(Inside Science) — Quando os chefes do Laser Interferometer Gravitational-wave Observatory, ou LIGO, anunciaram em fevereiro a primeira detecção direta jamais feita de uma onda gravitacional, os astrofísicos Scott Ransom do National Radio Astronomy Observatory e Andrea Lommen da Franklin and Marshall University em Lancaster, Pennsylvania, tiveram sentimentos mistos.
Por um lado, isso significava que as equipes que eles e outros lideravam, fazendo a busca pelas ondas gravitacionais com radiotelescópios e apontadas para o tipo de estrela conhecido como pulsar, não iam conseguir ser os primeiros. “Nós adorávamos a ideia de sermos os azarões do páreo”, admitiu Ransom.
Por outro lado, eles ficaram entusiasmados pelos seus colegas no LIGO — e pela astronomia de ondas gravitacionais. “Eu fiquei realmente entusiasmado por um dia inteiro, penso eu, até que bateu o ciúme”, diz Lommen. “Nós todos vinhamos trabalhando nesse campo que não detectou coisa alguma por 20, 30 anos — e agora temos uma detecção. As pessoas não podem mais rir de nossas caras”.
Acima de tudo, Ransom, Lommen e seus colegas tinham a esperança que, como uma maré enchente, o entusiasmo acerca da descoberta desse um novo impulso à pesquisa por ondas gravitacionais – inclusive suas próprias.
O campo precisava dessa validação. Os rádiotelescópios e os futuros observatórios de ondas gravitacionais no espaço tinham sofrido os maiores cortes no orçamento nos últimos anos e, o que parecia em 2014 ser uma descoberta das ondas gravitacionais do Big Bang, se revelou ser apenas poeira cósmica. Em contraste, o sucesso do LIGO que parece quase certo que permanecerá, promete ser apenas o começo da era da astronomia de ondas gravitacionais, na qual vários tipos de instrumentos vão começar a responder questões críticas acerca dessas ondas — e sobre os objetos que as produzem.
Porém o LIGO não pode fazer tudo sozinho. Segundo a teoria da relatividade geral de Einstein e as observações feitas pelos astrônomos no último século, o universo deveria estar cheio de ondas gravitacionais de várias potências e frequências. Entretanto o LIGO só pode detectar ondas de alta frequência, tais como a detectada em 14 de setembro de 2015, gerada pelos momentos finais da fusão de dois buracos negros.
É aí onde entram três outras maneiras de detectar ondas gravitacionais: rastreamento de pulsares, interferometria laser no espaço e estudo das radiações vinda do universo quando jovem. Tal como os telescópios atuais que podem enxergar em radiofrequência, infravermelho, ultravioleta e raios X, além da luz visível, continuam a revelar novas facetas de nosso universo, somente com todos os quatro métodos de detecção os astrônomos poderão ter acesso a todas as informações que as ondas gravitacionais podem fornecer. Tal como Gabriela Gonzalez, física da Louisiana State University em Baton Rouge e porta-voz do LIGO colocou na conferência de imprensa de 11 de fevereiro passado que anunciou a descoberta inicial: “Eu quero ver todas essas janelas se abrirem tão logo possível”.
O núcleo do aglomerado globular Tucanae, uma vasta nuvem de velhas estrelas encontradas na constelação do Tucano, que contém 25 pulsares de milissegundo conhecidos. Crédito: ESO, http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
Ouvindo os pulsares
Albert Einstein predisse a existência das ondas gravitacionais em 1916, um ano após publicar sua teoria da relatividade geral. Poré, já que mesmo uma forte onda gravitacional teria efeitos muito diminutos sobre a Terra, fazendo com que os objetos se deslocassem por muito menos do que o diâmetro de um próton, Einstein desistiu de jamais detectar uma delas experimentalmente.
No início da década de 1980, no entanto, a caçada começou. A National Science Foundation financiou os primeiros estudos que, eventualmente, levariam ao LIGO e os pesquisadores já começavam a pensar em outras maneiras de detectar as pequenas ondulações da gravidade. Uma delas era estudar os sinais vindos de estrelas que giram rapidamente, os pulsares. Um pulsar é formado quando um estrela com pelo menos 1,4 massas solares explode como supernova e sua massa restante colapsa em uma esfera de nêutrons densa e com giro rápido. Essas estrelas de nêutrons se tornam magnetizadas e emitem radiação eletromagnética, frequentemente na frequência das ondas de rádio, tonando-as gigantescos faróis cósmicos. Se um pulsar estiver próximo o bastante e seus pulsos voltados para a Terra, os modernos telescópios podem detectá-los.
No final da década de 1970 e início da de 1980, a mudança no tempo de chegada dos sinais de um pulsar em órbita de outra estrela de nêutrons forneceu um indício indireto para a existência de ondas gravitacionais, o que levou ao Prêmio Nobel de Física em 1993. Então, em 1982, o astrofísico Donald Backer da University of California, Berkeley, propos que os cientistas poderiam usar certos “pulsares de milissegundo” (que giram neste tempo) para uma detecção mais direta, medindo as pequenas diferenças de tempo de chegada à Terra dos pulsos, já que as ondas gravitacionais passantes deslocariam levemente o planeta na direção de alguns pulsares e na oposta de outros.
O “sistema de temporização de pulsares” imaginado por Backer seria como uma teia de aranha galáctica, na qual a Terra repousaria no centro e ficaria conectada a cada pulsar por um fio. Quantos mais fios houvesse, mais facilmente os cientistas poderiam dizer quando a Terra tivesse se movido ligeiramente.
Em particular, Backer pensou que os pulsares poderiam ser usados para detectar as ondas gravitacionais que os cientistas acreditam que estejam sendo contiunamente emitidos por enormes buracos negros do tamanho de galáxias — objetos esses milhões ou até bilhões de vezes mais massivos que os buracos negros detectados pelo LIGO – que orbitam em torno um do outro no universo distante. Uma vez que esses pares levam anos para completar uma órbita, as ondas gravitacionais emitidas teriam uma frequência extremamente baixa e mostruosamente longa – comprimentos de onda da ordem de anos luz.
O efeito que Backer se propos a medir era muito maior do que aquele detectado pelo LIGO, porém ainda muito pequeno em termos do cotidiano — cerca de uma parte em 10 elevado à décima sexta potência —e os cientistas precisariam de anos de medições de pulsares antes de poderem ter certeza de ter uma verdadeira detecção. Precisaria também de encontrar e rastrear muitos pulsares de milissegundos do que aqueles conhecidos pelos astrônomos na época que Backer propos o experimento. “Pulsares de milissegundo, o LIGO e alguns experimentos quânticos são de longe as experiências físicas mais precisas que se pode fazer”, disse Ransom.
O radiotelescópio Parkes em Nova Gales do Sul, Austrália, que começou a operar em1961. http://creativecommons.org/licenses/by/3.0/
Construindo redes de detecção
Em 2004, o astrofísico Richard Manchester da Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation (CSIRO) na Australia iniciou um esforço para descobrir e rastrear os tempos dos pulsares no Hemisfério Sul, usando o radiotelescópio Parkes de 64m de diâmetro. Nesse ponto, Ransom, Lommen e Fredrick Jenet, físico da University of Texas em Brownsville, iniciaram discussões que levaram ao que eles chamaram de North American Nanohertz Observatory for Gravitational Waves ou NANOGrav. “Nós vimos que havia uma competição internacional”, disse said Ransom. “E foi aí que a coisa ficou mesmo séria”.
A equipe NANOGrav agora usa o telescópio de 100m de Green Bank Telescope na West Virginia e o telescópio de 300m em Arecibo, Puerto Rico — atualmente os dois radiotelescópios mais poderosos — para rastrear pulsares de 54 milissegundos e procurar por outros mais. Os enormes pratos são necessários para refletir o bastante dos sinais extremamente fracos de radiofrequência dos pulsares até um receptor que captura os sinais — pulsos tão regulares como os do mais preciso relógio na Terra.
Enquanto isso, a equipe australiana rastreou 24 pulsares e, no último verão, publcou na Science uma análise de mais de uma década de dados de seus quatro pulsares mais regulares. Eles não encontraram qualquer indício de ondas gravitacionais, muito embora vários modelos teóricos predissessem que pares de buracos negros supermassivos, emissores de ondas gravitacionais, se formariam tão frequentemente que a equipe de Parkes deveria ter detectado algum. Com base em sua análise, os pesquisadores sugeriram que a comunidade de medição de pulsares poderia ter que esperar alguns anos até que o Sistema de Quilômetro Quadrado (Square Kilometer Array), um sistema de radiotelescópio gigantesco planejado entre a Austrália e a África do Sul, entrasse em operação para ter a chance de uma detecção.
Porém a equipe NANOGrav redarguiu que ainda há muito que os cientistas ainda não sabem sobre a frequência de formação de pares de buracos negros supermassivos e que a equipe de Parkes os havia descartado apenas com os modelos mais otimísticos. Em um artigo publicado no mês passado em Astrophysical Journal Letters, os membros da NANOGrav apresentam seu argumento de adicionar mais pulsares ao sistema para aumentar a sensibilidade, predizendo uma detecção dentro de uma década se mantido o curso.
As equipes NANOGrav, Parkes e outra equipe européia também concordaram em compartilhar seus dados, formando o International Pulsar Timing Array, ou IPTA, o que deve ajudar os cientistas a melhorar seus conhecimentos da taxa de fusões de buracos negros supermassivos ainda mais.
“Esta é a primeira vez que sistemas de temporização de pulsares foram capazes de fazer astrofísica de verdade”, disse Ransom. “Para nós, é entusiasmante”.
O grupo está preparando uma segunda apresentação de dados para o fim deste ano e isto deve por fim à competição que existia entre eles, disse George Hobbs, astrofísico do CSIRO e atual diretor da equipe Parkes. “De repente o IPTA se tornou a coisa mais importante e é isso que todos queríamos ver”.
Laçamento do foguete Vega VV06 que transporta o LISA Pathfinder. Crédito: ESA
Preenchendo o espectro
Mais ou menos na mesma época em que os sonhos do LIGO e dos sistemas de temporização de pulsares estavam ganhando forma, os pesquisadores começaram a propor um experimento semelhante ao LIGO, mas com o detector no espaço. As vantagens sobre um detector com base no solo são muitas — os “braços” poderiam ter milhões de km de comprimento, em lugar de uns poucos, assim como o ruído de eventos terrestres frequentes, tais como quedas de árvores e ondas que quebram nas praias (ambos têm impacto sobre o LIGO) seriam eliminados – tornando um tal detector sensível a um número bem maior de ondas gravitacionais.
A ideia se materializou em um projeto conjunto NASA-ESA chamado Laser Interferometer Space Antenna, ou LISA e deveria ter sido lançado nesta década. Porém a NASA abandonou o projeto em 2012, por conta dos custos. A ESA refez o projeto como evolved LISA, ou eLISA, cujos braços terão 1 milhão de km. Embora a data projetada para o lançamento de eLISA seja em 2034, em dezembro passado a ESA lançou a missão LISA Pathfinder, que testará a tecnologia necessária para eLISA.
A China também está pensando em lançar seu próprio detector ou de fazer uma parceria com a ESA. De qualquer forma o tempo de detecção poderá diminuir, dizem os cienteistas.
Um quarto método de busca para ondas gravitacionais recebeu uma atenção especial em 17 de março de 2014, quando os físicos de Harvard e várias outras instituições anunciaram o uso do telescópio BICEP2 no Polo Sul para detectar a impressão das ondas gravitacionais no fundo cósmico de micro-ondas, aquele brilhareco de luz vindos da formação dos primeiros átomos de hidrogênio depois do Big Bang, o qual é o limite do universo observável.
Muitas das principais teorias do nascimento do universo sugerem que o universo inflou rapidamente logo após o Big Bang, durante um período chamado de “inflação”. Este violento surto de crescimento, que ocorreu quando toda a massa/energia estava em um volume pequeno, deve ter liberado enormes ondas gravitacionais. Uns 380.000 anos depois, essas ondas, agora já esticadas por milhões ou bilhões de anos luz, teria interagido com o fundo cósmico de micro-ondas de uma forma particular e que poderia ser detectada.
Uma previsão fascinante como esta inspirou várias equipes de pesquisas a projetas telescópios de micro-ondas para buscar tal assinatura. O grupo do BICEP2, em conjunto com a equipe do satélite Planck da ESA, eventualmente declararam seus achado inconclusivos , depois que outros apontaram que a poeira na Via Láctea poderia produzir o mesmo sinal que eles estvam interpretando como uma polarização do fundo cósmicod e micro-ondas.
Ainda assim, novos telescópios estão se juntando à busca pelas ondas gravitacionais primevas. Um dos mais poderosos é o Cosmology Large Angular Scale Surveyor, ou CLASS, que está sendo construído no deserto de Atacama no Chile. O CLASS vai efetuar medições em vários comprimentos de onda necessários para distinguir a radiação de fundo dos sinais emitidos pela poeira e outras fontes próximas, e vai cobrir uma larga faixa dos céus para capturar as informações mais completas. A experimento precisa de um sofisticado sistema de detecção, levado até próximo do zero absoluto, no limite da atual tecnologia.
“Uma vez que nós decidimos fazer medições em larga escala, a questão era o que é necessário para fazê-lo e, mesmo que seja difícil, o que precisa ser feito”, disse Charles Bennett, cosmologista da Universidade Johns Hopkins University, que lidera o projeto CLASS. Bennett espera que o CLASS comece a funcionar ainda neste ano.
O Telescópio Green Bank ao por do Sol. Foto de Harry Morton. Cortesia da NRAO/AUI e Harry Morton (NRAO), http://images.nrao.edu/image_use.shtml (cc 3.0)
Financiando o futuro
Além de olhar para os céus, os caçadores de ondas gravitacionais têm que manter um olho em Washington e as recentes mensagens vindas de lá estão confusas. A temporização de pulsares recebeu um grande incentivo em 2015, quando a NSF alocou um fundo US$ 14,5 milhões ao longo de cinco anos.
Ao mesmo tempo, a NSF está querendo se desfazer dos telescópios da NANOGrav. Um comitê de revisão recomendou que seja desativado o telescópio de Green Bank e talvez o de Arecibo, dando prioridade a outras instalações.
Por enquanto, a NSF financiará parcialmente os dois telescópios, enquanto outras fontes, tais como o bilionário projeto russo Yuri Milner’s Breakthrough Listen, procuram por sinais de rádio de civilizações extra-terrestres e ajudam a preencher o vácuo. Porém o futuro desses telescópios é incerto – não porque eles não produzam boa ciência, mas porque simplesmente não há dinheiro suficiente para financiar todos os projetos bons, como explica James Ulvestad, diretor da Divisão de Astronomia da NSF.
A perda de qualquer um desses telescópios vai retardar uma detecção de ondas gravitacionais por anos, ao menos até que a China ponha para funcionar seu prato de 500m no fim da década.
“Neste ponto da história … quando estamos apenas abrindo a era das ondas gravitacionais na física”, reclama Lommen, “é uma vergonha falar em fechar qualquer um dos dois telescópios que fazem uma tremenda falta”.
Ransom acredita que o sucesso do LIGO — e outros — pode revigorar o campo e ajudar a manter os telescópios funcionando. “Eu espero que não seja apenas otimismo”, diz ele. “Nós estamos fazendo astrofísica de verdade e chegando a limites que realmente são significativos e podem mudar o pensamento das pessoas”.
“As ondas gravitacionais estão se tornando relevantes para a astronomia”.
Gabriel Popkin (@gabrielpopkin) é um escritor de ciências independente de Washington, DC. Já publicou em Science News, ScienceNOW, Johns Hopkins Magazine e outras publicações.