Façam fila! (ou não…)

Via EurekAlert:
American Friends of Tel Aviv University

To queue or not to queue? (o trocadilho é tão bom que eu resolvi não traduzir)



Professor Refael Hassin
Crédito: AFTAU


Se há alguma coisa que diferencia a humanidade dos animais, é que os humanos esperam em filas. Para fazer um depósito no banco, para pagar as mercadorias no armazém, até para votar — todos nós aprendemos a fazer fila, um atrás do outro. E aprendemos, mesmo que não gostemos disso, que é melhor sorrir e suportar.
No entanto, tempo é dinheiro, e tanto as pessoas como os negócios podem sofrer na medida em que as filas se tornam cada vez maiores, diz o matemático Prof. Refael Hassin, da Universidade de Tel Aviv. Ele empregou a Teoria dos Jogos para estudar o tempo de espera nas filas e compreender as conseqüências econômicas. Suas descobertas — muitas das quais contrariam totalmente o “senso comum” — podem também virar a indústria dos serviços de cabeça para baixo, porque ajudam os negócios a ficarem mais rentáveis e tornar o mundo um lugar mais agradável para todos viverem.
Os resultados da sua pesquisa foram recentemente publicados em Management Science.
Um “Espresso” enquanto você espera

Os negócios podem implementar sistemas para diminuir os tempos de espera e diminuir o número de consumidores frustrados que vão embora sem fazer uma compra. O Prof. Hassin nota que existem muitas soluções que as companhias poderiam adotar para melhorar o serviço ao consumidor. Uma taxa de entrada para uma fila mais rápida é uma das opções.
“Eu não sugiro que as companhias saiam contratando mais caixas, assim que virem as filas crescendo”, diz ele. “Mas com alguma análise básica os picos de tempo de espera nas filas podem ser estabelecidos e os negociantes podem se assegurar que os fregueses continuem felizes durante a espera, oferecendo serviços e distrações, tais como TV ou, quem sabe, cappuccinos”.
Mas algumas vezes as próprias filas são o problema, acredita o Prof. Hassin. Seu estudo sugere que os tempos de espera são afetados por um grande número de variáveis aleatórias e que as pessoas que se amontoam em um balcão podem ser servidas com mais eficiência do que pessoas que esperam na fila. Algumas vezes a desordem cria sua própria ordem.
Em uma sorveteria, por exemplo, um consumidor que se esprema no balcão, vai esperar por menos tempo do que se o mesmo número de fregueses esperassem pacientemente em uma fila. Isso significa que mais sorvetes serão servidos e mais dinheiro entrará no caixa. “Se houver 10 pessoas em uma sorveteria, na média você vai ser atendido depois da quinta, se não esperar em uma fila organizada”, diz o Prof. Hassin.
Prof. Hassin prossegue explicando: “É claro que eu poderia ser atendido primeiro, segundo ou mesmo em último lugar. Mas, na média, as estatísticas se baseiam nas estratégias de tomada de decisões humanas: se uma pessoa está decidindo se vai ou não entrar em uma loja e vê muitas pessoas já lá dentro, a maioria preferirá um atendimento desorganizado — porque existe a oportunidade de ser atendido antes do que se estivesse esperando pacientemente em uma fila”.
Para a Democracia, é necessário “esperar a sua vez”?

Tanto os fregueses como os comerciantes podem aprender com a pesquisa do Prof. Hassin. Embora pareça, intuitivamente, que a eqüidade seja observada quando as pessoas esperam pacientemente em filas, até que chegue sua vez, o Prof. Hassin diz que, quando se trata de fazer fila, a democracia é mais respeitada quando se fura a fila.
“As pessoas nas filas tendem a pensar somente em si próprias e ignorar o impacto que podem causar sobre as demais”, diz o Prof. Hassin. “Se eu cheguei na fila primeiro e você chegou depois, você vai esperar mais por minha causa. Os fregueses freqüentemente são egoístas e ignoram os efeitos que seu comportamento tem sobre os demais”. Por isso, em alguns casos, é melhor gerenciar uma fila de uma maneira desorganizada e não-democrática, atender na ordem inversa da chegada, ou esconder informações sobre o tamanho da fila a fregueses em potencial, explica ele.

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A pesquisa do Prof. Hassin’s foi inspirada na ausência de um sistema de filas organizadas na sociedade Israelita. Suas descobertas estão disponíveis em “To Queue or Not to Queue” de autoria dos Professores Hassin e Moshe Haviv, no website do Prof. Hassin’s em http://www.math.tau.ac.il/~hassin/.

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Observações do tradutor:

Eu não poderia concordar mais com o Prof. Hassim! Basta se lembrar dos “profissionais de fila” nos postos de atendimento médico no Brasil… E lembrar quando foi a última vez (eu garanto que não foi há muito tempo…) em que você se viu em uma situação como a minha:

Eu precisava fazer um depósito mixuruca de R$ 50,00, diretamente na conta de meu filho (tinha que ser na boca do caixa, porque a agência bancária dele é de Macaé). Entrei no banco, apenas um caixa funcionando, mas apenas duas pessoas na fila, também. Uma hora de espera! As duas pessoas que estavam na minha frente eram dois “enrolados” que queriam porque queriam ser atendidos, mas não sabiam onde tinham guardado os documentos, se a conta que desejavam mexer era corrente ou de poupança, etc. Depois de esperar por uma hora, eu fui atendido em exatos 25 segundos! (Eu estava com o dinheiro e o número da conta na mão…) Que diferença faria para as tais duas pessoas me deixarem passar sua frente? Nenhuma!… Apenas “elas chegaram antes”…

Aliás, quem não “mofou” em uma fila, atrás de um contínuo de repartição pública ou office-boy com trocentos depósitos, cheques, pedidos de talão de cheques, extratos e outras mumunhas que eles levam naquelas malditas pastinhas?… Que se dane se “eles estão trabalhando”!… Os outros também têm mais o que fazer!

Outra coisa que não é novidade: quando o Prof. Hassim fala em “Uma taxa de entrada para uma fila mais rápida ”, ele só está falando da velha conhecida dos brasileiros: a “taxa de urgência”… Funciona em qualquer cartório, repartição pública e concessionária de serviços públicos. “Criar dificuldades para vender facilidades” sempre foi o lema de qualquer burocracia…

Mas você prefere um país “organizado” e “civilizado”?… Sem problemas!… Entre aí na fila…

Cooperação forçada

Salve, Pessoal!
Um artigo, bem a propósito, apareceu na edição de hoje do The New York Times. Fala sobre cooperativismo e o poder de coerção. Sem mais comentários, ei-lo:

Estudo liga Punição com Capacidade de Tirar Proveito
Por BENEDICT CAREY
Publicado em: 7 de Abril de 2006.
Os sociólogos sabem, há muito tempo, que comunidades e outros grupos cooperativos, usualmente entram em colapso por conta de questiúnculas e debandam, a menos que tenham métodos claros para punir os membros que se tornem egoistas ou exploradores.
Agora, uma experiência conduzida por um grupo de economistas alemães, descobriu uma razão porque a punição é tão importante: grupos que permitem punições podem ser mais proveitosos do que os que não permitem.
Permitida a opção, a maior parte das pessoas que jogavam um jogo de investimentos, criado pelos pesquisadores, incialmente se decidiu por se unir a um grupo que não penalizava seus membros. Mas quase todos rapidamente mudaram-se para uma comunidade punitiva, quando viram que a mudança poderia ser pessoalmente proveitosa.
O estudo, publicado hoje na “Science”, sugere que grupos com poucas regras atraem muitas pessoas exploradoras que rapidamente minam a cooperação. Em contraste, comunidades que permitem punições e nas quais o poder é distribuído eqüanimemente, atraem mais pessoas que, mesmo com sacrifício próprio, têm a disposição de confrontar os delinqüentes.
Uma expert não envolvida no estudo, Elinor Ostrom, co-diretora do Workshop de Teoria Política e Análise de Políticas na Universidade de Indiana, disse que isto ajudava a clarear as condições nas quais as pessoas penalizarão as outras, a fim de promover a cooperação.
«Eu estou muito contente em ver essa experiência realizada e seus resiltados publicados com tanta proeminência», disse a Dra. Ostrom, «porque ainda temos muitos quebra-cabeças a resolver, quando se trata do efeito das punições sobre o comportamento.»
A Dra. Ostrom realizou trabalhos de campo com cooperativas por todo o mundo e disse que, freqüentemente, perguntava a outros pesquisadores e estudantes se eles conheciam algum grupo comunitário longevo que não empregasse um sistema de punições. «Ninguém conseguiu me dar um único exemplo», disse ela.
Na experiência, os pesquisadores na Universidade de Erfurt (Alemanha) recrutaram 84 estudantes para o jogo de investimento e deram a cada um 20 “moedas” para cada, para iniciar. A cada rodada do jogo, cada participante decidia se ia manter as “moedas” ou investir algumas em um fundo cujo retorno garantido era distribuído igualmente por todos os membros do grupo, inclusive os “caronas” que ficassem sentados em cima de seu dinheiro. Como o lucro era determinado a partir de um múltiplo das “moedas” investidas, cada participante que tivesse contribuído para o fundo, receberia um retorno menor do que seria, se os “caronas” também tivessem contribuído.
As “moedas” poderiam ser trocadas por dinheiro de verdade no fim da experiência.
Cerca de dois terços dos estudantes escolheram, inicialmente, jogar no grupo que não permitia punições. No outro grupo, os estudantes tinham a opção de, a cada rodada, penalizar os outros jogadores; custava uma “moeda” para multar um outro jogador em três “moedas”. Todos os participantes podiam ver quem estava contribuíndo com quanto, à medida em que o jogo progredia, e podiam mudar de grupo antes de cada rodada.
Na altura da quinta rodada, cerca de metade dos que começaram o estudo no grupo sem penalidades, tinham mudado para o grupo com punições. Um número menor de estudantes emigrou na outra direção, mas, na altura da 20ª rodada, a maioria tinha voltado e a comunidade sem punições tinha virado, virtualmente, uma cidade-fantasma.
«O “ponto final” da publicação é que, quando você tem pessoas com padrões compartilhados e alguns com a coragem moral para sancionar os outros, informalmente, então esse tipo de sociedade obtém muito sucesso», disse a autora-sênior do estudo, Bettina Rockenbach, a quem se juntaram na pesquisa Bernd Irlenbusch, agora na Escola de Economia de Londres, e Ozgur Gurek.
As mudanças de grupos freqüentemente causavam memoráveis mudanças de atitude nos estudantes. Muitos dos que tinham sido “caronas” no grupo laissez-faire, começaram avidamente a penalizar outros jogadores egoístas, quando da mudança. A Dra. Rockenbach compara essas pessoas a tabagistas que insistem em seu direito de fumar, até que deixam de fumar. «Aí, elas se tornam os anti-fumantes mais militantes», disse ela.
Ser explorado pareceu causar profunda frustração e raiva na maior parte dos estudantes, disse ela.
Outros experts disseram que os resultados são uma importante demonstração de como o interesse próprio pode vencer a aversão das pessoas a normas punitivas, pelo menos no laboratório. No mundo de fora, disseram eles, usualmente não é tão claro ver quem está “tomando carona”, nem mesmo ver se um dado grupo está encorajando um comportamento cooperativo para a maioria das pessoas.
«O mistério, se é que há algum, é como essas instituições começam a se desenvolver», disse por e-mail Duncan J. Watts, um sociólogo em Colúmbia, «isto é, antes que se torne aparente a qualquer um que se pode resolver o problema de cooperação.»

Atribuem a Napoleão Buonaparte a frase: «Uma pessoa lutará com mais entusiasmo por seus interesses do que por seus direitos».
Se ele não disse, deveria ter dito…

Pit-bulls e outras generalizações erradas…

Salve, Pessoal!
Eu não acredito que levei desde o dia 02 de fevereiro para traduzir este artigo… Está bem… ele é longo e escrito em um inglês extremamente idiomático… mas não era para ter demorado tanto.
Eu cheguei a este artigo da revista The New Yorker por um link no Blog do Daniel, em 2 de fevereiro, na matéria geral The Interesting Bits of Yesterday. O interesse dele no artigo é mais dirigido à intodução do fator “tempo” na própria coleta de dados estatísticos e dos aspectos matemáticos envolvidos na atividade conhecida como “profiling”. A tradução literal em português seria “estabelecer um perfil”, ou eu poderia recorrer a um neologismo, tal como “perfilizar”. Mas, como eu não sou um purista e falo “deletar” e outros estrangeirismos, vou deixar “profiling” sem tradução.
O artigo me chamou particularmente a atenção porque trata da imbecilidade com que se costuma fazer os “profilings”, e guarda correlação direta com dois outros assuntos que já foram tratados neste Blog: o “profiling” criminosamente errado que levou ao assassinato de Jean Charles de Menezes pela, supostamente eficiente, Scotland Yard, e as considerações tecidas pelo autor de “Por que pessoas espertas defendem más idéias”. E também porque trata de generalizações apressadas, feitas por idiotas assustados, sobre a periculosidade de coisas sobre as quais elas não conhecem sequer a orelha do livro. O link para o artigo original eu já publiquei. Então, lá vai a tradução:

Criadores de Problemas
O que os pit-bulls podem nos ensinar sobre “profiling”.
por MALCOLM GLADWELL
Edição de 06/02/2006
Postado em 30/01/2006
Em uma tarde de Fevereiro passado, Guy Clairoux pegou seu filho de dois anos e meio, Jayden, da creche e o trouxe pela mão para sua casa na zona oeste de Ottawa, Ontario. Eles estavam quase em casa. Jayden ia se arrastando atrás do pai e, quando seu pai vriou-lhe as costas, um pit-bull saltou a cerca de um quintal e atacou Jayden. «O cão tinha a cabeça dele entre os dentes e começou a balançá-la», disse mais tarde a mulher de Clarioux, JoAnn Hartley. Enquanto ela via horrorizada, mais dois pit-bulls saltaram a cerca, juntando-se ao ataque. Ela e Clarioux vieram correndo e ele socou a cabeça do primeiro cachorro, até que ele largasse Jayden, e então jogou o menino para a mãe. Hartley caiu por cima de seu filho, protegendo-o com seu corpo. Clarioux gritou «JoAnn!» – enquanto os três cães se lançavam sobre sua mulher – «Cubra seu pescoço, cubra seu pescoço!» Uma vizinha, que assistia pela janela, gritou por socorro e seu parceiro e um amigo, Mario Gauthier, correram para fora. Um garoto das vizinhanças pegou em seu taco de hockey e jogou-o para Gauthier. Ele começou a bater com o taco na cabeça de um dos cachorros, até que o taco quebrou. «Eles não paravam», disse Gauthier, «Assim que você parava, eles atacavam de novo. Eu nunca vi um cachorro tão louco. Eles pareciam Diabos da Tasmânia». A polícia chegou. Os cães forram arrastados para longe e os Clarioux e um dos salvadores foram levados a um hospital. Cinco dias após, o Legislativo de Ontário proibiu a propriedade de pit-bulls. «Do mesmo jeito que não permitiríamos que um grande tubarão branco ficasse em uma piscina», declarou o Procurador Geral da Província, Michael Bryant, «talvez não devesemos ter esse tipo de animal em ruas civilizadas».
Os pit-bulls, descendentes dos bulldogs usados no século dezenove para lutas com touros e com outros cães, foram criados para serem “competitivos” e, assim, terem uma menor inibição contra a agressão. A maioria dos cachorros brigam como último recurso, quando encarar e rosnar falha. Um pit-bull quer brigar com pouca ou nenhuma provocação. Pit-bulls parecem ter uma grande tolerância à dor, tornando possível lutarem até a exaustão. Enquanto os cães de guarda, tais como pastores alemães, usualmente tentam conter aqueles que eles percebem como uma ameaça, mordendo e segurando, os pit-bulls tentam inflingir máximo de danos a seus oponentes. Eles mordem, prendem, sacodem e rasgam. Eles não rosnam ou arreganham os dentes, como aviso. Eles simplesmente atacam. «Eles freqüentemente são insensíveis a comportamentos que, usualmente, param com a agressão», diz um relatório científico sobre a raça. «Por exemplo, cães que não são criados para a luta, geralmente mostram sua desistência de brigar, rolando de costas e exibindo sua barriga. Em várias ocasiões foram relatados casos em que os pit-bulls esventraram outros cachorros que davam este sinal de submissão». Em estudos epidemiológicos de mordidas de cachorros, o pit-bull é o mais conhecido cão que se sabe que matou ou feriu seriamente seres humanos e, como resultado, os pit-bulls foram banidos ou restritos em muitos países do Oeste Europeu, na China e várias cidades por toda a América do Norte. Pit-bulls são perigosos.
É claro, nem todos os pit-bulls são perigosos. A maioria não morde ninguém. Enquanto isso, Dobermans, Dinamarqueses, Pastores Alemães e Rottweilers são também freqüentes mordedores, e o cachorro que recentemente desfigurou o rosto de uma mulher francesa a tal ponto que ela teve que receber o primeiro transplante de rosto do mundo, de todas as raças, era um Retriever do Labrador. Quando dizemos que pit-bulls são perigosos, nós estamos fazendo uma generalização, justamente como companhias de seguros usam generalizações quando cobram mais de pessoas jovens pelo seguro de automóveis do que do restante das pessoas (muito embora muitos jovens sejam motoristas perfeitamente bons), e os doutores usam generalizações quando dizem a homens de meia-idade acima do peso para manterem seu colesterol sob controle (embora muitos homens de meia-idade acima do peso não tenham problemas cardíacos). Porque não sabemos qual cachorro vai morder alguém, quem vai ter um ataque cardíaco, ou quem vai se envolver em um acidente, nós podemos fazer previsões somente mediante o uso de generalizações. Como o jurista Frederick Schauer observou, «pintar com largas pinceladas é uma quase sempre inevitável, e freqüentemente desejável, dimensão de nossas vidas em termos de tomada de decisões».
Uma outra palavra para generalização, entretanto, é “estereótipo” e estereótipos não são, usualmente, considerados dimensionamentos desejáveis para a tomada de decisões em nossas vidas. O processo de passar do específico ao genérico é tanto necessário quanto perigoso. Um médico poderia, com um certo apoio estatístico, fazer generalizações acerca de homens com uma certa idade e peso. Mas e se a generalização feita a partir de outras causas – tais como pressão sangüínea alta, histórico familiar e tabagismo – salvar mais vidas? Por trás de cada generalização, há uma escolha de fatores a considerar e outros a descartar, e essa escolha pode se provar surpreendentemente complicada. Depois do ataque sofrido por Jayden Clarioux, o governo de Ontario escolheu fazer uma generalização sobre pit-bulls. Mas poderia ter escolhido fazer uma generalização sobre cães poderosos, ou sobre o tipo de pessoas que têm cães poderosos, ou acerca de crianças pequenas, ou sobre cercas de quintais, ou, na verdade, sobre qualquer número de coisas relacionadas com cães, pessoas e lugares. Como podemos saber se fizemos o tipo certo de generalização?
Em Julho do ano passado, após os atentados a bomba nos transportes londrinos, o Departamento de Polícia da Cidade de Nova York anunciou que ia mandar policiais para dentro dos metros para realizarem revistas aleatórias em volumes conduzidos por passageiros. A primeira vista, realizar buscas aleatórias para descobrir terroristas – em oposição a se guiar por generalizações – parece uma idéia tola. Como escreveu um colunista de Nova York, na época, «Não somente “a maior parte”, mas quase todos os jihadi que cometeram atentados contra alvos Europeus ou Americanos, foram jovens homens Árabes ou Paquistaneses. Em outras palavras, você pode prever, com um bom grau de certeza, como se parece um terrorista da Al Qaeda. Do mesmo modo como sempre soubemos como se parece um mafioso – embora compreendamos que somente uma fração infinitesimal dos ítalo-americanos sejam membros da quadrilha.
Mas, espere aí: será que nós realmente sabemos como “se parecem” os mafiosos? No filme “O Poderoso Chefão”, onde a maioria de nós tirou seu conhecimento sobre a Máfia, os homens da família Corleone foram interpretados por Marlon Brando, de ascendência irlandesa e francesa, James Caan, que é judeu, e dois ítalo-americanos, Al Pacino e John Cazale. Se nos basearmos em “O Poderoso Chefão”, os mafiosos se parcem com homens brancos descendentes de europeus. o que, em termos de generalizações, não é de grande ajuda. Imaginar com o que se parece um terorrista islâmico, não parece ser mais fácil. Muçulmanos não são como os Amishes: eles não se vestem com roupas identificáveis. E eles não se parecem com jogadores de basquete; não vêm em formatos e tamanhos predizíveis. O Islam é uma religião que abrange todo o globo.
«Nós temos uma política contrária ao “profiling” racial», me disse Raymond Kelly, Comissário de Polícia da Cidade de Nova York. «Eu puz isso em vigor em Março do primeiro ano desde que cheguei aqui. É a coisa errada a fazer e também é ineficaz. Se você for ver os ataques a bomba em Londres, você vai ver três cidadãos britânicos de origem paquistanesa. Você tem Germaine Linday que é jamaicano. Você tem a próxima equipe, de 21 de julho, que eram do Leste Africano. Você tem uma mulher chechena, no início de 2004 que se explodiu em uma estação de metro em Moscou. Então de quem você vai fazer o “profile”? Olhe para a Cidade de Nova York. Quarenta por cento dos novayorquinos nasceram fora deste país. Veja a diversidade aqui. De quem eu devo fazer um perfil?»
Kelly estava evidenciando o que se pode chamar de “problema de categorização” no “profiling”. Generalizações envolvem enquadrar um categoria de pessoas com um comportamento, ou “homens de meia idade acima do peso” com “risco de ataque cardíaco”, ou “homens jovens” com “dirigir perigosamente”. Mas, para que esse processo funcione, você tem que saber tanto definir, como identificar a categoria que você está generalizando sobre. «Você pensa que os terroristas não sabem como é fácil ser caracterizado pela sua entia?» prossegue Kelly. «Veja os sequestradores de 11 de setembro. Eles vieram para cá. Eles rasparam as barbas. Eles frequentaram bares de “topless”. Eles queriam “se misturar”. Eles queriam parecer com pessoas que fizessem parte do “sonho americano”. Estas não são pessoas tolas. Poderia um terrorista se vestir como um Judeu Ortodoxo, entrar no metro e não se encaixar no “profiling”? Sim. Eu acredito que tentar um tal “profiling” é pura loucura».
Proibições de pit-bulls envolvem um problema de categorias, também, porque pit-bulls, como se sabe, não são uma única raça. O nome se refere a cães que pertencem a várias raças próximas, tais como o Stafforshire Terrier Americano, o Staffordshire Bull Terrier e o Pit Bull Terrier Americano, todos eles com um corpo quadrado e musculoso, um focinho curto e uma pelagem lisa e curta. Assim, a proibição de Ontário proíbe não só essas raças, mas “qualquer cão que tenha uma aparência e características físicas substancialmente similares” às mesmas; o termo empregado é “cães do tipo pit-bull”. Mas o que isso significa? Um mestiço de de American Pit Bull Terrier com Golden Retriever é um cão do “tipo pit-bull” ou do tipo “golden retriever”? Se pensar que terriers musculosos é uma generalização, então pensar que cães perigosos são qualquer cão substancialmente parecidos com um pit-bull, é uma generalização sobre uma generalização. «Do jeito que essas leis são redigidas, pit-bulls são o que eles disserem que é um», diz Lora Brashears, uma gerente de canil na Pennsylvania. «E, para a maior parte das pessoas, isso significa apenas grandes, malvados e assustadores cachorros que mordem».
O objetivo dessas proibições de pit-bulls, obviamente, não é proibir cães que pareçam com pit-bulls. A aparência é uma personagem para o “temperamento de pit-bull” – para alguns traços que esses cães partilham. Mas essa “pit-bulleza” é algo indefinido, também. As caracterísitcas supostamente problemáticas do tipo pit-bull – sua disposição, sua determinação, sua insensibilidade à dor – são especialmente dirigidas a outros cães. Pit-bulls não foram criados para lutar com pessoas. Ao contrário: um cão que se voltasse contra os espectadores, ou seu “handler”, ou treinador, ou qualquer uma das várias pessoas envolvidas no processo de tornar um cão de briga em um bom cão de briga, usualmente era sacrificado. (A regra no mundo dos pit-bulls era: “Comedores de pessoas morrem”).
Um grupo, com sede na Georgia, chamado “American Temperament Test Society” (Sociedade Americana de Verificação de Temperamentos) fez vinte e cinco mil cães passarem por um teste padronizado, com dez etapas, projetado para avaliar a estabilidade, timidez, agressividade e amistosidade dos cães, na companhia de pessoas. Um “handler” traz um cachorro por uma guia de dois metros e julga sua reação a estímulos, tais como disparos de armas, a abertura de um guarda-chuva e um estranho, vestido de maneira esquisita, aproximando-se de maneira ameaçadora. Oitenta e quatro por cento dos pit-bulls submetidos ao teste passaram, o que os coloca a frente de beagles, Airedales, collies e todas, menos uma, variedades de daschund. «Nós testamos cerca de mil cães do tipo pit-bull», diz Carl Herkstroeter, presidente da ATTS. «Eu próprio testei metade deles. E, de todos os que eu testei, eu desqualifiquei apenas umpor causa de sua tendência agressiva. Eles se sairam extremamente bem. Eles têm um bom temperamento. Eles se dão muito bem com crianças». Pode-se até argumentar que os mesmos comportamentos que os tornam tão agressivos com outros cães, são os que os tornam tão adequados aos humanos. «Há, hoje em dia, vários pit-bulls licenciados como cães de terapia», enfatiza a escritora Vicki Hearne. «Sua estabilidade e resolução tornam-no excelente para trabalhar com pessoas que poderiam não gostar de um cachorro mais brincalhão e travesso. Quando os pit-bulls se resolvem a prover conforto, eles o fazem com a mesma determinação com que lutam, mas o que eles estão resolutos a fazer é serem gentís. E, como eles são destemidos, eles podem ser gentís com qualquer pessoa».
Então quais são os pit-bulls que se metem em confusão? «Os que a legislação pretende atingir são aqueles cujas tendências agressivas são selecionadas pelo criador, treinadas pelo adestrador, ou reforçadas pelo proprietário», diz Herkstroeter. Um pit-bull malvado é um cão tornado malvado, por reprodução seletiva, sendo cruzado com uma raça maior e capaz de agredir pessoas, como Rottweilers ou Pastores Alemães, ou por ser condicionado de maneira a que comece a exibir hostilidade para com pessoas. Um pit-bull só é perigoso para pessoas, não na medida em que expressa sua “pit-bulleza”, mas na medida em que se desvia dela. Uma proibição de pitbulls é uma generalização sobre uma generalização, acerca de uma característica que não é, na verdade, geral. Isso é um problema de categorização.
Uma das coisas que causam perplexidade na Cidade de Nova York é que, após as enormes e bem divulgadas reduções da criminalidade nos meados da década de 90, a taxa de criminalidade continuou a cair. Nos últimos dois anos, por exemplo, os assassinatos em Nova York diminuiram em quase dez por cento, os estupros em doze por cento e os assaltos em mais de dezoito por cento. Somente no ano passado, o furto de carros diminuiu em 11,8%. Em uma lista de duzentas e quarenta cidades nos Estados Unidos com uma população de cem mil ou mais habitantes, Nova York ocupa a ducentésima vigésima segunda colocação em crimes, lá no fundo da lista, junto com Fontana, Califórnia, e Port St. Lucie, Florida. Na década de 90, a redução da criminalidade foi atribuída a grandes e óbvias modificações na vida e no governo da cidade – o declínio do tráfico de drogas, à revitalização do Brooklin, à implementação da política de “tolerância zero” de policiamento. Mas todas essas grandes mudanças ocorreram há uma década atrás. Por que a criminalidade ainda está caindo?
A explicação pode ter a ver com uma mudança nas tática policiais. O NYPD (Departamento de Polícia de Nova York) tem um mapa computadorizado que exibe, em tempo real, precisamente onde estão sendo relatados crimes sérios, e, a qualquer momento, o mapa tipicamente mostra alguns pontos, constantemente em mutação, das zonas “quentes”, algumas tão pequenas como dois ou três quarteirões. O que o NYPD tem feito, sob o comando do Comissáro Kelly, é usar esse mapa para criar “zonas de impacto” e para enviar policiais recém-formados – que, usualmente, eram distribuídos eqüanimemente entre os distritos policiais – para essas zonas, em certos casos chegando a duplicar o número de policiais na vizinhança imediata. «Nós pegamos dois terços dos recém-formados e juntamo-os a policiais experientes, e nos focalizamos nessas áreas», declarou Kelly. «Bom, o que aconteceu é que, com o tempo, nós conseguimos uma média de redução da criminalidade de 35%, em média, nessas “zonas de impacto”».
Ao longo dos anos, os experts sustentaram que a incidência do crime era “inelástica” com relação à presença da polícia – que as pessoas cometiam crimes por causa de pobreza e psicopatologia e disfunções culturais, ao par com motivos e oportunidades espontâneos. A presença de mais alguns policiais extras no quarteirão, pensava-se, não faria muita diferença. Mas a experiência do NYPD sugere o contrário. Mais policiais significa que alguns crimes são evitados, outros resolvidos com mais facilidade, e que outros, ainda, são deslocados para outros lugares – o que Kelly acha algo positivo, porque rompe com os padrões e práticas e as redes sociais que servem como base para a contravenção. Em outras palavras, a relação entre a Cidade de Nova York (uma categoria) e a criminalidade (uma característica) é instável, e esse tipo de instabilidade é outro motivo pelo qual nossas generalizações descarrilham.
Por que será que, por exemplo, uma generalização do tipo “todo o mundo sabe que” “os Kenyanos são bons fundistas” é boa? Não só porque é estatisticamente comprovável hoje em dia. Isso é verdade há mais de meio século e a corrida de fundo no Kenya é uma tradição tão arraigada que seria necessário um fato cataclísmico para mudar isso. Em contraste, a generalização de que “Nova York é uma cidade de alta criminalidade” já foi verdade e agora, manisfestamente, não é mais. Pessoas que se mudaram para Port St. Lucie, porque pensavam que ficariam muito mais seguras do que em Nova York, podem estar, de repente, na situação de terem feito a aposta errada.
A questão da instabilidade é um problema para o “profiling” no combate ao crime, também. O professor de Direito David Cole uma vez realizou um levantamento dos traços que os agentes da Agência de Narcóticos (Drug Enforcement Agency – DEA), vinham usando, há anos, para fazer generalizações sobre suspeitos de tráfico. Eis um exemplo:
Chega tarde da noite; chega cedo de manhã; chegou de tarde; foi um dos primeiros a descer o avião; um dos últimos a descer do avião; saiu do avião no meio; comprou a passagem no aeroporto; fez reservas na última hora; comprou passagem da classe econômica; comprou passagem de primeira classe; usou uma passagem só de ida; comprou uma passagem de ida-e-volta; pagou a passagem com dinheiro vivo; pagou a passagem com notas de baixo valor; pagou a passagem com notas de alto valor; fez ligações locais após o desembarque; fez ligações interurbanas após o desembarque; fingiu estar fazendo ligações; viajou de Nova York a Los Angeles; viajou para Houston; não levava bagagem; usava bagagem recém-adquirida; levava uma pequena bagagem de mão; portava uma bagagem de mão de tamanho médio; carregava duas sacolas de roupa volumosas; portava duas malas pesadas; carregava quatro peças de bagagens; tomava cuidado demasiado com a bagagem; deixava a bagagem de lado; viajava sozinho; viajava acompanhado; parecia muito nervoso; parecia calmo demais; encarou o policial; evitou encarar o policial; usava roupas e adereços caros; vestia-se de modo casual; foi para o banheiro após desembarcar; caminhou apressadamente através do aeroporto; caminhou bem devagar através do aeroporto; perambulou pelo aeroporto; deixou o aeroporto de taxi; deixou o aeroporto de limousine; deixou o aeroporto em carro particular; deixou o aeroporto na Van do Hotel.
Alguns desses “motivos para suspeita” são evidentemente absurdos, sugerindo que os agentes da DEA não seguiam qualquer padrão para deter os suspeitos de tráfico de drogas. Uma maneira de fazer pé-com-cabeça dessa lista, entretanto, é pensar nela como um catálogo de características instáveis. Os traficantes podem ter tido, algum dia, a tendência de comprar passagens só de ida, em dinheiro vivo e carregar duas grandes malas. Mas eles não têm que continuar fazendo isso. Aí, eles podem facilmente ter mudado para passagens de ida e volta, compradas com cartão de crédito, ou portar apenas uma maleta de mão, sem, com isso, perder sua capacidade de transportar as drogas. Existe um segundo tipo de instabilidade nisso, também. Pode ser que a razão para alguns deles terem mudado de passagens só de ida e duas malas pesadas, seja o fato de que os agentes da lei passaram a ficar de olho nesses procedimentos, de forma que os traficantes fizeram o equivalente aos jihadis parecem ter feito em Londres, quando mudaram para Africanos do Leste, porque a vigilância sobre homens jovens árabes e paquistaneses ficou muito intensa. Não funciona usar uma generalização entre uma categoria e uma tendência, quando este relacionamento é instável – ou quando o ato de generalizar pode, por si próprio, mudar as bases dessa generalização.
Antes de Kelly se tornar o Comissário de Polícia de Nova York, ele trabalhou como chefe do Serviço Aduaneiro dos EUA (U. S, Customs Service) e, enquanto ele esteve lá, reformulou os critérios usados pelos agentes de controle de fronteiras para identificar e revistar suspeitos de contrabando. Existia uma lista de 34 características suspeitas. Ele a substituiu por uma lista com seis critérios abrangentes. Existe algo suspeito quanto à aparência física? A pessoa parece estar nervosa? Existe alguma informação específica sobre essa pessoa? Os cães farejadores deram algum alarme? Existe algo que não bate na documentação e nas explicações? Houve alguma apreensão de contrabando que pudesse envolver essa pessoa?
Você não vai encontrar coisa alguma aqui que fale de raça, gênero ou etnia, nem coisa alguma sobre jóias caras ou desembarcar no meio ou no fim, ou andar rapidamente ou perambular. Kelly removeu todas as generalizações instáveis, forçando os fiscais aduaneiros a fazer generalizações sobre coisas que não mudam de um dia, ou de um mês para o outro. Alguma porcentagem dos contrabandistas sempre fica nervosa, sempre contarão uma história cheia de inconsistências e sempre serão apanhados pelos cães. É por isso que esses tipos de inferência são mais confiáveis do que aquelas onde o contrabandista seria branco ou negro, carregue uma mala ou duas. Depois das reformas de Kelly, o número de revistas feitas pelos agentes aduaneiros caiu em cerca de 75%, mas o número de apreensões bem sucedidas aumentou em 25%. Os agentes deixaram de tomar decisões porcas acerca de possíveis contrabandistas e passaram a tomar algumas muito boas. «Nós os tornamos mais eficientes e mais eficazes naquilo que estavam fazendo», disse Kelly.
Será que a noção da “ameaça dos pit-bulls” se apoia em uma generalização estável ou instável? O melhor dado que possuimos sobre a criação de cães perigosos são os registros de ataques fatais, que servem como indicador de quanto dano certos tipos de cachorro estão causando. Entre o final da década de 70 e o final da década de 90, mais de 25 raças estiveram envolvidas em ataques fatais nos Estados Unidos. Os pit-bulls estiveram à frente da matilha, mas a variação de ano para ano é considerável. Por exemplo, no período de 1981 a 1982 as baixas foram causadas por cinco pit-bulls, três vira-latas, dois São Bernardos, dois mestiços de Pastor Alemão, um Pastor Alemão puro sangue, um do tipo Husky, um Dobreman, um Chow Chow, um Grande Dinamarquês, um híbrido de cão-lobo, um mestiço de Husky e um mestiço de pit-bull, mas nenhum Rottweiler. Em 1995 e 1996, a lista incluia dez Rottweilers, quatro pit-bulls, dois Pastores Alemães, dois Huskies, dois Chow Chow, dois híbridos cão-lobo, dois mestiços de pastor, um mestiço de Rottweiler, um vira latas, um mestiço de Chow Chow e um Grande Dinamarquês. Os tipos de cachorros que matam pessoas muda com o tempo. O que não muda é o número total de pessoas mortas por cães. Quando temos mais problemas com pit-bulls, não é necessariamente um sinal de que os pit-bulls sejam mais perigosos do que os outros cães. Pode ser somente um sinal de que os pit-bulls se tornaram mais numerosos.
«Eu já vi praticamente todas as raças envolvidas em mortes, inclusive Lulus da Pomerânia e todos os outros, exceto Beagles e Bassets», disse-me Randall Lockwood, um vice-presidente sênior da ASPCA e um dos principais experts em ataques caninos. «E sempre há uma ou duas mortes atribuíveis a Malamutes ou Huskies, e você não vê ninguém propondo o banimento dessas raças. Quando eu comecei a pesquisar sobre ataques fatais de cachorros, eles envolviam grandemente cães tais como Pastores Alemães e mestiços deles, e São Bernardos – provavelmente por isso Stephen King escolheu um São Bernardo para o personagem Cujo, não um pit-bull. Eu não vi uma morte causada por um Doberman por décadas, enquanto que nos anos 70 elas eram muito comuns. Se você quizesse um cachorro malvado, naquela época, você iria procurar um Doberman. Eu acredito que só fui ver o meu primeiro caso envolvendo um pit-bull nos meados da década de 80, e não comecei a ver ataques de Rottweilers antes de ver, pelo menos, algumas centenas de ataques fatais de cães. Agora, esses cachorros são os preponderantes nas mortes. O fato é que isso muda com o tempo. É um reflexo da escolha por uma raça por parte de pessoas que querem um cachorro agressivo».
Não existe qualquer carência de generalizações mais estáveis acerca de cães perigosos, no entanto. Um estudo feito em 1991 em Denver, por exemplo, comparou 178 cães com histórico de morder pessoas, com uma amostra aleatória de 178 cães sem histórico de mordidas. As raças eram espalhadas: Pastores Alemães, Akitas e Chow Chows estavam entre os mais fortemente representados (não havia pit-bulls entre os cachorros mordedores, porque Denver baniu os pit-bulls em 1989). Mas vários outros fatores, mais estáveis, vêm à luz. Os mordedores são 6,2 vezes mais machos do que fêmeas, e 2,6 mais cães inteiros do que castrados. O estudo de Denver também descobriu que os mordedores eram 2,8 vezes mais freqüentes entre os cães acorrentados, do que entre os não-acorrentados. «Cerca de 20% dos cães envolvidos em casos fatais estavam acorrentados e tinham uma história de estarem acorrentados por longo tempo», disse Lockwood. «Agora: eles estavam acorrentados porque eram agresivos, ou eram agressivos porque estavam acorrentados? É um pouco de cada. Esses são animais que não tiveram uma oportunidade de se tornarem sociáveis com pessoas. Eles nem sabem, necessariamente, que crianças são pequenos seres humanos. Eles tendem a vê-las como presas».
Em muitos casos, cães perigosos eram famintos ou carentes de cuidados médicos. Freqüentemente, os cães tinham um histórico de inidentes de agressão e, majoritariamente, as vítimas de mordidas de cahorros eram crianças (particularmente meninos pequenos) que são fisicamente vulneráveis a ataques e podem ter, sem querer, feito coisas que provocassem o cachorro, tais como implicar com eles, ou aborrecê-los quando os cães estavam comendo. A conexão mais forte entre todas, entretanto, é a ligação entre a periculosidade dos cães e um certo tipo de proprietários de cães. Em um quarto dos casos fatais de mordidas de cachorro, os donos eram anteriormente envolvidos em brigas ilegais. Os cães que mordem pessoas são, em muitos casos, isolados socialmente porque seus donos são socialmente isolados, e são perigosos porque seus donos queriam um cachorro perigoso. O Pastor Alemão no ferro-velho que parece querer saltar sobre seu pecoço, e o Pastor Alemão guia de um cego, são a mesma raça. Mas não são o mesmo cachorro, porque seus donos têm diferentes intenções.
«Um ataque fatal de um cão não é somente uma mordida de cachorro dada por um cão grande e agressivo», prossegue Lockwood. «É usualmente uma perfeita combinação viciada de interações prejudiciais humano-caninas – o cão errado, o ambiente errado, a história errada, nas mãos da pessoa errada, nas condições ambientais erradas. Eu já me envolvi em muitos casos judiciais envolvendo ataques fatais de cães e, certamente, minha impressão é que estes são casos, geralmente, em que as culpas recaem sobre todos. Você encontra o garotinho de três anos perambulando sem supervisão pela vizinhança, morto por um cão faminto e maltratado, propriedade do namorado (criador de cães de briga) de alguma mulher que não sabe onde sua criança está. Não é o velho Totó que dorme perto da lareira que, subitamente, fica maluco. Usualmente todos os sinais de alerta estão presentes».
Jayden Clarioux foi atacado por Jada, uma Pitbull Terrier, e seus dois filhotes Agua e Akasha, mestiços com Bull Mastiff. Os cães eram da propriedade de um homem de 21 anos chamado Shridev Café, que trabalhava em construção e fazia biscates. Cinco semanas antes do ataque aos Clarioux, os três cães de Café se soltaram e atacaram um rapaz de dezesseis anos e seu meio-irmão de quatro anos que estavam patinando no gelo. Os garotos bateram nos animais com uma pá de neve e escaparam para a casa de um vizinho. Café foi multado e removeu seus cães para a casa de sua namorada de 17 anos. Não era a primeira vez que ele se metia em confusão no último ano; alguns meses antes, ele tinha sido acusado de agressão doméstica e, em outro incidente, uma discussão de rua, por lesão corporal grave. «Shridev tinha problemas pessoais», disse Cheryl Smith, uma especialista em comportamento canino que foi consultada no caso. «Ele certamente não é uma pessoa muito madura». Agua e Akasha não tinham ainda sete meses. A ordem da Corte, ao julgar o primeiro caso de ataque, initmava que eles portassem focinheiras quando saíssem de casa e fossem mantidos em um pátio fechado. Mas Café não os amordaçou, porque, disse ele depois, não podia comprar focinheiras, e, aparentemente, ninguém na cidade apareceu para forçá-lo a cumprir a sentença. Algumas vezes ele falou em levar seus cachorros a aulas de obediência, mas nunca o fez. O assunto de castrá-los também foi considerado – particularmente Agua, o macho – mas a castração custa cem dólares, o que ele evidentemente considerava um monte de dinheiro, e, quando a cidade confiscou temporariamente seus cães, depois do primeiro ataque, não os castrou também, porque Ottawa não tem uma política de castrar preventivamente cães que mordem pessoas.
No dia do segundo ataque, de acordo com alguns relatos, um visitante apareceu na casa da nemorada de Café e os cachorros foram confinados. Eles foram postos do lado de fora, onde os bancos de neve estavam altos o suficiente para que a cerca dos fundos pudesse ser facilmente pulada. Jayden Clarioux parou e encarou os cães, dizendo “cachorrinhos, cachorrinhos”. Sua mãe chamou seu pai. Seu pai saiu correndo, o que é o tipo de coisa que atiça um cão agressivo. Os cães pularam a cerca e Agua pegou a cabeça de Jayden em sua boca e começou a sacudir. É um caso do “Manual de Mordidas de Cachorro”: cães não-castrados, mal treinados e nervosos, com um histórico de agressão e um dono irresponsável, soltarm-se de alguma forma e atacaram uma criança pequena. Os cães já tinham passado pela burocracia de administração de animais de Ottawa e a cidade poderia ter impedido o segundo ataque se tivesse usado o tipo certo de generalização – uma generalização não baseada em raça, mas na conhecida e significativa conexão entre cães perigosos e donos negligentes. Mas isso teria requerido que alguém seguisse Shridev Café e verificar se ele tinha comprado as focinheiras, e alguém que mandasse esterilizar os cachorros depois do primeiro ataque, e uma lei de controle de animais que assegurasse que aqueles cujos cachorros atacam crianças pequenas, sejam impedidos de ter um cachoro. Teria sido necessário, quer dizer, um conjunto mais eficaz de generalizações para ser mais eficazmente aplicado. Sempre é mais fácil banir uma raça.

Quem sabe que eu crio cães, já percebeu porque eu me motivei tanto com este artigo. Recentemente a mídia (irresponsável como sempre…) fez um grande alarido sobre os pit-bulls no Rio de Janeiro, que levou a Prefeitura e a Câmara Municipal a passar uma legislação caça-níqueis, obrigando os donos de cães de grande porte a fazê-los circular pelas ruas com focinheiras (que seriam melhor aplicadas a politiqueiros que produzem “factóides”…), e só não os impediram de circular à luz do dia porque a SUIPA provou que isso contraria a Lei, por prejudicar a saúde dos animais. Da mesma forma que todos falam pelos cotovelos sobre o perigo de manter cães de guarda, mas ninguém parece preocupado em tomar conta de criancinhas xeretas que vão se meter nos terrenos guardados por esses cães…
Por outro lado, o artigo ataca a fundo – embora jamais use o termo – a xenofobia que vem se alastrando pelos EUA e Europa. Sob o (mau) disfarce de secularismo, a França proibiu as meninas muçulmanas de portar o véu previsto por sua religião, nas escolas. O próximo passo deve ser – por uma questão de eqüanimidade – mandar os judeus fazerem operações plásticas para remover os vestígios da circuncisão…
Como diz o autor, no encerramento do artigo, “sempre é mais fácil banir uma raça”… Só que, quando no lugar de “uma raça de cães”, se coloca “minorias étnicas”, o efeito já é sobejamente conhecido… E não presta!

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