Cultivo em estufas: driblando o imprevisível

Em uma entrevista concedida à revista Bravo e publicada março último, o poeta maranhense Ferreira Gullar filosofa, “O que faz o homem sobre a Terra? Luta para neutralizar o acaso. Eis a principal necessidade humana: driblar o imprevisível…”. O poeta falava de outra coisa, mas as palavras bem serviriam para resumir a história da agricultura sobre este mundo.
O surgimento da agricultura constituiu, na história evolutiva da humanidade, um divisor de águas notável: para lá, ficaram a incerteza da coleta e da caça juntamente com a certeza da insatisfação plena do apetite; deste lado, a relativa abundância das colheitas regulares, o reconhecimento da saciedade e a possibilidade de se guardar para o futuro. O novo humano agricultor, ao poder planejar o porvir, apadrinhou o que se chama hoje de civilização. O temor ancestral da onipotente natureza levou o fraco homem a desejar de alguma forma controlá-la.
A observação sutil e continuada, ao longo de milênios, das plantas de rápido crescimento e abundantes frutos que o perseguiam em suas andanças, vicejando sempre nos monturos ao redor das moradas e nas áreas onde eventualmente se acendiam as fogueiras e se acumulavam as cinzas permitiu, após a última glaciação e sob concentrações mais altas de dióxido de carbono atmosférico, o desenvolvimento de atividades agrícolas.
A adoção das práticas de cultivo protegido são um passo à frente na tendência de controlar as variáveis ambientais e se proteger do acaso visando a otimização e maximização da produção agrícola. As origens remotas do cultivo protegido, aos politicamente corretos olhos modernos, revestem-se de uma equívoca impressão de autoritarismo, mas ao mesmo tempo de engenhosidade. Conta Plínio, o Velho, que o desejo do Imperador Tibério de comer diariamente certo tipo de pepino ao longo do ano levou os jardineiros romanos a cultivar a espécie em carrinhos recobertos com grandes placas de mica transparente, possivelmente muscovita, durante os períodos em que não era possível cultivá-la a campo.
O esforço dos jardineiros imperiais já prenunciava uma das principais finalidades do cultivo protegido moderno, o plantio das culturas, normalmente hortaliças, em períodos (ou locais) em que as condições climáticas não são adequadas ao cultivo não protegido. Nestes períodos, a oferta dos produtos no mercado é mais baixa e sua cotação mais elevada. Além das questões climáticas e mercadológicas, o plantio de hortaliças em ambientes protegidos pode evitar ataques de pragas e patógenos, reduzindo a aplicação de produtos químicos biocidas, embora no cultivo em solo a incidência de doenças possa ainda ser um problema se práticas culturais tais como a rotação de culturas não forem convenientemente adotadas.

Soluções fáceis para a agricultura: análise química do solo

O cidadão leigo, preocupado com sua saúde e com a saúde do planeta, acostumou-se a ouvir, e repetir, que a agricultura é das grandes culpadas por problemas de contaminação ambiental pelo uso excessivo de agroquímicos. Isto, em grande parte, é verdade. O que não se costuma avaliar em profundidade são as causas deste uso aparentemente indiscriminado de produtos potencialmente contaminadores do meio. Apesar de muitos identificarem agrotóxicos com agrotecnologia, acredito que este uso excessivo de produtos tóxicos é resultado da raridade com que o agricultor médio faz uso do conhecimento tecnológico desenvolvido pelas ciências agrárias.
Claramente, em plantios extensos de uma mesma cultura, a disponibilidade fácil de comida é um grande atrativo para artrópodes e microrganismos danosos à produção agrícola. Mas a simples presença da cultura no campo não é a única causa dos ataques de organismos adventícios. Certos insetos, ditos sugadores, como os pulgões ou afídeos, têm sua tarefa facilitada pelo estado do tecido vegetal atacado. Uma planta bem nutrida tenderá a oferecer mais resistência ao assédio destes insetos. Por bem nutrida, certamente não quero dizer nutrida em excesso, pelo contrário. Inúmeros trabalhos têm demonstrado que adubações nitrogenadas excessivas, logo desequilibradas, favorecem o ataque de pulgões.
Em solos ácidos, o cálcio e o fósforo, nutrientes essenciais aos vegetais, encontram-se em geral em quantidades pequenas e em forma não disponível às plantas. Ora, estes dois elementos, principalmente o cálcio, são dos grandes responsáveis pelo aumento da resistência da parede celular e, logo, dos tecidos vegetais. Uma maneira efetiva e razoavelmente barata de se corrigir a acidez dos solos e melhorar muito a disponibilidade de cálcio e fósforo é a aplicação de calcário ou carbonato de cálcio aos solos com pH abaixo de 6,0. A pergunta óbvia é: mas isso não é prática comum? Nem tanto.
Uma ferramenta que todo agricultor deveria quase ser obrigado a utilizar antes de qualquer plantio é a análise química de seu solo. Infelizmente, uma expressiva parte dos produtores agrícolas não acredita na necessidade desta prática e não faz. A análise química dos solos permite que se saiba com segurança e quantitativamente o que há, em termos de nutrientes, nos solos e, de acordo com características físicas do solo e com a cultura que se deseja implantar, o agrônomo pode recomendar as doses exatas de adubos a ser aplicadas e se há a necessidade de se por o calcário. Sou capaz de apostar que agricultores que procedem à análise rotineira dos solos e seguem as recomendações têm muito menos problemas de ataques de pragas e doenças em suas culturas e consequentemente usam bem menos agrotóxicos.
A questão não se resume apenas a diminuir a utilização de biocidas. Sem a análise do solo, as adubações são feitas na base da adivinhação. Com toda certeza, a possibilidade de se adubar de menos ou de mais se tornam maiores. Adubações insuficientes trarão produtividades menores do que o potencial da cultura. Adubações excessivas podem aumentar problemas com pragas e doenças, contaminar o solo e a água e, pior do ponto de vista do produtor, são um gasto desnecessário, diminuindo a já minguada margem de lucro do agricultor. Adubos são caros, análises de solo, não. A resistência a esta prática simples é a causa de muitos problemas e insucessos e se deve a uma série de fatores: baixo nível educacional dos agricultores, extensão rural ineficiente… e a ausência de exigência pelo consumidor.

O sol, a terra, a Embrapa e a UFV

Sempre que possível, evito toda e qualquer ocasião de ser bairrista, fisiologista, ufanista e outros istas, mas uma notícia recente divulgada no portal de notícias da Universidade Federal de Viçosa (UFV) me deixou rindo de orelha a orelha e com um orgulho danado. Em visita ao vice-presidente da República, Sr. José Alencar, o reitor da UFV, professor Luiz Cláudio Costa, de quem fui aluno no mestrado na disciplina Meteorologia Agrícola, em que consegui meu primeiro A, ouviu estas palavras do experiente político:
“Reitor, eu sempre falo com o presidente Lula e por onde ando por esse mundo: a Agricultura Brasileira tem sol, terra, Embrapa e a UFV”. Não é por eu ter feito toda minha pós-graduação na UFV nem por ser empregado da Embrapa, mas fiquei com a impressão de que o vice-presidente, além de resistente, é uma sábia pessoa.
É nóis na fita!

A conturbada relação entre plantas cultivadas e espécies invasoras

Ao contrário do que afirma a crença popular, nos campos de cultivo quem se atrai geralmente são os iguais. Qualquer um que tenha eventualmente observado um plantio de espécies agrícolas terá certamente notado a incômoda, do ponto de vista dos agricultores, insistência de certas espécies não cultivadas, variavelmente chamadas de ervas daninhas, espécies invasoras, inço, mato. Em aulas de Agroecologia do mestrado, aprendi a chamá-las de espécies adventícias. Costumam se reproduzir exuberantemente no mesmo espaço das plantas cultivadas e com estas competir por água, nutrientes e luz, muitíssimas vezes de forma tão eficiente a, não intervindo o homem, sufocar a cultura.
O fato de competirem tão acirradamente é resultado de ambos os grupos de espécies, cultivadas e adventícias, estarem adaptadas para ocupar o mesmo nicho ecológico. Espécies de interesse agrícola e plantas invasoras são igualmente filhas do desequilíbrio. As ancestrais plantas que hoje se usa na agricultura naturalmente ocupavam áreas abertas, de alguma forma perturbadas, com solo exposto e nutricionalmente rico e onde havia menor competição de outros grupos de espécie. Antes do advento da agricultura, eram encontradas em clareiras abertas por eventos naturais, tais como incêndios, em barrancas de rios, deslisamentos etc. Aqueles familiares com a região semi-áridas conhecerão talvez as espécies herbáeas que, no ansiosamente esperado fim da estação seca, rapidamente germinam e se desenvolvem logo após as primeiras chuvas. São espécies de crescimento rápido que investem a maior parte de seus recursos fotoassimilados em estruturas de reprodução, tecnicamente conhecidas como estrategistas-r. A agricultura nada mais é do que um aproveitamento e melhoramento destas tendências naturais.
O ser humano, mesmo antes de realmente “inventada” a agricultura, produzia nas cercanias de seus aglomeramentos um ambiente perturbado muito semelhante ao habitat natural destas espécies. A atividade humana ofereceu uma oportunidade ímpar à reprodução destas plantas. De certa forma, mesmo antes de serem domesticadas estas espécies acompanharam as caminhadas e acampamentos humanos.
O uso ancestral do solo como repositório dos restos da presença e atividade humana, enriquecendo-o nutricionalmente, sob a “ótica” vegetal, imitava de forma muito próxima as características dos solos perturbados onde vicejavam estas espécies. Assim, as altas necessidades em insumos (adubo) requeridas pelas culturas modernas não são apenas resultado do melhoramento dirigido, mas característica própria de suas ancestrais ainda antes da agricultura.
Ao observarem o aparecimento destas espécies de abundantes frutos, muitos comestíveis, em seus monturos, nossos ancestrais foram, lentamente, quase induzidos à domesticação das espécies mais favoráveis e ao inevitável desenvolvimento da agricultura. Havia inicialmente uma série de espécies a ser potencialmente cultivadas. As que não foram, foram enfim consideradas indesejadas, invasoras e daninhas. São irmãs e primas descartadas das culturas. Ao longo do tempo, muitas espécies inicialmente consideradas adventícias e invasoras de cultivos específicos passaram, por uma série de razões, a ser também cultivadas. É o caso do centeio, inicialmente uma invasora de campos de trigo. Aveia, rúcula e tomate também tiveram esta humilde origem.

Combater a fome na África ensinando os africanos a plantar

No tempo em que o forró era um gênero musical realmente representativo da cultura popular e não uma coleção vulgar de obscenidades, era ainda possível ouvir pérolas de verdade da boca de um Luiz Gonzaga, bonitamente declamando que “uma esmola para um homem que é são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.
Em um breve artigo publicado na edição de hoje da Nature, o agrônomo e cientista do solo Pedro Sanchez, pesquisador sênior do Earth Institute da Columbia University defende ser muito mais barato aos países desenvolvidos financiarem a assistência técnica e a adoção de tecnologias agrícolas mais avançadas por parte de agricultores pobres africanos do que enviar comida para os mesmos. Trocando em miúdos, é mais barato ensinar a pescar do que dar o peixe. Segundo Sanchez, enquanto se gasta US$812,00 para comprar, embarcar e distribuir uma tonelada de milho africano em África, doar aos fazendeiros africanos os fertilizantes, as sementes e prover a assistência técnica para que produzissem sua própria tonelada de milho custaria aos cofres americanos US$135,00, cerca de seis vezes menos! A adoção adequada de tecnologia agrícola moderna, acompanhada de assistência técnica, traria ainda aos agricultores e países africanos assolados pela fome a tão desejada auto-suficiência alimentar, livrando-as, pelo menos parcialmente, da incômoda dependência de outros países. Sanchez apresenta dados de locais onde se disponibilizou sementes melhoradas, fertilizandes e apoio técnico em que a produtividade do milho pulou de 1,7 tonelada por hectare para 4,1 toneladas por hectare, mais que o dobro – exatamente o que comentamos neste outro post. Mas os argumentos econômicos por si talvez não sejam suficientes para convencer os americanos de que a opção mais lógica e econômica seja a melhor: os já bastante subsidiados agricultores americanos perderiam um certamente lucrativo mercado.
Mas nem todos os americanos pensam igualmente. Fale-se o que se quiser de Bill Gates, não há como não o admirar. A Fundação Bill e Melinda Gates recentemente contactou a Embrapa buscando “alternativas para contribuir com o aumento da produtividade agrícola em até 11 países da África subsaariana“. A fundaçao deseja até o final do ano estar desenvolvendo atividades na África em parceria com a Embrapa. O objetivo maior é a transferência de tecnologia agrícola brasileira e capacitação de agricultores africanos. Nada mais lógico que o Brasil participe de uma tal ação: os solos da África tropical são em grande parte semelhantes aos solos brasileiros predominantes, os Latossolos, internacionalmente conhecidos como Oxisols. O conhecimento gerado no Brasil pela Embrapa e universidades públicas de aproveitamento agrícola dos solos do cerrado pode ser tranquilamente transplantado para regiões do continente africano onde seja cabível, o que representa uma grande parcela da África ao sul do Saara. É necessário ensinar a plantar.

Enquanto só falam sobre a Amazônia…

Um estudo realizado pela equipe do professor Manuel Eduardo Ferreira, da Universidade Federal de Goiás, aponta para uma estimativa de crescimento da área desmatada do cerrado brasileiro de cerca de 14% até 2050. A preocupação com outros ecossistemas brasileiros, além da tão citada Amazônia, já vem sendo por mim levantada aqui, no Geófagos, outras vezes. Isso pode ser visto aqui e aqui.
Reportagem do Estado de São Paulo mostrou dados preocupantes levantados pela equipe do referido professor. Por meio de análises de imagens de satélite eles puderam concluir que, mantido o mesmo ritmo atual de desmatamento, a área suprimida do cerrado brasileiro será de cerca de 40 mil km2 por década, elevando a área devastada de 800 mil km2 para 960 mil km2. A área preservada seria de cerca de 1 milhão de km2. O principal causador de tamanha elevação é o avanço da fronteira agrícola na região. Até 2020 devem ser incorporados cerca de 60 mil km2 à essa atividade. Avanço naqueles que, há cerca de quatro décadas atrás, eram considerados solos inaptos ao cultivo. Estima-se que a área desmatada chegará à metade do tamanho do estado de Goiás ou equivalente a dez vezes aquele referente ao Distrito Federal. A expansão da fronteira agrícola se dá em direção, principalmente, do cerrado nordestino (Piauí, Bahia e Maranhão).
O Cerrado é o segundo maior ecossistema brasileiro, ficando atrás somente da Amazônia. Sua riqueza, com grande presença de espécies endêmicas, é reconhecida como de grande importância há tempos. Basta lembrar que esse ecossistema, juntamente com a Mata Atlântica, constituem os dois Hotspots de biodiversidade brasileiros, propostos pelo ecólogo inglês Norman Myers para identificar áreas de conservação e preservação prioritárias, desde de 1988. Além disso, no cerrado estão importantes nascentes de bacias hidrográficas importantes como a Amazônica, do São Francisco e do Prata.
Enfim, que dê-se a devida importância também a outros ecossistemas brasileiros.
Carlos Pacheco

Mudanças: cultivo protegido

Nestes últimos sete meses a quantidade de mudanças por que eu e minha família passamos foi impressionante: mudamos de cidade, mudei de universidade, mudamos novamente de cidade e eu de nível, deixei de ser um estudante e me tornei até que enfim um pesquisador realmente. E mudei completamente de área de pesquisa. Durante minha pós-graduação trabalhei com a interação entre o solo e a matéria orgânica, agora trabalharei com uma das áreas da horticultura que menos utilizam o solo: o cultivo protegido.

O cultivo protegido é resumidamente um conjunto de práticas de agricultura em que se modifica drasticamente o meio para se atingir o crescimento vegetal ótimo. Para se alcançar este nível de otimização, o cultivo é realizado em um ambiente protegido, em geral estufas (greenhouses). Embora às vezes o plantio seja feito diretamente no solo, o mais comum é que se utilize práticas hidropônicas ou aeropônicas em substratos inertes. Desta forma, além de se controlar o ambiente físico, monitorando temperatura e umidade, controla-se também o ambiente radicular, a disponibilidade de nutrientes, pH da solução nutritiva, temperatura da água. É de certa forma uma visão urbana e futurista da agricultura. Aliás, se a humanidade algum dia estabelecer colônias em outros planetas ou na lua, a produção de alimentos deverá ser feita em ambientes protegidos, utilizando-se a maior parte da tecnologia desenvolvida aqui mesmo.

Na Terra, no entanto, a prática do cultivo protegido visa produzir alimentos principalmente em períodos ou lugares em que as condições climáticas locais são ou estão inadequadas ao plantio a céu aberto. Em geral, esses períodos são também aqueles em que as cotações dos produtos são mais altas, exatamente pela escassez no mercado. Eis por que as hortaliças hidropônicas são comumente mais caras. A agricultura protegida, principalmente a horticultura,  pode ser praticada inclusive em locais em que há escassez de terras. Existem inclusive propostas de criação de fazendas verticais em um mundo excessivamente urbanizado. O cultivo em ambiente protegido pode além disso tornar o uso de água e nutrientes, além de outors insumos, uma prática mais racional em um mundo de recursos naturais escassos ou escasseando.

O Vestibular do Juízo Final

Por Elton Luiz Valente

No meu artigo anterior, fiz uma defesa do modo de vida Neolítico (e deveria ter recomendado também este post aqui, do Ítalo Rocha). No meu entusiasmo por reforçar essa defesa do Neolítico, admito que tenha cometido um possível equívoco. Eu afirmei que vamos todos pro buraco com nossa parafernália hi-tech, de uma tacada só, xeque-mate! E talvez não seja bem assim.

Digo isto porque, colocando a coisa dessa forma, eu estou subestimando os meus conterrâneos da Cabeceira do Rio São Mateus, do Jequitinhonha, do Sertão Nordestino, os Caboclos do Pantanal e da Região Amazônica. Essa gente, para usar uma expressão muito bacana de um amigo da pós-graduação, é uma “Galera Roots”. Não é qualquer pirotecnia do Criador em fúria que vai acabar com eles, não! Pois trata-se de um povo que sabe lidar com a natureza e com gente irascível, geniosa e estressada como o Onipotente quando se zanga. E ao que tudo indica, de acordo com os Profetas do Apocalipse e do Aquecimento Global, vêm dias difíceis por aí. O Criador está zangado e vai aprontar das suas, de novo.

Gosto muito dessa expressão “Roots”, não pelo que ela sugere de rusticidade, mas pelo que ela revela de apego à terra, de intimidade com o solo, com a natureza, com os ciclos da natureza, com o ecossistema. E isso vai fazer uma diferença danada “no dia do estrondo e do gemido”. Daí a minha retratação, pois as gentes dos nossos sertões estão habituadas com dificuldades, é o dia-a-dia delas, é a escola delas – a escola da vida. Leiam “Vidas Secas” de Graciliano Ramos; leiam “Grande Sertão: Veredas” de João Guimarães Rosa e vocês vão entender melhor do que eu estou falando.

Responda rápido, você saberia reconhecer no campo algumas espécies como Capiçoba, Jequeri, Lobrobô, Araruta, Caratinga e Jacatupé? Não? São vegetais nativos comestíveis e muito nutritivos, uns fornecem folhas, outros tubérculos. Você já comeu sementes de Cansanção, Indaiá, Coquinho-meloso e frutos de Maria-preta, Jataí, Jenipapo, Saborosa e Araçá? Não? Também são nativos e apresentam alto valor nutricional. Você sabe o que é um Jequi, Arapuca, Arataca, Mundéu e Esparrela? Vou lhe ajudar, estas cinco são Tecnologias Neolíticas, uma para capturar peixes e as outras para capturar animais silvestres. Você saberia construí-las? Não? Que pena!

Sinto muito em lhe informar, mas você não será aprovado no Vestibular do Juízo Final. Não vai receber o passaporte para integrar a tripulação da Nova Arca de Noé que, muito provavelmente, vai navegar em águas muitíssimo turbulentas e sobreviver ao Armagedon, para a glória do Todo Poderoso. Pois você não é Roots. Você é da espécie Homo sapiens urbanus da variedade hi-tech, e só os Neolíticos terão alguma chance. Só os Roots sobreviverão.

No dia em que a Grandiosa Babilônia ruir (Apocalipse: 18), todos serão chamados. Só os Roots serão escolhidos (Geófagos: 12-2008). Que o Senhor seja louvado! Amém!

Blogagem Coletiva – Térmitas Africanos: Relações edáficas e utilização por povos nativos

blogcoletiva-africa
Em primeiro lugar gostaria de dedicar o post que virá, referente à blogagem coletiva sobre a África, para os nossos leitores Moçambiquenhos e Angolanos, cuja presença aqui tem sido constante. À outros leitores Africanos, também vai a nossa singela homenagem.
Não há dúvidas quanto ao fato de os organismos atuarem significativamente na gênese dos solos. Alguns cientistas até consideram esse o principal diferencial entre os solos e fragmentos de rochas desintegrados. Obviamente, essa questão é mais profunda, levando o conceito de solo também à aspectos como a organzação, capacidade de sustentação de estruturas e vida, entre outros. A relação benéfica dos organismos em relação aos solos também acontece no sentido inverso. Ou seja, os solos também fornecem condições de vida mais adequadas para sobrevivência de determinadas espécies. Fatores como temperaturas mais adequadas, fornecimento de alimentos e áreas de refúgio, proporcionados por eles, podem ser determinantes no desenvolvimento delas. Em alguns casos, o homem também se aproveita dessa íntima relação, participando do processo de diversas formas. Citarei nesse texto o caso de populações africanas nativas que, por meio do uso (esse sim efetivamente sustentável) de recursos proporcionados por populações de térmitas (cupins), que são insetos da ordem Isoptera, têm garantida sua sobrevivência.
Os térmitas representam um dos grupos mais importantes de invertebrados do solo, apresentam uma impressionante organização social e grande flexibilidade de obtenção de recursos (comida, água, além de temperaturas adequadas) graças ao seu poder de escavação. Nesse sentido, apresenta grande vantagem competitiva e consequente capacidade de adaptação a diferentes ambientes, uma vez que não apresenta limitações de exploração às cavidades naturais do terreno ou, como é o caso das minhocas, movimentos laterais restritos. Tudo isso faz com que esses insetos apresentem-se em abundância mesmo em condições aparentemente hostis, relacionados a climas secos ou com grandes estações secas, desde que uma fonte de água (mesmo que em profundidades consideráveis) esteja presente. Para ter-se uma idéia da capacidade de adaptação desses insetos, os fósseis mais antigos deles datam do Eoceno e Mioceno e apresentam idade estimada em cerca de 50 milhões de anos.
A existência de grupos desses organismos está ligada, principalmente, às regiões tropicais do globo. No entanto, restrições ao desenvolvimento deles existem e estão ligadas a condições de extrema aridez e falta de vegetação, além de climas frios. Por isso, não é comum a existência de grandes populações em ambientes de clima temperado ou em regiões cujas altitudes sejam superiores a 3000 m, com seu consequente clima frio (altimontano).
Apesar de os cupins serem mais conhecidos por prejuízos causados (como devoradores de madeiras e de outros materiais celulósicos), eles apresentam grande importância na decomposição da matéria orgânica, estruturação do solo e ciclagem de nutrientes. Aparentemente as principais modificações por eles proporcionadas aos solos estão ligadas à qualidade da matéria orgânica e melhoria de aspectos físicos. No entanto, não são raros relatos de elevação de teores de C e de nutrientes essenciais como N e P em seus ninhos, também conhecidos como termiteiros ou murundus, quando comparados com os solos ao redor.
Os térmitas fazem parte da mesofauna do solo. Na ciclagem biogeoquímica da matéria orgânica atuam como detritívoros. São, portanto, determinantes da velocidade de decomposição de compostos orgânicos e consequentemente na liberação de nutrientes importantes. Isso porque a redução do tamanho das suas diversas formas de material orgânico (raízes, folhas, galhos, etc) é fator essencial para que uma elevação na taxa de decomposição da matéria orgânica ocorra, uma vez que aumenta a área especificamente “atacável” pelas comunidades microbinas. É frequente, em ambientes não propícios a esses organismos, a existência de matéria orgânica pouco alterada (fíbrica), enquanto que, em ambientes onde eles participam ou já participaram do processo, material orgânico mais alterado é encontrado (sáprico, por exemplo). Isso mostra, didaticamente, que em ambientes não propícios à existência dos térmitas, a ciclagem é prejudicada por não ter seu “cominuidor” inicial presente.
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Exemplo de termiteiro gigante africano (http://www.exchangedlife.com/Creation/african_macroterm.htm)
Em ambientes propícios ao crescimento de colônias e dos seus ninhos, o tamanho desses últimos pode chegar a relatados cerca de 30 m de diâmetro e 20 m de altura. Os maiores termiteiros são encontrados na África, especialmente em ambientes de savana, e apresentam uma arquitetura invejável, com efetivo sistema de aclimatação. Em noites frias, buracos existentes são preenchidos com o objetivo principal de reter calor, enquanto que em dias quentes eles são abertos. O sistema é bem estruturado, com um “cimento” a base de saliva de cupins e material edáfico (do solo) tão resistente que são utilizados até na construção de casas para os nativos. A estrutura de suas partículas formadoras garante uma boa drenagem e aeração dos ninhos, diferenciando-os, inclusive, de áreas mal drenadas ao redor. Em alguns casos, as taxas de infiltração registradas são o dobro daquelas dos solos regionais. Alguns pesquisadores até acreditam que a atuação dos térmitas durante alguns milhares de anos é um dos agentes de formação da estrutura granular, comumente encontrada nos Latossolos brasileiros.
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Termiteiro brasileiro – Foto: Sandro de Caires e Carlos Pacheco (Região de Paracatu – MG).

Quanto às características químicas, é comum o registro de níveis relativamente mais elevados de nutrientes nos termiteiros do que nos solos ao redor. Apesar disso, diversos trabalhos têm apontado para modificações nutricionais não significativas. Já o carbono orgânico geralmente apresenta-se em níveis mais elevados. Outras características como a CTC (capacidade de troca catiônica) também podem sofrer elevação em seus valores. A união dessas caratcterísticas com aquelas físicas tornam termiteiros abandonados aptos à utilização agrícola. A grande estabilidade por eles apresentada, resistindo à erosão por um longo período de tempo após a extinção da colônia, também é um fator determinante para garantir seu uso . Esse fato, associado à riqueza química e qualidade física deles, é o que permite populações nativas da África utilizem as “terras de cupinzeiro” para tais finalidades. É uma agricultura de subsistência que pode ser determinante na estadia de tais povos em suas áreas de ocorrência, contrastando, muitas vezes, com a pobreza nutricional ou características físicas indesejáveis ao cultivo dos solos regionais. Servem como base de sobrevivência para povoados inteiros. Além disso, em regiões onde as colônias ainda estão presentes, os térmitas são utilizados como alimentos por constituirem uma excelente fonte de proteínas.
Enfim, essa pequena história tentou representar um pouco dos modos de sobrevivência de alguns povos nativos africanos e também como as relações entre solos e organismos neles residentes podem determinar o modo de vida e garantir uma relação sustentável entre eles e o meio onde vivem.
Carlos Pacheco

Ninguém vai nos convencer, nem mesmo o clima!

Por Elton Luiz Valente

O Período Neolítico, que teve seu início há cerca de 10.000 anos, é aquele em que o homem deixa sua vida nômade, de caçadores-coletores, para fixar-se em aldeias. Isso foi possível com o domínio da agricultura, da domesticação de animais e uma série de outras conquistas que permitiram o sedentarismo.

Embora o homem nunca tenha deixado de ser guerreiro (nesse sentido George W. Bush é pré-histórico), no Neolítico a vida era bem melhor que antes. A alimentação era mais farta e de melhor qualidade, havia excedentes agrícolas, o que permitiu ao homem (e à mulher) dedicar tempo a outras atividades mais lúdicas, como as artes. Isso culminou na invenção da escrita. Nesse momento, com a invenção da escrita, o homem deixa a pré-história para ingressar na história, na Era do Bronze, do Ferro e etc. Daí pra frente todo mundo conhece o enredo desse tango do argentino doido.

E o final deste tango é o óbvio. Podem usar a equação que quiserem, não há crescimento econômico que se equalize com sustentabilidade. São coisas diametralmente opostas e pronto! Crescimento econômico, que todos os países (e políticos) almejam e defendem, é sinônimo, ipsis litteris, de drenagem dos recursos naturais. Sustentabilidade, se é que ela possa existir na presença do Homo sapiens, é exatamente o oposto.

Então voltemos ao Neolítico. Ali está um modo de vida que eu, particularmente, admiro muito (meu sonho dourado de Engenheiro Agrônomo é ter um sítio, uma fazenda – sou filho de agricultor). O modo de vida Neolítico é tranqüilo, sem muitos excessos, sem muitos impactos ambientais.

Mas a sina do homem é ser hi-tech. É ter um carrão de combustão interna, de preferência com a descarga furada para roncar mais grosso; é ter iPod (não, agora é iPhone 3G), laptop, celular, TV de plasma, LCD, DVD, home theater (nem sei se é assim que se escreve essa p….) e o escambau … e um shopping center logo ali na esquina. Ou seja, todo mundo quer um modo de vida norte-americano, de alto consumo.

Pergunte nos fóruns internacionais, pós-Kyoto, onde se discutem essencialmente as questões do aquecimento global e seus derivativos, se eles estão dispostos a retornar ao Neolítico. Pergunte nas ruas, ao militante panfletista do ambientalismo se ele se dispõe a adotar um modo de vida Neolítico. Eu me arrisco a adivinhar a resposta deles. É NÃO!

Todos querem ser hi-tech, com o padrão de consumo norte-americano, ninguém quer retroceder. E talvez seja exatamente esta uma das poucas chances que teremos: retroceder ao Neolítico e fazer controle de natalidade.

Mas todos queremos ser hi-tech, ê vida boa! Já pensou? Da caverna ao Blue-Ray Full HD, quem diria! Ninguém vai conseguir nos convencer do contrário, nem mesmo o clima. Às favas com o Ministério da Saúde! Se é pra morrer, morreremos cheirando fumaça de óleo diesel, plugados na Web, hi-tech, e dane-se! Resultado? A Terra vai se livrar de nós num sacolejo. Pá-Pum! Um só estrondo, um só gemido e tchau!

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