Mais sobre a “ação fantasmagórica à distância” (agora, do NIST)
Equipe do NIST comprova que a “fantasmagórica ação à distância” é mesmo real
Krister Shalm, físico do NIST, com a fonte de fótons usados no “experimento de Bell” que dá forte apoio a uma predição chave da mecânica quântica: as “fantasmagóricas ações à distância” realmente existem. Crédito da imagem: Burrus/NIST
BOULDER, Colorado. – Einstein estava errado, pelo menos em uma coisa: existem de fato as “fantasmagóricas ações à distância”, conforme comprovado recentemente pelos pesquisadores do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (National Institute of Standards and Technology = NIST).
Einstein usou esse termo para se referir à mecânica quântica que descreve o curioso comportamento das menores partículas de matéria e da luz. Ele se referia especificamente ao entrelaçamento, a ideia que duas partículas separadas fisicamente podem ter propriedades correlacionadas, com valores incertos até que sejam medidos. Einstein duvidava que isso fosse possível e, até agora, os pesquisadores não tinham sido capazes de comprovar que isso acontecia com confiabilidade quase total.
Tal como descrito em uma artigo publicado online e apresentado para publicação na Physical Review Letters (PRL),* os pesquisadores do NIST e de várias outras instituições criaram pares de partículas de luz idênticas (fótons) e as enviaram a dois locais diferentes para medição. Os pesquisadores demonstraram que os resultados medidos não só tinham correlação entre si, como também — pela eliminação de quaisquer outras opções conhecidas — essas correlações não podem ser causadas pelas condições locais controladas do universo “realístico” onde Einstein pensava que habitamos. A descoberta implica em uma explicação diferente, tal como o entrelaçamento.
Os experimentos do NIST são chamados de experimentos de Bell, assim chamados porque em 1964 o físico irlandês John Bell demonstrou que existem limites para as correlações em medições que podem ser atribuídas às condições locais pré-existentes (ou seja, “realísticas”). Além desses limites, as correlações precisariam ou de sinais mais velozes do que a luz – coisa que os físicos consideram impossível – ou de outro mecanismo, tal como o entrelaçamento quântico.
A equipe de pesquisa alcançou este feito ao fechar simultaneamente todas as três principais lacunas que assolavam todos os testes de Bell anteriores. O fechamento das lacunas se tornou possível com os recentes avanços na tecnologia, inclusive os detectores ultra-rápidos de fótons do NIST que podem detectar com precisão ao menos 90% dos sinais muito fracos e novas ferramentas para escolher aleatoriamente as regulagens dos detectores.
“Não se pode comprovar a mecânica quântica, mas realismo local ou ações ocultas locais são incompatíveis com nosso experimento” declarou Krister Shalm do NIST. “Nossos resultados estão de acordo com as predições da mecânica quântica acerca das ações fantasmagóricas partilhadas por partículas entrelaçadas”.
O artigo do NIST foi apresentado à PRL juntamente com outro artigo da Universidade de Vienna na Áustria que usou um detector de fótons individuais de alta-performance fornecido pelo NIST para a realização de um experimento de Bell que obteve resultados semelhantes.
Os resultados do NIST têm relevância ainda maior do que os recentemente relatados pela Universidade Teconológica Delft da Holanda.
No experimento do NIST, a fonte de fótons e os dois detectores ficaram localizados em três salas diferentes e bem distantes, no mesmo piso de um grande prédio de laboratórios. Os dois detectores ficaram separados por 184 metros entre si e a 126 e 132 metros, respectivamente, da fonte de fótons.
A fonte criou um feixe de fótons por meio de um processo onde um raio laser estimula um tipo especial de cristal. Habiltualmente este processo cria pares de fótons que estão entrelaçados, de modo que a polarização de cada fóton é altamente correlacionada com a do outro fóton do par. A polarização se refere à orientação específica de fóton, tal como horizontal ou vertical (por exemplo, óculos de Sol bloqueiam preferencialmente a luz polarizada na horizontal), em analogia com os dois lados de uma moeda.
Os pares de fótons eram então separados e enviados por cabos de fibra óptica até os detectores separados nas duas salas distantes. Enquanto os fótons estavam em curso, um gerador de números aleatórios escolhia um dos dois ajustes de polarização para cada analisador. Se o fóton concordasse com o ajuste do analisador, ele foi detectado em mais de 90% das vezes.
Na melhor sequência de teste, ambos os detectores identificaram simultaneamente fótons em um total de 6.378 vezes em um período de 30 minutos. Outros resultados (tais como apenas um dos detectores disparar) ocorreram em apenas 5.749 vezes em um total de 12.127 eventos relevantes. Os pesquisadores calcularam que a chance máxima do realismo local produzir esses resultados é de apenas 0,0000000059, ou cerca de 1 em 170 milhões. Este resultado excede o padrão da comunidade da física para um significado de “5 sigma”, necessário para declarar algo como uma descoberta. Os resultados descartam firmemente as teorias de realidade local, sugerindo que a explicação da mecânica quântica do entrelaçamento é, sem dúvida, a explicação correta.
O experimento do NIST fechou as três principais lacunas conforme o seguinte:
Amostragem significativa: graças aos detectores de fótons únicos do NIST, o experimento teve eficiência suficiente para assegurar que os fótons detectados e os resultados das medições fossem representativos dos totais reais. Os detectores, feitos de nano-fios supercondutores, tinham uma eficácia de 90% e a eficácia total do sistema foi de 75%.
Exclusão da comunicação mais rápida que a luz: os dois detectores mediram os fótons de um mesmo par com umas poucas centenas de nanosegundos de diferença, encerrando a medição mais de 40 nanossegundos antes que qualquer comunicação à velocidade da luz pudesse ocorrer entre os detectores. Informações à velocidade da luz levariam 617 nanossegundos para cobrir a distância entre os detectores.
Liberdade de escolha: os ajustes dos detectores eram escolhidos mediante geradores de números aleatórios que funcionavam fora do cone de luz (ou seja, da possível influência) da fonte de fótons e, portanto, ficavam isentos de qualquer manipulação. (Na verade, o experimento demonstrou uma “máquina de violação [do teorema] de Bell” que o NIST planeja eventualmente utilizar para certificar aleatoriedade).
Para se assegurar, além de tudo, que variáveis ocultas, tais como flutuações na rede elétrica, não influenciaram os resultados, os pesquisadores realizaram sequências adicionais de testes misturados com outras fontes de aleatoriedade – dados de filmes populares, shows de TV e os dígitos de Pi. Nada disso modificou os resultados.
O experimento foi realizado no campus do NIST em Boulder, Colorado, onde os pesquisadores construíram um dos detectores de fótons e deram apoio teórico. Os pesquisadores do Jet Propulsion Laboratory (Pasadena, Califórnia) construíram o outro detector. Pesquisadores do quartel-general do NIST em Gaithersburg, Maryland, construíram geradores de números aleatórios e os circuitos a eles relacionados. Pesquisadores da Universidade do Illinois em Urbana-Champaign e das Universidades Waterloo e de Moncton no Canadá, ajudaram a desenvolver a fonte de fótons e a realizar os experimentos. Pesquisadores do Instituto de Ciência e Tecnologia de Barcelona, Espanha, desenvolveram outro gerador de números aleatórios.
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Artigo a ser publicado: K. Shalm, E. Meyer-Scott, B.G. Christensen, P. Bierhorst, M.A. Wayne, D.R. Hamel, M.J. Stevens, T. Gerrits, S. Glancy, M.S. Allman, K.J. Coakley, S.D. Dyer, C. Hodge, A.E. Lita, V.B. Verma, J.C. Bienfang, A.L. Migdall, Y. Zhang, W.H. Farr, F. Marsili, M.D. Shaw, J.A. Stern, C. Abellan, W. Amaya, V. Pruneri, T. Jennewein, M.W. Mitchell, P.G. Kwiat, R.P. Mirin, E. Knill e S.W. Nam. A strong loophole-free test of local realism. Enviado para publicação em Physical Review Letters.
O “tecido” da realidade pode ser mais fantasmagórico do que pensamos
(Inside Science) – Eu ando questionando algumas noções básicas acerca da natureza da realidade depois de ler “Spooky Action at a Distance,” (“Fantasmagórica Ação à Distância”), um novo livro escrito por meu amigo e colega George Musser. Eu me junto a vários outros em ver Musser como um dos melhores escritores de ciências que cobrem a pesquisa de ponta da física. (A título de apresentação adicional, ele pertenceu ao comitê do American Institute of Physics que aconselhava o Inside Science.) Seu livro contém ideias fascinantes que ampliam nossos horizontes, e eu passei vários dias pensando sobre elas afinal.
Fazendo uma síntese de várias ideias do “estado-da-arte” da pesquisa de física, Musser apresenta uma argumentação altamente plausível de que nossa percepção do espaço pode ser uma ilusão. Por “espaço”, eu não quero dizer apenas o espaço exterior, mas todo o mundo que nos cerca, inclusive as três dimensões de seu quarto, a colorida paisagem de sua janela e a distância entre sua casa e seu local de trabalho. É isso mesmo: seu percurso diário pode ser fundamentalmente apenas uma ilusão, de acordo com essas teorias emergentes. Ainda são necessários tempo e eenrgia para chegar onde você precisa ir, mas o que você vê da janela de seu meio de transporte pode não ser exatamente aquilo que parece.
Esse tipo de re-pensamento radical não é sem precedentes. Já passamos por uma situação similar com a gravidade. No quadro da gravidade de Isaac Newton, um que ele achou preocupante naquela época, dois objetos tais como a Terra e o Sol exerciam uma atração mútua, muito embora estivessem separados por uma grande distância: Era como se eles estivessem atuando um sobre o outro por meio de um campo de força invisível. No quadro muito diferente da gravidade de Einstein, a massa do Sol distorece a tessitura do sistema solar como uma bola de boliche sobre uma lona. A Terra e os outros planetas rolam por sobre essa lona deformada, produzindo a ainda convincente ilusão de que suas órbitas são causadas por um campo de força invisível.
Sabendo disso, não é surpresa alguma que os físicos estejam re-imaginando o conceito de espaço. Mas ainda é chocante ler a explicação de Musser de que esse “espaço” pode nem existir fundamentalmente. O livro cita o cosmologista e escritor da Caltech Sean Carroll que declarou: “O espaço é totalmente superestimado… é totalmente falso. O espaço é apenas uma aproximação que julgamos útil em certas circunstâncias”
Conquanto eu continue ao menos um pouco cético — o espaço parece funcionar perfeitamente bem na descrição do universo em torno de nós — o livro apresenta argumentos que nos fazem coçar a cabeça e reconsiderar a tessitura da realidade. Existem anomalias suficientes no universo para me fazerem parar para tomar fôlego. E, como aponta Musser, Albert Einstein foi um dos primeiros para apontá-las.
Nos anos 1930, Einstein usou a expressão “ação fantasmagórica à distância” para descrever as possíveis consequências da mecânica quântica. Na então emergente descrição do mundo submicroscópico, duas partículas, separadas em seu nascimento — criadas em um processo como o decaimento de um átomo — podem continuar a afetar uma à outra, mesmo que viajem para lados opostos do universo. Elas seriam capazes de influenciar uma a outra ainda mais rápido do que a luz poderia cobrir a distância entre elas. Um Einstein cético cunhou a expressão “fantasmagórica” para aquilo que ele via como essa previsão estranha da mecânica quântica. Ele pensava que uma teoria mais completa da natureza seria capaz de descartar essa aparente violação do limite máximo de velocidade, a velocidade da luz. No entanto, os experimentadores confirmaram esta “ação fantasmagórica” — melhor conhecida como entrelaçamento quântico — realmente acontece.
Agora, os físicos que lidam com pesquisas de ponta, estão cada vez mais descobrindo que esse tipo de fantasmagoria pode ser capaz de descrever a realidade ainda melhor do que o famoso físico poderia imaginar, o que afeta nossas mais profundas noções sobre espaço.
A distância entre objetos — ou sua proximidade — pode ser tudo uma ilusão, de acordo com a pesquisa que Musser descreve em seu livro.
Recentemente, os físicos descobriram que fica muito mais fácil calcular os resultados de deacimentos múltiplos de partículas super-complicados, se não levarmos em conta o espaço local em torno delas. Anteriormente, os físicos (e os estudantes de pós-graduação em física) estudariam exaustivamente cada vizinho de cada partícula nesses decaimentos, porém, se ingorarmos sua aparente configuração no espaço, se pode chegar às mesmas respotas corretas de modo muito mais fácil.
E então temos a baleia branca da física — o buraco negro. Um alvo de intensos estudos, esses objetos podem guardar os segredos de várias coisas, inclusive o entrelaçamento. Os buracos negros engolem a matéria com voracidade, mas… para onde ela vai? Muito embora a teoria corrente sugira que o centro de um buraco negro contenha algo totalmente contra-intuitivo — um ponto de densidade infinita conhecido como singularidade — os físicos sabem que estão deixando escapar algo acerca de buracos negros. Pode ser que nosso conceito de espaço como um armazém de matéria, seja parte do problema?
Musser aponta o fato de que um buraco negro com dias vezes a massa de outro buraco negro, deveria ser oito vezes maior, da mesma forma que, se soprarmos um balão até que tenha o dobro do raio original, ele ficará oito vezes maior. Porém um buraco negro com o dobro do raios de outro parece ter apenas o dobro da massa, o que faz parecer que ele está armazenando menos massa do que o esperado. Isso sugere várias possibilidades, tais como a matéria ir para outro lugar no universo — ou talvez algum aspecto de sua aparência externa seja ilusório. Felizmente, o comportamento da superfície externa de um buraco negro — o horizonte de eventos — parece ser um terreno fertil para compreender todo o buraco negro e descobrir uma nova física. E isto nos traz ao que realmente pode estar acontecendo com o espaço.
Tal como a superfície externa do buraco negro pode explicar o que acontece em seu interior, a teoria do “universo holográfico” sugere que o interior de nosso universo pode ser descrito pela compreensão da física das bordas do universo que, infelizmente, não podemos acessar. Como analogia, imaginemos se pudessemos compreender absolutamente tudo o que se passa dentro da Terra, se compreendessemos o comportamento de sua superfície. A Terra tem três dimensões, mas sua superfície é descrita por duas — latitude e longitude. Similarmente, as fronteiras do universo observável teriam essa uma dimensão a menos que seu interior, porém pode ser que ela pudesse explicar completamente seu funcionamento, de acordo com o princípio holográfico.
Seguindo linhas de raciocínio similares, no livro de Musser, o filósofo Jenann Ismael se pergunta se o universo é semelhante a um caleidoscópio, onde a luz atinge objetos individuais e reflete em espelhos criando múltiplas imagens idênticas. Talvez o entrelaçamento que ocorre entre duas partículas a grandes distâncias, seja na verdade, em um nível mais fundamental, a projeção de uma única coisa sobre algo que percebemos como dois pontos distintos no espaço.
Então, será o espaço realmente uma ilusão? Nós supusemos que o espaço é um ingrediente fundamental da realidade, tal como uma tela para uma pintura. A teoria recentemente proposta, porém ainda rudimentar, da “grafidade quântica” (um torcadilho de gravidade quântica e teoria dos grafos) tenta combinar a mecânica quântica e a gravidade, ignorando o espaço e simplesmente explorando os relacionamentos entre objetos conhecidos como “grãos”, que são os “dublês” para os constituentes fundamentais tais como a matéria. Os grãos podem formar uma rede de conexões com outros grãos; um grão pode interagir com outro grão de eles tiverem energia suficiente. O que percebemos como uma distância física, seria, na verdade, a quantidade de energia para que esses dois objetos interajam.
Qual é minha opinião sobre tudo isso? Falando como escritor de ciências que cobriu um bocado de pesquisas em física, porém sem um Ph.D. em física, sem embargo, tenho algumas reservas. O espaço desempenha um ótimo serviço em nos ajudar a compreender a realidade. Eu não me sinto à vontade em descartar postulados válidos acerca do espaço, na tentativa de acomodar alguns casos importantes. Fenômenos tais como buracos negros e entrelaçamento são muito importantes, mas eles parecem representar exceções especiais e incomuns do universo e não a maior parte do que existe ou acontece. Por exemplo, os físicos lutam para construir um computador quântico porque é difícil entrelaçar mais do que uma dúzia de átomos, mesmo por um breve período de tempo. Um efeito preponderante, chamado de decoerência, não abordado no livro relativamente breve de Musser, frequentemente estraga o efeito do entrelaçamento, antes que as partículas possam fazer qualquer fantasmagoria.
Por outro lado, existem questões importantes não resolvidas no universo, inclusive como partículas parecerem poder se comunicar mais rápido que a velocidade da luz. Então, talvez precisemos de uma teoria mais abrangente para explicar tudo. No caso da gravidade, a ilusão de que o Sol puxa a Terra e os planetas, funciona bem para a maioria dos propósitos, mesmo em termos científicos. Só são basicamente necessárias as três leis de Newton para pousar na Lua. Entretanto, quando se quer explicar sutilezas tais como os estranhos movimentos de Mercúrio em torno do Sol que não podem ser resolvidos pelas equações de Newton, precisamos da relatividade geral de Einstein.
Se o espaço não é o que parece, então o que é? Minha melhor analogia seria um grupo de crianças jogando “Minecraft” em diferentes computadores. Elas podem perceber que estão construindo juntas uma bela casa em 3-D, uma que todas podem ver, mas o que fundamentalmente está acontecendo é que elas estão dando inputs em seus computadores e recebendo outputs dele. A casa não existe realmente — o que realmente acontece é apenas uma série de inputs e outputs em seus computadores.
Como alternativa, imagine estar no holodeck de Star Trek, uma câmara na qual são projetadas imagens de forma a causar uma ilusão de realidade em 3-D. O holodeck parece completamente real para aqueles que estão dentro dele e os personagens de Star Trek têm experiências válidas nele. Mas na verdade é tudo uma ilusão. Dessa forma, a experiência no holodeck é inteiramente válida para aqueles imersos naquela realidade virtual, mas a realidade maior é outra coisa está realmente acontecendo.
De forma tal que é uma questão em aberto se seu trajeto para o trabalho pode ser uma questão de ter suficiente energia e tempo para chegar lá — e pode não qualquer relação com espaço. Talvez esteja na hora de pensarmos novamente no espaço — o livro de Musser certamente vai encorajá-lo a fazer isso.
Ben P. Stein é o diretor do Inside Science e cobriu ciências físicas como escritor e editor desde 1991. Seu twitter é @bensteinscience.
LEDs feitos a partir de lixo orgânico
Transformando sobras de comida em iluminação
Comidas e bebidas podem ser tranformados em pontos quânticos que brilham como LEDs.
(Inside Science) — Pode até ser um TV dinner… Pesquisadores conseguiram transformar pedacinhos de restos de comidas em diodos emissores de luz (LEDs) – esses pequenos dispositivos eletrônicos que emitem luz que compõem a maoir parte das telas de TV atuais.
Aquecendo pedaços de tortillas e pão — e até mesmo de sodas e vapores de carvão, papel e madeiras em brasa — os pesquisadores fizeram pequenas esferas chamadas pontos quânticos de carbono. Esses pontos brilham quando são banhados em luz ultravioleta (UV), o que os torna úteis não só como LEDs, como também para células solares e biomarcadores que permitem aos biólogos observarem a iluminação de células biológicas específicas.
A utilização de sobras de comida pode ser uma forma mais barata e ambientalmente amigável para a fabricação de LEDs de pontos de carbono, argumenta Prashant Sarswat da Universidade de Utah, em Salt Lake City.
Pontos quânticos não são novidade. Na verdade, eles são usados nas mais novas telas de TV. Eles são particularmente adequados para ecrans em geral porque os pontos, muito mais estreitos do que um cabelo humano, podem ser ajustados para brilhar em cores precisas por seus tamanhos; os maiores são vermelhos e os menores são azuis.
O problema é que os pontos quânticos normalmente são feitos com semicondutores tais como seleneto de cádmio que é tóxico. Por isso, nos últimos anos, os pesquisadores vêm desenvolvendo pontos quânticos, empregando o carbono que não é tóxico e nem polui o meio ambiente, e que pode ser encontrado em qualquer tipo de material orgânico – o que incui sobras de comida e o resto daquele seu refrigerante.
Outros usaram métodos similares para transformar comidas e bebidas em pontos de carbono. Por exemplo, foram feitas pesquisas com restos de óleo de frituras, cascas de laranjas e outros cítricos, suco de laranja, leite de soja, borra de café e (anátema!) cerveja. Mas a maioria não deu o passo seguinte e construiu um LED.
Sarswat e Michael Free, também da Universidade de Utah, pegaram em pedacinhos de tortilla e pão, soda e gases de escapamento, adicionaram um solvente e aqueceram a mistura até temperaturas na faixa dos 150 a 250 graus (330 a 450 graus Fahrenheit) entre 30 e 90 minutos. O calor quebra os componentes químicos em pontos de carbono, conforme explica Sarswat. As sodas, uma vez que são substâncias mais simples quase que totalmente compostas por açúcares, sãoas que dão os melhores pontos de carbono.
Fazer um LED não precisa de muita comida ou bebida.
“É esperançoso que algo da ordem de uma lata de refrigerante ou coisa assim poderia dar carbono suficiente para uma pequena tela LED de TV”, disse Free. Os pesquisadores que publicaram recentemente seu trabalho em Physical Chemistry Chemical Physics, querem agora refinar seus processos de forma a ajustarem melhor as cores dos pontos.
“O processo de síntese é muito viável do ponto de vista custo-benefício”, declarou Yogendra Mishra, cientista de materiais na Universidade de Kiel na Alemanha e que não participou dessas pesquisas. “Pode ser facilmente levado à produção em escala industrial”. Comparado com as técnicas atuais de fabricação de pontos de carbono que precisam de fontes de carbono puro, o uso de sobras de comida pode cortar os custos pela metade, acrescentou ele.
No entanto, embora os processos de aquecimento sejam relativamente simples, a química subjacente não é, diz Gary Baker, químico da Universidade de Missouri em Columbia que também não participou da equipe. Recentemente, seu grupo usou urina de pessoas para fabricar pontos de carbono (batizados de “pontos-de-xixi”).
Comidas contém todos os tipos de substâncias químicas e, quando aquecidas, se acaba com uma mixórdia de reações químicas complexas e subprodutos – além dos pontos de carbono que possam se formar. E esses outros pedacinhos de matéria orgânica também brilham. Assim, para isolar os pontos de carbono e realmente compreender suas propriedades e como eles acendem, há que depurar a solução, segundo Baker.
Porém a maioria dos estudos de transformação de comida em pontos de carbono pula esta fase, diz ele.
“Este é o problema com a vasta maioria dos artigos sobre pontos de carbono na literatura”.
Este novo estudo não é uma exceção.
“Se eu for julgar este artigo tal como está redigido”, diz ele, “eles não fazem qualquer purificação, o que é espantoso”.
Em consequência, diz Baker, não se pode atribuir toda a luminescência obtida somente aos pontos de carbono.
“Nós podemos nos deixar levar demais com o relato de novos resultados entusiasmantes e podemos por o carro adiante dos bois, estudando características complexas de amostras que foram pobremente classificadas”.
Embora o entusiasmo acerca dos pontos de carbono seja justificável e este estudo possa vir a ser importante para futuros dispositivos emissores de luz, os pesquisadores devem querer purificar suas amostras e re-analizá-las, prossegue ele.
“Eu tenho certeza de que os resultados serão diferentes”.
Marcus Woo é um escritor freelance área da Baía de San Francisco Bay Area que já publicou em Wired, BBC Earth, BBC Future, National Geographic News e outras agências. Seu tweeter é @sucramoow.