Mas que droga!…

Salve, Pessoal!
Para começar bem o ano, mais uma tradução… Desta vez é de um artigo do Times de Londres (original aqui). Sem mais delongas:

The Times 02 de Janeiro de 2006
Tolice pode ser um narcótico, também
Jamie Whyte
Está na hora de nossos legisladores pararem de “viajar” na hipocrisia sobre as leis sobre drogas.
POLÍTICOS NÃO SE IMPORTAM com drogas. É um tópico tal como a religião: uma vez que a posição oficial é uma tolice, os detentores de cargos oficiais não gostam de discutí-lo, se puderem evitá-lo.
Infelizmente, as drogas estão invadindo o establishment pelo lado de dentro. Primeiro foi Kate Moss, depois David Cameron e, agora, o Conselho Advisório sobre o Abuso de Drogas, com seu relatório sobre a classificação criminal da Cannabis. Todo o establishment está em campo: a “patuléia”, a aristocracia e a burocracia. Não há onde se esconder. Está, de novo, na hora de “debater as drogas”.
O “debate sobre as drogas” funciona asssim. A maior parte pensa que a produção, venda e consumo de drogas recreativas, tais como cannabis, ecstasy, cocaína e heroína, deve ser ilegal. Eles apontam para os danos que o uso de drogas causam à saúde dos usuários: morte, danos ao cérebro, câncer de pulmão e por aí a fora. (Todos os outros males causados pelo tráfico de drogas decorrem de sua ilegalidade e, assim, não são usados como argumentação).
Os que acham que as drogas devem ser legalizadas – “somente as leves, é claro; nós não somos loucos” – se resumem a John Stuart Mill. Pessoas adultas conscientes, em um país livre, deveriam ser capazes de causar a si próprias todos os danos que quizessem. O Estado pode legitimamente limitar nossa liberdade para impedir que prejudiquemos os outros, mas não para impedir que prejudiquemos a nós mesmos.
Mill provavelmente estava certo. Mas o argumento não é inteiramente adequado porque ele admite tacitamente que as pessoas se prejudicam ao consumir drogas. E nós vivemos em uma era em que o “bem-estar” prevalece sobre a liberdade, sempre. Os políticos modernos gostam de dizer que é uma tarefa muito difícil encontrar o equilíbrio entre o “bem estar” e a liberdade. Mas não é nem um pouco difícil adivinhar para que lado a balança deles penderá.
Então, para obtermos nossa liberdade, devemos encontrar legisladores que vejam que as drogas são, de fato, “boas para seus usuários”.
Esta afirmativa vai surpreender muitos leitores. Será que Whyte pôs as mãos em alguma pesquisa radicalmente nova acerca dos efeitos psicológicos e fisiológicos das drogas? Não. Eu tenho em minhas mãos uma teoria perfeitamente ortodoxa sobre o “bem estar” que é sempre esquecida no “debate sobre as drogas”. Uma coisa é “boa para você” se seus benefícios são maiores que seus custos. Caso contrário, ela é “má para você”.
Este princípio simples significa que você não pode honestamente recomendar alguma coisa considerando somente seus benefícios, nem condená-la considerando somente seu custo. Este último engano é o mais favorecido no “debate sobre as drogas”. As pessoas persistem infinitamente – e freqüentemente de modo exagerado – em falar sobre os riscos para a saúde no consumo de drogas, como se isso fosse suficiente para demonstrar que drogas são “más para você”. Isto é um absurdo. Se você considerar somente os custos, então tudo é “mau para você”. Comer tem seus custos, tais como o preço da comida e o risco de engasgar e sufocar. Devemos, então, concluir que “comer é mau para você”?
A verdadeira questão não é se o uso de drogas tem custos. Toda atividade o tem. A questão é se estes custos são maiores do que os benefícios do uso de drogas. É fácil demonstrar que não, mas, primeiro, devemos reconhecer qual é o maior benefício. Isso deveria ser óbvio, mas, por alguma razão, ninguém envolvido no “debate sobre as drogas” sequer menciona isso. O maior benefício do uso de drogas é que isso causa prazer. De fato, pode ser incrivelmente prazeiroso. Por isso as pessoas o fazem.
E também porque isso é “bom para eles”. Os usuários de drogas são, simplesmente, pessoas para as quais o prazer é mais importante que o risco de morte, doença, vício e todo o resto. Em outras palavras, são as pessoas para quem os benefícios do uso de drogas são maiores que os custos. Se não fosse assim, eles não seriam usuários de drogas. Isso não é verdade para todos. Alguns dão mais valor à saúde do que ao prazer. Para estes, usar drogas resultaria em uma perda. Tudo bem: essas pessoas não usariam drogas, mesmo que elas fossem legais.
O ponto não é peculiar apenas às drogas. Mudemos de exemplo. Jogar golfe é “bom para você”? Isto depende de quanto valor você dá valor à parte boa (o exercício, a companhia, as belas roupagens) e quanto valor (negativo) você atribui à parte ruim (o exercício, a companhia, às belas roupagens). Se seus valores apontam que jogar golfe traz um benefício, você jogará. Senão, você não jogará. “Bem estar” e liberdade estão em perfeita harmonia. As pessoas só fazem voluntariamente o que é “bom para elas”.
Desde que, é claro, estejam adequadamente informadas. Se você subestimar o custo de alguma atividade, você pode fazê-lo, mesmo que os custos superem os benefícios. Esta possibilidade é algumas vezes usada para justificar a criminalização das drogas. Mas a subestimação é uma faca de dois gumes. As pessoas podem deixar de fazer alguma coisa que seja “boa para elas” porque subestimam seus benefícios. Aqueles que nunca tomaram Ecstasy não podem saber como é maravilhoso. Será que o uso experimental deveria ser compulsório, para eliminar esse risco?
Em 1990, 15 homens que, voluntariamente, cortaram as genitálias uns dos outros, por puro prazer sexual, foram condenados por “lesão corporal” (nota do tradutor: o crime, em inglês é chamado “assault”, que seria traduzido por “agressão”; mas a figura no Código Penal Brasileiro que melhor se adapta é “Lesão Corporal”). Por que seu consentimento não foi levado em conta como circunstância dirimente? Se o consentimento não foi, então por que o Rugby não é considerado “lesão corporal”? Na apelação (negada) em 1992, Lord Lane explicou. O consentimento é dirimente somente se o dano físico for causado por “um propósito meritório”. Rugby é um “propósito meritório”; prazer sexual, não é.
Eu suspeito de que é um raciocínio similar que faz com que os legisladores sistematicamente desprezem os benefícios das drogas. Não é suficiente que as pessoas dêem valor a alguma coisa. Para que conte como benefício, nossos sábios mentores em Westminster têm que julgá-la “meritória”. E, como no caso do mero prazer sexual, eles não consideram “ficar doidão” como “meritório”.
Não é nossa preocupação com nosso “bem estar” que explica a ilegalidade do uso de drogas. É hipocrisia.
O autor é um filósofo.
Copyright 2006 Times Newspapers Ltd. (traduzido e reproduzido sem permissão, é claro…)

Sobre ScienceBlogs Brasil | Anuncie com ScienceBlogs Brasil | Política de Privacidade | Termos e Condições | Contato


ScienceBlogs por Seed Media Group. Group. ©2006-2011 Seed Media Group LLC. Todos direitos garantidos.


Páginas da Seed Media Group Seed Media Group | ScienceBlogs | SEEDMAGAZINE.COM