Livros-texto em Ciência do Solo

Em 2006 a Sociedade Brasileira de Ciência do Solo lançou a série “Livros-texto em Ciência do Solo” com o objetivo de publicar livros referência de alta qualidade nas principais áreas de estudo da Ciência do Solo. Os livros serão editados e escritos por pesquisadores renomados e vêm preencher uma lacuna profunda na bibliografia de qualidade em relação ao amplo conhecimento científico em solos, com ênfase nos solos brasileiros. Ainda em 2006 foi lançado o primeiro da série, intitulado “Nutrição Mineral de Plantas” com dez capítulos escritos por vários autores e editado pelo Professor Mânlio Silvestre Fernandes, da UFRRJ. Em julho deste ano foi lançado o segundo livro da série, o monumental “Fertilidade do Solo” com dezoito capítulos distribuídos em 1017 páginas de informações valiosas, escritos pelas maiores autoridades em Fertilidade do Solo atuais no Brasil. O livro foi editado pelos professores da UFV Roberto Ferreira de Novais, Victor Hugo Alvarez V., Renildes Lúcio F. Fontes, Reinaldo Bertola Cantarutti e Júlio César Lima Neves. A Sociedade Brasileira de Ciência do Solo tem dado, com esta série, uma inestimável contribuição à Ciência e a agricultura brasileiras.

Mais um blog sobre Ciência do Solo

Foi uma boa surpresa encontrar um outro blog brasileiro sobre Ciência do Solo e melhor ainda descobrir que é escrito na mesma universidade de onde escrevo, a Universidade Federal de Viçosa e surpreendentemente do mesmo deparatamento, o Departamento de Solos, na verdade a poucos passos da sala onde escrevo. O Blog do LabGeo é publicado pelo Professor Elpídio Fernandes Filho e se dedica principalmente aos tópicos relacionados com Geoprocessamento. O site é bem escrito e a postagem bastante regular (bem mais que o Geófagos ;-)).

Pedologia, ciência histórica II

No post anterior, mostrei que o ponto comum entre a Biologia Evolucionista e a Pedologia é a historicidade dos eventos que levam à formação das espécies para a primeira e à gênese dos solos para a segunda. Esta historicidade faz com que a estrutura teórica de ambas as disciplinas sejam um tanto quanto diferente de outras ciências, Física e Química principalmente. Quando falo de estrutura teórica refiro-me à enunciação de leis científicas. Vejamos novamente o que diz Esnst Mayr: “Leis certamente desempenham um papel, ainda que pequeno, na construção de teorias em biologia. A razão principal dessa menor importância das leis na formulação de teorias biológicas talvez seja o papel principal do acaso e da aleatoriedade em sistemas biológicos. Outras razões para o pequeno papel das leis são o caráter único de um alto percentual dos fenômenos em sistemas vivos e também a natureza histórica dos eventos.” Este trecho me faz lembrar uma das primeiras perguntas que fiz na disciplina de Gênese e Classificação dos Solos, ainda na graduação. Quando a professora nos mostrou um bloco de rocha já bastante intemperizado, sobre o qual cresciam líquenes e briófitas, e nos disse que víamos ali o estágio inicial de um solo, perguntei-lhe qual classe de solo seria formada. A resposta dada me pareceu evasiva, o que era estranho porque era uma excelente professora. Embora não soubesse expressar minhas crenças, achava que havia leis deterministas capazes de explicar a formação do solo. Esperei entaõ que, baseada no tipo de rocha e nas características ambientais circundantes, a professora me pudesse dizer que tipo de solo haveria naquele lugar após tantos anos. Neste ponto, permito-me ir um pouco mais além de Mayr, vito que me parece que a dimensão histórica está muito mais presente no estudo da formação do solo do que no da origem das espécies. A química de um solo qualquer, por exemplo, varia muito dependendo do estágio de desenvolvimento do mesmo. A reação (pH) de um solo jovem (pouco intemperizado) pode ser bem distinta da reação de um solo maduro (muito intemperizado), assim como a composição química e mineralógica. Na verdade, a própria estrutura variará de acordo com o estágio de desenvolvimento. É bom lembrar que um solo não tem DNA que direcione seu desenvolvimento ou estabeleça limites à sua composição, quer seja química, quer seja física, quer biológica. Um animal terá os mesmos órgãos, independentemente de sua idade. As células de uma planta serão em geral semelhantes, apesar de diferenças taxonômicas. Há características comuns ligando todos os seres vivos conhecidos. Não assim os solos. Aliás, aproveito para dissuadir meus leitores e colegas de um erro que já vi ser cometido repetidas vezes. Apesar de haver inúmeras analogias possíveis entre Biologia Evolucionista e Pedologia, solos não são organismos vivos da mesma forma que animais e plantas. Um dos primeiros pedólogos americanos, Marbut, chegou a fazer a analogia entre a classificação dos solos e a de animais e plantas em gênero e espécie. A classificação de animais e plantas em gêneros e espécies é basicamente uma classificação genealógica, pressupondo-se ancestrais comuns em algum ponto da história evolutiva. O mesmo certamente não pode ser feito com os solos. Solos originam-se de rochas e sedimentos, sendo inclusive observados solos de uma mesma classe originados de rochas completamente diferente. Para ficar em Minas Gerais, não vi eu mesmo Latossolos (solos muito intemperizados) originados de filitos na Serra do Cipó, de gnaisse em Viçosa e de basalto em Capinópolis? O que os deve ligar são os processos pedogenéticos: grande intensidade do intemperismo químico e físico, remoção de elementos básicos, formação de argilominerais 1:1 e de óxidos de ferro e de alumínio, homogeneização dos horizontes, principalmente em termos de teores de argila, formação de estrutura granular estável…

Pedologia, ciência histórica I

Existe um espinho incômodo na carne dos cientistas dos solos, principalmente naqueles que se dedicam ao ramo da Ciência do Solo chamado Pedologia. O espinho é uma pergunta incômoda: a Pedologia é uma ciência? Pedologia em geral é definida como “o estudo da gênese, morfologia, distribuição e uso do solo”. Há uma antiga visão de ciência como um “método geral completo, fundamentado na observação por mentes conscientemente livres de preconceitos sociais e usando ferramentas universais da razão para acumular conhecimentos confiáveis que levariam a um cada vez maior entendimento teórico das causas” nas palavras do já falecido Stephen Jay Gould. Vista desta maneira, a ciência seria uma infindável coleta sem critérios de informações que automaticamente levariam ao conhecimento da verdade e do mundo, o cientista seria idealmente um autômato coletor de dados. Hoje, entretanto, parece haver um consenso de que a prática científica consiste basicamente em testar experimentalmente hipóteses surgidas ou não de observações. Eis aí nosso problema. Embora na Europa Pedologia seja usada quase como um sinônimo de Ciência do Solo, nós, seguindo os americanos, entendemos Pedologia principalmente como o ramo que descreve os fatores e processos que levam à formação dos solos. Os solos modernos foram formados em algum ponto do passado, sob condições ambientais porventura diferentes das atuais, os fatores e processos que deram origem aos solos que aí estão não foram obviamente observados em ação no momento da gênese destes solos. Assim, o pedólogo não pode afirmar com certeza absoluta que determinada variável ambiental, em determinada quantidade, agiu desta ou daquela maneira para dar origem a certo solo desenvolvido em tempos já passados. Para explicar a formação dos solos partimos da observação dos fatores físicos, químicos e biológicos ocorrendo hoje e criamos modelos plausíveis. Ao contrário de outros ramos da ciência, não há como “aplicar” um certo clima sobre alguma rocha e controlar todos os outros fatores de formação do solo em um sítio experimental qualquer e observar depois de um tempo que solo foi formado. Entre outras coisas, a gênese dos solos é lenta. Esta impossibilidade de criar um solo experimentalmente é a causa da dúvida sobre a natureza científica da Pedologia. Ao ler recentemente o livro “Biologia, ciência única” do biólogo evolucionista Ernst Mayr, com felicidade e surpresa encontrei o seguinte trecho: “A biologia evolutiva, ao contrário da física e da química, é uma ciência histórica – o evolucionismo tenta explicar eventos e processos que já ocorreram. Leis e experimentos não são técnicas apropriadas para a explicação de tais eventos e processos. Em vez disso, é preciso construir uma narrativa histórica, que consista em uma reconstrução experimental de um cenário em particular que tenha levado aos eventos que se está tentando explicar”, ora, é exatamente isto o que fazem os pedólogos! A recriação dos processos que levaram à formação de um determinado solo não deixa de ser um processo histórico. Apesar de vermos e até medirmos alguns dos processos que levarão ou poderão levar à formação de um solo, ninguém acompanhou todo (ou sequer uma pequena parte) dos eventos que culminaram nos solos de hoje. Criamos modelos de desenvolvimento de solos mais ou menos plausíveis mas não temos como observar todo o processo pedogenético desde o intemperismo até o momento em que a descrição do perfil o enquadra em uma classe já existente. Eis aí um ponto em comum entre a Pedologia e a Biologia Evolutiva. (Continua)

Como seqüestrar carbono em solos I

Como prometi aqui, estou lendo as idéias do Johannes Lehmann sobre a produção de biocarvão (bio-char) para a aplicação no solo visando tanto o seqüestro de carbono quanto o melhoramento das condições químicas, físicas e biológicas do solo. Mas primeiro dois esclarecimentos: aos ainda incautos, seqüestro de carbono é toda prática que remove CO2 (dióxido de carbono ou gás carbônico) da atmosfera visando reverter ou diminuir o efeito estufa causado pelo homem; segundo, a série de posts iniciados por este não se aterão a comentar os trabalhos de Johannes Lehmann, embora tenham sido inspirados em parte em suas pesquisas. Agora vamos ao que interessa. Uma das principais críticas de Lehmann em relação aos métodos tradicionais de se tentar aumentar a quantidade de carbono no solo (sob a forma de matéria orgânica) é o baixo potencial que os solos têm de acumular carbono orgânico. Isto é em geral verdade. Lembremo-nos que os solos os quais apresentam acúmulo considerável de matéria orgânica, principalmente no horizonte superficial (solos orgânicos ou Organossolos e os solos minerais com horizonte húmico), em geral se encontram sob condições limitantes ou impossíveis para a agricultura, por exemplo, solos sob clima muito frio, ou inundados periodica ou constantemente, ou solos com altos teores de alumínio ou desenvolvidos sobre material de origem (rochas) extremamente pobres quimicamente, condições que limitam a ação dos microrganismos do solo responsáveis pela decomposição da matéria orgânica. Logo em seguida vêm à menteas práticas de plantio com pouco ou nenhum revolvimento do solo, como o plantio direto na palha. Nestas práticas, os restos das culturas vão sendo deixados nos campos de cultivo depois das colheitas e não são incorporados ao solo por meio de implementos agrícolas como a grade. Também neste caso, o acúmulo de matéria orgânica nos solos se deve mais à limitação da ação decompositora dos microrganismos do que à qualidade da matéria orgânica, embora no plantio direto se use muito a palha de gramíneas, naturalmente mais difícil de ser decomposta. Ora, para que haja a decomposição do material orgânico os microrganismos precisam, entre outras coisas, de uma boa oxigenação do solo. Um dos resultados do revolvimento do solo pelos implementos agrícolas é expor material orgânico enterrado ao ar, além de promover maior aeração da camada superficial do solo, o que acelera a decomposição conseqüente evolução (liberação) de CO2 para a atmosfera, contribuindo com o efeito estufa. Não estou dessa forma dizendo que não seja interessante a adoção do plantio direto tanto como prática de conservação do solo como estratégia de seqüestro de carbono. Não. O que digo é que esta prática depende da continuação do manejo para ser eficiente, a mudança nas práticas de manejo podendo comprometer o que foi conseguido se, por exemplo, voltar-se a se revolver o solo numa área antes submetida ao plantio direto. O enfoque de Lehmann é diferente. Ele pretende seqüestrar carbono mudando as características do material orgânico aplicado ao solo. Este material acumular-se-á por ser ele próprio resistente à ação decompositora dos microrganismos do solo. Esta idéia no entanto não é nova. Como foi comentado aqui, Lehmann e colaboradores realmente basearam suas idéias a partir da observação do comportamento de certos solos arqueológicos amazônicos conhecidos como Terras Pretas de Índio, nos quais os teores de matéria orgânica mais altos do que os dos solos circundantes devem-se à deposição por centenas ou até milhares de anos de restos vegetais carbonizados, além de restos de comida e ossos, o que em conjunto conferiu características químicas, físicas e biológicas a estes solos que os tornam desejáveis do ponto de vista agrícola. Mas eu dizia que as idéias de Lehmann e colaboradores de aumentar a matéria orgânica do solo ao depositar material naturalmente resistente à ação decompositora dos microrganismos não é nova, também nos círculos científicos. No meu mestrado tratei amostras de solo com um subproduto da produção de carvão, o alcatrão vegetal, um líquido escuro, viscoso e de cheiro forte. Este composto é extremamente rico em compostos fenólicos. Pesquisas anteriores demonstravam que as frações da matéria orgânica do solo mais ricas em compostos fenólicos, como a lignina, eram mais resistentes à decomposição pelos microrganismos. Realmente observei que a aplicação do alcatrão promovia aumento do teor de matéria orgânica do solo, mas este aumento não era proporcional às quantidades de alcatrão aplicadas. A razão disto veremos em um próximo post.

Solos tropicais ou tropicalistas?

Um professor que admiro muito chamava-nos insistentemente a atenção sobre a peculiaridade dos solos formados sob condições tropicais úmidas frente aos solos que se formam sob climas temperados. Amante do embate de idéias, ele nos experimentava o espírito crítico perguntando se concordávamos com o que dizia. A tendência natural era a concordância. Pior, como bons brasileiros, tendíamos mesmo a ver aspectos especiais nos solos e na própria pedologia (estudo dos solos) do Brasil, mostrando aquela insegurança de que fala o historiador Evaldo Cabral de Mello, comum aos povos que tentam afirmar nacisistamente uma certa identidade que os distingue de todos os outros. Imune a estas veleidades, meu professor brincava “Não são todos filhos de Gaia?”, referindo-se ao modelo teórico idealizado pelo climatologista inglês James Lovelock que descreve a Terra como um grande organismo. Sim, todos são “filhos de Gaia”. Também creio que todas as evidências mostram a peculiaridade dos solos tropicais em relação aos solos temperados: a ação profunda da água como agente intemperizador, a participação exuberante dos organismos na gênese da estrutura dos solos, a permanência por longos períodos de tempo de mantos de intemperismo profundos permitindo a existência de solos muito espessos e antigos. Mas parece-me que o raciocínio inverso também é válido: em relação aos solos tropicais, os solos temperados também devem ser entidades peculiares, pois a ausência ou menor ação dos fatores citados, em regiões de clima temperado, não implicam a inexistência de solos nem que os solos porventura lá formados sejam piores ou menos interessantes que os de cá. Há solos lá, mas são diferentes, ou os fatores que lhes deram origem são algo distintos, ou os processos, sendo os mesmos, ocorrem em taxas diferentes. No entanto a Pedologia surgiu lá, primeiro na Rússia, com alguma influência na Alemanha e depois terminou de se desenvolver nos Estados Unidos. Os conceitos e ferramentas teóricas (para usar um termo querido aos das Humanidades, os paradigmas) da ciência pedológica nasceram lá em cima. Nós viemos depois, nós somos pobres, parece que por causa disto nós precisamos nos auto-afirmar, proclamando nossa peculiaridade. Realmente creio que fosse mais apropriado dizer que a Pedologia tropical (e a Ciência do Solo como um todo), por utilizar um referencial teórico e um arcabouço metotológico específico às condições tropicais, é uma entidade peculiar e distinta, mas não pior ou melhor, que a Pedologia de clima temperado. O paleontólogo e divulgador científico Stephen Jay Gould escreveu em um ensaio na Science em 2000 “For reasons that seem to transcend cultural peculiarities, and may lie deep within the architecture of human mind, we construct our descriptive taxonomies and tell our explanatory stories, as dichotomies or contrasts between inherently distinct and logically opposite alternatives“, (“Por razões que parecem transgredir peculiaridades culturais, e pode originar-se nas profundezas da arquitetura da mente humana, construímos nossas nomenclaturas descritivas e contamos nossas histórias explicativas, como dicotomias ou contrastes entre alternativas inerentemente distintas e logicamente opostas”, tradução minha). Quero crer que se Pernambuco tivera o mesmo papel cultural que a Grécia teve para a civilização ocidental e que São Paulo fosse hoje o que os EUA são, alguém lá para os nortes estaria fazendo o mesmo tipo de pergunta que hoje fazemos.

O que é sustentabilidade na agricultura?

Muito se tem falado ultimamente sobre agricultura sustentável (inclusive aqui no Geófagos) mas uma definição clara do que vem a ser sustentabilidade tem em geral faltado. Há por parte de quem lê uma noção vaga de que sustentável é qualquer prática ambientalmente correta, mas o que isto quer dizer? Haverá alguma forma de se mensurar a sustentabilidade de práticas agrícolas? Para tentar esclarecer este assunto, lanço mão de um artigo publicado em 1995 pelo cientista do solo inglês T. M. Addiscott com o título de “Entropy and sustainability” no volume 46 do European Journal of Soil Science.
As definições clássicas de sustentabilidade da agricultura geralmente levam em consideração os aspectos ambientais, econômicos e sociais, como a acima citada, enfatizando a manutenção dos recursos ambientais, a viabilidade econômica e a justiça social. Sem dúvida é um conceito abrangente. Addiscott no entanto propõe uma abordagem termodinâmica de sustentabilidade que leva em conta apenas o fator ambiental mas é extremamente útil na análise de áreas sob processo de deterioração dos meios físico e biológico.
Segundo Addiscott, realiza-se trabalho termodinâmico quando energia na forma de calor é transferida de uma fonte a alta temperatura para um dreno a baixa temperatura. Trabalho dinâmico contínuo, dessa forma, requer reservatórios isotérmicos efetivamente infinitos a temperaturas altas e baixas, que são garantidos à biosfera pelo sol e pelo espaço sideral respectivamente. Durante a realização deste trabalho a energia flui do sol para o espaço sideral e se produz entropia, mas o trabalho realizado nos processos na superfície da Terra pode levar a consideráveis aumentos na ordem e assim diminuir a entropia numa escala local. Além dos processos que permitem a ordenação também há processos desordenadores numa escala local.
Em termos biológicos, a fotossíntese permitindo a formação de substâncias complexas de alto peso molecular a partir de moléculas simples tais como CO2, H2O e NH3 é o melhor exemplo de processo ordenador; por outro lado, são exemplos de processos desordenadores a respiração, a oxidação da matéria orgânica do solo, a destruição de agregados do solo. A sustentabilidade da agricultura depende da manutenção de um equilíbrio entre ordem e desordem (processos que diminuem ou aumentam a entropia do agroecossistema).
Para um dado conjunto de forças, ou obstáculos, um ecossistema amadurecerá durante um período de tempo até um determinado equilíbrio dinâmico, geralmente representado por uma vegetação clímax. O solo inicialmente é um dos fatores que determinam a direção na qual o ecossistema amadurece mas ele (o solo) permanece como parte do ecossistema e é modificado durante o processo de amadurecimento.
Se o sistema é perturbado, a analogia termodinâmica sugere que os fluxos no sistema agirão no sentido de contrabalançar a perturbação e restaurar o equilíbrio dinâmico e o solo sem dúvida está envolvido neste processo. Surgem então duas questões essenciais no entendimento da sustentabilidade de agroecossistemas:
1- Quanto tempo um ecossistema leva para voltar ao equilíbrio dinâmico após uma perturbação?
2- Pode haver uma perturbação catastrófica da qual resulte a impossibilidade de o sistema voltar ao equilíbrio dinâmico?
Para a primeira pergunta a resposta é que o tempo de recuperação do estado original dependerá da magnitude da perturbação. Quanto à segunda pergunta, em teoria pode haver um tal evento – a perturbação resultando em uma condição distante demais do equilíbrio dinâmico ou a perda de um fator de um fator essencial à manutenção do potencial biológico, geralmente um ou mais atributos do solo (fauna, matéria orgânica, fertilidade natural) ou a própria perda do solo por erosão.

Ciência…do Solo?

Há talvez uns dois anos um professor me perguntou se eu achava existir um certo estigma cultural em relação à Ciência do Solo, algo como um certo preconceito por parte de cientistas de outras áreas, e se este estigma não seria da mesma linhagem do preconceito que existe também em relação a agricultores, aos que cultivam o solo, geralmente taxados de matutos, caipiras, jecas, primitivos. Parece-me que um certo desdém pela agricultura e pelo agricultor tem raízes antiquíssimas na civilização ocidental e cristã. No Velho Testamento, o cruel e pouco razoável deus dos hebreus desprezou a oferta do agricultor Caim, preferindo o sacrifício de animais que lhe oferecia o pastor (pecuarista) Abel, despertando os ciúmes e finalmente o ódio homicida do primeiro. Consta que este conflito mitológico inicial simboliza a preferência do deus JHVH, ou a natural preferência dos hebreus de então, por um estilo de vida mais simples, nômade, pastoril, representado por Abel, em detrimento de um modo de vida sedentarizado, necessário para a prática das atividades agrícolas e que possibilitou a formação dos primeiros ajuntamentos humanos que dariam origem à Cidade (civitas, donde civilização). Assim, a agricultura é não só o fundamento mas a própria fundação da civilização. Por ser fundação, o que está no início, o que é antigo, nossa era pós-moderna abomina, rejeita. Talvez o progresso material da civilização ocidental, que proporcionou e proporciona quantidades nunca vistas de riqueza e conforto acompanhados de sofisticação cultural, faça com que se sinta um certo desprezo, alguma vergonha até, daquele início mais humilde, como os novos ricos em geral se envergonham das humildes origens, muitíssimas vezes agrárias, chegando a negá-las, ou como os bons cristãos se recusam a admitir descenderem de formas de vidas pretensamente inferiores, talvez geofágicas. Concluo que da mesma forma, a “big science”, plena de recursos informacionais, matemáticos, computacionais e metodológicos, prestes a desvendar os segredos universais e de ganhar o próximo milhão, talvez se sinta constrangida em reconhecer como igual e irmã a humilde Ciência (?) do Solo, em que ainda se pega (e a este verbo empresto uma carga emotiva, amorosa) na terra, onde no lugar de colisores de partículas, usam-se ainda martelos, trados e enxadas, quintessência do primitivo. Enfim, mesmo na prática científica, muitas vezes pouco importa a importância e relevância do que se faz se a aparência externa não é o que se espera ou o que está na moda.

Sustentabilidade da agricultura no semi-árido brasileiro III

Ao se abordar agroecossistemas (os campos de cultivo considerados como unidades ecológicas) sustentáveis em climas semi-áridos não se pode ignorar a questão fundamental de como harmonizar o conceito de semi-aridez, que pressupõe variabilidade climática, com o conceito de sustentabilidade, que pressupõe estabilidade de produção. Geralmente se considera que um agroecossistema, independente de sua localização, deve possuir três qualidades: produtividade, estabilidade e sustentabilidade.
Produtividade não se resume ao potencial produtivo de plantas ou animais mas é conseqüência da interação dos componentes agrícolas, ambientais e sociais do agroecossistema. A estabilidade seria a confiabilidade do sistema (propriedade) em produzir em quantidades suficientes para a manutenção dos agricultores. Sustentabilidade por sua vez seria a manutenção de um determinado nível de produtividade quando o sistema é submetido a uma força desestabilizadora, e esse nível de produtividade deve ser mantido por um longo prazo. Assim, parece que o conceito de sustentabilidade não exclui a variabilidade (a força desestabilizadora) mas requer a habilidade do agroecossistema em manter um certo nível mínimo de produção ainda que “estressado”. Apesar de as três qualidades acima descritas serem altamente desejáveis em um sistema agrícola, podem eventualmente entrar em conflito.
Ao se considerar impactos ambientais negativos advindos de práticas agrícolas em ambientes semi-áridos é importante, além de medir e registrar a extensão da degradação ambiental, desenvolver-se e modificar-se sistemas de produção para que eles se adeqüem, mantenham e restaurem os recursos naturais do ambiente a ser trabalhado quer com agricultura quer com pecuária ou outras modalidades de exploração agrícola de forma imaginativa e inovadora alicerçando-se na pesquisa científica. É necessário avaliar quão adequadas são alternativas tecnológicas desenvolvidas em climas temperados (ainda que em condições de semi-aridez) às condições muito diferentes e adversas de climas semi-áridos tropicais.
Geralmente os pesquisadores concordam que para chegar a ser sustentável um sistema de produção agrícola introduzido em uma região deve tentar imitar da forma mais eficiente possível características do ecossistema original tais como produção de biomassa, ciclos biogeoquímicos, padrões de uso de água e nutrientes. Quando essas características ou outras do sistema de produção agrícola se distanciam muito do que acontecia no ecossistema original, surgem os problemas de insustentabilidade e deterioração ambiental.
O requisito básico e indispensável para a agricultura sustentável em áreas de caatinga parece ser o abandono definitivo de práticas de desmatamento e queimadas extensivas, passando a fixar a agricultura, isto é, explorar uma mesma área de solo por períodos prolongados, após a geração e adoção de tecnologias que o permitam.
Uma equipe de pesquisadores da Embrapa Caprinos capitaneada por J. A. Araújo Filho oferece uma proposta de manejo da caatinga que pode servir tanto para a manutenção da sustentabilidade da produção agrícola quanto ao melhoramento da produção pecuária. A caatinga arbórea nativa de valor forrageiro sofreria um rebaixamento de seu dossel (copa) para permitir o melhor aproveitamento pelos rebanhos. Um segundo passo seria o raleamento da vegetação arbóreo-arbustiva, com a retirada das espécies sem valor forrageiro, medicinal ou ambiental, o que permitiria, pela diminuição do sombreamento, uma maior contribuição do estrato herbáceo na produção de fitomassa com valor forrageiro. O enriquecimento da caatinga com espécies introduzidas, notadamente as com alto teor de proteínas e bem adaptadas às condições edafo-climáticas da região seria a terceira etapa deste sistema de manejo.

O solo de cá não é o mesmo de lá II

O conhecimento dos diferentes tipos de solo e a existência de um sistema de classificação abrangente e confiável, além da importância científica óbvia, tem uma importância prática crucial: o uso adequado dos solos de acordo com o fim que se pretende. Como já foi abordado em outros posts, a fase sólida dos solos é composta de uma fração mineral e uma orgânica. A fração mineral divide-se em frações de tamanho que também apresentam diferenças em relação à mineralogia e ao comportamento químico: fração areia, que é a mais grosseira, composta principalmente de quartzo e muscovita, é uma fração quimicamente praticamente inerte; fração silte, intermediária, composta majoritariamente por quartzo, também quimicamente bastante inerte; e fração argila, composta por aluminossilicatos secundários (argilominerais) e óxidos de metais (principalmente ferro e alumínio), é a fração quimicamente mais ativa dos solos e responsável, juntamente com a matéria orgânica do solo, pela retenção de nutrientes e outros elementos e substâncias. Classes diferentes de solos terão horizontes (ver a definição de horizonte de solo) com teores de areia, silte e argila diferentes. A proporção destas três frações em um horizonte ou solo é o que chamamos textura do solo. A textura de um solo nos pode informar muito sobre o comportamento esperado deste solo. Um solo argiloso poderá ser quimicamente mais rico, mas poderá também apresentar problemas de drenagem, impedindo a infiltração eficiente da água no solo, ou dependendo dos minerais da fração argila presente (que também poderão não ser os mesmos de solo para solo) poderá haver uma retenção de alguns nutrientes, como fósforo por exemplo, tão forte que a planta não consegue absorvê-lo. Solos mais arenosos em geral são quimicamente mais pobres, mas podem apresentar boa drenagem e todo o adubo aplicado poderá ser utilizado pelas plantas; no entanto, pela pobreza em argila estes mesmos adubos podem ser perdidos, levados pela água que infiltra, um processo chamado de lixiviação. De posse destas informações e de outras que se ganha ao se conhecer os vários tipos de solo, um agrônomo, um geoquímico, um agricultor terão menor possibilidade de tomar decisões incorretas no que diz respeito à utilização de um solo. Assim, um engenheiro ambiental saberá que a classe de solos arenosos conhecidos como Neossolos regolíticos, por exemplo, não será adequado para a disposição de lixo tóxico porque o excesso de drenagem poderá levar os contaminantes para as águas subterrâneas ou até superficiais; um agrônomo saberá que a aplicação de adubos fosfatados em solos conhcidos como Latossolos que sejam ricos no mineral goethita deverá ser um pouco superior à dose recomendada, para suprir tanto o solo quanto a planta; o agricultor da região de Viçosa entenderá que os solos mais avermelhados em que ele planta batata ou até mandioca são mais apropriados para essas culturas não por causa da cor vermelha, mas porque esta cor é reflexo da presença do mineral hematita, formado em locais de boa drenagem e maior aeração do solo, necessários para a produção de tubérculos, e por aí vai. (Continua)

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