Para os homens, as pistas contextuais voltadas para relacionamentos de curto e de longo prazo aumentaram as exibições de criatividade. O que mostra que as exigências sobre a qualidade da parceira requeridas pelos homens para ativar exibições de criatividade são baixas. Isso porque eles não têm muito a perder em ambos os tipos de relacionamento, já que não foram eles que carregaram os custos fisiológicos de gestações desejadas e indesejadas durante todo o período no ambiente ancestral. Para as mulheres, apenas as pistas contextuais voltadas para relacionamentos de longo prazo comprometidos aumentaram as exibições de criatividade. Isso indica que as exigências sobre a qualidade do parceiro requeridas pelas mulheres para sua exibição criativa são mais elevadas. Isso porque o comprometimento por parte dos homens garantia a união do casal necessária para o cuidado bi-parental da prole no ambiente ancestral.
É possível supor que exibições criativas evoluíram em parte por seu benefício na conquista amorosa pela seleção sexual, então poderemos finalmente ter uma explicação evolutiva para o antigo e muito difundido fenômeno das musas inspiradoras. O Guinness Book lista o pintor Pablo Picasso como o artista mais produtivo da história, com admiráveis 147.800 obras de arte.
A carreira de Picasso é marcada por uma série de períodos artísticos de profunda inspiração criativa – a fase azul, rosa, cubista, surrealista – nas quais sua pintura revelava transformações visuais extravagantes. Porém um olhar mais atento para
seus períodos gerativos mostra uma constante intrigante: cada nova época criativa floresce com pinturas de uma nova mulher, uma musa. Essa história artística não é exclusiva de Picasso: Salvador Dali, Friedrich Nietzsche e Dante dentre outros que também tiveram musas inspiradoras influenciando suas criações.
A noção enigmática de musa tem raízes na mitologia grega em que nove deusas musas atravessavam a Terra agitando os espíritos criativos de mortais artistas e pensadores. Segundos historiadores, todas as musas compartilham um fator comum intrigante e inexplicável: musas tanto reais da história quanto da mitologia são universalmente mulheres. Pense em quantas músicas existem com nomes de mulheres: Michele, Ana Júlia, Janaina, Maria Maria, Carolina, Ive Brussel, Bebete, Madalena, Dinorah Dinorah, Iracema, Aurora, Amélia, Bete Balanço dentre muitas outras.
Agora podemos explicar isso. As musas não são todas mulheres porque a figura masculina não é capazes de inspirar pessoas, nem porque os homens são mais criativos do que mulheres. Mas sim porque, como o estudo demonstrou, os homens têm seu potencial criativo disparado por mais contextos amorosos: imagens do sexo oposto, relacionamentos de curto prazo, longo prazo, e longo prazo comprometido. Enquanto as mulheres, que são tão criativas quanto os homens, têm seu potencial criativo disparado apenas quanto o companheiro demonstra comprometimento.
Um exemplo do efeito equivalente aos das musas para as mulheres e que também está de acordo com os resultados femininos do estudo vem de Elizabeth Barrett Browning, uma poetisa vitoriana renomada. Aos vinte anos, enquanto se encontrava com uma produção artística mediana, ela recebeu uma carta de um fã apaixonado, Robert Browning, que lhe declarou seu amor. Elizabeth não se convenceu das intenções de seu fã por pelo menos um ano inteiro quando, muitas cartas de Robert depois, eles concordaram em iniciar a sério seu relacionamento. E foi precisamente durante esse período do relacionamento quando Elizabeth inspirou-se a escrever Sonnets from the Portuguese, que se tornou sua obra criativa mais importante e mais aclamada criticamente.
Criatividade como indicador de aptidão
Tudo bem, a criatividade tem muita importância na seleção de parceiros amorosos, mas por que essa característica mental humana seria valorizada? O que ela têm de especial? Será que a
criatividade indica alguma coisa relevante para a seleção sexual? É bem possível que sim. A criatividade pode tanto indicar confiavelmente algo sobre a pessoa criativa quanto ela pode explorar as propensões cognitivas preexistentes nos espectadores superestimulando-as no cortejo amoroso. Uma propensão cognitiva que temos é a neofilia, a atração pelo novo, ela está entranhada no cérebro dos animais. Os cérebros são naturalmente voltados para previsões. As mentes operam um modelo interno do que de biologicamente relevante está acontecendo no mundo e prestam atenção quando o mundo desvia-se do esperado. O poder de atração da atenção, da novidade, é uma das inclinações psicológicas mais fundamentais que poderiam ter influenciado a evolução das exibições de cortejo. No livro A Origem do Homem e a Seleção Sexual de 1971, Charles Darwin escreveu: “Pareceria até que a mera novidade, ou a mudança pela mudança em si mesma, às vezes tem agido como um encanto sobre as fêmeas de pássaros, do mesmo modo que as mudanças na moda nos afetam.”
Anti-tédio
Nas sociedades humanas modernas, a neofilia é a fundação de muitas manifestações como a pintura, música, televisão (programas e comerciais), filmes, mídia, imprensa, drogas, viagens, pornigrafia, moda, rádio e industrias de pesquisa, que respondem por uma proporção substancial da economia global. Antes dessas indústrias do entretenimento começar a nos divertir, precisávamos divertir uns aos outros na savana africana ancestral. Nessa visão, a criatividade evoluiu pela seleção sexual como um dispositivo anti-tédio. Os parceiros sexuais entediados depois de alguns dias ou semanas podem não ter estabelecido relacionamentos mais duradouros abrindo mão de vantagens reprodutivas. Cérebros menos criativos que ofereciam menos novidades contínuas, sendo menos interessantes como parceiros sexuais, amantes, amigos e companheiros, não tinham o suporte necessário para deixar muitos filhos.
As formas atraentes de novidade tendem a basear-se em um truque unicamente humano: a recombinação criativa de elementos simbólicos aprendidos, como palavras, gestos, movimentos, símbolos visuais, para a produção de arranjos novos com novos significados emergentes, como em histórias, melodias, poesias, danças, piadas e pinturas. Este truque permite que as exibições de cortejo humanas não apenas provoquem os sentidos e a atenção de potenciais parceiros amorosos, mas criem novas idéias e emoções nas mentes de todas as pessoas independentes de intenções sexuais e de paquera explícita. Como podemos ver, essas exibições sociais não precisam ser sexuais como a pôrno-chanchada para ser produto de seleção sexual. Se um filme de terror entreter, causar fascínio e admiração nas pessoas de modo que seu criador tenha um melhor status e uma maior apreciação social, inevitavelmente suas chances de reproduzir vão aumentar.
Sabemos então como nossas propensões neofílicas podem ter sido exploradas pela seleção sexual da criatividade. Agora precisamos saber se a criatividade em si indica alguma característica evolutivamente desejável no parceiro. Como a maioria dos mamíferos começa a vida sendo
graciosos, brincalhões e inovadores, e gradualmente tornam-se sérios, pragmáticos e levados pelo hábito, comportamentos brincalhões e criativos na pós-puberdade podem ser indicadores de juventude, saúde e fertilidade. E como existe uma correlação positiva moderada entre a criatividade e a inteligência, de modo que a alta inteligência parece ser uma condição necessária, mas não suficiente para a alta criatividade, é possível que a criatividade seja um bom indicador de inteligência geral também.
Juventude, saúde, fertilidade, humor e inteligência são características influenciadas pela interação entre muitos genes e muito sensíveis ao ambiente de desenvolvimento, portanto elas são mais vulneráveis a mutações e a efeitos ambientais deletérios o que as torna bons indicadores de qualidade genética, de bons genes. Se a criatividade for um indicador de bons genes então ela deveria estar mais relacionada a relacionamentos de curto prazo do que de longo prazo. Essa questão foi pesquisada em 2006 num trabalho de Haselton e Miller. Eles também avaliaram se a preferência pela criatividade masculina por parte das mulheres variava conforme as mudanças na fertilidade ao longo das fases do ciclo menstrual.
A segunda pesquisa
Haselton e Miller amostraram 41 mulheres que não tomavam contraceptivos hormonais e tinham o ciclo menstrual regular. As participantes liam pequenas descrições de homens muito criativos e pobres e de homens pouco criativos e ricos além de dar informações sobre a data da
última menstruação, que possibilitou calcular nível de fertilidade da participante no dia da pesquisa. As análises mostraram a existência de uma correlação positiva entre fertilidade e a preferência por homens criativos e pobres apenas quando as mulheres respondiam pensando em relacionamentos de curto prazo. E para relacionamentos de longo prazo não houve relação entre preferência por criatividade e fase do ciclo menstrual. A estimativa da fertilidade feminina previu sua preferência para o curto prazo tanto na sua preferência por cada tipo de homem, quanto na escolha forçada entre o criativo e pobre e o pouco criativo e rico.
Amplos horizontes
Esses resultados sugerem que a inteligência criativa masculina seja um indicador de aptidão referente a bons genes e que ela evoluiu em parte pela seleção sexual, com as mulheres preferindo homens mais criativos para relacionamentos de curto prazo. O trabalho sobre a preferência pela criatividade em relacionamentos de curto prazo no período fértil e o trabalho anterior sobre a maior exibição da criatividade em contextos relacionados com a busca de parceiros dão uma boa noção de quanto é promissor o estudo de características psicológicas imersas na criatividade pela ótica da seleção sexual. Muitos estudos sobre música, dança, poesia, pintura, escultura, teatro, malabarismos, humor e narração de histórias dentre outros ainda estão por vir. Isso irá aproximar as pessoas das áreas de comunicação e artes de psicólogos e biólogos. E além de mais pesquisadores nessa área, a Psicologia Evolucionista vai precisar de muita criatividade para desenvolver desenhos experimentais como esses capazes de testar hipóteses evolucionistas de seleção sexual.
Dicas de leituras
Darwin, C. R. (1871/2004). A origem do homem e a seleção sexual. Belo Horizonte: Itatiaia.
Griskevicius, V.; Cialdini, R. B. & Kenrick, D. (2006). Peacocks, Picasso, and parental investment: The effects of romantic motives on creativity. Journal of Personality and Social Psychology, 91(1), 63 – 76.
Haselton, M. G. & Miller, G. F. (2006). Women’s fertility across the cycle increases the short-term attractiveness of creative intelligence. Human Nature, 17(1), 50 – 73.
Miller, G. F. (2001). A mente seletiva. Rio de Janeiro: Campus.
Discussão - 1 comentário
A preocupação com a estética já ocorre a muito tempo des da época dos povos primitivos que que se preparavam para rituais, comemorações e eventos importantes.