“Onde eu vou usar isso na minha vida?”

Durante minha vida acadêmica eu testemunhei em várias oportunidades alguns dos meus colegas reclamando das informações que recebiam dos professores, acusados de ensinar muita coisa desnecessária.

Preciso dizer aqui que concordo com tal observação. A escola tradicionalmente nos empurra informações que são completamente inúteis no mundo real e que em nada nos ajuda no nosso cotidiano (ou “na vida real”, como eu chamo o período de tempo que ocorre fora da Academia).

Por exemplo: quantos entre vocês sabem usar estatística? Arriscaria dizer que menos de 50% sabe usar porcentagem e menos de metade é familiar com o uso de frações.

Quanto mais eu estudava logaritmo, menos e menos eu aprendia. E também nunca precisei de matrizes para colocar um teto sobre a minha cabeça.

Quem precisou aprender sobre degradação de proteína nas aulas de Biologia ou sobre ligações iônicas nas de Química para colocar comida na mesa?

Para quê perder tempo aprendendo Física se toda a nossa informação hoje em dia vem pela Internet e TV (geralmente a cabo ou via satélite)?

Antigamente ninguém estudava História e em nenhuma parte do mundo as civilizações deixavam de existir por não saberem Geografia.

Filosofia e Literatura são duas coisas inúteis também, pois como já dizia Voltaire, “o valor dos grandes homens mede-se pela importância dos seus serviços prestados à humanidade“.

Ninguém nunca precisou estudar um segundo idioma para pedir uma long neck e uma pizza ao garçom, ou um croissant com cocktail de champagne no piano bar, nem para comprar tickets num site de Internet para um show de rock em turnê do CD de top hits, ou assumir que uma madame de batom e blush usa também spray de cabelo e gosta de buquê de tulipas e se veste como drag queen de prêt-à-porter. Nem para constatar que o layout de um ateliê de fashion design num shopping é igual a um camelô laissez-faire on-line que se acha chic por ser pink e não ter toilette. Por exemplo.

Ai, que chato...

Ai, que chato…

Eu estudei até quebrar a perna do óculos e até hoje nunca usei uma catacrese ou hipérbole em minha na vida. A escola acabou e jamais usei uma metonímia. Elipse, então…

Tirei muita nota ruim e horas da minha vida e, pá!, não aprendi o que é zeugma, onomatopeia, assíndeto, eufonia.

Alguém além dos alargados alambrados acadêmicos aprendeu a lidar com aliteração?

Eu, pessoalmente, olhei com meus próprios olhos para o livro até ele ficar com medo e não sei o significado de pleonasmo, perissologia, batologia ou prosopopeia.

A escola tentou me ensinar o que é tautologia porque a escola serve para ensinar.

Sabe-se lá o que significa ênclise! Tê-lo-ia aprendido se não me tivesse sido apresentado ao mesmo tempo em que mesóclise e próclise.

Não é excelente como a escola, excelente instituição de formação, nos fez aprender o que é diasirmo?

E de todas as figuras de linguagem, pelo menos uma delas eu domino plenamente. A rima!

Resenha – Formação do Brasil Contemporâneo

“Salvo em alguns setores do país, ainda conservam nossas relações sociais, em particular as de classe, um acentuado cunho colonial. (…) Quem percorre o Brasil de hoje fica muitas vezes surpreendido com aspectos que se imagina existirem nos nossos dias unicamente em livros de história.”

Surpreendentemente (ou não), as palavras acima foram publicadas pela primeira vez 72 anos atrás. Caio Prado Jr. descreveu, em 1942, um Brasil que parece recém saído da situação de colônia escravista, onde o trabalho livre ainda é desorganizado, a economia interna ainda é quase inexistente e a sociedade ainda não aprendeu a lidar com a falta de escravos sociais. Isso tudo, tristemente, continua desconfortavelmente atual hoje em dia, quase duzentos anos depois do nosso “grito de independência”.

caiopradojr

Formação do Brasil Contemporâneo foi o livro que mais contribuiu para o autoconhecimento do nosso país, até então dividido em ilhas de informações com intercomunicação inadequada. Ele investiga esmiuçadamente a realidade do país desde que éramos colônia portuguesa até a entitulada formação do Brasil como nação.

A forma como ele expõe os problemas atuais (sim, a maioria continua bem fresca, mostrando como evoluímos muito pouco nos últimos dois séculos) e suas causas no passado nos ajuda a compreender o contexto para o resto do livro e nos dá os fundamentos do que ele pensa ser a melhor forma de resolver nosso ranço colonial, que serviu para nos distanciar do resto do mundo, e que nos desviou para o lado errado da evolução social.

Caio Prado Jr. deixa bem claro que fomos colonizados somente para facilitar os interesses mercantilistas, transformando o país num imenso galpão fornecedor de riquezas para os outros e que isso nos afeta até hoje (1942 para ele, 2014 para nós). Por estarmos na zona tropical, nossa sociedade foi inventada, diferente da tradicional sociedade colonial temperada, parecida o suficiente com a colonizadora a ponto de ser quase uma extensão desta. Aqui fomos diferentes desde o primeiro dia. A ocupação do interior, por exemplo, foi apenas uma necessidade num mundo sedento por monoculturas, tanto agrícolas quanto pecuárias.

Ele fala também sobre as raças no Brasil, reclamando da falta de análise sistemática que “[f]ornece por isso ainda muito poucos elementos para a explicação de fatos históricos gerais, e temos por isso de nos contentar aqui no estudo da composição étnica do Brasil, em tomar as três raças como elementos irredutíveis, considerar cada qual unicamente na sua totalidade“. Especialmente na homogeneização dos escravos, provenientes de várias culturas distintas que foram forçados a conviver sob o peso dos grilhões pelos brancos, geralmente católicos.

Outra parte interessante é quando ele discorre sobre a criação disforme da nossa sociedade, antes baseada no mercantilismo e escravidão, que precisa agora crescer, de alguma forma, num mundo onde existe liberdade social e econômica. Esse monstro que se forma dessa situação cria a nossa sociedade com imensas fendas entre os abastados, que podem ter tudo do bom e do melhor que a Europa pode oferecer, e os desafortunados, impedidos de possuir.

Isso lembra alguma coisa?

Da colonização e povoamento, passando por economia e comércio e findando em (literalmente, sendo a última parte do livro) vida social e política, uma excelente leitura; didática e intrigante. Certamente, este é um dos livros que sempre quis ler mas me faltava oportunidade.

O volume acaba com uma entrevista sobre a importância histórica de Formação do Brasil Contemporâneo com o historiador Fernando Novais, seguida por um posfácio de Bernardo Ricupero.

O livro é muito bom para nos fazer enxergar como nossa sociedade mudou muito pouco nestas últimas oito ou doze décadas e que algumas soluções que poderiam ter sido postas em prática antes ainda têm seu lugar hoje em dia.

Recomendo para aqueles que gostam de aprender de onde vieram e, tudo coninuando da mesma forma, para onde irão. Talvez marxista demais para a maioria dos gostos, mas objetivo em suas descrições.

A bibliografia me deixou um pouco nervoso. É muita coisa interessante e muito pouco tempo para ler (ou até achar) tudo.

E, como bem lembrou minha esposa, Caio Prado Jr., Darcy Ribeiro (O Povo Brasileiro – também na Companhia das Letras) e Gilberto Freyre (Casa Grande & Senzala) são os três autores indispensáveis para aqueles que querem entender melhor do Brasil. Por favor, se você gostar de um, leia-os todos.

Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Jr., relançado pela Companhia das Letras e disponível em livro eletrônico ou arbóreo.

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Resenha atrasadíssima. Mas a culpa não é minha, afinal não posso ser responsabilizado pelas coisas que a procrastinação me força a fazer. Ou não fazer, como seja.

Aguardem mais resenhas de volumes da Companhia das Letras nos próximos meses. Fizemos uma parceria.

33 curiosidades sobre o número 33

Hoje, por nenhum motivo especial, resolvi compilar uma lista de trinta e três propriedades sobre o número 33. Um número tão redondo que é capicua até em binário!

Para aquecer, e como estamos em 2014, vamos começar multiplicando este por aquele. 2014 * 33 = 66462. Notaram alguma relação interessante?

Em ASCII, simbolizando a minha surpresa no fim daquela conta, 33 equivale a uma exclamação! Como a que usei lá em cima! Uau!

Falando nisso, trinta e três fatorial, ou 33! = 8683317618811886495518194401280000000. O que por extenso se lê: oito undecilhões, seiscentos e oitenta e três decilhões, trezentos e dezessete nonilhões, seiscentos e dezoito octilhões, oitocentos e onze septilhões, oitocentos e oitenta e seis sextilhões, quatrocentos e noventa e cinco quintilhões, quinhentos e dezoito quadrilhões, cento e noventa e quatro trilhões, quatrocentos e um bilhões e duzentos e oitenta milhões. Com direito a metade de um “33” ocupando a posição dos decilhões, que é um número com 33 dígitos.

A primeira vez que uma sequência de sete zeros seguidos (como no final do número acima) aparece em pi é a partir da 3794571ª casa decimal. 3794571 é divisível por 33.

Voltando um pouco, 33 é a soma dos fatoriais dos quatro primeiros números inteiros. 1! + 2! + 3! + 4! = 33.

33 é o menor número com 9 (ou 3 vezes 3) representações da soma de 3 primos. 2 + 2 + 29 = 3 + 7 + 23 = 3 + 11 + 19 = 3 + 13 + 17 = 5 + 5 + 23 = 5 + 11 + 17 = 7 + 7 + 19 = 7 + 13 + 13 = 11 + 11 + 11.

33 é também o menor número que pode ser expresso como a soma de dois números positivos elevados à quinta potência. 1^5 + 2^5 = 33.

Agora vamos para algo mais, digamos assim, “orgânico”.

Nos círculos da engenharia de áudio, conta-se que 33Hz seria “a frequência de ressonância clitoriana”. Aparentemente (não acho que isso tenha sido calculado em condições ideais e/ou livres de álcool), existe uma faixa de peso ideal para o efeito mas dizem que uma máquina de lavar em modo centrifugação alcança tal frequência (#ficadica). Alternativamente, se você tem um subwoofer em casa (em casa! Não posso frisar isso o suficiente), eis aqui dez minutos de 33 hertz para sua apreciação.

John Cage, compositor experimental, escreveu uma música em três movimentos chamada 4’33”. A partitura recomenda ao(s) músico(s) que não toque no seu instrumento por exatamente quatro minutos e trinta e três segundos. Muita gente acha Cage louco por fazer isso, outros o acham engraçado, mas poucos se dão conta de que o verdadeiro foco de 4’33” não são os músicos, mas os espectadores que, após quase um minuto de silêncio, começam a “tocar” a música em si, uma música orgânica, improvisada e irrepetível, composta por cochichos, tosses, reclamações, rangidos de assento e, quem sabe, talvez até um vibrador na plateia.

Terceiro movimento da composição 4'33", já se aproximando do clímax.

Terceiro movimento da composição 4’33”, já se aproximando do clímax.

No mar, a pressão sobre um corpo aumenta uma atmosfera (1 atm) a cada dez metros, ou 33 pés, que o corpo afunda.

O sul africano Nuno Gomes tem o recorde do Guinness de mergulho ultraprofundo, chegando aos 318 metros. Outro mergulhador, Pascal Bernabé, contesta o recorde, dizendo que chegou aos 330 metros (ficando sob 33 atmosferas) mas ainda falta evidência confirmável disso.

Da área terrestre onde podemos andar sem molhar as canelas, 33% da superfície é formada por desertos. Tanto os frios quanto os quentes.
Alguns até se encontrando diretamente com o mar, como na Namíbia ou na Austrália.

Falando em deserto quente, o ângulo de repouso crítico da areia seca é mais ou menos 33 graus. Digo “mais ou menos” porque depende da granulosidade da areia e da definição funcional de “seca”.

A coluna vertebral humana (que sofre mais problemas de compressão por mergulhos em áreas próximas aos 33% acima) tem 33 ossos. O que me parece um pouco de trapaça, já que, dos 33, cinco são fundidos para formar o sacro. Que é um frase que deve ser dita com muito cuidado e atenção aos fonemas quando em público.

A Divina Comédia é dividida em três partes de 33 cantos cada. Não tenho muito mais a acrescentar, já que nunca consegui terminar de ler o livro. Posso dizer, pelo menos, que a página 33 da minha cópia discorre sobre o quarto círculo do inferno, onde “encontram-se os pródigos e os avarentos“, dentre eles “papas, clérigos ou cardeais, dominados pela torpe avareza“.

Em 1633, Galileu Galilei é condenado por heresia por defender que a Terra gira ao redor do Sol. Na época em que a Igreja mandava, uma condenação dessas não era besteira e ele ficou preso pelos últimos nove anos de sua vida por ter escrito uma coisa que era verdade. Ele foi julgado e condenado por causa de uma ideia. Esta arbitrariedade combinada com um poder supremo é o principal problema num estado teocrático.

Em Barcelona, na igreja da Sagrada Familia (aquela cuja construção nunca acaba) existe um quadrado mágico cuja soma é 33. Mas aí eu acho que tem algo a ver com mitos cristãos.

O filósofo William Whewell cunhou o termo “cientista” em 1833. Mesmo ano em que Ada Lovelace conheceu Charles Babbage e sua máquina diferencial. Talvez “1833” seja um número importante para a Ciência da Computação.

Magnitude absoluta é a medida do brilho instrínseco de um objeto celestial a 10 parsecs, ou, aproximadamente, 33 anos-luz. A distância daqui para Pólux, a estrela gigante mais próxima de nós.

Nesta escala, a Terra é invisível.

Nesta escala, a Terra é invisível.

A famosa nebulosa Cabeça de Cavalo, descoberta por Williamina Fleming dentro de um espaço catalogado cem anos antes por Caroline Herschel, é oficialmente (para certas definições de “oficialmente”) conhecida como Barnard 33.

33 é o número atômico do arsênico, cuja formulação homeopática não me matou (PASMEM!) e que jamais poderia ser criado pela mistura de camarões com vitamina C porque isso seria ridículo.

Em 1972, a aeromoça (denominação da época) Vesna Vulović sobreviveu a uma queda de 33 mil, 330 pés depois que o avião onde trabalhava explodiu no ar. Ou pelo menos é o que o Guinness registra (documentos recentes parecem mostrar que o avião foi abatido “por engano” enquanto voava bem mais baixo que isso – mas mesmo assim…).

Num relógio analógico, os ponteiros das horas e dos minutos formam um ângulo de 33° entre eles apenas duas vezes em minutos inteiros, às 11:54 e 12:06. Não sei se vocês sabem, mas existe uma fórmula para calcular os ângulos entre os ponteiros do relógio. Sério, existe uma fórmula matemática especificamente para isso. Quem disse que estabilidade no emprego não compensa?

Aos 33 anos:

Douglas Adams viajou pela primeira vez a Madagascar, no que seria a primeira de muitas viagens ao redor do mundo que findariam no documentário ambientalista Last Chance to See;

Charles Darwin publicou The Structure and Distribution of Coral Reefs, seu primeiro livro científico;

Arthur C. Clarke publicou Interplanetary Flight: An Introduction to Astronautics, um livro de divulgação sobre exploração espacial;

Machado de Assis publicou seu primeiro romance, Ressurreição;

Isaac Asimov publicou Second Foundation, compilado de seriados menores;

Terry Pratchett já havia publicado Strata mas ainda nenhum Discworld, e;

John Bonham já estava morto. 33 anos atrás.

PUDUM TISSSSssssss...

PUDUM TISSSSssssss…

Aniversários do 42.

Hoje[1] o 42. completa três anos marcianos! E, para melhorar ainda mais o clima, terça-feira nosso blog favorito escrito por mim no Scienceblogs completará 4 \sqrt{2} anos!

Primeira evidência física de aproximação de √2, já em preparação para este aniversário.

Primeira evidência física de aproximação de √2, já em preparação para este aniversário.

No começo deste ano, em 17 de janeiro, completamos 2e anos e, no primo seguinte, dia 19, alcançamos nosso tricentésimo-primo dia.

Dois primos mais tarde, inteiramos três anos áureos.[2]

Não é a lei, é a proporção.

Não é a lei, é a proporção.

Muitos aniversários ainda estão por vir este ano. Fiquem ligados!

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[1] Contando a partir da separação do uôleo, meu mais antigo e mais aleatório.

[2] Já sob a tutela do Scienceblogs, após o fim do Lablogatórios.

Alguém me explica que Merd, ops, Nerdologia foi esse?

Como venho me dedicando aos livros em detrimento aos podcasts, venho marcando a passagem das semanas pelas quintas-feiras. Mais especificamente pelo excelente Nerdologia, escrito e apresentado por Atila Iamarino (sim, aquele do Rainha Vermelha).

O videocast é patrocinado, via de regra, pela Nerdstore (autoexplicativo) e, vez por outra, por alguma outra empresa fora do conglomerado Jovem Nerd (do qual o Nerdologia faz parte), mas nunca deixando de ser algo relacionado ao mundo neo-nerd, como videogames, computadores, esportes de ação (hein?). Exceto este último.

O episódio mais recente me pegou de surpresa. E me pegou num lugar inesperado. E privado.

Logo no comecinho, na primeira aparição do patrocinador, surge a imagem abaixo:

Desconhecida por mim mas totalmente cromulente e inocente.

Desconhecida por mim mas totalmente cromulente e inocente.

Como a imagem aparece por menos de dois segundos na tela, li “hearing guardian” e achei que fosse algum tipo de protetor auricular. Sabe? Daquele que guard sua hearing? Pois. Não é.

No final, meio distraído (porque quando estou prestando atenção eu fecho o vídeo antes da propaganda começar), escuto uma voz diferente exclamando(sic): “Agora que você já sabe para que servem as suas células ciliadas, você pode exercitar as suas com o Hearing Guardian V1 da Biosom.”

Depois de recolher meu diploma do chão e recolocá-lo na parede, voltei para ouvir o resto. A propaganda alega que o produto Hearing Guardian V1 da empresa Biosom (sic) “é um software que ativa e movimenta as suas células ciliadas uma a uma, como se fosse um afinador de piano, deixando elas mais resistentes ao longo de sua vida”.

Eu até poderia discorrer sobre as propriedades fisiológicas dos estereocílios (o nome próprio das células que o software promete re-energizar reativar ressuscitar rejuvenescer exercitar) e fazer comparações do tipo “alegar que um programa pode exercitar as células do seu ouvido com estímulos sonoros é como tentar vender um massageador de períneo que promete deixar seus espermatozóides mais bronzeados, já que ambos prometem dar novas propriedades às celulas” ou ainda que dizer que isso vai deixar os estereocílios “mais resistentes ao longo da sua vida” é semelhante a propor que a pedra só é dura porque precisou aguentar, por anos a fio, as pancadas da água (que é mole pelo mesmo motivo, só que ao contrário).

Todavia, como sou formado apenas em engenharia de áudio, vou me ater aqui ao que vem escrito na fonte.

E sabe o que mais movimenta suas células ciliadas uma a uma? Barulho. Qualquer barulho. E isso para não falar nada sobre o fato de que elas não ficam isoladas, mas sim em feixes de várias ao mesmo tempo.

Um a um? Acho que Senhor Miyagi discordaria...

Um a um? Acho que Senhor Miyagi discordaria…

O locutor da propaganda diz, em seguida, que o software foi desenvolvido na Coréia do Sul e teve sua eficácia comprovada pelo Instituto Earlogic de Pesquisa da Coréia. Bom, a partir dessa informação impressionante de comprovação de eficácia, já posso passar para o site da empresa Biosom. Lá, me deparo com a temida seção “depoimentos” que todo pseudocientista adora, já que experiência pessoal é sempre mais importante que qualquer estudo bem feito com milhares de pessoas (agora, adivinha o que nunca tem nessas páginas? Um formulário de “escreva aqui o seu depoimento” ou algo semelhante). São oitenta depoimentos dos quais cinquenta e um (63,75%) agradecem à marca por uma melhora significativa do zumbido ou tinnitus. Mas isso só fica importante mais para a frente.

Em seguida, encontro a subseção “estudo“, onde se lê:

Vários estudos têm relatado que o condicionamento de som (ou seja, exposição prévia a sons de baixo nível) poderia proteger contra danos na capacidade auditiva causados por ruído traumático em um número de espécies de mamíferos, incluindo humanos.

Palavra-chave ali é “proteger”, correto? Como em português essa frase só existe nessa página e noutras apontando para ela (e não sei do que se trata coreano), catei em inglês até achar isto aqui:

“In addition to delaying progressive hearing loss, acoustic stimuli could also protect hearing ability against damage by traumatic noise. In particular, a method called forward sound conditioning (i.e., prior exposure to moderate levels of sound) has been shown to reduce noise-induced hearing impairment in a number of mammalian species, including humans.”

Isso eu achei no ClinicalTrials.gov, uma base de dados de estudos clínicos em humanos do Instituto Nacional de Saúde americano. Esse estudo deveria comparar a diferença de percepção entre tons puros, antes e depois da estimulação sonora. Pena que, mesmo tendo sido completado dois anos atrás, ele nunca apresentou os resultados.

Um dos links na seção “Outros estudos sobre a tecnologia” é este, igualmente sem resultados publicados.

Ambos, prepare-se para a surpresa, patrocinados pela Earlogic Korea, Inc., tendo como investigadores principais Eunyee Kwak, Ph.D. e Earlogic Auditory Research Institute, empresa que o locutor diz ter comprovado a eficácia do software. Volto já para a Earlogic, calma.

Procurando mais especificamente pelo resultado do ^estudo^ (aspas irônicas) na página da Biosom vejo que na Internet inteira (ou na parte alcançada pelo Google, pelo menos), não há uma só menção (fora, claro, o site da marca) que relacionasse “13,51 dB” com “P= 0.00049” a um estudo sobre audição. Ou sequer a qualquer outra coisa senão o próprio texto.

Me interessando bastante o “vários” em “vários estudos têm relatado que o condicionamento de som poderia proteger contra danos na capacidade auditiva causados por ruído traumático”, fui atrás. Achei um bem interessante, este sim publicado (no Journal of Neurophysiology da American Physiological Society).

O teste mostrou que o condicionamento sonoro (em ratos, seis horas diárias) realmente melhora a resposta coclear. Exceto na faixa testada acima de 12kHz. Que é o que acontece com a idade, quando os agudos começam a morrer. Como se ela tivesse sido exposta a sons, como quem passou anos ouvindo (como os ratos que passaram seis horas diárias e consecutivas durante dez dias ouvindo o equivalente ao som de um liquidificador de 600W triturando cem gramas de gelo a uma distância de noventa e cinco centímetros, mais ou menos [1]).

O estudo acima diz que é possível melhorar (simplificando, porque a explicação toda envolve termos como “permanent threshold shift” e “high pass filter” que eu aprendi quando fui alfabetizado em inglês e estou com séria indisposição agora) a eficiência coclear. Sabe o que o estudo não diz? Aliás, sequer cita? Que essa macumba sonora cura tinnitus ou zumbido ou perda de audição. Que é no que os depoimentos do site se concentram.

Se eles dizem ter sido curados de seus zumbidos e a propaganda diz que a eficácia foi comprovada pela Earlogic, vamos agora para a Coréia do Sul (a boazinha da duas) conhecer de perto a empresa.

Procurando primeiro por Eunyee Kwak, Ph.D., vejo que ela é a diretora de pesquisa da Earlogic Corporation.

Investigadora principal da Earlogic Corporation.

Investigadora principal da Earlogic Corporation.

Na página da Biosom ela é constantemente associada a outro Kwak, Sangyeop. Este, descobri, é o fundador e presidente/CEO da Earlogic Corporation (link em PDF). Segundo seu currículo, Sangyeop não publica desde 2010.

Fuçando na publicações curriculares, tem o promissor “Hearing Improvement with Customized Sound Stimulation“, supostamente publicado na American Academy of Audiology. O problema é que a academia nunca ouviu falar desse trabalho.

Aliás, somente a Eartronic e sua irmã Earlogic (digo irmã porque o currículo Kwak está no fileadmin da primeira, mostrando que ele é dono da segunda) parecem saber dessa publicação.

Do também excitante Ameliorative Effect of Customized Sound Stimulation on Sensorinerual Hearing Loss, só achei o abstract na Association for Research in Otolaryngology. As demais supostas publicações do currículo são mais específicas da prática de otologia do que da de magia negr, ops, “condicionamento sonoro antecipado”.

Aprofundando-me mais ainda naquele(a) obscuro(a) fosso(a) de desinformação que é o site da Biosom, encontro a seção “curiosidades“, onde acho o trecho a seguir:

“O software foi baseado no nosso equipamento que se chama REVE 134 (…)”

O que é esse REVE 134? O produto vendido pela Earlogic, criado por Kwak.

Aliás, as passagens “Um aparelho auditivo auxilia os deficientes auditivos amplificando os sons externos. Ele não tem a função de uma terapia fundamental para perda auditiva” da Biosom e “According to the current hearing loss management, hearing aids is used to help hearing-impaired people hear better by amplifying external sounds.It is not a fundamental therapy for hearing loss and does not cure the damaged auditory hair cell.” da Earlogic são bem, digamos assim, traduzidas.

Na parte de “Perguntas frequentes -> Dúvidas sobre os efeitos do Hearing Guardian V1 -> Há provas da eficácia do software?”, podemos ler e confirmar o que o locutor da propaganda diz, que:

“(…) estudos do Instituto Earlogic de Pesquisas da Coréia do Sul e do Grupo de Pesquisa Tecnológica Adaptive Neuromodulation GmbH (ANM) da Alemanha comprovaram que a utilização da tecnologia adequadamente pode recuperar em até 10dB a audição perdida no prazo de duas semanas, podendo assim diminuir sintomas decorrentes da perda auditiva, como zumbido e dores de cabeça.”

O produto Hearing Guardian V1, que também responde por REVE 134, foi desenvolvido pela Earlogic, aquela lá do Doutor Quack – ops, Kwak (hoje estou especialmente disléxico, que diabos!), mesma empresa (ou “Instituto”, como eles anunciam) que ^provou a eficácia^ do próprio produto em ^vários estudos^ nunca publicados.

O método descrito no ^estudo^ do site da Biosom usa um certo tom “a um nível mínimo audível” (o que nós, detentores de um diploma basicamente inútil, chamamos de “limiar de audição”). Bem diferente do som de liquidificador do estudo realmente publicado! O ^estudo^ com 17 voluntários (!) publicado no site é uma tradução do “The Effect of Sound Stimulation on Pure-tone Hearing Threshold” que o ClinicalTrials.gov diz não ter sido completado (última atualização em 7 de setembro de 2011) enquanto a Eartronic (irmã da Earlogic) publica uma versão atualizada dia 7 de janeiro de 2011 (PDF). Huuum…

E todos, todos os estudos, reais ou não, sempre dizem que o treinamento sonoro melhora a percepção de alguns tons ou ajuda a proteger contra lesões traumáticas. Nenhum deles cita zumbido/tinnitus ou restauração de audição perdida. Essas alegações só aparecem nas propagandas, subrepticiamente sempre conectada a “vários estudos” ou “teve sua eficácia comprovada” usando testes que nunca disseram coisas do tipo. E isso é propaganda enganosa, desonestidade intelectual e falência moral.

Não posso dizer que me decepcionei com o Nerdologia, visto que seu conteúdo continua sendo muito bom, além do programa ser bem produzido. O que posso afirmar é que o locutor do anúncio não pode dizer que o software teve sua eficácia comprovada. Especialmente tendo o público-alvo que tem. Mais ainda quando um deslize desses pode sujar a reputação de um cientista de verdade. Mais especificamente quando se trata de um amigo meu.

Agora durma com esse barulho.

———

[1] Segundo meu decibelímetro e minha fita métrica.

Moedas falsas de 1 Real e 50 centavos? Ou só um país vira-lata?

Na imagem abaixo, ache a moeda falsa!

Notem a terceira moeda.

Notem a terceira moeda.

Uma mensagem de alerta acerca de moedas falsas de 1 real e cinquenta centavos vem circulando desde 2002 num tipo de spam não necessariamente por email. Achar posts, imagens, tuítes, vídeos e compartilhamento de Facebook que afirmem isso não é difícil. O difícil é confirmar a veracidade das informações antes de sair por aí espalhando o que pode ser mentira.

(Né, Internet? Estou olhando para você.)

Às vezes até alguém com espírito mais empreendedor tira uma ruma de moeda fedida do bolso para uma demonstração ao vivo. Ninguém tem nada a ganhar com isso, assim como ninguém tem nada a ganhar inventando que carro quente produz benzeno. [1]

As alegações são, via de regra, as seguintes: as moedas falsas são mais leves, não brilham como as verdadeiras, não são atraídas por ímãs, os detalhes são grosseiros, a falsa é “mais oval”, o tamanho dos detalhes “são um pouco maior, pouca coisa, mas são!” e etc. Cada um tem sua teoria.

O que não significa que não estejam todos certos, visto que não existiria só um falsário fazendo moedas sempre no mesmo padrão. O problema aqui é, como muitos outros problemas na vida, ignorância dos fatos.

Mas, antes disso, outro teste rápido. Qual dessas duas joaninhas é uma aranha?

Uma dessas é uma joaninha. Foto de Kathy Keatley Garvey

Uma dessas é uma joaninha. Foto de Kathy Keatley Garvey

Se você procurar diferenças você vai achá-las. Não necessariamente porque elas existam, mas porque você está se concentrando tanto em anomalias que vai acabar achando alguma. Ou achando que achou. Isso se dá porque você está comparando apenas duas moedas e considerando que uma é necessariamente verdadeira e a outra é necessariamente falsa. Logo, qualquer risco, qualquer deformação, qualquer desgaste será interpretado como prova de diferença entre as duas, uma sendo legítima e deixando a outra como cópia barata.

“Ei, bonitinho, você me chamou de ingnorante e vai ficar por isso mesmo?”

Hum. Tá, não é todo mundo que visita a página do Banco Central quando está com tempo livre, então vou deixar aqui um link com as características relevantes.

Mais que o "jeitinho brasileiro", o vira-latismo é uma mania nacional.

Mais que o “jeitinho brasileiro”, o vira-latismo é uma mania nacional.

As moedas são diferentes e legítimas. Mas isso você não notou até alguém ter dito que uma é falsa. Então, você até passa a achar a moeda mais leve apesar de uma diferença de oitenta e quatro centésimo de um grama. Mas, sei lá, vai que você realmente é capaz de detectar uma diferença de 12% no peso entre duas moedas e é uma daquelas pessoas extraordinárias que é (como a maioria da população) acima da média. [2]

É como comparar as duas joaninhas da imagem acima (pois é, ambas são joaninhas). Se você supõe previamente que uma delas é falsa, você vai concluir que uma delas não é uma joaninha. Não porque ela realmente seja uma aranha (a da foto abaixo, ao contrário da primeira, é sim uma aranha disfarçada) ou outra espécie de inseto, mas porque você chegou a essa conclusão antes de obter dados suficiente para qualquer conclusão, positiva ou negativa.

JoaninhAranha.

JoaninhAranha.

Isso é comum em apologistas de pseudociências como auto-hemoterapia, homeopatia, florais de Bach, shiatsu, ortomolecular e demais charlatanices. Eles já começam partindo do pressuposto de que X faz mal, onde X é geralmente algo que funciona, tipo medicina ou farmacologia, mas eles não entendem como (criando um medo irracional que os faz querer atacar e xingar de “vendido” qualquer um que afirme o contrário). Os que são um pouquinho mais dispostos da cabeça (e não pegam toda informação acerca de sua religião prática exclusivamente através de um blog escrito todo em maiúsculas e negrito) até se dão ao trabalho de ler um artigo ou outro, mas já tendo certeza de que, digamos, exercício e dieta balanceada não funcionam, pois o que funciona é só sua religião prática e só pode ter uma coisa no mundo que funciona e tem que ser a sua religião prática. No artigo tem algo como “mas certas pessoas têm problema no joelho” ou “exceto naqueles com alergia a amendoim ou nozes” e, se congratulando, dizem para si mesmos “ARRÁ! EU SABIA! TODA A MEDICINA OCIDENTAL ESTÁ ERRADA!”.

No caso da joaninha ela precisa ter cor vermelho-suvinil, ter bolotas pretas por toda parte e uma cabeça de Rorschach. No caso da pseudociência ela precisa não ter nenhum efeito colateral, nenhum efeito direto detectável por qualquer instrumento que não minha própria fé e precisa ser algo que não me assuste. No caso das moedas, elas precisam “ser da cor certa, ter o formato certo e as propriedades certas”. E quem decide o que é certo é a moeda que eu “sei” que é verdadeira. Como a outra não se enquadra nas categorias arbitrárias pré-dados, ela tem que ser falsa.

E quais os dados que faltam? No caso das pseudociências, todos. No caso das moedas, isso aqui:

A partir de junho de 2002, o Banco Central coloca em circulação moedas de 50 centavos e de 1 real com pequenas modificações em suas características físicas.

Um aumento significativo no preço dos materiais utilizados na fabricação das moedas levou o Banco Central a estudar alternativas para garantir a continuidade na sua produção. A solução encontrada foi a substituição dos metais utilizados: o cuproníquel e a alpaca foram trocados, respectivamente, pelo aço inoxidável e pelo aço revestido de bronze.

Na prática, as modificações na moeda de R$0,50 – de disco prateado – e na de R$1,00 – de núcleo prateado e anel dourado – são pouco significativas. Além de apresentarem pequenas alterações de tonalidade e brilho, as novas moedas ficaram ligeiramente mais leves. Já os desenhos de ambas não sofreram nenhuma modificação.

E, saca só!, nem cuproníquel e nem alpaca (liga de cobre, níquel e zinco) são ferromagnéticos e, como tal, não são atraídos por ímãs. São também ligas mais maleáveis que aço, ficando mais propensas a riscos e pequenas deformações. E, talvez o fator que mais influencia a dicotomia falso-verdadeiro, são ligas consideravelmente mais foscas. Depois disso, qualquer estrela mais gordinha ou qualquer olheira na República ou pé-de-galinha no Barão de Rio Branco é prova de falsidade.

Só que não.

O Brasil é um país vagabundo e vira-lata, que acha que é primeiro mundo e cunha moedas de cuproníquel/alpaca mas não tem sequer condições de recolher moedas que já circulam a vinte anos no modelo errado e deixa de usar cuproníquel/alpaca depois de apenas três anos porque eles são caros demais e o custo não é compensado pelo valor irrisório da face. [3]

Mas o Brasil é um país rico! E auto-hemoterapia cura câncer! E shiatsu tem comprovação científica! E homeopatia não é só água e açúcar! E o PT é diferente do PSDB!

Ah, e nossas moedas de “cobre” e “bronze” são apenas aço-inox pintado. Cobre (matéria-prima do bronze, do cuproníquel e da alpaca) é caro. Que o digam aqueles que ganham a vida minerando cobre nos postes públicos enquanto passam displicentemente a oportunidade de recolher capôs de carros.

O risco de espalhar esse tipo de boato (sem sequer pensar em procurar por confirmação robusta) pode parecer baixo, ou até nulo, já que você provavelmente tem mais de uma moeda no bolso – talvez até algumas notas. Mas e se alguém sem muitos meios vai comprar R$1,50 de pão e o padeiro nega, alegando que o cliente está tentando repassar dinheiro falso? O mínimo que pode acontecer é o sujeito passar fome enquanto, literalmente, joga dinheiro fora e, no pior caso, pode ir preso injustamente porque você (sim, você, espalhador de boatos) saiu por aí dizendo inconsequentemente que moeda fosca é falsa, o que, no fim das contas, só serviu para jogar um pobre coitado e faminto na cadeia.

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[1] Fora notoriedade, claro. E a sensação de “sou um verdadeiro Sherlock desvendando esse caso!” que acomete boa parte da população que nunca leu uma só linha de Sir Doyle e não sabe o trabalho que o detetive tem antes de sair por aí acusando alguém de roubar um peru. Poirot – este sim desvenda mistérios sem se levantar da cadeira.

[2] Não, você não é. Especialmente considerando que o modelo mais recente é que é o mais leve.

[3] E quem vai perder tempo falsificando moedas de Real? Sério. Quem?

Dez livros que marcaram a minha vida

Com muito tempo livre e sem ter algo mais construtivo para fazer, Rafael e Ana me incluiram numa corrente de Facebook. Com ainda mais tempo livre e com menos algos construtivos a fazer, eu aceitei o convite indicação intimação praga elo (porque é uma corrente, sacou? Hã? HÃ!?). Seguem as instruções.

Consiste em fazer uma lista com os 10 livros (ficção ou não-ficção) que tenham me marcado. A ideia não é gastar muito tempo, nem pensar muito. Não precisam ser grandes obras, apenas que tenham sido importantes pra mim. Eu tenho que marcar 10 amigos que vão gostar da brincadeira. E eles me incluírem quando fizerem suas listas para que eu possa ver a lista deles e conferir boas dicas.

O parágrafo acima está em Comic Sans porque é um trecho copiado. Eu jamais começaria uma frase com “consiste em”. O “e eles me incluírem” também não é da minha safra. Mas se vocês passaram mais que dois minutos no Facebook ultimamente sabem do que se trata. Então vamos aos livros:

1) Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa – Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira. Não somente para consulta. Eu o li de capa a capa e esse exercício em inutilidade foi bom para o desenvolvimento do meu pedantismo.

O primeiro Aurélio

Eu já lia Aurélio antes de virar Aurélio.

2) Bíblia Sagrada, Nova Versão Internacional – vários. Esta versão em especial é importante porque foi escrita por gente que sabe “tu” e “vós” saiu de voga há muito e que palavreado rebuscado é apenas uma forma de arrebanhar a massa ignorante que mal sabe escrever o nome direito, quanto mais conjugar verbos irregulares em segunda pessoa ou entender que está sendo ameaçado por um aproveitador da ingenuidade alheia. Também lida de capa a capa, me fez entender o sentido da palavra “hipocrisia” e descobrir que muito “religioso de verdade” jamais leu uma só linha do que tanto gosta de impor aos outros.

A seção de fantasia da minha biblioteca

A seção de fantasia da minha biblioteca.

3) Cândido – Voltaire. Me ensinou que otimista só se lasca. E que se você for bonzinho vai se lascar mais ainda.

4) Breve História de Quase Tudo – Bill Bryson. Num dia frio e solitário, numa biblioteca centenária de um país muito, muito distante, este livro reacendeu minha paixão por aprender – coisa que o Sistema Formal de Ensino (SiFodE) me havia estripado anos antes. O universo (ou natureza) é uma coisa massa. Ultramassa. Quem acha que não, ou nunca chegou a ser apresentado ao conceito, ou não gosta de pensar.

Nota-se que ele já foi bem amado. Tem muita informação já ultrapassada, mas continua sendo excelente.

Nota-se que ele já foi bem amado. Tem muita informação já ultrapassada, mas continua sendo excelente.

5) O Médico e O Monstro – Robert Louis Stevenson. Quando li este, ainda criança, notei como somos ruins em traduzir títulos. E quando digo “ruim”, uso no sentido de “aquele que gosta de fazer ruindade”, porque “Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde” não chocaria ninguém.

6) Coleção Descobrir – Editora Globo. Competiu bravamente contra o já mencionado SiFodE pela dominação da área da curiosidade no meu cérebro[1]. Perdeu, no entanto. Mas ainda guardo boas lembranças (apesar das instruções para montar uma “armadilha para fantasmas” que vieram em um dos fascículos).

Stevenson, Conan Doyle e King. LeCarre apareceu de gaiato na foto.

Stevenson, Conan Doyle e King. LeCarre apareceu de gaiato na foto.

7) The Meaning of Liff – Douglas Adams. Mais um dicionário, desta vez escrito por Douglas Adams. Fui ameaçado de expulsão da biblioteca supracitada se não conseguisse controlar minhas convulsões gargalháticas. Sofri dores abdominais por uma semana por causa do livro.

8) Dicionário Filosófico – Voltaire novamente. Terceiro dicionário. Poderia roubar e incluir um quarto, o Dicionário do Diabo, de Ambrose Bierce, mas este é bem parecido com aquele, o Filosófico sendo melhor. Me ajudou a entender que sarcasmo, ironia, desconfiança e chacota são armas mais poderosas que dogmas ou ameaças termodinamicamente impossíveis na criação de caráter.

Foto tirada em frente à biblioteca anteriormente aludida

Foto tirada em frente à biblioteca anteriormente aludida.

9) O Cão dos Baskervilles – Arthur Conan Doyle. Olá, ceticismo. Tudo bem? Meu nome é Igor Santos, prazer conhecê-lo.

10) O Homem que Confundiu Sua Mulher com um Chapéu – Oliver Sacks. Ninguém é normal mas ninguém demonstra saber disso. Apenas alguns não conseguem esconder.

Oliver Sacks, mais um médico que sabe escrever.

Oliver Sacks, mais um médico que sabe escrever.

Quase entrou na lista: Uma Breve História do Tempo, de Hawking; Deus Não É Grande, de Hitchens; Deus, um Delirio, de Dawkins; uma coleção de contos de Lovecraft; Quatro Estações, de Stephen King; WWZ, de Max Brooks; A Vida na Terra, de Attenborough; um livro de Chico Anísio com o mais negro dos humores (Telefone Amarelo, talvez?), e a trilogia da distopia: 1984, Admirável Mundo Novo e Fahrenheit 451.

Melhores que a Escolinha do Professor Estereótipo.

Melhores que a Escolinha do Professor Estereótipo.


Ateus malditos! Por que precisam escrever tão bem?

Ateus malditos! Por que precisam escrever tão bem?

Só não entraram na lista porque não têm nome, autor ou editora: minhas apostilas de música.

Não entraram porque não são exatamente livros mas deveriam fazer parte da lista: Enciclopédia Koogan Larousse, blogs de ciência, meus livros de culinária, a revista Scientifc American (que, por incrível que pareça, foi minha porta de entrada no mundo dos podcasts), o roteiro do último episódio jamais produzido de Caverna do Dragão, a coleção de cromos do chocolate Surpresa, os rótulos das coisas, encartes de discos, uma enciclopédia/dicionário (mais um) da história da música (não encontro, devo ter perdido), a Constituição Federal, também lida na íntegra, e uma coleção da Reader’s Digest chamada Faça Você Mesmo.

Já lia DIY antes de virar sigla.

Já lia DIY antes de virar sigla.

Não entrou porque não lembro do nome: um de antropologia, que me fez perceber que somos todos macacos; um de histórias das religiões, que me fez perceber que somos todos macacos; um tratado filosófico, que me fez perceber que somos todos macacos metidos, e; um pdf de psicologia. Mas aí eu já sabia que somos todos macacos.

Alguns macacos são mais metidos a besta que outros.

Alguns macacos são mais metidos que outros.

Mas o livro que me marcou mais profundamente foi um de Lair Ribeiro que continha um CD que, fato desconhecido por mim, tende a explodir quando queimado.

Menção honrosa: A Divina Comédia. Primeiro livro que não consegui ler todo. Me ajudou a entender a bossalidade, especialmente daqueles que dizem tê-lo lido mas que sabem apenas da existência dos nove círculos do inferno, de Beatriz e Virgílio.

O "-pedia" em "Wikipedia".

O “-pedia” em “Wikipedia”.

Leiam também a lista da minha mulher e entendam porque me casei.

E a sua lista, como seria?

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[1] Eu sei que isso não existe, mas o SiFodE quis me ensinar o contrário.

2013 no 42. em números (em palavras {em imagens})

Em 2013 eu consegui escrever de forma vocabularicamente consistente e diversa (excetuando-se “ser” e “ainda”, dos quais ainda não conseguir ser livre), como mostra a nuvem de palavras abaixo.

Clique para ampliar

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Não tão consistente assim foram as buscas dos leitores que findaram aqui. Me parece que, além dos que procuram formas alternativas para se drogar, consegui um bom público desmistificando spams e videntes.

Clique para vasculhar

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E agora, um poeminha pros paraquedistas.
Por favor, não achem que drogas ou catarro são vitamina mas saibam que Tupak é um charlatão que vai drogar seu intelecto e fazer você engolir besteiras. A Avon não vai chapar a ladra Tara, outra charlatã, nem vai fazer você ficar chapado, pois muito mal pode causar o alpiste, mas nada em comparação ao aborto que é o vidente que insiste em cuspir na cara da realidade, como uma diabetes em forma de batom (batons) que não contem nem camarão e nem muito menos chumbo. Essa foi a lição de 2013.

A Wikipédia em português e a panelinha editorial pseudocientífica

Eu já contei um pouco da minha história com a Wiki-PT no meu outro blog então não vou repetir que já fui editor logo no começo mas desisti porque minhas edições (baseadas em evidências e com links corroboráveis) eram sistematicamente deletadas pelos editores da panelinha ideológica da qual eu me recusava a fazer parte. Dito isso que eu disse que não repetiria, hoje eu fui ver o que a Wikipedia original (regulada por pessoas menos investidas emocional e monetariamente com seus assuntos favoritos) tinha a dizer da milenar [1] técnica da dedada oriental, conhecida no oeste por shiatsu.

Qual não foi minha surpresa ao constatar que, em inglês, o verbete atual de shiatsu cabe em apenas um screenshot

Clique para a versão completa.

Clique para a versão completa.

…enquanto o verbete na Wiki-PT é consideravelmente mais extenso! Em todos esses anos nesta indústria vital, esta é a primeira vez em que isso me acontece!

O que primeiro me chamou atenção após os cinco pagedowns necessários para ler o texto completo (tá, o que me segundo chamou atenção) foi isso aqui:

wiki-estilo

Para os não-iniciados, isso significa que quem escreveu o artigo o fez sem consultar as regras (ou sem se importar com o conteúdo) que regem a enciclopédia. Ou seja, alguém escreveu o que achava que deveria ser escrito, publicou e… ficou por isso mesmo. Há mais de um ano e meio.

Uma das genialidades da equipe de Jimmy Wales (comparem aqui o tamanho e a qualidade dos verbetes em inglês e português do fundador da Wikipedia) foi ter embutido no sistema uma ferramenta antifraude na forma de um histórico impossível de ser editado ou manipulado e que registra cada mudança mínima numa página.

Isso nos permite verificar que o maior contribuidor individual do verbete é Arnie rj, login de Arnaldo V. Carvalho, criador do Portal Verde e que, segundo seu currículo naquela mesma página, tem (sic) “Capacitação em Medicina Tradicional Chinesa e Naturopatia, em seus segmentos shiatsu (tradicional, ohashiatsu, shiatsu emocional, zen shiatsu e Express), massagem sueca, thai massagem, ramma, sei-tai, lomilomi, drenagem linfática manual, recepção ativa, correção postural postural, aromaterapia, fitoterapia, reeducação alimentar, cromoterapia, relaxamento e controle mental“. Ele também dá cursos de shiatsu emocional (é até proprietário de um blog sobre isso). Ou seja, poucas pessoas seriam mais beneficiadas do que o próprio editor pela inclusão da seção Validação e Produção Científica que diz, muito dissimuladamente e sem qualquer sombra de evidência (sic): “A Ciência vem se interessando em conhecer os mecanismos de ação do Shiatsu, e avaliar sua eficácia em diversos tratamentos. Atualmente há milhares de artigos científicos sobre o tema. Segundo o Conselho Nacional de Desenvolvimento e Pesquisa Tecnologica, (CNPq), 356 dos pesquisadores cadastrados na Plataforma Lattes, incluindo 49 doutores, possuem algum tipo de formação em Shiatsu.[2]

Esses supostos “milhares de artigos” são frutos de buscas simples no PubMed, SciELO e Google Scholar pelo termo “shiatsu” (evidenciado pelas notas de rodapé da edição, já que as da versão atual estão desencontradas e completamente confusas, mostrando o nível nascôxa de qualidade de edição) e não uma análise qualitativa. Aliás, até quantitativamente é mentira, porque eu acabei de fazer a mesma busca no PubMed e obtive 758 resultados que, até onde eu saiba contar, é menos de mil. O SciELO me devolveu incríveis dois (02) resultados e o Google Scholar mostra qualquer coisa remotamente relacionada ao nome “shiatsu”, incluindo livros (que não são publicações acadêmicas), entrevistas (idem anterior), patentes (menos ainda), citações (“o mundo é como o shiatsu: vive de dar dedada nos outros” é uma citação) e etc. Acho pouco provável que o editor do verbete tenha lido um por um. Esse “segundo o CNPq” é igualmente uma busca no site do Conselho. Então não tenho como saber de onde ele tirou essa citação factual do CNPq.

E finalizar com “49 doutores” é só apelo a autoridade. E já sabemos que isso não é exatamente confiável. Especialmente eu tendo achado no Lattes 3236 doutores em “cocô” e 47 em “bosta”. Só 3 em urinoterapia, no entanto.

(Já sabemos que argumento de autoridade não é confiável, não é? Vocês sabem disso, né? Bom, ótimo, vamos em frente.)

Agora, qual editor incluiu essa seção pela primeira vez, mais especificamente às 14h53min de 31 de julho de 2012? Isso mesmo, Arnie rj. Aliás, a versão atual tem links tanto na nota de rodapé quanto na bibliografia para a página do editor, o Portal Verde anteriormente aludido e que lhe é fonte parcial de renda.

"Não estou dizendo que é shiatsu, mas..."

“Não estou dizendo que é shiatsu, mas…”

Em abril de 2012 uma edição se desfez do seguinte trecho, nunca mais citado (sic): “O Shiatsu não é recomendado para infecções, doenças contagiosas, fraturas, varizes ou como terapêutica única do câncer(…)”. E sabem quem fez essa edição? O financeiramente envolvido Arnie rj.

Ele não é de todo mau (aliás, nem acho que ele seja particularmente maligno, apenas equivocado e desprovido de pensamento crítico – a culpa maior sendo dos editores seniores da Wiki-PT), já que tirou também o trecho que recomenda shiatsu como coadjuvante no tratamento do câncer.

Sempre lembrando que shiatsu é somente uma massagem com os dedos (exclusivamente em gente branca, a julgar pelos resultados do Google Imagens. Credo) e nada mais que uma massagem com os dedos.

Se o verbete começasse com “o shiatsu é somente uma massagem inventanda num-sei-quando num-sei-onde que relaxa as pessoas e causa forte tendinite nos terapeutas…” eu não teria problema algum com isso. Eu passo a ter no momento em que o site mais acessado do mundo usa linguagem evasiva e informações ambíguas dissimuladas para tentar dizer que shiatsu é uma ciência e que deve ser vista e aceita como tal. O nome disso é “pseudociência”, palavra que parece não fazer parte do vocabulário da Wiki-PT. Ou até faz, mas parece merecer um grau mais alto de escrutínio sequer aludido na página discutida:

pseudociencia-wiki

Enquanto o único pecado do verbete de shiatsu é não estar formatado num padrão específico, o de pseudociências não cita fontes suficientes, usa dados duvidosos e não é considerado neutro.

Não usaram a mesma régua aí.

O Lexus LS 600h tem um banco com bolsas de ar que simula shiatsu. Não dizem, mas acho que ter um carro desses também serve como 'shiatsu emocional'.

O Lexus LS 600h tem um banco com bolsas de ar que simula shiatsu. Não dizem, mas acho que ter um carro desses também serve como ‘shiatsu emocional’.

Existe um grupo chamado Ceticismo de Guerrilha na Wikipedia que tenta melhorar a qualidade do conteúdo de certos verbetes que serviriam como propaganda para profissionais das pseudociências. O problema é que esse grupo não tem boa representação no Brasil ou em Portugal e, ainda por cima, quando tentam melhorar um artigo na Wiki-PT acontece o que acontecia comigo em 2006/07. Porque a cúpula ideológica da Wikipedia lusófona não admite que outros venham corrigir o que eles acreditam ser o correto.

Não sei qual canal devo acionar para tentar corrigir esse problema. Talvez já seja tarde demais para nós, que florescemos tardiamente no Lácio.

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[1] Mentira, shiatsu tem nem 100 anos.

[2] O que faz dele um especialista em shiatsu, que é exatamente o que a Wikipedia pede e incentiva. Ele só não é especialista em ciência. Ou sequer em procurar resultados num site de busca.

Homeopatia, evangelhoterapia, teoria da harmonia energética e eu.

Ontem eu recebi dois emails. Recebi vários, na verdade (a maioria deles sendo de pessoas que acham que meu endereço é algum tipo de âncora ou registro oficial para todo e qualquer Igor Santos), mas com algum tipo de importância foram só dois.

E quando qualifico importância como “algum tipo”, quero dizer “sem a menor importância para qualquer ser vivo”. Porque o primeiro dos aludidos veio com o assunto “Colaboração” e com o título (sim, título, pois é como se fosse uma cópia de um panfleto qualquer) “Teoria da Harmonia Energética“.

Agora vocês vão ver porque estou perdendo meu tempo com isso. O email começa (sic):

A energia é essencialmente harmônica e as formas organizadas de energia, como é o caso da matéria, que é uma organização de energia percebida por nossos sentidos, tendem a voltar a ser energia.

Em primeiro lugar, o que significa “essencialmente harmônica”? Porque são necessárias pelo menos duas coisas para existir harmonia entre elas. Da mesma forma como não pode existir nado sincronizado individual não posso afirmar que A energia é harmônica. Falta um outro agente aí. Mas vamos ignorar esse erro conceitual básico e passar para outro; “matéria é uma forma organizada de energia”.

É? E a energia é, ao mesmo tempo, harmônica e desorganizada? Mas calma! Olhem o que vem a seguir:

Esta volta à energia é estimulada por ações desarmônicas, ou seja, que contrariam a harmonia energética. Assim sendo, ações poluidoras, por exemplo, desencadeiam processos destrutivos da matéria.

Eu vou organizar as afirmações em uma só linha para facilitar a visualização. “A energia é essencialmente harmônica, a matéria é uma organização de energia e tende a voltar a ser energia estimulada por ações desarmônicas”. Ou seja, o ^jênio^ que não consegue escrever duas linhas coerentes entre si acha que a matéria volta a ser harmônica por um processo de desarmonia. É como dizer que passar com o carro por cima de um violão bem afinado faz com que ele volte a ser afinado pelo fato de ter sido destruído. Ou algo assim, esse email me deixou confuso.

No nosso organismo, ações perturbadoras da harmonia desencadeiam reações, agravadas por novas intervenções perturbadoras da harmonia inicial.

Eu adoro frases como “desencadeiam reações”. Me lembra uma pichação que vi numa mesa da faculdade onde alguém escreveu com corretivo “a molécula do átomo”. A frase acima parece dizer muita coisa mas não sobrevive à mais superficial análise, como outra frase já discutida aqui. Sério, leia lá de novo e pense a respeito.

stephen%20fry

Na sociedade humana, decisões desarmônicas como, por exemplo, concentração de recursos financeiros em determinadas pessoas, contrariam a harmonia social, que é um aspecto da harmonia energética.

Harmonia social é um aspecto da harmonia energética? Então essas ações socialmente desarmônicas são desejáveis, já que foi estabelecido que a desarmonia traz harmonia. E é harmonia que queremos, não?

Portanto, sigam o conselho do email e concentrem seus recursos financeiros em mim! Vamos atingir o máximo de harmonia possível!

A Teoria da Harmonia Energética permite o entendimento da individualidade harmônica, mesmo sem substrato físico…” Opa, peraí! Preciso interromper aqui. Qual dos dois é: energia sendo harmônica em si mesma ou indivíduos (necessariamente materiais) são harmônicos mesmo não tendo forma física? Essa deve ser mesmo uma teoria de lascar porque só seus preceitos já estão em outro plano de existência.

Continuando:

…pois ela se aplica a um conjunto organizado de princípios harmônicos, orientados para pintura, arquitetura, artesanato, invenções úteis, música, magistério, verso, prosa, e tantas outras formas de ações harmônicas que encantam nossos sentidos e melhoram a qualidade de vida. Quem age segundo a harmonia energética preservará a individualidade, não importa sob que forma esteja atuando.

Pintura, arquitetura, artesanato, música, magistério, verso e prosa, essas invenções inúteis… Sem falar do magistério, esse grande encantador dos sentidos. Não passa um só dia sem que minha propriocepção e minha percepção temporal não sejam estimuladas pelo magistério.

E, novamente, por que devemos preservar a individualidade? Ela existe? Como “a energia” pode ser harmônica sendo desarmonizada pela matéria descondensada enquanto indivíduos sem substrato físico poluentes e músicos? Hein?

No parágrafo a seguir há um destaque por minha conta. Vamos ver quem consegue perceber o motivo.

Corruptos, corruptores, maus administradores, criminosos, assassinos, mistificadores, ladrões, demagogos, parasitas e tantos outros que agridem a harmonia social, simplesmente desaparecerão com a desencarnação, pois estavam em desacordo com a harmonia energética.

Todos desaparecerão. Seja por desencarnação, inumação, falecimento, vencimento do prazo de validade ou qualquer outro eufemismo ridículo que se queira usar. Mas deixando o galopante e relinchante óbvio de lado, volto a perguntar: se estamos procurando harmonia, por que devemos nos preocupar em manter a “harmonia social, que é um aspecto da harmonia energética” se a “volta à energia é estimulada por ações desarmônicas” e a “energia é essencialmente harmônica“? Eu quero harmonia! E, para isso, segundo as diretrizes da teoria, preciso ser desarmônico.

Esta singela, e despretensiosa, teoria permite que se entenda o que somos e o que seremos na eternidade., inexistindo qualquer julgamento, mas sim harmonia ou desarmonia energética.

E sabem por que não existe julgamento? Porque é impossível entender uma coisa que não faz sentido por ser apenas uma série de contradições. E o sujeito ainda quer entender a eternidade? #comôfas?

Vou suprimir o nome do remetente para preservar… não sei o que. Ia dizer “preservar seu bom nome” mas não fui eu que enviou o email. Email que, aliás, veio com o assunto “colaboração” apesar de nenhuma outra palavra a esse respeito ter surgido. Talvez ele queira que eu colabore com a desarmonia.

Tamos aí.

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O segundo email, recebido nos últimos minutos do dia (certamente para algum outro Igor Santos que ainda não aprendeu como emails funcionam) é de um médico. *suspiro*

Infelizmente, como eu já disse aqui, homeopatia é uma especialização em medicina no nosso querido território político federativo brasileiro. Por mais imoral que isso seja, continua sendo verdade. Falando em imoralidades, eu sempre tremo um pouco quando ouço que o mesmo indivíduo se qualifica como pediatra e homeopata. Como é o caso desse próximo remetente que, apesar de se qualificar também como escritor, refere-se a si mesmo na terceira pessoa e acha que campo de assunto de email não precisa de pontuação, acentuação ou ortografia em geral, já que esse veio como “saude homeopatia e evangelho“. Sic, sempre lembrando.

"Eu sei o que estou fazendo, não se preocupe!"

“Eu sei o que estou fazendo, não se preocupe!”

Desta vez eu vou deixar o nome porque, apesar de tudo, nada do que ele escreveu para mim é considerado errado no querido território supracitado e infrapodal (mais sobre pés daqui a pouco).

Gilberto Ribeiro Vieira é médico pediatra e homeopata e escritor. Além disso, é professor do curso de medicina da Universidade Federal do Acre – UFAC e possui diversos livros publicados que abordam saúde, homeopatia e Evangelho. A conciliação desses dois temas rendeu diversas publicações.

Er, quais dois? Você citou três assuntos que, se tentassem, não poderiam ser mais opostos. Mantendo sempre em mente que homeopatia não é saúde, mas bruxaria e xamanismo, coisa que o evangelho rejeita fortemente (ver 2 Crônicas 33, por exemplo).

O objetivo principal é mostrar a possibilidade de obter benefícios ao se reunir conhecimento e espiritualidade, mesmo quando se caminha com relativa independência entre as religiões organizadas do cristianismo. Seu trabalho tem múltiplas faces.

Eu juro que li aquela última palavra como “faeces” mas talvez seja culpa de um viés involuntário meu. Falando em involuntário, viram ali como ele separou claramente “conhecimento” de “espiritualidade”?

E, para um escritor, ele até é meio ruinzinho em evitar ambiguidades. O que significa “relativa independência”? Minha interpretação é que ele é dependente de algumas religiões cristãs mas não tanto quanto alguém que pratique somente uma.

Discorrendo sobre as múltiplas fæces do seu trabalho, ele continua:

Na primeira predomina a ciência e o raciocínio. A jornada começa pela análise detalhada de alguns casos de cura do Cristo no Evangelhoterapia – a Ciência de Amar, juntamente com a descrição sucinta das virtudes divinas na criação – em Deus Radiografia Simples.

Faltou só incluir ciência e raciocínio ali. Especialmente no lugar de “virtudes divinas na criação“.

Em seguida, é conduzido um estudo rigoroso das palavras e contradições de Jesus em O Evangelho Dialético. Por fim, o autor tem o privilégio de apresentar a abordagem homeopática num enfoque inédito e contemporâneo em Homeopatia e Saúde: do reducionismo ao sistêmico, publicado por coedição pelo Conselho Regional de Medicina do Acre e a Editora da UFAC.

Novamente, cadê a ciência e o raciocínio? O que o estudo das palavras do Hércules judaico tem a ver com ciência? Porque já sabemos que homeopatia tem exatamente zero ciência e/ou raciocínio atrelados.

E, se o Conselho de Medicina do Acre for igual ao daqui, qualquer médico tem apoio editorial para lançar qualquer livro. Ou gravar um disco, pintar um quadro, expor fotografias, etc. O CRM gosta de incentivar médicos em suas perseguições artísticas. Então citar o CRM/AC como parceiro não é medalha de mérito.

Na segunda etapa prevalecem o sentimento e a fé.” <= Na primeira também, amigão.

Com esse enfoque, surgem crônicas repletas de ternura e criatividade em Os Filhos de Deus. Ao mesmo tempo, nasce um novo entendimento da relação íntima e profunda entre o Eu e o Pai em DeuS, graças à análise meticulosa dos versículos do Novo Testamento.

É sempre interessante quando um escritor se refere a si mesmo como criativo. Especialmente quando isso leva à frase “graças à análise meticulosa dos versículos do Novo Testamento”. Eu só queria dizer, já que estamos firmemente no mundo das pseudociências, que Freud mandou lembranças.

Por fim, o autor descortina o significado original dos chacras desde os pés – cidadania – ao mais elevado do homem – intuição – no instigante Poema das Moradas.

Isso está escrito desse jeito. Ele descortinou o significado original dos chacras. E, melhor ainda, o chacra da cidadania reside nos pés. Por isso que eu fiz aquele trocadilho lá em cima, sacaram? Não? Nem eu. Especialmente porque o chacra “mais elevado do homem” é a intuição.

E A P°яя4 DA CIÊNCIA, CADÊ!?

"chacras"

Uma terceira vertente é exposta em um livro que aborda dois temas: Adole*sente, publicado pela Secretaria de Estado de Saúde do Acre, une-se ao Adole*santo e mistura informação científica e reflexões cristãs, em linguagem direcionada aos adolescentes e às pessoas que se relacionam com eles.

Queria muito saber o teor e a qualidade dessa informação científica que o autor cita. Principalmente ajustando a linguagem para adolescentes.

(Vocês viram os títulos? Eu consigo até imaginar o quão estufado ficou o peito do autor ao pensar nesses excelentes jogos de palavras.)

E, encerrando os trabalhos, A Fraternidade em Movimento, obra que contém as experiências e opiniões do autor sobre um dos amores de sua vida, o Movimento da Fraternidade, iniciativa espiritualista de amor ao próximo, gerada em Belo Horizonte em meados do século XX. Alguns livros estão em edição e serão publicados em breve e, portanto, ainda não se encontram disponíveis. O preço de lançamento é promocional juntamente com o frete grátis por tempo limitado.

Eu gostaria de reiterar que quem escreveu isso tudo aí em itálico foi o próprio autor, através de seu email pessoal.

Lembram das profundas análises dos evangelho pelo autor? E lembram do 2 Crônicas, capítulo 33 lá em cima? A página pública do perfil do Facebook do autor mostra que, entre seus favoritos, está o Pai Toninho de Xango.

———

Pensamento fantástico, delírios místicos, dissonância cognitiva, dificuldade de autoanálise, negação do óbvio, teorias conspiratórias. Pseudociências vêm em várias embalagens diferentes. E boa parte delas custa dinheiro.

Boa noite.

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