Um Texto de Carlos Castañeda

Relendo o primeiro (e, dizem, o único verdadeiro) livro de Carlos Castañeda, “A Erva do Diabo”, eu me deparei com um trecho particularmente interessante. O livro já é interessante por apresentar um estudante universitário, de origem sulamericana, tentando estudar o comportamento de um feiticeiro índio mexicano, enquanto o feiticeiro tenta transformar o universitário em um feiticeiro índio.
O trecho em questão, trata das dificuldades do aprendizado da magia. Mas, se transportarmos as idéias para qualquer tipo de conhecimento, elas permanecem surpreendentemente válidas. Eu tomei o cuidado de omitir uma série de passagens que nada acrescentam à idéia básica do texto (ou, dito de outra forma, eu tirei toda a baboseira com a qual o Castañeda “enche linguiça”).
Lá vai:

– “Quando um homem começa a aprender, ele nunca sabe muito claramente quais são seus objetivos. Seu propósito é falho; sua intenção, vaga. Espera recompensas que nunca se materializarão, pois não conhece nada das dificuldades da aprendizagem.”
“Devagar, ele começa a aprender… a princípio, pouco a pouco, e depois em porções grandes. E logo seus pensamentos entram em choque. O que aprende nunca é o que ele imaginava, de modo que começa a ter medo. Aprender nunca é o que se espera. Cada passo da aprendizagem é uma nova tarefa, e o medo que o homem sente começa a crescer impiedosamente, sem ceder. Seu propósito toma-se um campo de batalha.”
“E assim ele se depara com o primeiro de seus inimigos naturais: o medo! Um inimigo terrível, traiçoeiro, e difícil de vencer. Permanece oculto em todas as voltas do caminho, rondando, à espreita. E se o homem, apavorado com sua presença, foge, seu inimigo terá posto um fim à sua busca.”
(…)
– “E o que pode ele fazer para vencer o medo?”
– “A resposta é muito simples. Não deve fugir. Deve desafiar o medo, e, a despeito dele, deve dar o passo seguinte na aprendizagem, e o seguinte, e o seguinte. Deve ter medo, plenamente, e no entanto não deve parar. É esta a regra! E o momento chegará em que seu primeiro inimigo recua. O homem começa a se sentir seguro de si. Seu propósito toma-se mais forte. Aprender não é mais uma tarefa aterradora. Quando chega esse momento feliz, o homem pode dizer sem hesitar que derrotou seu primeiro inimigo natural.”
(…)
– “Uma vez que o homem venceu o medo, fica livre dele o resto da vida, porque, em vez do medo, ele adquiriu a clareza… uma clareza de espírito que apaga o medo. Então, o homem já conhece seus desejos; sabe como satisfazê-los. Pode antecipar os novos passos na aprendizagem e uma clareza viva cerca tudo. O homem sente que nada se lhe oculta.”
“E assim ele encontra seu segundo inimigo: a clareza! Essa clareza de espírito, que é tão difícil de obter, elimina o medo, mas também cega.”
“Obriga o homem a nunca duvidar de si. Dá-lhe a segurança de que ele pode fazer o que bem entender, pois ele vê tudo claramente. E ele é corajoso porque é claro; e não para diante de nada, porque é claro. Mas tudo isso é um engano; é como uma coisa incompleta. Se o homem sucumbir a esse poder de faz-de-conta, terá sucumbido a seu segundo inimigo e tateará com a aprendizagem. Vai precipitar-se quando devia ser paciente, ou vai ser paciente quando devia precipitar-se. E tateará com a aprendizagem até acabar incapaz de aprender qualquer coisa mais.”
(…)
– “Mas o que tem de fazer para não ser vencido?”
– “Tem de fazer o que fez com o medo: tem de desafiar sua clareza e usá-la só para ver, e esperar com paciência e medir com cuidado antes de dar novos passos; deve pensar, acima de tudo, que sua clareza é quase um erro. E virá um momento em que ele compreenderá que sua clareza era apenas um ponto diante de sua vista. E assim ele terá vencido seu segundo inimigo, e estará numa posição em que nada mais poderá prejudicá-lo. Isso não será um engano. Não será um ponto diante da vista. Será o verdadeiro poder.”
“Ele saberá a essa altura que o poder que vem buscando há tanto tempo é seu, por fim. Pode fazer o que quiser com ele. Seu aliado está às suas ordens. Seu desejo é ordem. Vê tudo o que está em volta. Mas também encontra seu terceiro inimigo: o poder!”
“O poder é o mais forte de todos os inimigos. E, naturalmente, a coisa mais fácil é ceder; afinal de contas, o homem é realmente invencível. Ele comanda; começa correndo riscos calculados e termina estabelecendo regras, porque é um senhor.”
“Um homem nesse estágio quase nem nota que seu terceiro inimigo se aproxima. E de repente, sem saber, certamente terá perdido a batalha. Seu inimigo o terá transformado num homem cruel e caprichoso.”
(…)
– “E como o homem pode vencer seu terceiro inimigo, Dom Juan?”
– “Também tem de desafiá-lo, propositadamente. Tem de vir a compreender que o poder que parece ter adquirido na verdade nunca é seu. Deve controlar-se em todas as ocasiões, tratando com cuidado e lealdade tudo o que aprendeu. Se conseguir ver que a clareza e o poder, sem controle, são piores do que os erros, ele chegará a um ponto em que tudo está controlado. Então, saberá quando e como usar seu poder. E assim terá derrotado seu terceiro inimigo.”
“O homem estará, então, no fim de sua jornada do saber, e quase sem perceber encontrará seu último inimigo: a velhice! Este inimigo é o mais cruel de todos, o único que ele não conseguirá derrotar completamente, mas apenas afastar.”
“É o momento em que o homem não tem mais receios, não tem mais impaciências de clareza de espírito… um momento em que todo o seu poder está controlado, mas também o momento em que ele sente um desejo irresistível de descansar. Se ele ceder completamente a seu desejo de se deitar e esquecer, se ele se afundar na fadiga, terá perdido a última batalha, e seu inimigo o reduzirá a uma criatura velha e débil. Seu desejo de se retirar dominará toda a sua clareza, seu poder e sabedoria.”
“Mas se o homem sacode sua fadiga e vive seu destino completamente, então poderá ser chamado de um homem de conhecimento, nem que seja no breve momento em que ele consegue lutar contra o seu último inimigo invencível. Esse momento de clareza, poder e conhecimento é o suficiente.”

Discussão - 8 comentários

  1. ghusky disse:

    O livro parece ótimo João.Como tu disseste, este trecho relacionado ao ensino da magia, pode ser totalmente aplicado em nossa sede pelo dito conhecimento. Vou salvá-lo!Esse trecho é fantástico."Mas se o homem sacode sua fadiga e vive seu destino completamente, então poderá ser chamado de um homem de conhecimento, nem que seja no breve momento em que ele consegue lutar contra o seu último inimigo invencível. Esse momento de clareza, poder e conhecimento é o suficiente."

  2. Anonymous disse:

    O termo para o medo do novo é neofobia de neofilia.A neofobia vem quando se tem um monte de crenças e mitos, mais particularmente religiosa e o conhecimento começa desmontar tudo que construiriam para a gente e nós acabamos sustentando com nossa convicção de que existem verdades eternas.Nada no conhecimento humano é permanente "as verdades devem vir com prazo de validade".Duvidam?Testem buscando verdades que são fundamentais para a maioria das pessoas, como p. ex "Jesus não existiu" ou "Jesus nunca existiu". Estão com medo? Pq não testemA bíblia está certa?Segundo o livro "A bíblia não tinha razão", escritas por 2 arqueólogo, o AT foi escrita pelos século 7 AC pelo rei Josias. Ele juntou um monte de crenças que existiam antes.Agora sabe-se que foi a China que descobriu o mundo "1421 - o ano em que a china descobriu o mundo"tem mais esse: http://recantodasletras.uol.com.br/ensaios/429786O "corpo sonhador" que o nagual descreve é o psicossoma ou corpo astral.Sobre isso, existe um "Tratado de Projeciologia" de Waldo Vieira que reúne tudo que a humanidade já tratou sobre o tema projeção astral, só a informação e técnicas, sem misticismos, etc.Quanto ao medo, hoje é mais fácil de lidar com os conhecimentos novos devido ao avanço da ciência, da arquelogia, das reinterpretações da histórias, etc. O novo surpreende mas não assusta a não ser que o sujeito é muito bitolado e vive pelas crenças. Aí todos teremos dificuldades pq se ele chega a uma posição mando, ele tende a formatar o mundo conforme suas crenças (Buch, papa e outros).

  3. Luciano Almeida disse:

    Penso talvez que tenhamos de enfrentar os quatro inimigos ao mesmo tempo. Sócrates já dizia sei que nada sei, e devemos nos repetir diariamente esta frase, como um comando, num chamamento à humildade de nosso espírito. Mesmo que nossa voz interior diga o contrário.

  4. Byra Dorneles disse:

    Muito bom...eu li praticamente todos livros do Castaneda.

  5. Elviro disse:

    A erva do diabo é o único livro "quase confiável" de Carlos Castanheda...Li quase tudo dele na minha juventude...um bom passatempo...É muito conveniente Dom Juan e outros não gravarem a voz nem serem fotografados pelo Carlos, apenas deixavam um bloco de anotaçao onde o autor escrevia as orientações de d Juan e d Genaro...É realmente uma "ESTRANHA REALIDADE" que alguém tenha levado esses livros a sério?

  6. João Carlos disse:

    Não. Nem o texto aqui foi tratado como mais do que uma metáfora.

  7. leonardo disse:

    assim acerca da credibilidade recomendo o viajem a ixtlam, que foi trabalho academico convertido em um livro, de maneira sutil e pragmatica e mostrado os niveis de aprendizado, especies de estagios como o torna-se um aprendiz, o caçador, todos os modos operantes existentes no livro são validos para alcançar qualquer objetivo, nao acredito que Dom juan seja criação pois o que se vê de maneira constante nos livros é sempre uma contestação pela parte de carlos sempre pondo a prova o nexo dos ensinamentos, é valido salientar a enorme sustentação oral e a sagacidade das respostas simples e quase todas dentro de toda uma cadeia logica de acontecimentos e conhecimento, é gritante uma espécie de raiva e obsessão em tentar esgotar o conhecimento ou encontrar vácuos logicos, por parte de Castaneda, recomendo a leitura minuciosa do viajem a ixtlam, ja cheguei a duvidar da exstencia de dom juan mas estes fatores me levaram a mudar de opiniao.

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