Rapidinha: pequenos paradoxos do dia-a-dia

No cartório onde eu trabalho existe um carimbo cuja função é dizer que a folha por ele carimbada não tem qualquer informação e, caso tenha, deve ser desconsiderada pois teria sido colocada ali depois do documento ter deixado a repartição.

No entanto, o texto escolhido para passar tal mensagem cria um paradoxo.


Se ela está limpa, precisa ser carimbada. No entanto, se a folha está carimbada, ela não está mais “em branco”. Logo, o carimbo não faz mais sentido e deveria ser removido, deixando a folha em branco.

D.S. al Coda

A importância de saber balancear equações

Digamos que você fritou um frango coberto da mais pura delícia crocante.

Cardápio: galinha frita em manteiga clarificada, arroz no caldo (caseiro) de galinha com alho frito, anéis de alho-poró empanados em farinha de rosca sem glúten (caseira), salada quente de brócolis, milho verde, cebolinha e pesto (caseiro) e maionese (caseira).

Digamos ainda que você não está pronto para comer (esqueceu de por a mesa ou de fazer o suco ou o arroz ainda não ficou pronto) e quer manter sua comida quentinha por mais dez minutos sem perder a crocância perfeita que, servindo o empiricismo de pista, você jamais conseguirá obter novamente.

O que fazer? Solução: ligar o forno no mínimo por uns cinco minutos e utilizar aquele ambiente recheado de quentura para estacionar suas coxas empanadas (não, isso não é um eufemismo).

Mas o forno da sua casa é a gás, correto? E sabemos (artigo 2, em PDF) que o gás nacional é butano e propano, não é?

Lembrando do mantra orgânico “met-et-prop-but; an-1, en-2, in-3; o-óico-ol-ona-al” (se você não lembra disso é porque esse cântico só existe na minha cabeça e foi por causa dele que eu tirei 11 no primeiro bimestre do pré), facilmente chegamos à conclusão de que prop-an-o é formado por três carbonos (prop) simplesmente ligado (an) de maneira a formar um hidrocarboneto (o), enquanto o but-an-o é quase a mesma coisa, sendo que com quatro (but) carbonos.

Segundo a piada, quando o carbono vai preso, ele tem direito a quatro ligações e, sendo o hidrogênio (o HIDRO em hidrocarboneto) o primeiro elemento da tabela periódica (por favor, pelo menos isso você decorou, né?), ele só faz uma ligação (mnemônicos, mnemónicos). Logo, o propano é nada mais que 3 Carbonos e 8 Hidrogênios enquanto o butano tem um Carbono a mais e, por motivos óbvios, dois H‘s a mais (cada C liga em outro C numa filinha e as beiradas são inteiradas por H‘s, tipo uma centopeia cabeluda onde a centopeia em si é formada por C-C-C e os cabelos são uma parêia de H‘s – melhor ainda, clique aqui e veja uma imagem).

O que mais é necessário para haver fogo? Lembrando da “pirâmide do fogo” calor-combustível-oxigênio, já temos o combustível e o calor (proveniente do fósforo ou daquela fagulha mortalmente elétrica e barulhenta dos fogões elétricos que, sério, dói muito ser eletrocutado por aquilo, portanto não seja), precisamos agora de Oxigênio.

OOOOO, como você é perspicaz!

Então, temos C‘s e H‘s de um lado, junto com alguns O‘s.

E o que dá juntando O + H, turma? Isso mesmo: sarcasmo.

(“OH! Quanta esperteza!” Sacaram? Destá…)

Não, sério, do outro lado vai ficar CO2 (resultado de toda queima de hidrocarbonetos[1]) e mais uma ruma de O‘s e H‘s conectados na proporção de 1 para 2, formando o tão temido monóxido de di-hidrogênio

Não, esse aí é o trapezóide *de* fogo.

Resumindo: quando você acende o queimador embutido da sua casa (isto também não é eufemismo), você está magicamente criando, além do gás carbônico, água em forma de vapor que, com a cessação do input calorífico, recondensará e implodirá qualquer superfície oleosa e prazerosamente quebradiça que tenha sido criada num processo de imersão em lipídios molecularmente agitados e completamente obliterará suas expectativas gastronômicas.

Essa medida também protegerá os anéis de alho-poró (que você já usou ao invés de cebola justamente pela menor quantidade de umidade intrínseca no allium escolhido) e sua extraordinária capa ovo-fasianideamente agregada a flocos de milho.

Ou seja, nunca use o calor residual de um forno a gás (a não ser em casos específicos e bem estudados que envolvem deixar a porta aberta por alguns segundos mantendo termodinamicamente o calor lá dentro com o uso de tijolos e jarros de cerâmica cheio de areia) para manter quentes por mais tempo frituras crocantes.

Use o forno, mas não o ligue. O frango vai continuar quente, por si só, por bastante tempo.

Notem, então, crianças, que balancear equações é imprescindível para a sua vida. Nunca saia de uma aula de química pensando “como é isso é inútil” ou “nunca vou usar isso na minha vida” porque sim, você vai sim. Ou usa, ou morre de fome (ou, pelo menos, nunca vai conhecer as maravilhas da Terra da Crocância Extrema).

———

[1] Podem ficar tranquilos. Eu chequei essa parte com um professor.

Essa é clássica!

Um dia desses eu Vivaldi enchendo a Kara de Chopin com “muita Schumann“, como se referiu ao colarinho com a voz já arrastada. Quando fica assim, ele Mahler a conta antes de pagar, mas ele Paganini, quer nem saber. Já pagou até Champagne e Comes para os outros. Lógico, quando ele descobre que tiraram proveito dele ele fica meio zangado, o que é totalmente justificado. Quem não ficaria May Brahe com isso, né?

Nesse dia, ele saiu do Bach dirigindo e acordou numa Kammel de SchopStrauss, com o Holst todo cortado. Segundo o médico, ele vai precisar passar um tempo andando com um Capuzzi na cabeça para proteger os Cortés e até desinchar os Gallus. Tem uns bem feios e um perto da Bochsa que vão precisar de uma Liszt imensa de remédios e pomadas para curar. Valdir também vai ter que tomar banho de Baldi por um tempo, para não molhar o curativo na Testi. Já pensou se os pontos Storace?

Ele ficou também com dor nas Coste por causa da batida. Acho que fraturou alguma Costeley quando foi jogado em Cima do volante mas ele não me disse Nadia a respeito.

No outro dia ele foi pra casa porque o hospital tava Schein demais e ele já estava estabilizado, mas eu acho que aquele Cabezón dele ficou sequelado.

Como eu sou do tipo que mantém Lassus fortes com meus amigos, dormi essa primeira noite na casa dele e notei umas coisas: antes do acidente ele não tinha hipermetropia mas agora está com dificuldade em Verdi perto, e ele disse que tudo que comeu na enfermaria tinha um gosto ruim, tipo um Hänsel de coisa velha, e se queixou muito de estar sentindo um cheiro Fossa. Eu não notei nada diferente.

Eu armei uma Haydn no quarto dele e ficamos papeando. A conversa Handel até bem tarde da noite até que Mendelssohn e eu fui dormir.

De manhã, ele disse que estava com tanta Fomin que poderia Dvořák um cavalo! Não tinha cavalo mas tinha Bacon, então fiz um sanduíche bem Grandi e com bastante Ceballos e Champion. Pensei em fazer um Suchoň de frutas mas não achei nenhuma fresca, Sollima concentrada (daquelas de lata), aí tive que fazer um refresco bem Aguado porque aquele troço é muito Amargós e poderia piorar a dor nos Dentice que ele tava sentindo, sei lá.

Depois de um Bomtempo, não sei se por causa da batida, da ressaca, dos remédios, do sanduíche ou sei lá o que, ele chega pra mim e diz: “Cara, eu não sou Gay, você sabe que meu negócio é Müller, mas quero Tyāgarājar!”

Ficou um vazio de alguns segundos, aí Caimo na risada!

Até hoje eu encho o saco dele com isso!

Gerrit van Honthorst – O Violinista Feliz

Rapidinha: alguém me explica, por favor?

Como pode uma panela ser “ecologicamente saudável”? Isso pelo menos faz algum sentido?

Tirando o caso de que dos sete itens do campo “composição” apenas três são realmente composicionais (e, desses três, dois não tendo significado algum por serem caracterizados apenas através de nomes de marcas arbitrárias e não-descritivas) e o irritante fato de que, ao clicar no “clique aqui para ampliar a foto”, a imagem na verdade diminui (negrito para simular minha irritação), como pode uma panela alegar que emite menos CO2 (sic) e é ecologicamente saudável?

Eu até queria comprar uma frigideira antiaderente (estou pensando em uma de titânio, que na verdade não é de titânio mesmo, mas de alumínio, cerâmica, magma e “bolsas de ar“), mas agora fiquei preocupado com a minha saúde ecológica.

Só sei que, com certeza, não vai ser uma Brinox.

A rocha que era pedra

Pesquisando imagens para um artigo vindouro, encontrei uma que não consigo não compartilhar.

Ei-la:

Suas visitas vão amar!

Isso aí é o tipo de coisa que dá para fazer em casa e impressionar as visitas (dependendo, obviamente, do nível das pessoas que freqüentam o seu lar).

Duas placas de vidro separadas por muito pouco (a espessura de um papel grosso ou algo com menos de meio centímetro de espessura, segundo meus cálculos baseados em Álgebra Achística, ou AA) e um punhado (dependendo do tamanho do seu punho, talvez você precise de dois ou três) de areia fina misturada com açúcar cristal colorido (essa é a descrição do experimento, mas se você conhecer um depósito de material de construção confiável, talvez consiga duas areias coloridas com granulosidade diferentes).

Então, você gentilmente derrama a mistura num canto entre as placas de vidro e observa o seguinte fenômeno: um montinho selvagem vai surgir e vai ficando mais alto até que desaba (os experimentadores chamam de avalanche, mas achei muito dramático). Os grãos de areia vão rolar até perder a energia cinética que os alimenta e vão morrer num determinado ponto. Os grãos de açúcar, por sua vez, são maiores e vão rolar mais um pouco (talvez por ter uma superfície maior eles consigam distribuir seu movimento por uma distância maior. Mas, novamente, AA) e se depositar além do limite dos grãos de areia. Com repetições suficientes, o monte vai ficar cada vez mais alto (e mais largo) e os grãos vão se depositar cada vez mais longe do centro e, conseqüentemente, criar camadas como as da foto.

Isso é análogo à formação de depósitos de rocha sedimentar, como xisto[1] calcário e arenito. Processos naturais (vento, água, etc) carregam partículas minerais que se desprenderam sob a força da erosão, por exemplo, e vão depositando-as num cantinho para usar depois, mas aí esquecem e deixam o acumular o serviço (acho que estou antropomorfizando demais as diferenças de pressão atmosférica e o desequilíbrio estático dos fluidos. Vou parar).

Depois de uma ou duas eras, o acúmulo é tamanho que o peso sobre as camadas inferiores é tão substancial que a pressão funde as partículas (litificação; pesquisem) que acabam virando um tipo de rocha.

~camadas~

Ou não, como é o caso das dunas (que podem ser pensadas como “pedras verdes” ou “fetos rochosos”).

Meu quintal.

Aliás, quem já passou algumas horas na praia sem mais o que fazer além de olhar a areia sendo soprada certamente já observou a criação de camadas superficiais regulares, como ondas de areia. Creio que a diferença de cor não seja apenas uma ilusão idiótica, mas o resultado da luz sendo refletida por texturas diferentes.

Teoricamente, seria possível criar um experimento de longa duração (ou uma instalação artística beeeeeeem longa), envolvendo milhares de toneladas de material e criar sua própria formação rochosa customizada!

Mas talvez isso seja lento demais para as suas visitas que já estão mais do que ansiosas para voltar para casa.

Concha que morre unida, fossiliza unida.

O mesmo processo (depósito, acúmulo, endurecimento) forma algumas camadas fósseis interessantes. Mas nem os meus visitantes, especializados como são, se sujeitariam a esperar uma demonstração desse tipo.

Só me resta sonhar…

[1] Xisto não é uma rocha sedimentar, mas metamórfica. Mais uma vez, por alguma razão que escapa ao meu conhecimento, eu confiei na Wikipedia em português. Grande erro. Acho que agora eu aprendo.

Cliquem aqui e aqui para verem o nível de qualidade da “enciclopédia livre” no nosso idioma.

Agradeço a Clau por ter me avisado.

Algumas palavras de Asimov

Durante uma entrevista sobre os rumos da educação, Asimov foi perguntado sobre sua própria busca de conhecimento e se ele achava que os outros também tinham o mesmo ímpeto que ele.

Abaixo (intercalado com encorajamentos do entrevistador Bill Moyers, em itálico), transcrevo um trecho que acho bastante esclarecedor.

“Eu gostaria de pensar que as pessoas, se oferecida a chance de aprender os fatos e aumentar seu conhecimento do universo, não buscariam tão avidamente o misticismo.

“Eu me pergunto quantas pessoas escolhem essas coisas místicas e sem sentido simplesmente porque elas precisam escolher alguma coisa e aquilo é a única alternativa disponível.”

Por que o misticismo incomoda você?

“A mesma coisa que me incomoda no misticismo é o que me incomoda em vigaristas e falsários. Não me parece correto vender ações falsas para uma pessoa e obter dinheiro com isso. E é isso que os místicos fazem. Eles vendem conhecimento falso para as pessoas e ganham dinheiro com isso. Mesmo se alguém se sentir bem com esse tipo de conhecimento; eu consigo facilmente imaginar que uma pessoa que realmente acredita em astrologia sentirá uma sensação de segurança porque sabe que hoje é um dia ruim e, por isso, ficará em casa. Mas mesmo assim, um cara que comprou ações falsas pode olhar para elas bonitinhas e reluzentes, escritas num pergaminho com letras douradas e tudo mais, e desde que não precise usá-las ele se sente rico olhando para aquilo. Mas isso não é desculpa, o que ele tem ainda são ações falsas.

“E o que uma pessoa que compra misticismo tem ainda é conhecimento falso. E isso me incomoda.”

E qual é o conhecimento real?

“Nós não podemos ter absoluta certeza. A Ciência não anuncia verdades absolutas. Ciência é um mecanismo, uma forma de tentar melhorar seu conhecimento de natureza. É um sistema para testar suas idéias, comparando-as com o universo, e ver se elas estão certas. E isso funciona não só para os aspectos mais comuns da Ciência como para tudo da vida. Eu penso que as pessoas gostariam de saber que o que elas sabem é realmente como o universo é, ou ao menos o mais próximo possível disso.”

BÔNUS

Outro trecho da entrevista, anterior ao supracitado:

Aprender excita você?

“Sim! Eu acho que na verdade é o processo de expandir a si mesmo, de saber que agora existe mais um pedacinho do universo que é do seu conhecimento e sobre o qual você pode pensar e entender.

“Me parece que quando for hora de morrer – e isso vai acontecer a todos nós, haverá um certo prazer em pensar que você utilizou bem a sua vida, que você aprendeu o máximo que podia, adquiriu para si o máximo possível sobre o universo; e gostou.

“Existe apenas este universo e existe apenas esta vida para tentar entendê-lo. E, apesar de ser inconcebível que qualquer pessoa consiga entender mais do que a menor parte dele, você pode fazer pelo menos isso.

“Que tragédia deixar a vida passar e não aproveitar nada dela.”

Como fugir da carinhosa brutalidade do casal de PhDs

Se você não faz ideia do que signifique o título, sugiro que leia o enigma publicada semana passada, tenta resolver e, só então, volte aqui para ler a resposta.

Iniciando do começo, visando preservar sua saúde mamilar (já que sua sanidade mental não tem mais conserto neste ponto), você tem quarenta fotografias com dez viradas para cima e trinta para baixo. Segundo o enunciado, sem poder enxergar “você terá que separar as fotografias de modo que tenha dois montinhos com precisamente o mesmo número de imagens à mostra”. Lembrando que zero também é um número, existe uma forma de resolução que funciona com qualquer número de itens acima de um: em um monte, você separa os número que foi dado (dez, neste caso) e, em seguida, vira tudo naquele monte.

Desta forma, se todas as fotos estavam para cima, todas ficaram para baixo, resultando em zero dos dois lados. Se nenhuma estava do lado certo, ao virar ao contrário, todas ficarão, deixando dez de cada lado, satisfazendo as condições impostas. Testem as outras combinações e notem como funciona com qualquer uma (e, novamente, com qualquer valor: trinta e oito no total com sete para cima; dezoito total, três para cima; mil, setecentos e um total, mil e setecentos para cima; etc).

Alternativamente, se a questão fosse “separar as fotos em duas pilhas com exatamente o mesmo número delas virada para baixo“, bastaria inverter a pilha contendo trinta, já que este foi o número dado como já tendo as fotos para baixo.

Na fase subsequente, basta criar um paradoxo. A resposta mais contextual seria afirmar que você jamais precisará de manicure novamente (“terei minhas unhas separadas das falanges por uma finíssima cunha metálica”). Se eles o fizerem, sua frase terá se tornado uma verdade, o que os forçaria a cumprir as próprias condições (lembre-se, eles são um psicólogo e um economista, dois seres infindavelmente lógicos) e recriar sua topologia pudenda. O que faria da sua frase uma mentira, os forçando a repetir o ciclo.

Ficando eles sem escolha, chegamos ao revólver. Aqui, você só pode torcer para que as leis estatísticas esteja de bom humor e sorriam para você.

Mas, como a sorte vem para os que estão preparados, você pode aumentar um pouquinho suas chances.

O negócio é o seguinte: se as duas balas estão encostadas e a primeira tentativa não resultou em um tiro na sua cabeça, sem mexer novamente no tambor a única bala que pode ser acionada é a primeira. Logo, podemos considerar ambas como uma só entidade, deixando o tambor com cinco espaços possíveis. Um já foi testado, deixando sobrar quatro; três deles certamente vazios e um (representado pela primeira bala) acionável explosivamente (a segunda bala não entra nesta conta porque ela não está disponível, pois para a sua situação, só interessa o primeiro tiro).

Você tem três chances em quatro, ou 75%.

Se o tambor for rodado novamente, a Sra. Aleatoriedade volta a tomar conta e você passa a ter quatro chances em seis, ou duas em três, ou 66%. Não é uma garantia de que você vai sobreviver, mas já que não existe uma terceira opção, é melhor optar pelo gatilho simplesmente ser puxado mais uma vez.

13% a mais pode parecer pouco, mas numa situação assim é melhor que nada.

Eduardo acertou a segunda etapa mas escorregou na resposta da terceira, bem como Danillo.

Apenas Beto acertou as três. Parabéns!

Fuja! Ou morra… de amor (!?)

Digamos que um salafrário casal sadô-masô amarrou você a uma cadeira, com uma brutalidade particularmente carinhosa, e concluiu que você se daria a um excelente recheio de dor e prazer.

Enquanto você é sanduichado pelo par, que se abraça ao seu redor, asperamente afaga sua privacidade e mordisca seu brio, eles divisam uma situação que lhes causaria tão agradável sofrimento em que você escaparia de suas grosseiras carícias (e uma provável cova rasa encimada por sais de potassa).

Como obviamente eles vendaram você visando amplificar o prazer de todos os envolvidos (o deles, ao aumentar o seu nível de estresse; e o seu, impedindo que você repare nos brinquedinhos ao seu redor), a ideia revolve ao redor de jogos que podem ser resolvidos às cegas.

Já que ambos contam com doutorados, sendo um em psicologia cognitiva experimental e outro em macroeconomia social, eles conhecem intimamente o valor dos incentivos. Para que você não se desanime durante sua tarefa inicial, para cada tentativa que resultar em falha, uma sexy eletrocussão lhe atravessará o peito, partindo de seus mamilos (o que eles esperam que aumente sua avidez em continuar tentando até o máximo que suas terminações nervosas possam suportar), devidamente conectados com garras-jacaré.

Calma, não é esse tipo de tortura. Para tudo há limites.

A primeira parte do suplício recreativo, eles contam: “No Sybian à sua frente há quarenta fotografias dos resultados das nossas aventuras com parceiros com menor integridade intersticial do que esperamos que você tenha. Dez delas estão viradas com as chocantes imagens para cima, enquanto as outras trinta estão ao contrário, escondendo os horrores excitantes que retratam. Para que evite a ausência de elétrãos livres em suas papilas mamárias, ao desamarrarmos suas mãos e ainda com os olhos obscurecidos pela mais fina seda, você não deve obter sucesso em separar as fotos em duas pilhas com exatamente o mesmo número delas virada para cima.”

Após desfiar essa cadeia labiríntica de negativas (e alguns choques experimentais), você percebe que, para o seu bem (suponho, afinal nunca posso ter certeza das preferências dos meus leitores), você terá que separar as fotografias de modo que tenha dois montinhos com precisamente o mesmo número de imagens à mostra, e terá que fazer isso sem ver qualquer uma delas.

Vale salientar neste ponto que, a menos que você seja O Demolidor, elas também são indistinguíveis por tato. Sua inteligência, e não seus sentidos, deverão ser usados.

Caso consiga vencer a primeira provação, e retirando qualquer dúvida sobre a preferência por negativas desnecessárias, eles prosseguem: “agora, para não sofrer mais, você precisará mentir se quiser ter suas unhas separadas das falanges por uma finíssima cunha metálica, ou dizer a verdade para que sua genitália ganhe uma decoração inédita.”
Aqui, apesar da sua pulsação descontrolada e as temíveis conclusões que sua imaginação insiste em mostrar vividamente, existe uma forma de evitar onicoptose adquirida ou genitosquise involuntária.

Eu chamo o meu de "um cidadão, um voto".

Conseguindo transpor aquele temeroso obstáculo, vem a última e mais arriscada etapa desta amorosa tortura e que é responsável pela maioria das fotos que você, infelizmente, precisou tocar e que agora contam com as suas impressões digitais.

Mas não se preocupe com isso no momento, você precisa se concentrar.

FOCO!

Um revólver aparece em cena. Este comporta até seis balas mas o Casal 20 (eles representam o 2 e o 0 é você), num simbolismo macabro do amor(daçado) eterno que os une, usa apenas duas balas e, continuando a abstrusidade da metáfora pouco apropriada, as colocam em câmaras adjacentes do tambor, como nas covas cilíndricas em que o inseparável casal doentio espera ser inumado.

A seguir, eles giram o tambor e, antes que o movimento cesse por completo, a arma é travada e o gatilho é acionado, com a boca do cano experientemente apontada para a sua têmpora esquerda.

Nada acontece. A câmara estava vazia e a agulha acertou apenas ar.

E eis que aqui finalmente chegamos no fim da linha.

A proposta derradeira é esta: eles podem simplesmente puxar o gatilho novamente ou repetir a rotação do tambor e, só então, tentar mais um tiro na sua cabeça. Se você não virar o quadragésimo primeiro retrato da coleção, você pode traumatizadamente e sem ressentimentos ir embora.

O que você escolhe? É melhor tentar a próxima câmara do revólver ou restaurar a condição aleatória inicial?

A boa (e curta) vida

O texto a seguir foi escrito por Dudley Clendinen e publicado no New York Times em julho de 2011 e trata da autonomia de um paciente terminal.

A tradução foi feita por mim, sem permissão.

Eu tenho amigos maravilhosos. Neste último ano, um me levou para Istambul. Um me deu uma caixa de chocolates artesanais. Quinze deles fizeram dois excitantes e pré-póstumos funerais para mim. Vários assinaram cheques grandes. Dois me enviaram uma caixa com todas as cantatas sacras de Bach. E um, do Texas, pôs a mão no meu ombro emagrecido e pareceu estudar o terreno onde estávamos. Ele tinha vindo me ver.

“Precisamos comprar uma pistola, não é?”, Ele perguntou em voz baixa. Para eu atirar em mim mesmo, ele queria dizer.

“Sim docinho,” eu disse, com um sorriso. “Precisamos”.

Eu o amava por isso.

Eu amo a todos eles. Tenho uma sorte imensa por ter a minha família e amigos, e minha filha, meu trabalho e minha vida. Mas eu tenho esclerose lateral amiotrófica, ou ELA, mais gentilmente conhecida como doença de Lou Gehrig, por causa do grande rebatedor Yankee e homem de primeira base, a quem foi dito que o tinha em 1939, e que aceitou o veredicto com tanta graça, morrendo menos de dois anos depois . Ele tinha quase 38 anos.

Às vezes eu a chamo de Lou, em sua homenagem, e porque o familiar parece menos ameaçador. Mas não é uma doença gentil. Os nervos e músculos pulsam e se contorcer e, progressivamente, morrem. Do lado de fora, parece a onda de teclas de piano nos músculos sob a minha pele. Por dentro, parece aquela ansiedade que dá frio do estômago, tentando sair. Ela começa nas mãos e nos pés e vai fazendo seu caminho para cima e para dentro, ou ela começa nos músculos da boca e da garganta e no peito e abdômen, e vai indo para baixo e para fora. A segunda maneira é chamada “bulbar”, e que é o jeito que acontece comigo. Nós não vivemos muito porque ela afeta a nossa capacidade de respirar logo no início e só fica pior.

No momento, para alguém com 66, eu pareço muito bem. Perdi 10 quilos. Meu rosto está mais fino. Eu até ouço alguns “Olá, bonitão”, de que gosto. Eu penso nisso como minha fase de cosméticos. Mas é difícil sorrir e mastigar. Estou com falta de ar. Eu engasgo muito. Eu soo como bêbado ofegante do lábio preso. Para um alcoólatra em recuperação, é realmente irritante.

Não há nenhum tratamento significativo. Não há cura. Existe uma medicação, Rilutek, o que pode fazer a diferença de alguns meses. É vendido por cerca de US $ 14.000 por ano. O que não me parece valer a pena. Se eu deixar a doença correr seu curso, com todo o carinho e apoio pessoal, medico e tecnológico que precisarei ter nos próximos poucos meses, ela vai me deixar, em 5 ou 8 ou 12 anos, uma múmia consciente, mas imóvel, muda, murcha e incontinente. Mantida por tubos de alimentação e de excreção e por máquinas de respiração e sucção.

Não, obrigado. Eu odeio dar trabalho. Eu não acho que vou ficar para ver a metade final de Lou.

Eu acho que é importante dizer isso. Nós somos obcecados neste país por coisas como comer, vestir, beber, achar emprego e um companheiro. Sobre sexo e filhos. Sobre como viver. Mas nós não falamos sobre como morrer. Agimos como se encarar a morte não fosse uma das maiores emoções da vida e um dos maiores desafios. Acredite em mim, é. Isto não é entediante. Mas temos de ser capazes de ver os médicos e máquinas, sistemas médicos e seguros, familiares e amigos e religiões como informativos – e não impositores -, a fim de sermos livres.

E esse é o ponto. Não se trata de uma doença em particular ou mesmo da morte. Isso é sobre a vida, quando você sabe que não resta muito. Essa é a bênção estranha de Lou. Não há como escapar e pouco a fazer. É libertador.

Comecei a perder a dicção em maio de 2010. Quando o neurologista me deu o diagnóstico em novembro daquele ano, ele apertou minha mão com um sorriso amarelo e me liberou para o frio, vazio e cinza estacionamento abaixo.

Era crepúsculo. Ele confirmou o que eu tinha suspeitado por seis meses de testes com outros especialistas à procura de outras explicações. Mas suspeita e certeza são duas coisas diferentes. Ali, de repente me bateu que eu ia morrer. “Eu não estou preparado para isso”, pensei. “Eu não sei se fico aqui, entro no carro, me sento nela, ou dirijo. Para onde? Por quê?” A confusão durou cerca de cinco minutos, e então me lembrei que eu tinha um plano. Eu tinha um jantar marcado em Washington naquela noite com um velho amigo, um estudioso e autor que estava se sentindo deprimido. Conversávamos muito sobre ele. Justo. Hoje à noite, eu aumentaria a aposta. Falaríamos sobre Lou.

Na manhã seguinte, percebi que eu tinha um modo de vida. Por 22 anos, tinha ido a terapeutas e reuniões dos alcoolicos anônimos. Eles me ajudaram a lidar com um alcoólatra gay que era. Eles me ensinaram a me manter sóbrio e saudável. Ensinaram-me que eu poderia ser eu mesmo, mas que a vida não era apenas sobre mim. Eles me ensinaram como ser um pai. E, talvez mais importante, eles me ensinaram que eu posso fazer qualquer coisa, um dia de cada vez.

Incluindo isto.

Estou, de fato, preparado. Isto não é tão difícil para mim como é para outros. Não é tão difícil como é para Whitney, minha filha de 30 anos de idade, e para minha família e amigos. Eu sei. Eu tenho experiência.

Eu era próximo da minha velha prima, Florence, doente terminal. Ela queria morrer, não esperar. Eu era legalmente responsável por duas tias, Bessie e Carolyn, e pela minha mãe, as quais teriam morrido de causas naturais anos antes se não por causa da tecnologia médica, sistemas bem-intencionados e mãos carinhosas e atenciosas.

Eu passei centenas de dias ao lado da mãe, segurando a mão dela, tentando contar-lhe histórias engraçadas. Davam-na banho, e fraldas, a vestiam e a alimentavam, e nos últimos anos ela olhava para mim, seu único filho, como olharia uma nuvem passageira.

Eu não quero essa experiência para Whitney – nem para quem gosta de mim. Protelar seria um desperdício colossal de amor e dinheiro.

Se eu optar pela traqueostomia que vou precisar nos próximos meses para evitar asfixia ou morte por pneumonia aspirativa, o respirador e os funcionários e um sistema de apoio necessário para manter-me vivo vai custar meio milhão de dólares por ano. Meio milhão do dinheiro de quem, eu não sei.

Eu prefiro morrer. Eu respeito os desejos de pessoas que querem viver tanto tempo quanto puderem. Mas eu gostaria o mesmo respeito para aqueles de nós que decidem – racionalmente – o contrário. Eu fiz minha lição de casa. Eu tenho um plano. Se eu pegar pneumonia, eu deixo ela me levar. Se não, existem aquelas outras maneiras. Eu só tenho que agir enquanto minhas mãos continuam funcionando: a arma, entorpecentes, lâminas afiadas, um saco plástico, um carro rápido, remédios, chá de oleandro (uma maneira educada do Sul), monóxido de carbono, mesmo hélio. Que me daria uma voz muito engraçada no final.

Eu encontrei um caminho. Não uma arma. Uma forma que é calma e tranquila.

Saber disso me conforta. Eu não me preocupo mais com alimentos gordurosos. Eu não me preocupo em ter dinheiro suficiente para envelhecer. Eu não vou envelhecer.

Estou tendo uma experiência maravilhosa.

Eu tenho uma filha brilhante, linda e talentosa que mora por perto, o presente da minha vida. Eu não sei se ela aprova, mas ela entende. Deixa-la é a única coisa que eu odeio. Mas tudo o que posso fazer é dar a ela um pai que era vigoroso até o fim e soube quando desistir. O que mais existe? Eu passo muito tempo escrevendo cartas e notas, e gravando as conversas sobre isso, que eu encaro como A Boa Vida Curta (e Terna Saída), para a WYPR-FM, a principal estação pública de radio em Baltimore. Eu quero quebrar o gelo, tornar mais fácil falar sobre a morte. Estou muito atrasado em minhas notas, mas as pessoas são incrivelmente pacientes e agradáveis. E convidativa. Eu tenho convites e mais convites.

No mês passado, um velho amigo me trouxe uma gravação dos maiores shows que ele já havia ouvido; Leonard Cohen, ao vivo, em Londres, há três anos. Música poderosa, etérea, escrita por um poeta, compositor e cantor, cuja vida tem sido tão dura e vigorosa como uma velha árvore.

A canção que me paralisou, palavras e música, foi “Dance Me to the End of Love”. Essa é a maneira que eu sinto ultimamente. Eu estou dançando, girando ao redor, feliz nos últimos compassos da vida que eu amo. Quando a música parar – quando eu não puder amarrar minha gravata borboleta, contar uma história engraçada, passear com meu cachorro, conversar com Whitney, beijar alguém especial, ou escrever linhas como estas – eu saberei que a vida acabou.

É hora de ir embora.

Dudley Clendinen é um ex-correspondente nacional e editorialista do The Times e autor de “Um Lugar Chamado Canterbury”.

Aprenda porque o ovo de chocolate é o símbolo da Páscoa

Chocolate, da mesma forma que o festival pagão do natal, representa o consumismo e a artificialidade.

Sem qualquer função social e sem representar qualquer papel no desenvolvimento humano (que não possa ser fácil e rapidamente explicados por outros fatores), o chocolate é uma construção artificial que alguns grupos continuamente tentam pintar como salutar, apesar de não apresentar qualquer benefício (apenas alguns deméritos) para o organismo e para a população.

É apenas uma falsa promessa vendida por grupos interessados que lucram diretamente com a venda desencadeada por propagandas ilusórias de algo que dá prazer imediato mas, se engolido inquestionavelmente, se torna prejudicial a longo prazo. Como os ilógicos dogmas religiosos.

A criação de um ovo proveniente de um mamífero não-monotremado representa a ignorante inocência cristã e o desdém religioso em relação à realidade, do tipo que chama baleia de peixe e morcego de ave em livros sagrados, mesmo estes tendo sido escritos sob uma suposta “inspiração divina”.

A idealização antropomórfica de um coelho senciente que sacrifica os próprios descendentes distribuindo seus fisiologicamente impossíveis ovos em uma época específica demonstra a falta de consistência interna e a absurdidade a qual são submetidos aqueles que crêem. Se a recompensa é eterna, por que ela aparece em prestações, uma vez por ano, em forma de fetos achocolatados de pseudo-roedores mágicos?

O espaço vazio pelo qual se paga e que deixa o ovo até dez vezes mais caro que a mesma quantidade de chocolate puro representa as falsas promessas da religião e a ilusão de algo grandioso mas que é, no fim das contas, completamente vazio e desprovido de lógica.

Os bombons dentro do ovo existem para criar a ilusão de valor agregado, um custo/benefício inexistente, visto que o conjunto continua a ser, em sua maior parte, ar embalado. Em outras palavras, balela.

A ostensível embalagem é designada para atrair, pela cobiça, os mais ingênuos (dentre estes, a maioria composta por crianças), que se prendem a uma esperança irrealizável de que, aderindo àquele ritual, estarão de alguma forma se engrandecendo ou melhorando de vida, desconsiderando por completo o fato do invólucro ser o primeiro a ir para a lixeira no fim do dia. Como as falsas amizades de “encontros de casais” e “grupos de jovens”.

Há ainda aqueles que guardam dito pacote por sua beleza ou por aquilo que representa, exemplificando o tipo de dissonância cognitiva daqueles que preferem enganar a si mesmos a admitir que estão apenas acumulando lixo em suas vidas, por mais brilhoso e colorido que seja.

Ignorância dolosa com uma cobertura de benefícios fictícios. Por essas características, o ovo de chocolate representa tão bem a páscoa.

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