Psicologia Evolucionista – Edição Especial Psique

A edição Especial Psique Ciência & Vida sobre Psicologia Evolucionista saiu no final de 2007 pela editora Escala. “Um olhar sobre a Psicologia Evolucionista”, que ainda está nas bancas, e é nada mais nada menos que a primeira publicação nacional em divulgação científica sobre Psicologia Evolucionista feita por pesquisadores da área no Brasil.
A pretensão foi mostrar ao leitor interessado como as ações mais simples, atuais e corriqueiras, como escolher uma roupa, assistir TV ou mesmo prestar atenção em certas coisas em detrimento de outras, podem ser explicadas e estudadas pela Psicologia Evolucionista. E o resultado já está aparecendo desde no site do Projeto Milênio em Psicologia Evolucionista até em postagens na comunidade de Psicologia Evolucionista do orkut até elogios em blogs de ciência, como no Científica Mente.
O Especial é fruto de um empenho de divulgação inteiramente voluntário de graduandos em psicologia e pós-graduandos em Psicologia Experimental da USP em parceria com graduandos em psicologia e pós-graduandos em Psicobiologia da UFRN. Nas palavras editoriais: “Trabalhando com o rigor científico que caracteriza esta disciplina, há hoje um profícuo grupo de profissionais e estudantes, em diferentes centros geradores de saber no País, dedicados à pesquisa de temas tão centrais na definição do que seja ser humano [Se referindo ao Projeto do Milênio de Psicologia Evolucionista]. Alguns deles se dispuseram generosamente a compartilhar seus conhecimentos e descobertas nas páginas deste Especial da revista Psique e produziram textos ricos e esclarecedores sobre a aplicação da Psicologia Evolucionista nos mais diferentes contextos.”

O Especial conta com 8 textos escritos por pesquisadores especialistas (no qual estou incluído), dois retirados da Agência Notisa de Jornalismos Científico, uma lista com dicas de livros da área, uma lista com dicas de links importantes e um fechamento feito pela também especialista Doutora Cibele Biondo na Coordenação Técnica.

O texto introdutório intitulado “Uma longa história” pelos psicólogos Altay Alves de Souza e Leonardo Cosentino em conjunto com os biólogos José Henrique Ferreira e eu, Marco Varella, apresenta de forma simples as história dos antepassados da Psicologia Evolucionista e seus fundamentos teóricos e conceituais. Alem disso, apresenta também um histórico da pesquisa nacional na área graças ao Grupo de Trabalho de Psicologia Evolucionista na Associação Nacional de Pós-Graduação em Psicologia e ao Instituto do Milênio de Psicologia Evolucionista.
O segundo texto trata dos mal-entendidos. Em “A era dos mal-entendidos” Isabella Bertelli, estudante de psicologia e eu, Marco Varella, biólogo apresentamos a questão dos mal-entendidos mais comuns sobre da Psicologia Evolucionista. Como todo campo de ciência, a Psicologia Evolucionista sofre críticas e contestações. O propósito deste artigo é oferecer subsídios conceituais esclarecedores aos leitores para conseguirem diferenciar uma crítica fundamentada de críticas baseadas em interpretações equivocadas e preconceituosas, gerando problemas de entendimento.
O terceiro é sobre Neotenia, expresso no artigo “Que olhos grandes você tem!” da psicóloga Lia Viégas. Ela conta como as características neotênicas (infantilizadas) geram efeitos nas pessoas e como isso ocorre como resultado de um importante processo evolutivo que contribuiu na sobrevivência e reprodução do ancestral humano no passado e hoje garante a vinculação materna (e os afagos) dos nossos bebês.
O terceiro texto é sobre diferenças cerebrais entre homens e mulheres. É um texto extraído da Agência Notisa de Jornalismos Científico que aborda apenas a Neurociência e não faz muita ligação com a Psicologia Evolucionista. É sobre uma cardiologista que escreveu um livro sobre as diferenças cerebrais entre homens e mulheres “Porque os homens nunca lembram e as mulheres nunca esquecem”. Isso mostra como as agências de notícia vêm negligenciando a Psicologia Evolucionista e até confundindo com Neurociências.
O quarto texto é sobre heurísticas e tomadas de decisão. O artigo “Será que caso ou compro uma bicicleta?” dos psicólogos Altay Alves Lino de Souza e Álvaro da Costa Batista Guedes aborda um dos comportamentos mais prosaicos e importantes do ser humano: tomar decisões. Eles detalham quais são os mecanismos implícitos nos processos de julgamento e tomada de decisão, como eles poderiam ter ajudado nossos ancestrais a sobreviver e a reproduzir e como por meio deles, podemos cometer “erros” sistemáticos.
O quinto texto é sobre desejo por variedade sexual. É a reedição do meu texto sobre as primeiras pesquisas inter-culturais com relação ao desejo por diferentes parceiros sexuais ao longo na vida e as diferenças entre homens e mulheres. Este texto está postado numa versão melhorada aqui no MARCO EVOLUTIVO.
O sexto é sobre as visões evolucionistas sobre a depressão pós parto. Tema que tem vindo a tona não só no âmbito científico, mas também na comunidade como um todo. Sobretudo após as freqüentes notícias de bebês abandonados ou mesmo infanticídios. O artigo “Quando a dor é Mãe” das psicólogas Gabriela Andrade, Lia Viegas, Marina Cecchini e Emma Otta com a bióloga Renata Pereira de Felipe apresenta como a Psicologia Evolucionista pode contribuir nessa questão de saúde pública.
O sétimo é sobre a neurologia da homossexualidade. Mais uma vez a Psique por intermédio da Agência Notisa de Jornalismos Científico confunde Psicologia Evolucionista com Neurociência. O texto focado em como as preferências sexuais se instalam nas áreas cerebrais aborda também pesquisas genéticas sobre a homossexualidade.
O oitavo texto é sobre a seleção de parceiros amorosos. Em “Procura-se”, a psicóloga Luísa Spinelli e o biólogo Wallisen Hattori apresentam os fundamentos teóricos da Seleção Sexual e da Teoria do Investimento Parental. Além disso, eles apresentam os resultados empíricos de diferentes pesquisas sobre as preferências afetivo-emocionais para a escolha de parceiros e as diferenças entre homens e mulheres. Tudo indica que em matéria de sexo, Darwin explica!
O nono texto é sobre a amizade e a constituição de vínculos. Em “Uma mão lava a outra” o biólogo César Ornelas discute qual a importância das estratégias sociais como forma de obter sucesso e garantir a sobrevivência na comunidade. Neste ponto entra a questão do egoísmo e altruísmo e qual a importância de cada um para a sobrevivência do indivíduo e do grupo.
Na lista de livros constam: Tabula Rasa de Steven Pinker; Não há dois iguais: Natureza humana e individualidade de Judith Harris; The Evolution os Mind: fundamental questions and controversies de Steve Gangestad e Jeffry Simpson (eds.); Introducing Evolutionary Psychology de Dylan Evans e Oscar Zarate; Instinto Humano de Robert Winston; e O Pensamento de animais e intelectuais: evolução e epistemologia de Denis Werner.
Na lista de links constam o Center of Evolutionary Psychology, o The Human Behavior & Evolution Society, o The International Society or Human Ethology, O Instituto do Milênio, o Laboratório de Psicologia Comparativa e Etologia da USP, e a Sociedade Brasileira de Etologia. Todos esses links e outros se encontram na lista de links do MARCO EVOLUTIVO.
E no fechamento a Doutora Cibele Biondo faz um brilhante balanço dos textos publicados, da contribuição da visão biologicamente cultural da Psicologia Evolucionista para a Psicologia e Ciências Humanas bem como enquanto campo frutífero de pesquisa em plena expansão mundial e nacional.
No geral o grupo trabalhou muito, dentro do prazo editorial curtíssimo, e fez um ótimo e inédito trabalho de esclarecimento público, porém alguns erro editoriais apareceram, pois não tivemos acesso à versão editada pronta para a publicação. Os erros foram desde grandes atribuições errôneas de autoria a até pequenos detalhes dos textos principalmente nas legendas de figuras. Mas que no geral não desmerece todo o esforço e entusiasmo depositado nesta empreitada nova tanto para muitos autores quanto para a divulgação científica nacional.
Todos estão de parabéns pesquisadores, divulgadores e editores pelo magnífico presente aos leitores brasileiros. Boa Leitura!

Criatividade: nossa cauda de pavão mental

Você já assistiu a algum programa mostrando premiações de comerciais de televisão? Um comercial melhor que o outro, mais engraçado, mais inusitado, mais criativo. Não dá para assistir e não ficar admirado com a capacidade criativa do ser humano. E por mais que a estrutura do comercial seja previsível, o desfecho sempre é inusitado e interessante. Todo comercial premiado tem um começo que soa estranho ou óbvio sobre algo familiar, daí no final vem a pérola criativa, o clímax, que dá um novo sentido para a estranheza ou para o óbvio inicial. Essas criações humanas nos deixam instigados em compreender as origens dessa capacidade criativa que permeia toda a vida social do ser humano.
A criatividade é frequentemente considerada uma das características fundamentais do nosso comportamento moderno. Enfoques etnográficos, arqueológicos e etológicos mostram que muitos dos comportamentos que expressam a criatividade, como a ornamentação corporal, a pintura, a dança, a música, o humor e a criação de histórias são comportamentos universais para todas as culturas e têm raízes em épocas muito antigas. Somado a isso, a facilidade e espontaneidade com que as crianças precocemente expressam sua criatividade em brincadeiras nos sugerem que nossa capacidade criativa seja uma potencialidade intrínseca da natureza humana.
Adaptação mental
Mas será que a criatividade humana é apenas um efeito colateral da atividade neural caótica de nossos cérebros complexos e grandes? Ou ela teria algum valor adaptativo ao longo de nossa evolução? Tendo em vista a universalidade, a antiguidade e a precocidade envolvida nos processos criativos, bem como a quantidade de energia e tempo que gastamos com comportamentos criativos, desde produção, participação e apreciação, é bem possível que a cognição envolvida na criatividade tenha desempenhado alguma função adaptativa em nosso ambiente ancestral. Dado que a evolução elimina facilmente da população ancestral comportamentos que consomem muitos recursos e não proporcionam consideráveis benefícios evolutivos à sobrevivência ou à reprodução dos indivíduos.
De certo modo não precisamos usar muito a criatividade para imaginar como a seleção natural teria favorecido ancestrais que solucionavam criativamente seus problemas de sobrevivência. Qualquer idéia nova que ajudasse na obtenção de alimento como armadilhas, utensílios como cestos e redes, e estratégias para surpreender a caça dariam uma enorme vantagem adaptativa ao indivíduo, seus parentes e amigos. Ou então qualquer forma criativa de solucionar melhor outros problemas de sobrevivência, como evitar doenças, espantar predadores, lidar com o frio e com a seca, traria conseqüências positivas para a evolução da criatividade.
De fato muita pesquisa sobre criatividade tem seu foco principal na capacidade de se resolver problemas práticos, como os de sobrevivência. A própria definição de criatividade envolve a habilidade de se produzir algo novo e útil. A utilidade envolve a adequação da idéia criativa para a solução de um problema bem definido. A novidade reflete a dificuldade daquela solução para tal problema dada a baixa freqüência com que as pessoas puderam solucioná-lo anteriormente. Por esse foco, as pesquisas sobre criatividade justificam seus custos como um modo de descobrir como as pessoas poderiam melhorar sua capacidade de resolver problemas técnicos. As empresas valorizam pensadores criativos para poderem solucionar melhor problemas empresariais internos e externos, além de patentear novas invenções. Como se a busca por novidade não pudesse ser estudada como tendo um fim em si mesma, apenas como um meio de encontrar soluções para problemas difíceis.

Seleção sexual entra em cena

É bem possível que haja vantagens adaptativas à criatividade pautadas na sobrevivência, mas isso não exclui possíveis vantagens relacionadas à reprodução. Pense no pé humano. Ele é diferente do pé do chimpanzé, pois foi adaptado ao nosso modo bípede de andar. Essa vantagem à sobrevivência não exclui a possibilidade da seleção sexual ter atuado, pois a escolha de parceiros pode valorizar além da funcionalidade, a estética das adaptações. Isso acrescenta uma nova dinâmica seletiva somada à anterior. Agora não apenas a pressão cega do ambiente atua e sim a escolha ativa e consciente por parte das pessoas. E você deve conhecer pessoas que admiram, adoram ou têm fetiches por pés (podolatria), ou ainda pessoas que não gostam do próprio pé a ponto de ter vergonha de sair com o pé à mostra. Além disso, ninguém duvida que a estética de mãos e pés não seja importante dada as consagradas profissões de manicure e pedicure, fora aqueles profissionais modelos de mãos e pés para comerciais. Então, assim como a estética e a sensualidade do pé pode evoluir também pela seleção sexual, além da pressão seletiva para o andar bípede, a criatividade pode ter evoluído em parte por suas vantagens na atração, manutenção e na disputa por parceiros amorosos.
Essa mudança de foco da solução criativa visando problemas técnicos para a exibição criativa relacionada à paquera tem sido um novo campo frutífero de investigação científica. Apoiando a idéia da influência da seleção sexual, estudos têm mostrado que nós expressamos um desejo por criatividade num parceiro amoroso. Mesmo quem não é cientista já vivenciou uma situação de conquista amorosa, e percebeu na pele como a criatividade é importante para transformar um primeiro contato duvidoso numa conversa interessante, descontraída e prazerosa ou num tremendo fora desconcertante.
A primeira pesquisa
Uma pesquisa de 2006, amostrando no total 262 homens e 353 mulheres, traz grandes contribuições a essa questão ao testar as influências da seleção sexual na criatividade humana. Griskevicius, Cialdini e Kenrick reconhecem que os órgãos mentais, que são os processadores cognitivos voltados para problemas adaptativos específicos, são adaptativamente bem sensíveis a pistas ecológicas indicadoras de determinado problema ou oportunidade para os quais são voltados. Pistas ambientais relacionadas ao acasalamento ativam o sistema de busca por parceiros amorosos e os mecanismos cognitivos relacionados ao cortejo amoroso, facilitando percepções, cognições e comportamentos particulares associados ao sucesso reprodutivo. Então, se exibições de criatividade evoluíram em parte por seu benefício na conquista amorosa, pistas voltadas para ativar a busca por parceiros amorosos ativariam exibições de criatividade nas pessoas.

Eles realizaram quatro experimentos para testar a influência da ativação mental romântica no aumento da exibição de criatividade. Usaram medidas repetidas (antes e depois) da criatividade dos participantes, que escreviam histórias livres sobre diferentes figuras equivalentes antes e depois do tratamento experimental. As histórias eram avaliadas por juizes independentes quanto a serem criativas, originais, inteligentes, imaginativas, cativantes, engraçadas, envolventes e charmosas, atributos que juntos compunham a medida subjetiva de criatividade.

Estudo número 1

No primeiro estudo, o procedimento de ativação era a apresentação para metade dos participantes de fotos de pessoas atraentes e era pedido para que escolhessem a que mais agradasse e depois que escrevessem como imaginariam o primeiro encontro com a pessoa. A outra metade era a controle, viam uma foto de uma rua com alguns prédios e era pedido para que se imaginassem lá e escrevessem quais seriam as melhores condições climáticas para passear e ver os prédios. A análise mostrou que os homens que viram as fotos de mulheres bonitas apresentaram maiores índices de criatividade na segunda história. Para as mulheres, não houve diferença no nível de criatividade da primeira para a segunda história entre as que viram homens bonitos e as que viram a rua.
Estudo número 2
No segundo estudo o procedimento de ativação mudou de fotos para histórias de contextos de busca de parceiros. Isso visando evitar vieses das diferenças entre homens e mulheres no efeito da exposição visual de parceiros em potencial, já que homens são mais visuais e mulheres mais contextuais. As histórias de contextos de busca de parceiros eram textos descrevendo uma situação em três versões: curto prazo, longo prazo e controle, que compunham grupos independentes.
Na versão de curto prazo, o texto descrevia uma situação de busca de parceiro romântico para um relacionamento curto e levava o participante a se imaginar encontrando e sendo correspondido por uma pessoa atraente no último final de semana de sua viagem de férias, numa ilha exótica, sem a possibilidade de reencontro e que termina com beijos na praia. Na versão de longo prazo o texto descrevia uma situação de busca de parceiro romântico para um relacionamento de longo prazo e levava o participante a se imaginar encontrando e sendo correspondido por uma pessoa atraente que estuda na mesma universidade, que é vista frequentemente e termina com beijos. Na versão controle o texto descrevia uma situação neutra quanto à busca de parceiros em que o participante era levado a se imaginar com um amigo do mesmo sexo procurando os ingressos de um show que iriam à noite e depois de muito procurar eles encontram e assistem ao show. A análise mostrou que tanto os homens que leram as histórias de curto prazo quanto os que leram as de longo prazo apresentaram maiores índices de criatividade na segunda história. Para as mulheres não houve diferença entre as controle, curto prazo e longo prazo.

Estudo número 3

No terceiro estudo o procedimento das três versões de histórias se manteve, mas visando evitar vieses das diferenças entre homens e mulheres quanto à necessidade de comprometimento amoroso no relacionamento de longo prazo, o texto da história de longo prazo foi completado. Acrescentaram uma frase indicando que a pessoa já se mostrou comprometida para a relação séria anterior, que os seus amigos e os amigos da pessoa aprovam a relação e termina com beijos de reatamento do casal.
Os autores usaram antes e depois das histórias uma medida objetiva da criatividade, o teste RAT (Remote Associates Test), que avalia a capacidade e a facilidade dos indivíduos em fazer associações apropriadas entre palavras relacionadas. A análise mostrou que, assim como com as histórias criativas, o teste RAT foi influenciado pelo contexto de curto prazo apenas para os homens. Já no contexto de longo prazo comprometido, homens e mulheres apresentaram igualmente melhores resultados de criatividade do que o controle. Isso mostra que homens e mulheres têm capacidades de aumento nas capacidades criativas quando expostos a contextos amorosos, mesmo as mulheres sendo muito mais exigentes quanto às condições necessárias para sua melhora.
Estudo número 4 

No último dos quatro estudos, o teste objetivo de criatividade RAT foi usado e o procedimento de história continha: a de curto prazo, a controle, e um terceiro grupo que receberia uma proposta de incentivo econômico para ser mais criativo. Aqueles que, tentando ao máximo ser mais criativo, estivessem entre os 30% melhores ganhariam 60 dólares. A análise mostrou que, assim como os outros estudos, os homens expostos ao contexto de busca de parceiros de curto prazo se mostraram mais criativos do que o grupo controle. E se mostraram mais criativos também do que os que receberiam o incentivo monetário e se esforçaram para ficarem criativos. Não houve diferenças para as mulheres das condições controle, curto prazo e incentivo monetário.
Os quatro experimentos exploraram os efeitos das motivações românticas na exibição de criatividade. Mesmo sem incentivos específicos, motivações românticas aumentaram a criatividade dos indivíduos segundo indicadores subjetivos e objetivos. Esse aumento não está relacionado com um maior empenho nas tarefas, como mais palavras escritas ou mais tempo elaborando a história, nem com mudanças de humor e não foi alcançado pelo incentivo monetário para ser mais criativo.
Conclusões interessantes
Para os homens, as pistas contextuais voltadas para relacionamentos de curto e de longo prazo aumentaram as exibições de criatividade. O que mostra que as exigências sobre a qualidade da parceira requeridas pelos homens para ativar exibições de criatividade são baixas. Isso porque eles não têm muito a perder em ambos os tipos de relacionamento, já que não foram eles que carregaram os custos fisiológicos de gestações desejadas e indesejadas durante todo o período no ambiente ancestral. Para as mulheres, apenas as pistas contextuais voltadas para relacionamentos de longo prazo comprometidos aumentaram as exibições de criatividade. Isso indica que as exigências sobre a qualidade do parceiro requeridas pelas mulheres para sua exibição criativa são mais elevadas. Isso porque o comprometimento por parte dos homens garantia a união do casal necessária para o cuidado bi-parental da prole no ambiente ancestral.
As Musas
É possível supor que exibições criativas evoluíram em parte por seu benefício na conquista amorosa pela seleção sexual, então poderemos finalmente ter uma explicação evolutiva para o antigo e muito difundido fenômeno das musas inspiradoras. O Guinness Book lista o pintor Pablo Picasso como o artista mais produtivo da história, com admiráveis 147.800 obras de arte. 

A carreira de Picasso é marcada por uma série de períodos artísticos de profunda inspiração criativa – a fase azul, rosa, cubista, surrealista – nas quais sua pintura revelava transformações visuais extravagantes. Porém um olhar mais atento para seus períodos gerativos mostra uma constante intrigante: cada nova época criativa floresce com pinturas de uma nova mulher, uma musa. Essa história artística não é exclusiva de Picasso: Salvador Dali, Friedrich Nietzsche e Dante dentre outros que também tiveram musas inspiradoras influenciando suas criações.
A noção enigmática de musa tem raízes na mitologia grega em que nove deusas musas atravessavam a Terra agitando os espíritos criativos de mortais artistas e pensadores. Segundos historiadores, todas as musas compartilham um fator comum intrigante e inexplicável: musas tanto reais da história quanto da mitologia são universalmente mulheres. Pense em quantas músicas existem com nomes de mulheres: Michele, Ana Júlia, Janaina, Maria Maria, Carolina, Ive Brussel, Bebete, Madalena, Dinorah Dinorah, Iracema, Aurora, Amélia, Bete Balanço dentre muitas outras.

Agora podemos explicar isso. As musas não são todas mulheres porque a figura masculina não é capazes de inspirar pessoas, nem porque os homens são mais criativos do que mulheres. Mas sim porque, como o estudo demonstrou, os homens têm seu potencial criativo disparado por mais contextos amorosos: imagens do sexo oposto, relacionamentos de curto prazo, longo prazo, e longo prazo comprometido. Enquanto as mulheres, que são tão criativas quanto os homens, têm seu potencial criativo disparado apenas quanto o companheiro demonstra comprometimento.

Um exemplo do efeito equivalente aos das musas para as mulheres e que também está de acordo com os resultados femininos do estudo vem de Elizabeth Barrett Browning, uma poetisa vitoriana renomada. Aos vinte anos, enquanto se encontrava com uma produção artística mediana, ela recebeu uma carta de um fã apaixonado, Robert Browning, que lhe declarou seu amor. Elizabeth não se convenceu das intenções de seu fã por pelo menos um ano inteiro quando, muitas cartas de Robert depois, eles concordaram em iniciar a sério seu relacionamento. E foi precisamente durante esse período do relacionamento quando Elizabeth inspirou-se a escrever Sonnets from the Portuguese, que se tornou sua obra criativa mais importante e mais aclamada criticamente.

Criatividade como indicador de aptidão
Tudo bem, a criatividade tem muita importância na seleção de parceiros amorosos, mas por que essa característica mental humana seria valorizada? O que ela têm de especial? Será que a criatividade indica alguma coisa relevante para a seleção sexual? É bem possível que sim. A criatividade pode tanto indicar confiavelmente algo sobre a pessoa criativa quanto ela pode explorar as propensões cognitivas preexistentes nos espectadores superestimulando-as no cortejo amoroso. Uma propensão cognitiva que temos é a neofilia, a atração pelo novo, ela está entranhada no cérebro dos animais. Os cérebros são naturalmente voltados para previsões. As mentes operam um modelo interno do que de biologicamente relevante está acontecendo no mundo e prestam atenção quando o mundo desvia-se do esperado. O poder de atração da atenção, da novidade, é uma das inclinações psicológicas mais fundamentais que poderiam ter influenciado a evolução das exibições de cortejo. No livro A Origem do Homem e a Seleção Sexual de 1971, Charles Darwin escreveu: “Pareceria até que a mera novidade, ou a mudança pela mudança em si mesma, às vezes tem agido como um encanto sobre as fêmeas de pássaros, do mesmo modo que as mudanças na moda nos afetam.”


Anti-tédio

Nas sociedades humanas modernas, a neofilia é a fundação de muitas manifestações como a pintura, música, televisão (programas e comerciais), filmes, mídia, imprensa, drogas, viagens, pornigrafia, moda, rádio e industrias de pesquisa, que respondem por uma proporção substancial da economia global. Antes dessas indústrias do entretenimento começar a nos divertir, precisávamos divertir uns aos outros na savana africana ancestral. Nessa visão, a criatividade evoluiu pela seleção sexual como um dispositivo anti-tédio. Os parceiros sexuais entediados depois de alguns dias ou semanas podem não ter estabelecido relacionamentos mais duradouros abrindo mão de vantagens reprodutivas. Cérebros menos criativos que ofereciam menos novidades contínuas, sendo menos interessantes como parceiros sexuais, amantes, amigos e companheiros, não tinham o suporte necessário para deixar muitos filhos.

As formas atraentes de novidade tendem a basear-se em um truque unicamente humano: a recombinação criativa de elementos simbólicos aprendidos, como palavras, gestos, movimentos, símbolos visuais, para a produção de arranjos novos com novos significados emergentes, como em histórias, melodias, poesias, danças, piadas e pinturas. Este truque permite que as exibições de cortejo humanas não apenas provoquem os sentidos e a atenção de potenciais parceiros amorosos, mas criem novas idéias e emoções nas mentes de todas as pessoas independentes de intenções sexuais e de paquera explícita. Como podemos ver, essas exibições sociais não precisam ser sexuais como a pôrno-chanchada para ser produto de seleção sexual. Se um filme de terror entreter, causar fascínio e admiração nas pessoas de modo que seu criador tenha um melhor status e uma maior apreciação social, inevitavelmente suas chances de reproduzir vão aumentar.
Sabemos então como nossas propensões neofílicas podem ter sido exploradas pela seleção sexual da criatividade. Agora precisamos saber se a criatividade em si indica alguma característica evolutivamente desejável no parceiro. Como a maioria dos mamíferos começa a vida sendo graciosos, brincalhões e inovadores, e gradualmente tornam-se sérios, pragmáticos e levados pelo hábito, comportamentos brincalhões e criativos na pós-puberdade podem ser indicadores de juventude, saúde e fertilidade. E como existe uma correlação positiva moderada entre a criatividade e a inteligência, de modo que a alta inteligência parece ser uma condição necessária, mas não suficiente para a alta criatividade, é possível que a criatividade seja um bom indicador de inteligência geral também.
Juventude, saúde, fertilidade, humor e inteligência são características influenciadas pela interação entre muitos genes e muito sensíveis ao ambiente de desenvolvimento, portanto elas são mais vulneráveis a mutações e a efeitos ambientais deletérios o que as torna bons indicadores de qualidade genética, de bons genes. Se a criatividade for um indicador de bons genes então ela deveria estar mais relacionada a relacionamentos de curto prazo do que de longo prazo. Essa questão foi pesquisada em 2006 num trabalho de Haselton e Miller. Eles também avaliaram se a preferência pela criatividade masculina por parte das mulheres variava conforme as mudanças na fertilidade ao longo das fases do ciclo menstrual.

A segunda pesquisa

Haselton e Miller amostraram 41 mulheres que não tomavam contraceptivos hormonais e tinham o ciclo menstrual regular. As participantes liam pequenas descrições de homens muito criativos e pobres e de homens pouco criativos e ricos além de dar informações sobre a data da última menstruação, que possibilitou calcular nível de fertilidade da participante no dia da pesquisa. As análises mostraram a existência de uma correlação positiva entre fertilidade e a preferência por homens criativos e pobres apenas quando as mulheres respondiam pensando em relacionamentos de curto prazo. E para relacionamentos de longo prazo não houve relação entre preferência por criatividade e fase do ciclo menstrual. A estimativa da fertilidade feminina previu sua preferência para o curto prazo tanto na sua preferência por cada tipo de homem, quanto na escolha forçada entre o criativo e pobre e o pouco criativo e rico.
Amplos horizontes
Esses resultados sugerem que a inteligência criativa masculina seja um indicador de aptidão referente a bons genes e que ela evoluiu em parte pela seleção sexual, com as mulheres preferindo homens mais criativos para relacionamentos de curto prazo. O trabalho sobre a preferência pela criatividade em relacionamentos de curto prazo no período fértil e o trabalho anterior sobre a maior exibição da criatividade em contextos relacionados com a busca de parceiros dão uma boa noção de quanto é promissor o estudo de características psicológicas imersas na criatividade pela ótica da seleção sexual. Muitos estudos sobre música, dança, poesia, pintura, escultura, teatro, malabarismos, humor e narração de histórias dentre outros ainda estão por vir. Isso irá aproximar as pessoas das áreas de comunicação e artes de psicólogos e biólogos. E além de mais pesquisadores nessa área, a Psicologia Evolucionista vai precisar de muita criatividade para desenvolver desenhos experimentais como esses capazes de testar hipóteses evolucionistas de seleção sexual.
Dicas de leituras
Darwin, C. R. (1871/2004). A origem do homem e a seleção sexual. Belo Horizonte: Itatiaia.
Griskevicius, V.; Cialdini, R. B. & Kenrick, D. (2006). Peacocks, Picasso, and parental investment: The effects of romantic motives on creativity. Journal of Personality and Social Psychology, 91(1), 63 – 76.
Haselton, M. G. & Miller, G. F. (2006). Women’s fertility across the cycle increases the short-term attractiveness of creative intelligence. Human Nature, 17(1), 50 – 73.
Miller, G. F. (2001). A mente seletiva. Rio de Janeiro: Campus.

MARCO EVOLUTIVO no programa Web Divã

Sexta passada, dia 07 de dezembro foi o dia da minha entrevista concedida ao programa Web Divã da rede de televisão pela internet Alltv.

A entrevista foi bem interessante, muito diversa quanto aos assuntos abordados e bem descontraida. O foco principal foi o texto sobre desejo por variedade sexual que eu escrevi para a revista PSIQUE Ciência & Vida, ano II nº 18. Tendo a conversa girado em torno da evolução da diferenças sexuais nas estratégias de acasalamento humanas. Além disso, esse blog foi citado, mostrado e elogiado durante o programa, o que mostra uma valorização da divulgação científica.

Gostei de ser entrevistado e graças à Isabella tenho gravado dois blocos da conversa que vou editar e disponibilizar aqui o mais breve possível para aqueles que perderam o programa ao vivo. Por enquanto apenas a apresentação está do tamanho permitido do blog.

Gostaria de agradecer à Renata Antonelli e à sua produtora Maria Helena pelo convite e pela simpatia. E um super agradecimento muito especial pra Isabella Bertelli pela força, carinho e pelas filmagens.

Assista ao programa ao vivo na Alltv sobre Desejo por Variedade Sexual

Caros leitores é com satisfação que comunico que participerei sexta feira dia 07/12 às 20h ao vivo do programa WEB DIVÃ da TV pela internet Alltv – www.alltv.com.br/.

A AllTV é empresa pioneira de TV da Internet, ganhadora do Prêmio Esso de Jornalismo, como o melhor site de notícias (2005), do Prêmio da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), pela convergência de mídias (2002/2006) e Top Comm Award, no segmento IPTV, pelos Mistérios de Comunicações e de Ciência e Tecnologia (2006).

“Web Divã” vai ao ar das 20 h às 21 horas, todas as sexta-feiras. O programa, apresentado pela psicóloga Renata Antonelli, aborda em psicologia todos os temas ligados a nossa subjetividade. O programa conta com a possibilidade interetiva de um chat ao vivo que permite que a conversa seja expandida às curiosidade dos que estiverem assitindo.

Renata Antonelli leu o texto original do “Multiplos parceiros – Desejo por variedade sexual” na revista PSIQUE, se interessou pelo tema e me convidou.

Será minha primeira participação nesse tipo de mídia buscando divulgar um pouco os estudos em Psicologia Evolucionista, mais especificamente os ligados à Seleção Sexual. Conto com sua participação.

Abraços

Marco Varella

Desejos por Variedade Sexual

A evolução diferenciada entre homens e mulheres

Idealmente, quantos parceiros sexuais você gostaria de ter no próximo mês? E daqui a cinco anos? Quantos parceiros você gostaria de ter daqui a 30 anos? E durante toda sua vida? Não é novidade que o desejo por variedade sexual, assim como o próprio desejo por sexo, está presente em maior ou menor grau na mente dos seres humanos. A novidade é que essas perguntas, quando feitas a 16 mil pessoas de 52 nações diferentes, podem ajudar a esclarecer as bases evolutivas do comportamento sexual. O desejo por variedade sexual é uma característica mental chave para testar diferentes teorias evolutivas sobre o acasalamento humano.
As diferentes abordagens evolucionistas divergem quanto à dimensão temporal típica dos relacionamentos amorosos. Existem teorias que dizem que nós somos naturalmente inclinados apenas para relacionamentos monogâmicos de longo prazo e que a promiscuidade é patológica, oriunda do ambiente moderno antinatural. Outras dizem que somos naturalmente inclinados apenas para relacionamentos promíscuos de curto prazo, dada nossa tamanha semelhança genética com os chimpanzés. A visão intermediária é a de que nós possuímos um repertório natural mais pluralista, que inclui relacionamentos tanto de longo quanto de curto prazos.
A questão é que, ao contrário das teorias pluralistas, as que admitem inclinações biológicas apenas para relacionamentos curtos ou longos não prevêem diferenças específicas entre homens e mulheres. As teorias pluralistas argumentam que ambos os sexos têm o mesmo repertório temporal flexível de estratégias sexuais. Homens e mulheres possuem adaptações mentais voltadas tanto para a adoção de estratégias de curto prazo em algumas ocasiões, quanto para adoção de estratégias de longo prazo em outras. Essa flexibilidade teria dado aos nossos ancestrais importantes benefícios reprodutivos por permitir que eles respondessem adaptativamente a uma grande variedade de contextos familiares, culturais e ecológicos. Entretanto, é previsto que homens e mulheres tenham inclinações e desejos diferentes para cada nível de relacionamento.
Amor e sexo
Segundo a Teoria das Estratégias Sexuais de David Buss e David Schmitt (1993), para relacionamentos de longo prazo – caracterizados por extenso flerte, elevado investimento, presença de amor, mútuo comprometimento e a dedicação de recursos ao relacionamento e aos possíveis filhos por um longo período – é esperado que as mulheres dêem mais importância do que os homens ao status, maturidade, recursos e ao comprometimento do parceiro a ela e aos filhos. Enquanto é previsto que homens valorizem mais do que mulheres pistas de valor reprodutivo (idade e aparência física) e fidelidade sexual.
Entretanto, para relacionamentos de longo prazo, ambos os sexos são bastante seletivos e valorizam igualmente várias qualidades internas como “doce e compreensível” e “inteligência”. Muitas das diferenças no critério de homens e mulheres são geradas por adaptações mentais especializadas em resolver diferentes problemas adaptativos que cada sexo enfrentou ao longo de nossa história evolutiva. Os problemas femininos eram mais relacionados ao caráter e à possibilidade de recursos para seus filhos e os problemas masculinos eram mais relacionados à certeza de fertilidade e da paternidade.
Por outro lado, para relacionamentos de curto prazo – caracterizado por curto flerte, baixo investimento e ausência de comprometimento e sentimentos amorosos – é previsto que as mulheres valorizem seletivamente mais do que homens qualidades genéticas (como beleza e simetria) e possibilidades de obtenção imediata de recursos. Já para os homens, é esperado que sejam bem menos seletivos do que mulheres e valorizem mais a variedade sexual. Biologicamente, as mulheres carregam todo o custo da gestação e lactação. Como a falta de comprometimento desse nível de relacionamento as deixa sozinhas com todo o custo da gravidez, houve uma pressão favorecendo aquelas bem seletivas quanto à obtenção imediata de vantagens materiais e/ou genéticas. Ao passo que os homens só precisavam achar um grande número de parceiras sexuais para ter vantagens evolutivas.

Fisiologicamente, mesmo se uma mulher fizer sexo com 100 homens em um ano, ela poderá ter apenas uma gestação nesse período. Enquanto que se um homem fizer sexo com 100 mulheres ele terá a possibilidade de ter 100 descendentes no mesmo período. Essa diferença gerou pressões evolutivas diferenciadas para esse nível de relacionamento nas mentes de homens e mulheres do ambiente ancestral. Mulheres que valorizavam a qualidade em detrimento da quantidade eram selecionadas e homens que valorizavam a quantidade em detrimento da qualidade eram selecionados. Então, em média, é esperado que um forte desejo por variedade sexual seja característico de uma adaptação mental masculina.
Mal-entendido sobre adaptação
Essa forte pressão seletiva atuando ao longo de nossa história evolutiva caçador-coletora deixou marcas nas mentes masculinas atuais na forma de desejos e preferências ideais favoráveis à variedade sexual. Isso não implica que os homens desejem maior variedade sexual porque inconscientemente querem ter mais filhos, eles simplesmente acham a idéia de muitas parceiras mais atraente e prazerosa. Para uma característica ser selecionada, não é necessário que a evolução favoreça um conhecimento consciente ou inconsciente sobre a lógica dos processos evolutivos que geraram a adaptação. Basta que a característica seja prazerosa e recompensadora ao indivíduo. Por isso, o desejo sexual não é uma estratégia das pessoas para ter filhos e propagar seus genes, mas sim uma estratégia pessoal para alcançar os prazeres do sexo. E os prazeres e desejos sexuais conscientes e inconscientes são as estratégias dos genes para propagarem-se via filhos.

Estudo inicial
Em 2001, com uma amostra de mais de mil pessoas, David Schmitt e colaboradores encontraram diferenças significativas entre homens e mulheres para todas as magnitudes de tempo. Estudantes universitários masculinos desejaram em média 1,3 parceiras para um mês, 2,8 para um ano, 7 para cinco anos, 9,1 para dez anos, 12,4 para 30 anos e 14,2 para a vida toda. Já as universitárias desejaram em média um parceiro para um mês, 1,6 para um ano, 3 para cinco anos, 3,6 para dez anos, 3,8 para 30 anos e 4 para a vida toda. Eles obtiveram as mesmas diferenças para todas as unidades de tempo até investigando uma população mais madura (em média, 40 anos). Os homens desejaram 2,1 parceiras para um mês, 31 pra cinco anos e 74 para a vida toda, enquanto as mulheres desejaram 1,2 para um mês, 1,7 para cinco anos e 1,8 para a vida toda.
Schmitt e colaboradores cercaram melhor as causas dessa diferença controlando possíveis influências da metodologia do auto-relato e de indicadores de baixa saúde mental. Quando pediram a outra amostra de pessoas que respondesse sobre quantos parceiros sexuais a pessoa típica do sexo oposto desejaria para cada medida de tempo, eles também encontraram as mesmas diferenças. Mulheres disseram que o homem típico desejaria duas parceiras para um mês, 17,6 pra cinco anos e 27,7 para a vida toda, enquanto os homens disseram que a mulher típica desejaria 1,8 para um mês, 14,3 para cinco anos e 25,3 para a vida toda. Eles também obtiveram que o desejo por variedade sexual não está relacionado à baixa auto-estima, instabilidade emocional, baixa abertura a novas experiências, entre outros. Pelo contrário, o desejo por variedade sexual relacionou-se a características indicativas de saúde mental em homens, como elevada auto-estima. Entretanto, ainda não se sabia se esses resultados estavam restritos apenas aos americanos ou se eram extrapoláveis interculturalmente.
Estudo intercultural
Em 2003, iniciou-se o Projeto Internacional de Descrição da Sexualidade um inédito empenho colaborativo intercultural entre 119 cientistas comportamentais, sociais e biológicos, do qual o Brasil participou. Ele abrangeu 16.288 pessoas, em sua maioria universitários, de seis continentes, 13 ilhas, 52 nações e 27 línguas, incluindo a América do Sul e do Norte, Sul da Europa, Leste e Oeste Europeu, Oriente Médio, África, Oceania, Leste Asiático e Sul/Sudeste Asiático.
Pela primeira vez na história obteve-se que, interculturalmente, homens desejam maior variedade sexual do que mulheres. Os homens desejaram em média 1,87 parceiras pra um mês, 3,36 para um ano, 5,64 para cinco anos, 5,95 para dez anos e 6,62 para 30 anos; enquanto as mulheres desejaram, em média, 0,78 parceiros para um mês, 1,18 para um ano, 1,95 para cinco anos, 2,17 para dez anos e 2,47 para 30 anos.
O resultado se manteve independente do status de relacionamento. A porcentagem de homens desejando mais de uma parceira sexual para o próximo mês que são casados foi de 12,8% contra 3,5% das casadas, a porcentagem dos homens que moram junto e desejam mais de uma parceira foi de 18,2% contra 2,4% das mulheres, a dos que estão saindo com alguém exclusivamente e desejam mais de uma parceira sexual para o próximo mês foi de 19% contra 2,7% das mulheres e a porcentagem dos que estão solteiros foi de 28,6% contra 6,2%. Isso significa que, apesar do comprometimento em relação amorosa diminuir o desejo por variedade sexual em relação aos solteiros, a relação amorosa não foi capaz de igualar os desejos masculinos aos femininos.
Além disso, o resultado se manteve também independente da orientação sexual e do quanto a pessoa busca, ativamente, relacionamentos de curto prazo. A porcentagem de homens heterossexuais desejando mais de uma parceira para o próximo mês foi de 25% contra 4,4% das mulheres, a porcentagem de homens homossexuais desejando mais de um parceiro sexual foi de 29,1% contra 5,5 % de mulheres homossexuais, e a porcentagem de bissexuais masculinos foi de 30,1% contra 15,6% dos femininos. Similarmente, a porcentagem dos homens desejando mais de uma parceira para o próximo mês que estão fortemente procurando relacionamentos de curto prazo foi de 53,5% contra 18,7% das mulheres, e a porcentagem dos homens que não estão buscando o curto prazo foi de 10,5% contra 2% das mulheres.
Apesar da diferença entre homens e mulheres existir para todas as nações, as localidades geográficas em que os homens desejam mais variedade sexual não são exatamente as mesmas em que as mulheres desejam maior variedade sexual. As três regiões que tiveram as maiores porcentagem de homens desejando mais de uma parceira sexual para o próximo mês, em ordem crescente foram: o Sul/Sudeste Asiático, o Oriente Médio e a América do Sul com 35% dos homens, representada por Argentina, Bolívia, Brasil, Chile e Peru. Já as três regiões que tiveram as maiores porcentagens de mulheres desejando mais de um parceiro para o próximo mês, foram: o Sul da Europa, seguido por América do Sul e em primeiro o Sul/Sudeste Asiático com 6,4% das mulheres, representado por Indonésia, Malásia e Filipinas. Isso indica que contextos familiares, culturais e ecológicos relevantes para o ajuste feminino no desejo por variedade sexual não são exatamente os mesmos relevantes para o ajuste masculino.
Inclinação universal
Esses dois estudos indicam que o maior desejo masculino por variedade sexual é universal e existe independente da idade da amostra, do modo de coleta de dados, de sinais de baixa saúde mental, do status de relacionamento, da orientação sexual e do buscar ativamente relacionamentos curtos, como previsto pela Teoria das Estratégias Sexuais. Essa conclusão em apoio às teorias pluralistas deixa as teorias que admitem inclinações naturais apenas para relacionamentos curtos ou longos em pior situação. É muito mais provável que o repertório em estratégias de acasalamento humano seja flexível e igualmente presente em ambos os sexos, porém, diferentemente esculpido por pressões seletivas distintas para cada o sexo.
Saúde Pública
Implicações práticas dessa conclusão recaem sobre a saúde pública. Dado que um potente fator de risco para se contrair AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis é ter múltiplos parceiros sexuais, estratégias mais efetivas de prevenção podem ser alcançadas considerando a diferença entre homens e mulheres no desejo por múltiplos parceiros. Negar que essa diferença exista pode minar os progressos tanto na investigação das circunstâncias em que o desejo por variedade sexual se traduz em comportamentos de risco, quanto no desenvolvimento de intervenções sexo-específicas, que reduzam mais efetivamente as conseqüências negativas do desejo por variedade sexual em cada sexo.
Adaptação mental não é desculpa
Está mais do que claro que os mesmos processos naturais que moldaram outras espécies também se aplicam ao ser humano. E que a Teoria da Evolução pode prever tanto adaptações anatômicas, como os diferentes modelos de nossos dentes incisivos e molares, quanto adaptações psicológicas, como o diferente design mental do desejo por variedade sexual. O que não implica em pessoas escravas das adaptações, pois a própria seleção por flexibilidade de repertório favorece um controle consciente dos impulsos naturais. Portanto, o discurso de que o desejo por múltiplos parceiros é natural não é justificativa para qualquer ato individual, por não isentar a culpabilidade daqueles que, ao satisfazerem seus desejos, expõem conscientemente parceiros a danos à saúde pelo sexo desprotegido e à confiança pelas traições.
Adaptado de minha publicação original na revista PSIQUE Ciência & Vida, ano II nº 18.
Referências

BUSS, D. M. Sexual Strategies Theory: Historical Origins and Current Status. The Jounal of Sex Reseach, 1998, v. 35, nº 1, p. 19-31.
BUSS D. M.; SCHMITT; D. P. Sexual strategies theory: an evolutionary perspective on human mating. Psychological Review, 1993, v. 100, p. 204-232.
SCHMITT, D. P. et al. Universal Sex Differences in the Desire for Sexual Variety: Tests From 52 Nations, 6 Continents, and 13 islands. Jounal of Personality and Social Psychology, 2003, v.85, nº. 1, p. 85-104.
SCHMITT, D. P; SHACKELFORD, T. K.; DUNTLEY, J.; TOOKE, W; BUSS, D. M. The desire for sexual variety as a key to understanding basic human mating strategies. Personal Relationships, 2001, v.8, p. 425-455.

Evolutivamente Sexo Casual

Por Marco A. C. Varella e José H. B. P. Ferreira

José H. B. P. Ferreira é Biólogo Licenciado, Bacharel em Psicologia Experimental e mestrando em Psicologia Experimental no Instituto de Psicologia da USP.

Sexo casual, ou seja, o sexo sem envolvimento afetivo, tradicionalmente alvo das ciências humanas, recentemente passou a ser estudado com o enfoque evolutivo, pois dada a sua relevância direta na reprodução, espera-se que as características psicológicas envolvidas tenham sofrido pressões seletivas substanciais ao longo da evolução humana.

 

Nos seus famosos estudos sobre sexualidade da década de 50, Alfred Kinsey e colegas encontraram muitos praticantes, e grande variação individual quanto às motivações frente ao sexo casual. Eles nomearam essas motivações de “orientação sócio-sexual” ou “sócio-sexualidade”. Essa idéia ficou esquecida na Psicologia até que, nos anos 90, Simpson e Gangestad conceitualizaram a sócio-sexualidade como uma única dimensão contínua da personalidade com os pólos caracterizados como irrestritos e restritos.

 

Irrestritos são pessoas com atitudes, comportamentos, fantasias e opiniões mais permissivas do que a média populacional quanto ao sexo sem compromisso, já os restritos necessitam mais do que a média populacional de envolvimento afetivo e amoroso prévio ao ato sexual. No popular, irrestritos separam mais sexo de amor do que restritos.

 

Segundo a Teoria Evolucionista da História de Vida de Roff e Stearns (1992), os seres humanos enfrentaram um grande dilema evolutivo quanto à reprodução. Ou se alocava a maioria dos esforços (energia, tempo, recursos), que são finitos, em procurar o maior número possível de parceiros – conquistá-los e fazer sexo -, ou se investia mais em manter um parceiro, fazer amor, assegurar fidelidade e investir nos filhos.

 

A sócio-sexualidade descreve justamente a variação individual nas disposições, facilidades e propensões para solucionar esse dilema, demonstrando que cada indivíduo possui e pode utilizar toda uma gama de estratégias reprodutivas dependendo da oportunidade e das circunstâncias situacionais. Segundo a Teoria das Estratégias Sexuais (1993), a solução voltada para a conquista é a estratégia reprodutiva de curto prazo, e a voltada a assegurar um parceiro e investir nos filhos é a estratégia reprodutiva de longo prazo.

A primeira fonte de variação individual na sócio-sexualidade é a diferença entre homens e mulheres. Segundo a Teoria do Investimento Parental de Trivers (1972), o sexo que, fisiologicamente, tiver mais energia, tempo e recursos voltados para investir na prole terá sua solução do dilema reprodutivo mais voltado para a estratégia de longo prazo. Então, já que as mulheres a priori têm o alto custo com gametas maiores, gestação e lactação, elas serão, em média, mais restritas do que homens.

 

Outra fonte de variação individual é a variação genética, apontada em um estudo com 4.901 gêmeos australianos. Eles demonstraram maior igualdade na escolha da estratégia sócio-sexual, nos homozigóticos do que nos dizigóticos de mesmo sexo e de sexo diferente, controlando os que foram criados juntos e separados. Outra fonte de variação são os níveis de masculinização; argumenta-se que a variação na orientação sócio-sexual seja um subproduto do nível de andrógenos pré-natais, e que as pessoas mais masculinas (expostas a um maior nível de andrógenos), seriam mais irrestritas. E outra fonte é a do estilo de apego amoroso, onde o mediador da sócio-sexualidade seria o contexto de criação na infância, em que o estilo de apego inseguro à mãe levaria a uma pessoa ser irrestrita.

 

Em abril de 2005, publicou-se o maior estudo já feito sobre sócio-sexualidade. Ao todo, foram entrevistadas 14.059 pessoas, em seis continentes, dez ilhas, 26 línguas e 48 nações, inclusive no Brasil. As principais conclusões foram:

 

1- A variação na sócio-sexualidade entre as culturas parece ser adaptativamente ajustada a pelo menos dois aspectos da ecologia local, proporção homem/mulher e as condições para criação dos filhos: culturas com menos mulheres são mais restritas, e culturas com menos homens são mais irrestritas, pois o poder de escolha é do sexo mais raro; culturas com ambientes mais desfavoráveis reprodutivamente (altas taxas de mortalidade e desnutrição infantil) demandam um maior cuidado biparental, logo, são mais restritas.

 

2- A diferença prevista entre os sexos existe e é universal, em todo o mundo homens são em média mais voltados para o sexo casual do que mulheres.

 

3- Essa diferença entre os sexos foi maior nas culturas em que o ambiente reprodutivo era mais exigente, mas foi reduzida a níveis moderados nas culturas com mais igualdade política e econômica entre os sexos.

 

A abordagem evolutiva sobre a sexualidade humana tem vantagens por ter grande abrangência, constatação empírica inter-cultural, parcimônia e habilidade de gerar novas predições. A sócio-sexualidade é cada vez mais estudada e debatida, e está em franca ampliação teórica. Abordar o sexo casual em suas bases genéticas, filogenéticas e adaptativas, só traz explicações sobre o como as coisas “são”, não sobre como “devem ser”. O fato de homens serem mais propensos não diminui a culpa de nenhum homem que trai sua mulher, pois essas propensões não implicam em um fatalismo incontrolável. Assim, o objetivo dos cientistas é entender melhor nossa espécie e não dar diretrizes morais de conduta.

Adaptado da nossa publicação original na revista PSIQUE Ciência & Vida, ano I nº 9

Referências bibliográficas:

 

BAILEY, J. M., DUNNE, M. P., KIRK, K. M., ZHU, G. & MARTIN N. G. Do individual Differences in Sociosexuality Represent Genetic or Environmentally Contigent Strategies? Evidence From the Australian Twin Registry. Journal of Personality and Social Psychology, 2000, v. 78, n. 3, p. 537-545.

BELSKY, J., STEINBERG, L. & DRAPER, P. Childhood experience, interpersonal development, and reproductive strategy: an evolutionary theory of socialization. Child development, 1991, v. 62, p. 647-670.

BUSS D. M. Sexual strategies theory: Historical Origins and Current Status. The Journal of Sex Research, 1998, v. 35, p. 19-31.

MIKACH, S. M. & BAILEY, J. M. What distinguishes women with unusually high numbers of sex partners? Evolution and Human Behavior, 1999, v. 20, p. 141-150.

SCHMITT, D. P. et al. Sociosexuality from Argentina to Zimbabwe: a 48-nation study of sex, culture and strategies of human mating. Behavioral and Brain Sciences, 2005, v. 28, p. 247-275.

SIMPSON, J. A. & GANGESTAD, S. W. (1991). Individual differences in sociosexuality: evidence for convergent and discriminant validity. Journal of Personality and Social Psychology, v. 60, n 6, p. 870-883.

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