O fascínio da Ciência (ou Desaprendendo para ensinar)

Entre os que defendem a visão científica do mundo como a forma mais eficaz para realmente explicar o universo e todo o resto, é comum utilizarmos como argumento o fato de o conhecimento científico não ser estático, dogmático, ao contrário de outras formas de interpretação da realidade. Em meu próprio campo de estudo, acabo de esbarrar, esta é a palavra mais apropriada, com algo do tipo. Entre minhas atribuições como bolsista PRODOC-Capes está a de ministrar aulas. Estou atualmente responsável pela disciplina de Matéria Orgânica do Solo na pós-graduação e, previsivelmente, preciso ler muito para oferecer o que há de mais atual na literatura científica sobre o assunto. Quando estudei comecei a me familiarizar com as pesquisas sobre decomposição da matéria orgânica do solo, lá pelos idos do começo do milênio, foi-me ensinado que uma das variáveis mais importantes no controle da decomposição era a razão entre conteúdo de carbono e conteúdo de nitrogênio de um composto orgânico, conhecida como relação C/N: quanto maior esta relação, mais carbono em relação a nitrogênio, mais difícil de se decompor o material, maior a imobilização de nitrogênio pelas células microbianas, o que poderia afetar negativamente a nutrição vegetal. Melhor do que a relação C/N como indicadora de qualidade do material orgânico, aprendi então, era a relação lignina/N: a relação C/N era muito geral e não indicava exatamente quais compostos carbonáceos eram mais resistente à decomposição, a relação lignina/N já refinava a coisa, ao considerar que os compostos ricos em lignina eram os mais resistentes, afetando mais diretamente a capacidade decompositora dos microrganismos. Estava eu ontem me preparando para uma aula sobre nitrogênio no solo a ser dada amanhã, quando encontro este recente trecho de um texto sobre o assunto, de autoria do cientista do IAC, Heitor Cantarella: “A relação lignina/N também tem sido usada como um indicador para a mineralização de substratos orgânicos, porém a relação C/N tem se mostrado mais útil para tal” e cita uma quantidade de artigos recente apoiando a afirmação. As implicações desta mudança de visão não são pequenas: é necessário reavaliar-se práticas de manejo do solo visando não só a nutrição de plantas como o sequestro de carbono em solos tropicais. Senti-me irremediavelmente ultrapassado, mas não. Isto é a ciência em funcionamento, saudável funcionamento: fatos mais recentes e conclusivos desdizem o que antes se acreditava, oferecendo uma perspectiva mais confiável, possivelmente, dos processos naturais. Que outra forma de interpretação do mundo permite isso? O dogmatismo religioso, talvez?

Recuperação de áreas degradadas x Preservação de fragmentos florestais

A legislação brasileira, já em sua carta magna, afirma a necessidade do agente impactante em recuperar as áreas degradadas. No entanto, venho presenciando diversas discussões a respeito das técnicas de recuperação de áreas degradadas ultimamente empregadas pelos diferentes agentes degradores do ambiente. Os métodos empregados e, sobretudo, a eficiência dos mesmos muitas vezes vêm sendo discutidos. A comparação com a preservação de fragmentos florestais, atendendo à legislação pertinente às áreas de preservação permanente, tem sido constantemente feita por diversos pesquisadores, no entanto, algumas considerações a respeito devem ser feitas.
É verdade que diversos autores tem relatado ao longo do tempo o quanto os remanescentes florestais são mais eficientes em preservar a biodiversidade do que áreas recuperadas ou restauradas. No caso dessa última, apesar de os métodos levarem a área muito próxima da sua aparência inicial, a diversidade de organismos vivos ainda deixa a desejar. Nesse sentido, obviamente, quando possível é melhor que áreas intactas sejam destinadas à preservação. Essas áreas por diversas vezes apresentam-se fragmentadas, sem contato umas com as outras, formando verdadeiras “ilhas preservadas”. Os resultados do uso de tal método no que tange respeito à preservação da biodiversidade têm sido incrementados ainda pelo uso de corredores ecológicos ligando diferentes ilhas. Isso aumenta as interações entre as espécies e, consequentemente, aumenta a preservação da biodiversidade. Entretanto, nem sempre o uso dessa técnica é possível. A explicação para isso é simples. Por diversas vezes não existem mais fragmentos florestais nas áreas exploradas devido à intensa degradação ambiental sofrida ao longo do tempo. Então o que fazer?
Nesses casos e em outros, como por exemplo em áreas intensamente degradadas (talvez áreas de mineração sejam o melhor exemplo), a recuperação faz-se necessária. Técnicas de restauração podem ser aplicadas, no entanto, o seu custo elevado dificulta a sua aplicação . Entende-se por recuperação dar um novo uso à área, podendo ser revegetada, sendo destinada ao lazer, à um novo centro empresarial, à um campo de futebol, entre outras. Obviamente cada técnica a ser utilizada e também cada uso futuro a ser dado depende das características da área como a resiliência e resistência. A resiliência pode ser entendida como uma mola, definindo a capacidade da área impactada em retornar, pelo menos próximo, ao que era antes. Já a resistência representa a capacidade da área em resistir ao impacto. Enfim, a recuperação dessas áreas dependerá da disponibilidade de técnicas e da capacidade do ambiente, além dos interesses dos atores envolvidos. Por diversas vezes as técnicas de recuperação apresentam aspectos complicados como a necessidade de uma verdadeira “construção de um novo solo” ou uso de espécies exóticas, entre outras. Esses aspectos têm sido frequentemente questionados. Imaginemos uma situação onde é necessário a contenção de taludes. Outras vezes o uso de espécies fitorremediadoras é requerido. Faz-se necessário então o uso de espécies e crescimento rápido e, além disso, que muitas das vezes possam crescer em condições de fertilidade adversas. Esse fato as torna muito competitivas e despertam a preocupação com sua disseminação. Como elas se comportariam se suas sementes se alastrassem por áreas preservadas? Será que elas cresceriam em detrimento às espécies nativas? São todos esses aspectos  e muitos outros que ainda necessitam ser melhor entendidos e, consequentemente, dão margem à discussões e questionamentos.
Concluo essa pequena exposição acerca do assunto afirmando que ambas as técnicas são necessárias. Lançar mão de uma ou de outra depende das condições sócio-ambientais da área a ser impactada. No entanto, sempre que possível a preservação de fragmentos florestais, sobretudo com o uso de corredores ecológicos, deve ser aplicada visando a manutenção da biodiversidade.
Carlos Pacheco

Gradientes de solo e vegetação nas partes elevadas da Serra do Cipó

Nesta semana, mais precisamente na quarta-feira, 17/09/2008 às 16 horas, vou apresentar o Seminário B, da Tese, no Anfiteatro do Departamento de Solos da UFV. Sintam-se todos convidados. Na oportunidade e em primeira mão, apresento aqui o Resumo que será distribuído:
A região da Serra do Rio Cipó, localizada na porção meridional da Serra do Espinhaço, corresponde a extensas áreas de Cerrado, Mata Atlântica, Capões de Mata e um dos mais ricos Complexos Rupestres do Brasil. O caráter transicional, entre os biomas Mata Atlântica e Cerrado, destacado em numerosos estudos de fauna e flora regionais é um dos fatores responsáveis pela notável diversidade biológica encontrada naquele ecossistema.
A região representa um dos mais importantes divisores hidrográficos em Minas Gerais. É ocupada em sua maior extensão pela bacia hidrográfica do Médio Rio São Francisco, que possui como cursos d’água principais o Rio Cipó e o Rio das Velhas, que escoam de sul para norte, e pelos rios que drenam a bacia do Rio Doce a leste, entre estes destaca-se como principal curso d’água o Rio Santo Antônio. A base geológica da Serra do Cipó é formada por uma matriz de Quartzito, pontuada por diques e intercalações de Anfibolito, Xistos, Ardósia, Folhelhos e Calcário marmorizado. Predominam nesta região as formações Proterozóicas. Na face leste, borda da depressão interplanáltica do Rio Doce, surgem rochas Gnáissico-Graníticas do Embasamento Cristalino, além de Xistos mais ricos em Biotita.
Os solos da Serra do Cipó, independentemente de sua matriz geológica, da profundidade do perfil e da fitofisionomia que sobre eles se desenvolve, são geralmente pobres em nutrientes e ricos em alumínio trocável. A pobreza química desses solos é devida principalmente à natureza da matriz geológica dominante do sistema e, em parte, às perdas por lixiviação e erosão que o sistema apresenta. Tais perdas estão associadas ao relevo fortemente movimentado, à natureza arenosa dos solos e à pouca espessura do solum (perfil incompleto do solo, formado pelos horizontes A e B, embora nele atuem os principais processos pedogenéticos). Neste ambiente predominam solos rasos e afloramentos rochosos. Muitas vezes o perfil constitui-se de apenas uma camada orgânica sobre a rocha, sustentando uma vegetação graminóide e/ou subarbustiva.
Em áreas pontuais, o controle estrutural pode favorecer o desenvolvimento de solos mais profundos derivados do intemperismo de Quartzito, bem como onde ocorrem rochas Metapelíticas ou Metabásicas, nestes dois últimos ambientes, os solos são bem mais desenvolvidos, argilosos e igualmente distróficos, apresentando horizontes A espessos e ricos em matéria orgânica. Nestas áreas de solos mais profundos, independentemente da rocha matriz, ocorre uma vegetação que grada de arbustiva a arbórea, caracterizada pelos Capões Florestais. Ainda que se observe nestes locais uma riqueza aparente, predominam ali solos extremamente pobres em nutrientes.
Embora alguns estudos tenham revelado as características pedogenéticas mais importantes dos solos em outros setores do Espinhaço, como no Planalto de Gouveia – Diamantina, quase nada se sabe sobre os solos do setor mais meridional desta serra, onde os Capões Florestais, verdadeiras “ilhas” em meio ao ambiente campestre que os envolve, são muito comuns e relativamente conservados, apresentando uma vegetação exuberante, apesar da extrema pobreza química dos solos.
O trabalho que ali desenvolvemos tem como objetivo caracterizar seqüências de solos, representativos das partes elevadas da Serra do Cipó, em diferentes litologias e formações vegetais, bem como evidenciar as relações solo-vegetação daquela área, através do estudo de gradientes de Campos Rupestres até dois Capões Florestais na região do “Alto Palácio”, Parque Nacional da Serra do Cipó (Parna-Cipó) e APA Morro da Pedreira.
Elton Luiz Valente

Necessidade de invovação na pesquisa brasileira em Ciência do Solo

Nessas últimas três semanas tenho feito uma grande revisão de literatura em periódicos nacionais e internacionais visando atender as exigências da minha qualificação. Nesse árduo caminho uma coisa tem chamado minha atenção. Em periódicos nacionais é recorrente a existência de trabalhos muito parecidos,  muitas vezes com apenas pequenas mudanças em uma ou outra fonte de variação do experimento. Como alguns poucos exemplos, cito o tipo de solo (diga-se de passagem muitas vezes são solos muito parecidos em que os resultados de um poderiam ser extrapolados para outro), as doses de nutrientes ou de contaminantes aplicados e o método utilizado. Os objetivos dos trabalhos por diversas vezes são os mesmos e os resultados, devido a já existente base de dados, são extremamente previsíveis. Em algumas áreas da Ciência do Solo essa situação é ainda mais crítica (não citarei a minha opinião de quais áreas são mais problemáticas por questões éticas). É nítida, muitas vezes, o desdobramento de um só experimento em diversos artigos, visando a quantidade, deixando de lado importantes informações que a análise conjunta dos dados permitiria. Em periódicos internacionais tenho percebido uma maior variação de temas estudados. Percebo nesses últimos a existência mais frequente de uma série de trabalhos que visam a aplicação de conhecimentos a anos acumulados, como por exemplo, a tentativa de modelagem do comportamento de nutrientes e contaminantes. Esses modelos, por exemplo, permitem prever o comportamento de determinados solos frente à entrada dos mesmos, reduzindo custos no meio agrícola e reduzindo os impactos ambientais da disposição de resíduos nos solos. Outras questões de aplicação prática dos conhecimentos adquiridos também existem e a realização da mesma é de suma importância para o desenvolvimento do país. Tenho sentido falta também dos estudos de contaminantes orgânicos em solos brasileiros, estudos esses citados amplamente na literatura internacional. Obviamente esses são apenas alguns poucos exemplos que mostram a necessidade de inovação de nossas pesquisas. Por fim, acredito que mão de obra qualificada existe. Talvez o que falte é um pouco mais de arrojo por parte de nossos pesquisadores e, obviamente, um pouco mais de estrutura física para que tais pesquisas inovadoras sejam realizadas.
Carlos Pacheco

Olhos abertos para concorrência

 
Nos meus últimos dois posts enfatizei que o Brasil se ressente da falta de valores orientadores (background) e, muito embora todas as atividades que requerem monitoramento da qualidade dos solos possam ser realizadas com base em valores adotados em outros países, há necessidade de se definir valores próprios para melhor avaliar os impactos das várias atividades antrópicas sobre a qualidade dos solos. Tal necessidade é ressaltada tendo em vista as peculiaridades geológicas, climáticas, hidrológicas e geomorfológicas, as quais atuam de maneira preponderante na diferenciação de solos de regiões tropicais. Além disso, face ao crescente uso do solo como receptor final de resíduos industriais, muitas das vezes sem nenhuma preocupação ambiental (lembremos que o solo não é uma lata de lixo) e também ao recente incentivo do CNPq às pesquisas destinadas a busca por novas alternativas de condicionadores de solo ou fontes de fertilizantes para plantas, a partir de materiais naturais- que não deixam de conter elementos potencialmente nócivos a saúde, a criação de um banco de dados de elementos-traços auxiliará os órgãos de fiscalização ambiental na tomada de decisões, no que refere ao impute antrópico destes elementos nos solos.
Diante desta incomensurável oportunidade de pesquisa, o Professor Jorg Matschullat da Universidade de Freiberg, Alemanha, enviou uma proposta para os órgãos de financiamento à pesquisa deles e angariou recursos para vir ao Brasil, juntamente com 12 estudantes alemães, do curso de Geoecologia, para dar o pontapé incial ao BRASOL 2010, nome dado ao projeto. O BRASOL 2010, prevê a coleta de amostras de solos em todo o território nacional, sob diferentes matrizes geológicas. As análises de elementos-traço serão realizadas na Alemanha e os resultados obtidos sugeridos como valores orientadores para solos do Brasil. Não obstante a grande paixão do prof. Matchullat pelo Brasil, ele está fazendo um “serviço” que deveria ser desenvolvido por algum professor Tupiniquim. Acho que alguém dormiu ou está dormindo no ponto!
Uma primeira etapa desse projeto já teve inicio agora em julho 2008 na região nordeste do país. Felizmente, um Geófago pode participar desta primeira etapa, juntamente com o Prof. Jaime Mello/UFV e Prof. Germano Melo/UFRN, na qual a aquisição de conhecimento e troca de experiências foram os maiores ganhos desta viagem. Eu poderia escrever linhas e linhas sobre a viagem, mas para deleite de nossos leitores, deixarei o link do blog do BRASOL 2010 para que possam ler e se ater às peculiaridades do Brasil descritas por olhos não viciados. A maioria dos textos estão em inglês e alemão, mas há também alguns em português.
http://brasol2010.pegleg.de/?paged=5
Espero que se divirtam!
Juscimar

Elementos-traço: enriquecimento do solo e valores orientadores II

 
A obtenção de valores de referência de elementos-traço, embora incipiente no Brasil, já é bem estabelecida em países como Estados Unidos, Alemanha, França e, principalmente, Holanda, que desenvolvem respeitáveis políticas ambientais para proteção do solo e das águas subterrâneas, por meio de suas agências de proteção ambiental. A Holanda foi a pioneira em criar sua lista de valores orientadores, e atualmente apresenta uma metodologia já consolidada de avaliação de risco, fundamentada em critérios científicos, denominada C-soil. Na União Européia existe a “Estratégia Temática para Proteção do Solo” que estabelece bases e regulamentações para manutenção ou, até, melhoria da qualidade do solo.
Até o presente momento, apenas os estados do Rio Grande do Sul e São Paulo, supostamente, já têm alguma definição quanto aos valores de referência para elementos-traço em solos. No estado de São Paulo, a definição dos valores orientadores, por intermédio de sua agência ambiental – CETESB, teve por base a metodologia adotada em outros países, principalmente a Holanda. Neste País, os valores de referência de qualidade são derivados a partir de algumas propriedades dos solos. Não obstante, os valores de referência adotados pela CETESB não estão relacionados com características dos solos, sendo considerado um único valor de cada elemento para os solos de todo o estado.
Recentemente foi publicado um trabalho formulando uma proposta de valores de referência para “solos do Brasil”. Nesta proposta, sugere-se a definição dos valores de referência para vários elementos-traço a partir de algumas características dos solos tais como: capacidade de troca catiônica e teores de silte, argila, ferro e manganês, por meio de equações empíricas, denominadas funções de classificação, obtidas experimentalmente. Tal proposta, entretanto, utiliza algumas características de solo com base teórica questionável e agrupa os solos por similaridade estatística (análise de agrupamento), aparentemente sem qualquer controle por formação geológica. Além disso, possivelmente utiliza-se de amostras majoritariamente do estado do Rio de Janeiro, carecendo de confirmação em estudos de maior abrangência, com maior número de amostras, de modo a pretender o âmbito nacional. Além desse trabalho, existem também vários estudos pontuais avaliando os teores de elementos-traço em solos brasileiros, sugeridos para serem adotados como valores de referência.
Obviamente, variações significativas nos teores naturais de elementos-traço podem ser esperadas, mesmo dentro de classes de solo relativamente homogêneas pelos padrões pedogenéticos. Processos diferenciados de formação das diferentes rochas, ígneas, metamórficas e sedimentares, em tese conduzem a diferenças na distribuição de elementos-traço em solos e sedimentos. Por exemplo, um Latossolo Vermelho originado de sedimentos detrito-lateríticos terciários poderá apresentar teores diferentes de elementos-traço em relação a esta mesma classe de solo originado de um basalto cretáceo. Por outro lado, os processos pedogenéticos tendem, até certo ponto, a homogeneizar os produtos de intemperismo dos materiais parentais. Há de se ter em mente que boa parte dos solos desenvolvidos sob condições tropicais é passível de intenso processo de redistribuição de material, não só ao longo do perfil, mas também lateralmente, que talvez alterem o padrão de herança geoquímica originalmente presente.
Via de regra, a metodologia adotada na definição destes valores permite também derivar valores relacionados com riscos ecotoxicológicos, que foram designados, no Brasil, como “valores de alerta” e “valores de investigação”, bem como valores relacionados com as concentrações naturais destas substâncias nos solos, denominados “valores de referência de qualidade”.
Indubitavelmente, os valores orientadores estabelecidos para uma região específica não devem ser adotados para outras, não obstante a proximidade geográfica. Em especial os valores de referência de qualidade que merecem a criação de um banco de dados global, tendo em vista a diversidade e as peculiaridades das formações geológicas e dos solos. Por fim, a determinação detalhada de valores de referência permite a tomada de decisões mais seguras quanto a usos de solos. Por exemplo, a constatação de valores de background naturalmente altos em determinado solo pode auxiliar na tomada de decisão quanto ao uso deste solo como área de disposição de resíduos industriais. Em termos de uso agrícola, será possível distinguir adição antrópica, via aplicação de insumos, do teor natural de elementos tóxicos no solo. Neste caso, também, pode-se tomar decisões mais racionais quanto à utilização de insumos como fosfatos, gesso agrícola, calcários, escórias de aciaria e lodos de esgoto ricos em elementos tóxicos em solos que naturalmente apresentam concentrações altas destes elementos.
Juscimar Silva

Elementos-traço: enriquecimento do solo e valores orientadores I

 

A agência de fomento à pesquisa, CNPq, lançou recentemente edital para apoiar projetos cujo objetivo seja avaliar o uso eficiente e fontes alternativas de nutrientes para agricultura. A princípio pode parecer uma iniciativa inovadora para sanar um problema pontual, porém pesquisas visando à utilização de subprodutos na agricultura já vem sendo desenvolvida a algumas décadas, inclusive muitas delas financiadas pela propria agência. De qualquer maneira, como é de conhecimento geral, dentre os grandes desafios da agricultura nacional estão a busca pela diminuição dos custos de produção, tendo em vista os autos preços dos fertilizantes, e a obteção de fontes alternativas de fertilizantes e condicionadores de solos- corretivos da acidez, uma vez que as fontes atuais são finitas. Conforme enfatizado no edital, será dada preferência para projetos que abordem o uso de rochas “nacionais”, entretanto, a idéia central nos pareceu ser a reciclagem de resíduos na agricultura, tema já abordado aqui no Geofágos. É sabido que diferentes materiais podem ser utilizados para esse propósito. Contudo, o que não pode ser negligenciado é a ocorrência também de agentes poluidores que podem causar passivos ambientais.
Conforme já bem enfatizado em postagens anteriores, estes agentes poluidores existem, na maior parte, naturalmente, mas as atividades antrópicas podem concentrá-los em quantidades potencialmente prejudiciais. Assim, o uso continuado de determinado resíduo ou subproduto industrial (ex.: escória de aciaria, lodo de esgoto, etc.) ou material natural (ex.:pós de basalto, carbonatitos, etc.), como condicionantes de solo ou fertilizantes, pode resultar no aumento dos teores de elemetos-traço no solo. Uma vez que o teor de um determinado elemento exceda a aqueles de ocorrência natural ele será considerado poluente, conforme definição apresentada no post Metais pesados em solos: Metais como poluentes ambientais.
Lembremos que os atuais insumos agrícolas utilizados com finalidade corretiva ou nutricional, já representam uma provável fonte de contaminação, em especial os fertilizantes fosfatados e seus derivados que, em geral, contém diversos elementos-traço (Co, Cu, Fe, Mn, Mo, Zn e Ni), fluoretos e elementos tóxicos (As, Al, Cd, Pb e Hg), conforme a origem do material. Um estudo conduzido pela Agencia de Proteção Ambiental dos Estados Unidos- USEPA revelou que a adição anual máxima ao solo (também chamada de carga máxima anual) permitida para elementos-traço provenientes de insumos agrícolas poderia ser superada pelo uso de alguns fertilizantes fornecedores de micronutrientes e subprodutos utilizados como corretivo de acidez.
É altamente salutar lembrarmos ou alertar a todos que no Brasil não há legislação estabelecendo quais são esses teores de ocorrência natural de elementos-traço em solos. Assim, para evitar que o uso das potenciais fontes alternativas de fertilizantes não seja promovida de maneira aleatória, é de fundamental importância pesquisas direcionadas também para obtenção de valores orientadores (também denominados de valores de “background”) de elementos-traço em solos para elaboração de um banco de dados, que por sua vez possam ser utilizados como referência pelos órgãos de fiscalização ambiental.
Como o Brasil, pelas suas dimensões continentais, repousa sobre uma infinidade de tipos de rochas, a ação dos fatores formadores de solo ao longo do tempo originará um grande número de solos diferentes. Estas condições são ideais, para a avaliação da presença dos elementos-traço e da influência dos ambientes edáficos e extra-edáficos no comportamento destes elementos ao longo do perfil do solo. Também, aspectos da interação dos elementos-traço com as matrizes minerais e orgânicas dos solos podem ser convenientemente avaliados nestas condições.
A boa notícia! Atento a esta carência de informações, o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA está preparando um documento que determinará que todos os estados do território nacional possuam seus próprios valores orientadores de elementos-traço. E, uma vez implementada, pode-se vislumbrar a aproximação dos órgãos ambientais com os centros de pesquisa e, ou, as universidades para celebração de convênios e parcerias, abrindo mais oportunidades inclusive para pesquisadores em início de carreira que buscam se engajar numa linha de pesquisa de interesse bastante relevante.

Continua…

Juscimar Silva

 

 

Origem e natureza dos solos I

O famoso físico brasileiro Mário Schenberg acreditava que os ditos fenômenos paranormais, como a telepatia, poderiam ser resultado da interface Biologia-Física. Creio que esta interface é algo literalmente mais pé no chão: o solo. Sim, o solo é uma interface entre o mundo físico e o biológico, produzido pela interação entre organismos e minerais. Iniciado pela degradadação física das rochas e sua intemperização química, não fossem os seres vivos o solo seria apenas detrito, pó sem estrutura – mesmo dentro de um solo, aquelas camadas em que a atividade biológica é menos intensa, como o horizonte C e o saprolito (partes do solo mais profundas, onde já se iniciou a formação do solo, mas ainda com características, pelo menos macroscópicas, típicas das rochas de origem) são pouco estruturadas. Aliás, a exposição destas camadas por obras como cortes de estrada ou barrancos é responsável por muitos desastres, como deslizamentos e formação de voçorocas exatamento pela falta de estrutura. Na verdade, a erosão seria o destino natural de todo detrito da decomposição de rochas não houvesse vida sobre o mesmo. A atividade biológica, animal, vegetal e de microrganismos diminui a desordem, ou melhor, aumenta o ordenamento dentro do sistema solo, criando estrutura, que estabiliza o solo, modificando o ambiente químico e até mineralógico. Os restos orgânicos dos organismos são deixados sobre e dentro do solo e a atividade biológica age sobre estes restos, decompondo-os e ao mesmo tempo originando substâncias complexas de grande importância ambiental, as ditas substâncias húmicas. Por sinal, uma das maneiras que se usa atualmente para se avaliar a sustentabilidade de atividades agrícolas sobre o solo é a observação se há mudança no grau de ordenamento do solo.
Ítalo M. R. Guedes

Metais pesados em solos: Metais como poluentes ambientais

Quase todos os metais presentes no ambiente são biogeoquimicamente ciclados desde a formação do planeta e, por isso, são de ocorrência natural. Entretanto, recentemente, tem sido observados “inputs” desses elementos de origem antrópica. Muitas dessas entradas provêm do descarte de resíduos, deposição atmosférica, uso de agroquímicos, ou mesmo reuso de resíduos urbanos e industriais. O crescente incremento de metais pesados nos diversos ecossistemas terrestres tem sido acompanhado pela preocupação com a disseminação desses elementos, em concentrações que podem comprometer a qualidade dos ecossistemas.
É necessário que se distingua a priori contaminante e poluente. Essa definição ainda é ambígua, sendo diferente dependendo da área. Quando se trata das ciências agrárias, por exemplo, é comum que poluente seja definido como um elemento ou composto que ocorre em concentrações mais elevadas do que as naturais, enquanto que contaminante é entendido como aquele elemento ou composto cuja concentração encontrada é suficiente para provocar danos aos componentes bióticos. Quando se trata de estudos na área de saneamento ambiental, é comum encontrar-se definição contrária, invertendo portanto, o sentido de tais definições. Faz-se necessário então a padronização de tais conceitos.
O problema central associado à contaminação dos solos por metais pesados se deve a existências de formas biodisponíveis desses elementos. Os metais encontrados nas formas solúveis e trocáveis são aqueles que apresentam maior biodisponibilidade, sendo, portanto, as formas mais preocupantes. Na forma solúvel, o metal está na forma iônica ou de complexos orgânicos e é facilmente absorvido pelas plantas ou é lixiviado, podendo atingir os corpos d´água subterrâneos. A lixiviação ocorre quando a carga crítica do solo é superada ou reduzida devido à mudanças ambientais, passando o solo a funcionar como um dreno e não mais como filtro. Já na forma trocável, o metal ligado eletrostaticamente em sítios de adsorção carregados negativamente na matéria orgânica ou em minerais, pode ser facilmente trocado por íons presentes na solução do solo, sendo então biodisponibilizados.
As concentrações desses elementos como íons livres na solução, ou como complexos quelatos-metálicos solúveis, são influenciadas por aspectos ambientais que possam afetar características dos solos como as condições de oxidação e redução e a acidez. De modo geral, condições oxidantes (quando o solo é bem drenado) ou ambientes mais ácidos favorecem a existência de formas biodisponíveis desses elementos. Em minerações de ouro, por exemplo, o minério está geralmente associado a minerais sulfetados que, quando expostos à condições oxidantes, tem o sulfeto levado a sulfato, com a conseqüente formação de ácido sulfúrico e então do fenômeno denominado Drenagem Ácida de Minas. Esse fenômeno têm frequentemente sido citado na literatura como um possível solubilizador de diversos tipos de metais pesados, entre eles o Arsênio, um dos elementos mais tóxicos aos seres vivos já estudados.
Os metais pesados são elementos não biodegradáveis e apresentam, geralmente, mais de um estado de oxidação. Esses diferentes estados de oxidação determinam sua mobilidade, biodisponibilidade e toxicidade. De modo geral, o tempo de residência de alguns metais pesados em solos é citado por BRIDGES (1991) como sendo entre 75 e 380 anos para o Cd, 500 a 1000 anos para o Hg e os mais fortemente adsorvidos são As, Cu, Pb, Se e Zn que têm tempo de residência de 1000 a 3000 anos. Esses elementos ainda podem ser bioacumulados, ou seja, podem ser acumulados nos seres vivos. Dessa forma, eles podem passar de espécie a espécie ao longo da cadeia alimentar, sendo encontrados maiores teores em níveis mais altos da mesma, correspondendo aos predadores.
Metais pesados podem interagir de maneira diferente com os organismos, levando os seres vivos a disfunções mais simples ou também ocasionar graves danos que podem levar à morte. Disfunções orgânicas como alterações enzimáticas podem ocorrer. As enzimas são responsáveis por controlr a velocidade das reações metabólicas no corpo humano. Elas, na presença de metais pesados, não agem normalmente graças à afinidade dos radicais SH (sulfidrilas) pelos metais. A disfunção das mesmas então pode levar o indivíduo à morte.
É importante lembrar que as populações estão expostas aos poluentes de várias maneiras. Isso pode acontecer pelo consumo de alimentos, de água, por via inalatória, dérmica, etc. É importante frisar novamente ainda, que as concentrações dos poluentes são magnificadas nos vegetais e animais, constituindo a chamada biomagnificação (bioconcentração ou bioacumulação). Isso acontece, por exemplo, com o mercúrio, que apresenta concentrações em certos peixes, que alimentam populações muitas vezes maiores do que na água do lago ou rio em que vivem.

Metais Pesados em Solos: Ocorrência

Os metais pesados têm origem natural como componentes de rochas, sendo que, nessa situação, apresentam menores riscos aos seres vivos (Costa et al., 2004).
A ocorrência natural de metais pesados em solos depende, principalmente, do material de origem sobre o qual o solo se formou e dos seus processos de formação. Consequentemente, os teores de metais pesados em solos e sedimentos depende, basicamente, da composição e proporção dos componentes de sua fase sólida.
A relação do solo com o material de origem é bastante evidenciada quando o primeiro é formado “in situ” sobre a rocha, tornando-se menos expressiva nos solos originados sobre materiais previamente intemperizados (Tiller, 1989).
Tiller (1989) cita que os solos originados diretamente sobre rochas básicas, apresentam-se mais ricos em metais pesados do que aqueles formados sobre rochas ácidas ou sedimentares.
À medida que o intemperismo atua, os solos guardam menos características de suas rochas de origem, dessa forma, solos muito intemperizados tendem a apresentar teores menores de metais pesados que aqueles com intemperismo incipiente.
Stevenson & Cole (1999) destacam que o ferro é o principal metal pesado associado às rochas ígneas. Isso, por motivos óbvios de riqueza em minerais ferromagnesianos nessas rochas. Os sulfetos também são constituintes importantes de tais rochas. Como os minerais sulfetados apresentam-se geoquimicamente afins de alguns metais como zinco, cobre e molibidênio, esses podem ser encontrados em teores significativos. Zinco, manganês e cobre também ocorrem em minerais ferromagnesianos, onde eles substituem isomorficamente o ferro e o magnésio na estrutura do mineral. Já o boro é encontrado largamente na turmalina, que é um borossilicato. Ferro, zinco, manganês e cobre são, sobretudo, mais abundantes no basalto, enquanto que boro e molibidênio são mais concentrados nos granitos
Esses autores também citam que é possível que rochas sedimentares possam conter metais pesados. Isso acontece porque elas são compostas por sedimentos provenientes de várias fontes cujos metais podem estar presentes, por exemplo, adsorvidos às argilas. Elas podem conter todos os metais existentes nas rochas primárias, embora não necessariamente nas mesmas proporções. De modo geral rochas compostas por sedimentos finos apresentam-se enriquecidas com zinco, cobre, cobalto, boro e molibidênio. Rochas metassedimentares como alguns xistos com elevados teores de matéria orgânica podem conter cobre e molibidênio.
Alloway (1990), Costa et al. (2004), Penkov (1991) citam que aumentos nos teores naturais de metais pesados podem ocorrer em áreas próximas de complexos industriais, urbanos e, também, nas áreas rurais de agricultura altamente tecnificada. É constatado em tais áreas aumento nos teores de Zn, Pb, Ni, Cd, Cu, Hg, As, entre outros. Feam (2003 e Penkov (1991) ainda revelam que as principais fontes de contaminação por metais pesados são indústrias, transportes e agricultura (irrigação e inundação com águas poluídas, tratamento de solos com pesticidas, herbicidas, corretivos e fertilizantes contendo metais pesados), deposição atmosférica, entre outras. A atividade mineradora também pode ser considerada como um importante mecanismo de disponibilização destes elementos. Isto acontece uma vez que estes metais, outrora numa situação estável, acabam expostos a fatores externos muitas vezes suficientes para torná-los biodisponíveis. Um exemplo de tal liberação de metais pesados é citado por Nilsson (1991). Segundo esse autor, algumas minas de carvão mineral podem gerar a chamada drenagem ácida graças à oxidação de materiais sulfetados, especialmente da Pirita e da Arsenopirita. A acidificação da solução em contato com as rochas gera a solubilização de metais pesados, tornando-os disponíveis.
Nilsson (1991) ainda afirma que os teores geralmente encontrados em solos contaminados, principalmente por atividades agropecuárias, são baixos. Porém, tomando-se uma perspectiva a longo prazo podem ser encontrados teores elevados provenientes de um acúmulo ao longo de anos de utilização desse compartimento ambiental. Esse mesmo autor também cita a possibilidade de contaminação de solos e aqüíferos por meio de aterros industriais e sanitários. A massa de resíduos sólidos podem conter metais pesados que, por sua vez, podem ser lixiviados graças à acidificação provocada pela decomposição da matéria orgânica combinado com a existência de materiais metálicos aterrados.
Refletindo-se agora a respeito da disposição de resíduos diretamente no solo, pode-se concluir que o contato direto de sua massa, através dos métodos de disposição final, permite antever a existência de um potencial de contaminação desse compartimento ambiental. Esse potencial é maior quando a massa de resíduos é disposta de forma inadequada ou quando em sua composição estão presentes substâncias nocivas ao ambiente ou à saúde dos seres vivos. Além disso, a disposição inadequada também representa riscos de emissão de gases tóxicos ou contaminação de corpos d’água em função da degradação desses resíduos, que geram ácidos orgânicos na fase da acidogênese e que, quando lixiviados pela massa de resíduos, podem solubilizar elementos tais como metais pesados presentes carreando-os para o solo ou para as água (subterrâneas ou superficiais) (Pereira Neto, 1996 e Bidone e Povinelli, 1999).
Ramalho et al. (2000) e Penkov (1991) descrevem a contaminação do solo por uma larga gama de metais pesados presentes como contaminantes ou como princípio ativo de uma série de agroquímicos. Além disso, metais pesados também podem chegar ao solo por meio de irrigação com águas contaminadas ou da fertirrigação. Feam (2003) cita que tais metais ocorrem como contaminantes de fertilizantes e corretivos e como princípio ativo de pesticidas e herbicidas.Costa et al. (2004) mostra que resíduos sólidos urbanos são fontes potenciais de Cd, Cu, Pb e Zn. Já os resíduos industriais, ainda segundo esses autores, podem ser fontes de Cr, Cd, Ni, Cr e Ba.

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