serve para nada. Na Medicina, o que não é científico não é ético”. E, para o Conselho Nacional de Saúde, antes de ser usado em humanos, um medicamento precisa ser fundamentado com experimentações prévias, cientificamente. Coisa que a homeopatia falhou em fazer 100% das vezes que tentou.
Em vista disso, a Secretaria Municipal de Saúde informou ao Novo Jornal que: “em razão da polêmica levantada pela lei, irá solicitar um parecer técnico à Sociedade Riograndense do Norte de Infectologia”.
Sim, vocês já devem ter notado. A Secretaria de Saúde só irá se informar a respeito com especialistas no assunto porque o CRM e a própria Sociedade de Infectologia foram atrás.
Então, ao invés de combater o mosquito (não há uma propaganda de prevenção, um só folheto pregado em poste, nada), a prefeita achou por bem beneficiar financeiramente os feiticeiros medievais que venderiam água a preço de remédio. Porque, já que a população não gosta dela, porque ela haveria de gostar da população, não é?
Já que ela nem se trata aqui, por que então cuidar do sistema de saúde do município?
Recapitulando: matérias circularam pela Tribuna, Novo Jornal (já citados), Diário de Natal e nominuto.com após uma coletiva de imprensa organizada pelo Conselho Regional de Medicina e pela Sociedade Riograndense do Norte de Infectologia, pois nenhum dos dois órgãos foram consultados antes da prefeita passar uma lei dando água e açúcar para a população como forma de combater a dengue.
Mas eu vou esperar até Micarla divulgar o resultados dos estudos e testes que realizou, segundo prevê a lei que ela promulgou semana passada.
Enquanto isso, pessoas de fora, estejam avisadas: não venham a Natal em hipótese alguma. Gastem seu dinheiro turistando na Paraíba ou no Ceará. Aqui vocês podem morrer de Dengue a qualquer minuto.
Não há mais salvação para nós, natalenses, mas estamos resignados quanto à falta de estrutura da prefeitura para combater um mosquito.
Como consolação, fiquem com Amanda Gurgel, uma das poucas coisas boas que aconteceram na minha cidade nos últimos anos.
E que venha a Copa!
Participe da campanha “Seja um Médico Limpinho”
Andando por São Paulo semana passada me deparei com a incrível necessidade de alguns médicos e estudantes de medicina de precisar afirmar que são profissionais de saúde. E como eles tentam mostrar ao mundo o que são? Através de um desfile de moda monocromática na forma de jalecos brancos.
Se essa toga moderna fosse apenas para mostrar como certas pessoas têm uma auto-estima tão baixa que precisam criar uma ilusão de grandeza com uma farda que lhes garante o pseudostatus de supercidadãos, tudo bem; cada Bob com seu Mundo Fantástico.
O problema que eu tenho com isso é que essa mesma autopropaganda em página dupla que é usada na rua é também usada dentro dos hospitais.
Jaleco não é só o nome vulgar de um pequeno tamanduá do Maranhão. Não. Jaleco deveria ser também uma proteção, uma luva para as roupas, uma camisinha para o corpo.
Se seu padeiro contar o dinheiro com a mesma luva que usa para colocar seu pão no saco você teria nojo.
(A analogia da camisinha e a dicotomia “cabaré/sua mulher em casa” fica para outro dia.)
Por causa dessa prática irresponsável, eu resolvi criar (no meu outro blogue) duas camisetas grátis, tanto para os aprendizes de boçal estudantes de medicina quanto para os caroneiros de infecção médicos (clique nas imagens para vê-las maior):
A repercussão foi boa e estudos mostram que alguns já estão usando a peça na rua! Fantárdigo!
No entanto, outros ainda assim preferem o guarda-pó mesmo, pois camiseta qualquer um pode ter. Um sobretudo branco, por sua vez, só é vendido mediante apresentação do CRM.
Então, usando a ideia de uma comentarista do artigo original (já linkado), achei por bem criar, mais uma vez sem qualquer custo para os pobres profissionais, um modelo de jaleco para evitar confusão entre o de sair e o de trabalhar (porque, para alguns médicos, jaleco é como bolsa de mulher; um para cada ocasião):

E, o mais importante, a mensagem:

Ainda, feita por Atila, também participando da Campanha, uma camiseta para aqueles momentos de descontração fora dos horários de trabalho (pois sair de jaleco nas madrugadas pode atrair atenções indesejadas e fazer os outros pensarem que você é o Cadeirudo):
Então vamos lá, todo mundo! Participem da Campanha “Seja um Médico Limpinho”!
Envie esse artigo do médico Karl para todos os médicos que você conhece.
Presenteie pelo menos um deles com algum dos modelos grátis acima.
Bata palmas quando vir algum estudante de jaleco no metrô! Vamos compensar a falta de auto-estima deles fazendo-os se sentir especiais.
No texto de Atila, um reclamou da reclamação dizendo que a correria é muita e até roupa íntima carregam bactérias. Meu recado para ele é: Super Homem, a cueca não vai por cima das calças. Quanto tempo você precisa para abrir oito botões? E não consegue fazer isso e andar ao mesmo tempo? Você deveria passar menos tempo aperfeiçoando sua boçalidade e mais tempo aprendendo a fazer duas ações simples simultaneamente. Ah, e aprenda também o significado de “profissão mais antiga” porque você está usando errado sem saber.
Outro ainda disse que esse tipo de crítica é inveja. Quem diz que crítica é inveja é porque não tem autoconfiança suficiente para receber uma e critica de volta da forma mais infantil possível. Seu feio, una! 😛
Todavia, eu preciso concordar com outro comentarista: “Novamente, ridiculo, vontade de aparecer e se sentir superior, quando na verdade está so expondo desnecessariamente os cidadaos e seus pacientes.”
(Juramento de Hipócrates, trecho)
Pedofilia nem sempre é crime
Apesar da lei brasileira não especificar o termo pedofilia em sua letra, o Artigo 217-A da seção “crimes sexuais contra vulnerável” do Código Penal dá uma descrição razoável:
Estupro de vulnerável
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de catorze anos.
Pena – reclusão, de oito a quinze anos.
O que as pessoas normalmente não se dão conta é que pedofilia não é um crime em si. Como somos aficcionados por metonímia, temos a forte tendência de confundir “pedofilia” com “crime de pedofilia”. Enquanto este é o que vemos na mídia e com razão condenamos, aquela é uma entidade psiquiátrica, um distúrbio.
Classificado atualmente como uma parafilia, o assunto é bem mais extenso do que temos vontade de admitir, pois nem todo pedófilo é criminoso e mesmo aqueles que são, geralmente não são os únicos culpados.
Assistam ao vídeo a seguir (por Meire Gomes, do Bule Voador) e entendam do que estou falando.
Sintam-se à vontade para discutir aqui nos comentários.
“Bebida amarga torna as pessoas mais críticas, mostra estudo” <= Não, não mostra.
Numa “matéria” (aspas irônicas) sobre um “estudo” (elas aqui novamente), a Folha.com dá uma aula de como jornalismo é feito atualmente: ctrl+c -> Google Translate -> ctrl+v.
Sem sequer a menor das críticas, o tradutor da Folha fez exatamente o que sua função exige, que é traduzir coisas. Pronto.
Com a diferença de que não se deu ao trabalho de incluir nem o nome do chefe do trabalho (Kendall Eskine) nem o nome da universidade que produziu tal primor de pesquisa (visto que “City University of New York” não é o mesmo que “Universidade da Cidade de Nova York”, a não ser que o jornal também traduza Cambridge e Oxford como “as universidades da Ponte de Came e Vau do Boi“).
A matéria foi capa do caderno Ciência e, como tal, deveria ter sido tratado com pelo menos uma nesguinha de ceticismo. Mas não, é bem mais fácil traduzir o que a New Scientist (adeus, qualidade) diz e deixar por isso mesmo.
A primeira linha já reforça o título, com: “O gosto amargo de uma bebida pode alterar o julgamento moral, fazendo com que as pessoas se tornem mais críticas.”
É? E quem disse?
Aí vem a primeira bomba: “Esse é o resultado de uma pesquisa realizada com 57 voluntários (…)”
Cinquenta e sete voluntários? Que amostra imensa!
AAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHH!
Já pode morrer?
Minha frase favorita do artigo: “(…) o grupo teve que analisar cenas como a de um homem comendo um cachorro morto (…)”. <= WTF!?
Mas não, não era necrozoofilia. Era apenas um lanche mesmo.
Só não sei se isso melhora ou piora o ocorrido.
A tradução continua peba e a necessidade de destruição não se mostra instantânea, até que chegamos no “curioso” dado que “surgiu” e que “mostrou que os partidários conservadores são mais afetados pelo gosto amargo, e consequentemente suas críticas, do que os liberais.”
É. Foi. Porque conservadores são naturalmente menos críticos que os liberais, não é?
NÃO! NÃO É!
E morrer agora, já pode?
Confundir causa e efeito é coisa de auto-hemoterapeuta. Esse tipo de falácia não deveria ter vez numa publicação que se propõe a divulgar Ciências.
Agora, meus amigos (porque em momentos de desespero, todos se tornam amigos), preparem-se para a maior conjectura já presumida numa matéria (notem a presença das Aspas Triplas do Repúdio) “””científica“””: “Embora o mecanismo entre paladar e comportamento não seja totalmente claro (…)”.
Não seja totalmente claro? Não seja totalmente claro?? E essa ████ existe??
Acho mais produtivo primeiro demonstrar que o mecanismo existe antes de insinuar a suposição de que já é um fenômeno bem estabelecido. É como dizer “embora o mecanismo entre florais de Bach e peidos de unicórnios não seja totalmente claro…”
Mas calma, ainda tem um restinho pegajoso no fundo desse copo marrom de Danone azedo das trevas. Vamos raspar com a colher (sic, sic, mil vezes sic).
Não tenho resquício homeopático de dúvida de que pesquisadores desse calibre realmente se perguntem coisas desse tipo.
Me lembra Homer Simpson, em referência a donuts, se perguntando se há algo que elas não consigam fazer.
Folha, por favor, melhore.
A veia da minha testa agradece.
Medicina cura. Homeopatia mata. #ten23
Bob Marley, músico, nascido em 1945, diagnosticado com câncer metástico em 1980.
Preferiu se tratar com homeopatia.
Morreu oito meses depois.
José Alencar, empresário e político, nascido em 1931, diagnosticado com câncer abdominal em 1998.
Preferiu se tratar com Medicina.
Completará 80 anos em outubro.
Homeopatia e rastafarianismo mataram Bob Marley.
Cirurgias e quimioterapia salvaram José Alencar. Várias vezes.
Então, antes de vir me dizer “eu sei que homeopatia funciona porque eu e minha família usamos”, pense em Bob, mon.
Homeopatia não funciona.
E isso não é só meu ponto de vista. É a realidade.
Desafio #ten23 – overdose homeopática: vídeo-diário
Ontem, às 10:23h, eu ingeri 200 pílulas de arsênico homeopático numa diluição de 30CH, o que, segundo os homeopatas, deveria ter me matado em poucos minutos.
Mas isso eles disseram antes do ato, quando ainda estavam na fase das ameaças veladas e tentando criar medo. Depois, quando eles perceberam que os participantes sabiam da nulidade de efeitos negativos e iriam em frente de todo jeito, eles mudaram de ideia e disseram que temos que dar mais dinheiro para a indústria homeopática tomando as preparações por muitos e muitos anos para termos sucesso no nosso suicídio.
De superdosagem de vida, aparentamente.
Fica cada dia mais claro que homeopatia, além de matar, também emburrifica.
Eu e Jairo, do Um deus em minha Garagem, tomamos a suposta medicação enquanto o processo era filmado. O vídeo pode ser visto neste link.
Em seguida, ainda no shopping, iniciei um vídeo-diário para registrar qualquer efeito colateral causado pela extraordinariamente imensa quantidade de nada que eu tomei. Abaixo vocês podem acompanhar minha saga, em nove vídeos (mas calma, nenhum tem mais de cinquenta segundos).
Desafio #ten23 – overdose homeopática. Ou, ‘o dia em que eu não morri’
Atenção: todas as aspas usadas neste texto são irônicas.
Estou neste momento preparando um diário dos “efeitos colaterais” da “overdose” homeopática que tomei hoje, dia 5 de fevereiro de 2011, e que deverá ser postado amanhã (eu não “morrendo” daqui pra lá, obviamente) com direito a fotos e vídeos.
No entanto, agora, assistam ao momento em que “me matei” homeopaticamente:
Se você não sabe do que estou falando, leia isto.
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Atualização: assistam ao meu vídeo-diário com as provações sofridas por mim ao longo das vinte e quatro horas subsequentes à overdose clicando no seguinte link: Desafio #ten23 – overdose homeopática: vídeo-diário
Vejam o acontecido por um outro ângulo, através da câmera de Jairo, meu colega de “overdose”:
E leiam seu texto sobre o ocorrido em Um deus em minha Garagem.
Médicos, CFM, homeopatia e imoralidades
Antes de qualquer outra coisa, eu gostaria de deixar claro que homeopatia não é medicina fitoterápica ou herbácea.
Homeopatia, tradicionalmente, é apenas solvente (água ou álcool) e um espessante (farinha ou açúcar).
Homeopatia é baseada em três conceitos demonstrativamente falsos:
1º – uma doença pode ser curada pela sua própria causa (envenenamento por mercúrio pode ser curado tomando-se ainda mais mercúrio);
2º – quanto mais diluída uma substância, mais potente ela se torna (além de serem situações totalmente contraditórias, como que por mágica, a potencialização ocorre apenas para a substância que o homeopata quer, desconsiderando milhares de outras coisas que possam estar diluídas na mesma água), e;
3º – para essa potencialização ocorrer, a diluição precisa ser agitada um certo número de vezes (esse número é fixo para cada tipo de diluição e o frasco agitador deve se chocar com uma superfície firme porém macia. Como uma Bíblia encadernada em couro, por exemplo).
Por ter sido idealizada no século 18, é de se desculpar preceitos tão absurdamente ingênuos (pelo menos para nós, do cientificamente avançado século 21) e sem sentido.
Tenho certeza de que o criador da homeopatia tinha a melhor das intenções (leia mais sobre isso neste link), mas também as tinham os xamãs que achavam que cuspe e fumaça curavam febre.
A Ciência evolui. Coisas como homeopatia e florais que se mantêm imutáveis à luz de evidências de ineficácia não são Ciência. Longe disso.
A página da Associação Médica Homeopática Brasileira, na seção risivelmente intitulada “A ética da ciência“, demonstra claramente o desdém que a homeopatia em geral tem com a ciência médica.
Notem que no quarto parágrafo é dito abertamente que evidências não importam tanto(sic): “Não é o mérito terapêutico em si, que estamos analisando neste momento, pois isto, fundamentalmente, o tempo e as experiências nos darão melhores respostas“.
O que importa mesmo é o argumento de autoridade: “Queremos mesmo é destacar a importância de tal declaração [do presidente do Conselho Regional de Medicina do estado de Mato Grosso do Sul]”.
E o trecho acima diz respeito a uma declaração sobre o uso de “medicamentos” (aspas irônicas do mesmo tipo que são usadas no texto da AMHB quando falam de cientistas) homeopáticos para o tratamento e prevenção de gripe.
(Outro detalhe bastante perceptível é a necessidade que o autor do texto sente em notar há quanto tempo a homeopatia é praticada e reconhecida no Brasil. É até ligeiramente constrangedor.)
O resto do texto tenta ridicularizar cientistas da Organização Mundial da Saúde que se opõem ao criminoso (aos meus olhos) método de receitar água e açúcar para curar AIDS na África, levantando pontos como “nós sabemos o que é terceiro mundo” e “homeopatia não faz parte da ciência imperialista que contaminou os países africanos com aquelas doenças” (apesar de Malária ser uma doença endêmica da região… mas vamos ignorar esse pequeno fato, já que outros tão maiores também o estão sendo).
O que me leva adequadamente ao tema que pretendo expor aqui: imoralidades.
Eu, enquanto varria o chão do meu lar e exercitava minha capacidade cognitiva lógico-numérica, consegui enumerar quatro tipos de imoralidade acerca da homeopatia como especialidade médica.
São elas: pessoal, profissional, científica e institucional.
Imoralidade pessoal
O ser humano é, intrinsecamente, moral.
Simplificando: temos uma capacidade de reconhecer os outros como seres independentes e uma disposição inata para evitar causar-lhes dano.
Se um de nós vê outro em dificuldade (pense nas vítimas das enchentes recentes que tivemos) e sabe que possui a capacidade de ajudar (neste cenário, podemos ajudar doando roupas, comida e remédios), esse um é tomado por um desconforto emocional, fruto do reconhecimento da dor alheia, que faz a maioria dos seres humanos querer dar suporte aos outros que dele necessitam.
Logo, negar conscientemente esse apoio é, do ponto de vista deste argumento, imoral.
Uma pessoa com um grau de conhecimento suficiente para ser aprovado num vestibular genérico e se formar num dos cursos mais puxados do nosso sistema de ensino sabe, ou deveria saber, que expor outrem a riscos desnecessários é, para a maioria dos fins, errado.
Portanto, se você vê uma pessoa usando um tratamento completamente ineficaz (além do efeito de placebo, que pode ser conseguido gratuitamente por outros métodos) e que, ao desviar recursos monetários (homeopatia é um negócio caro, muito caro) e desperdiçar tempo (quem está se tratando com homeopatia geralmente não procura medicina real e pode ter sua condição piorada pelo tempo perdido), está comprometendo a própria saúde (e em muitos casos a saúde de seus filhos) e permite que isso ocorra sem, no mínimo, explicar o outro lado, você está sendo pessoalmente imoral.
Imoralidade profissional
Se você é médico, me arrisco a dizer que entrou nessa vida sabendo mais ou menos do que se tratava.
É certo que existem aqueles que querem virar médicos por status ou por salário, mas a faculdade cuida da maioria desses casos. A maioria entra (e, mais importante, sai) sabendo que o papel da Medicina na sociedade é ajudar os outros.
O foco maior da Medicina é a vida. Seja para salvá-la ou para fazê-la o mais suportável possível em outros casos. O médico é o agente que faz daquele objetivo uma ação; o Profissional da Saúde.
Ao exercer essa profissão, lhe cabe usar de todos os meios possíveis e razoáveis para que seus pacientes, se valendo da ciência médica, adquiram, recuperem ou mantenham sua saúde.
Os princípios homeopáticos (mostrados acima) são, ao mesmo tempo, impossíveis e desarrazoados, cabendo apenas ao mundo da ficção ideológica ou do pensamento mágico, onde tudo é possível.
Receitar pílulas de açúcar para tratar Tuberculose não é prestar um serviço de saúde mas apenas adequar-se a uma corrente de pensamento ultrapassada e desacreditada com quase dois séculos de imutabilidade dogmática.
O mesmo estilo mental que não enxerga cientificamente o quão implausível homeopatia é pode confortavelmente considerar olho-gordo como doença e receitar uma simpatia como tratamento.
Se você é médico e não se importa em manter-se atualizado com tratamentos modernos comprovadamente cada vez mais efetivos e prefere render-se ao curandeirismo de um século pré-científico receitando mágica para seus pacientes, você está sendo profissionalmente imoral.
Imoralidade científica
Estendendo o tema acima: se você é um agente de uma modalidade que deve se moldar aos achados contemporâneos dos avanços científicos, sejam eles quais forem (interrupção do uso de eletrochoque em doentes mentais; uso de medicamentos como alternativa para drenagem de líquido sinovial do joelho; redução de casos de extração previamente indiscriminada de amídalas; substituição de leprosários por antibióticos, entre outros) e não cumpre o que tal modalidade exige preferindo se manter fiel a ideias, por favor, cancele seu CRM e rasgue seu diploma. Você não merece a denominação de “Médico” e todo o peso associado ao termo.
Pinte a cara, compre um cachimbo, se mude para uma tenda no meio do mato e vire curandeiro.
A Ciência (ou o Método Científico, mais especificamente) tem um mecanismo embutido de auto-correção. Eu dei quatro exemplos no parágrafo acima de maneiras comuns de se tratar (pelo menos) quatro problemas de saúde que foram, se não completamente abandonados, pelo menos melhor pensados.
Isso não caiu do céu. Muita gente estudou por muito tempo para que avanços fossem possíveis e negar todo esse esforço isso em favor de uma ideologia é, em primeiro lugar, extrema arrogância (de achar que sua opinião vale mais que todas as evidências coletadas por tantas pessoas ao longo de tantos anos) e, em segundo, pseudociência.
Se você é médico, profissional da Saúde, e prefere negar todo o corpo científico-literário da sua profissão em prol de uma crença, você está sendo cientificamente imoral.
Imoralidade institucional
(Agora, a parte onde eu posso de verdade me dar mal.)
O Conselho Federal de Medicina aprovou e reconheceu o uso da homeopatia em 1980, quando o “presidente” da nossa querida nação era o General João Figueiredo. Não sou muito bom de política mas, durante uma ditadura militar, que poderes reais uma autarquia “(…) fiscalizada e tutelada pelo Estado” [Dicionário Houaiss Eletrônico 3.0] como o CFM tem de fato?
Se, na época, o primo de algum governador apontado pela presidência quisesse mudar a definição de “unicórnio”, ele conseguiria facilmente fazê-lo. Independente do bicho existir ou não.
O que é um pedaço de papel? E o que é um pedaço de papel com algo escrito que não vai afetar você diretamente?
Antes corrigir o que o pedaço de papel diz do que ter sua carreira apagada pela mão autoritária de algum ideólogo poderoso.
Deixando claro o que eu tentei esconder no parágrafo sem sentido acima: não tenho dúvida alguma de que a homeopatia virou especialidade médica porque algum poderoso quis que fosse assim e pronto. Em 1980, vivíamos num mundo onde isso era completamente possível (não que não seja também hoje em dia, que o diga Tiririca e seus recém-adquiridos 61,8%).
O que não cabe na minha cabeça (por maior que ela seja, e ela é enorme – vide foto) é que hoje, 2011, continuemos com esse joguinho. Eu entendo que o CFM é uma organização política, mas a vontade de agradar a todos (ou, mais certamente, não desagradar a ninguém) não pode ser colocada acima da responsabilidade institucional de criar um ambiente saudável para a população em geral.
O Conselho é uma organização reguladora, além de administrativa, e essa aparente carta-branca para pseudociência (que inclui acupuntura) pesa sobremaneira. É uma declaração aberta de apoio a práticas que não têm como comprovar seu valor e, sinceramente, um tapa na cara da Ciência Médica.
Não é possível manter esse tipo de atitude; tradição não é resposta. Manter homeopatia em seus quadros porque ela “sempre esteve lá” não é correto. Ao deixar que homeopatia permaneça como especialidade médica, o CFM está ignorando tudo que a ciência mostra ser correto para o benefício de nada. Porque homeopatia é exatamente isso; nada.
Os conselheiros que formam a instituição precisam escapar da politicagem que os mantêm calados (conheço pessoalmente vários deles e estou supondo que todos são excelentes praticantes da medicina baseada em evidência e só não se pronunciam contra esse abuso por força política), caso contrário o CFM acabará sendo só mais uma agência política. E desse tipo já temos suficiente.
Se você é conselheiro federal e deixa que a política fale mais alto que a ciência num órgão que deveria ser regida por esta com a finalidade de proteger a sociedade, eu sinto muito, mas você está sendo institucionalmente imoral.
E apenas mais um nisso.
E como eu sei que vão pedir que eu prove a negativa, vou logo adiantando: a alegação extraordinária que requer provas extraordinárias é dos homeopatas, que precisam que todas as leis conhecidas da Física, Química e Biologia sejam inválidas para que a homeopatia funcione como eles dizem.
Fora isso, eu sei que homeopatia não funciona porque meu dragão invisível indetectável que flutua silenciosamente e cospe fogo sem temperatura que mora na minha garagem me disse. Sintam-se à vontade para provar que ele não existe e não é onisciente.
Homeopatia é feita de nada. Tanto que dia 5 agora eu tomarei uma “overdose” homeopática num local público. Se “remédios” homeopáticos funcionam, devem seguir a função dose-resposta que diz que a magnitude da resposta está relacionada com a dose (quanto mais eu tomo, mais eu sinto), até que se chegue num nível tóxico.
Mas a não ser que eu seja alérgico a açúcar (não sou, a não ser que ele esteja muito quente), nada acontecerá comigo.
Se você mora em Natal e quer testemunhar (já que não posso convidar ninguém a participar), entre em contato comigo para saber onde estarei.
Saiba mais sobre os outros corajosos (homeopatia é inofensiva, mas não posso garantir que não tenha um homeopata doido por aí querendo nos pegar) ao redor do mundo que farão o mesmo como parte da campanha mundial 10:23 acessando http://1023.haaan.com/.