Falência! [1]
Mas tem a ver, também, com a situação da política brasileira, com a política econômica brasileira e internacional, e com um monte de outras coisas — aparentemente sem relação entre si — que passam pela repercussão do filme “Tropa de Elite”, pelas mudanças climáticas, e por um monte de exemplos de “Chi vó, non pó” que andam por aí.
Como eu tenho que começar por algum lugar, vamos começar pelo PISA, que foi comentado aqui, na matéria “Que raios de ensino é este?”, pelo Adilson J A de Oliveira, em seu artigo “O nosso ensino de ciências continua muito precário”, no “Por dentro da Ciência”, e pela Ana Cláudia Lessinger, no “Via Gene”, nos artigos “A ciência foi pro espaço… no mau sentido” e “e nem nos damos conta…” (esses foram os que eu vi… provavelmente há muitos outros…)
Eu tenho ainda uma observação a acrescentar: Ah!… Se fosse só a ciência!…
Só que não é!… Não é uma questão só sobre o ensino de ciências: a coisa é muito mais grave. É sobre o ensino, em geral… É sobre a inversão de valores que insiste em continuar acontecendo: para os responsáveis pelas políticas de ensino, o que importa são números: tantas crianças matriculadas em uma ponta, tantas outras com um certificado de conclusão na outra; e que se dane se realmente houve aprendizado entre uma ponta e outra!…
Aí, para esses senhores, o “número” mais significativo é a “evasão escolar” (computada como a diferença entre o número de crianças que entra por uma ponta e o das que sai pela outra). “Qualidade”?… O que é isso?…
E tome de “políticas afirmativas”… “Progressão automática”… Claro, se o “coitadinho” do estudante repetir o ano, porque não aprendeu as matérias, ele é capaz de abandonar os estudos e teremos mais um caso da terrível “evasão escolar”… “Ensino a distância”, não para realmente qualificar os professores, mas para promover uma farta distribuição de diplomas de licenciatura àqueles que, em falta dos verdadeiros licenciados, dão aulas sobre o que não conhecem (afinal, com os salários que o ensino público remunera seus professores, a maioria dos verdadeiros licenciados vai para o ensino particular…) E, para por a cereja no topo do “sundae”, “Quotas” nas Universidades Públicas para os “estudantes” oriundos desse sistema público de formação de analfabetos funcionais… (quando não é maior ainda o descaramento: financiamento de cursos superiores em instituições particulares, de qualidade para lá de duvidosa, que será pago pelos “depromados” com suas receitas de salários de empregos públicos cuja exigência seja 2º grau, ou venda de sanduíche natural na praia…)
É, por acaso, de estranhar que a Ordem dos Advogados do Brasil tenha instituído uma prova para (des)qualificar a miríade de “Bacharéis em Direito” que são despejados todo ano no mercado de trabalho e não sabem sequer redigir uma Petição Inicial sem separar o sujeito do predicado por (nem digo uma vírgula, mas) um ponto parágrafo? (estão achando mentira?… Pois lembrem-se do ofício, assinado por um Delegado da Polícia Federal, dirigido a um juiz no Estado da Bahia, solicitando autorização para a escuta telefônica dos adversários políticos do extinto ACM: o predicado dos sujeitos no primeiro parágrafo aparecia no segundo, precedido de um verbo no gerúndio…)
Pois eu afirmo que no dia em que o Conselho Federal de Medicina resolver fazer a mesma coisa, vai ser uma catástrofe!… (Eu já tive a oportunidade de ajudar um ex-colega Médico da Marinha a montar seu currículo e reparei no seu histórico acadêmico: não havia uma média superior a 6 em todo o histórico… e não era de uma Faculdade de Medicina famosa, não…)
E outra coisa que eu posso afirmar: uma quantidade assustadora de Teses e Monografias não são da autoria dos pretensos “fomandos”. Eu sei… eu já ajudei muitos deles a transformar a algaravia que eles produziam, em um texto coerente (embora destituído de conteúdo: basta fazer bastante citações de autores laureados…)
O Mauro Rebelo, em um excelente artigo do “Você que é biólogo”, intitulado Acordo de cavalheiros”, desmistifica a própria área, dita “séria” da ciência. Diz ele:
Fazer ciência básica virou fazer ‘qualquer coisa’. O cientista é uma pessoa diferenciada pela sua capacidade de observação. Observar, identificar, hipotetizar, testar, reportar e explicar. Mas também é humano. Isso quer dizer que pode errar nesse processo, mas pior do que isso, pode deixar o processo científico, que deveria ser amoral como a natureza, ser influenciado por crenças e emoções. A pior coisa que pode acontecer à um cientista é se tornar tendencioso. E como mostra Ioannidis no seu fabuloso artigo ‘porque a maior parte das pesquisas publicadas são falsas’ (Why most published research findings are false) os cientistas se tornaram tendenciosos. Muitos deles adeptos da crença no Deus Dinheiro e na Santa Indústria de Fármacos.
Os cientistas começaram a focar nas respostas (número de artigos publicados, número de projetos aprovados, de teses defendidas, de patentes registradas) e foram perdendo a habilidade mais peculiar à atividade científica: fazer boas perguntas! Uma leitora fã do Zen e um amiga fã do Jostein Gaarder já falaram disso esse ano pra mim e tenho cada vez mais pensado no assunto: Uma boa pergunta é mais importante que a resposta!
E quem vai ensinar isso, Mauro?… Quem vai ensinar nossos estudantes a “fazerem boas perguntas” se eles não são ensinados a “fazerem perguntas” — ao contrário: são ensinados a “decorebarem” conteúdos programáticos ocos, para repetí-los em “provas” e “testes” que avaliam mais se o “professor” sabe redigir questões ou não… (Querem exemplos?… Eu dou!… Uma prova de história, para o 2º ano colegial, questão – tipo “preencher lacuna”: “Os Estados Unidos lançaram a Bomba Atômica em _____”; resposta da minha filha: Hiroshima e Nagasaki – errado!… Segundo a “professora” [que arrotava “30 anos de magistério”] seria “Japão”… Hiroshima e Nagasaki provavelmente são subúrbios de Belo Horizonte… E “em Japão” é dose!…)
E o nosso onipresente Krishnamurti Andrade ainda reclama dos alunos dele!… Como se a “culpa” pelo analfabetismo e a incapacidade de fazer “regra de três” fosse somente devida à falta de interesse dos alunos… Pois eu lhe digo uma coisa, Krishnamurti: você tem muita sorte de ainda encontrar um ou outro aluno que se interesse por Física!… Para a periferia que você atende, as opções são, quase sempre, jogar futebol fora do Brasil (até na Islândia tem brasileiro enganando que joga bola…), ou cair na marginalidade de uma vez (nem que seja na “marginalidade transformada em virtude” de ser “apadrinhado de político”)… Física é um “luxo” ao qual brasileiros pobres não podem se permitir… Você até pode ser a honrosa excessão que confirma a regra. Eu conheço um filho de peão e lavadeira (ambos analfabetos), negro, cuja infância se dividiu entre o colégio público e o trabalho como engraxate nas ruas de Corumbá, que fez Serviço Militar como Marinheiro em Ladário, MS, estudou como um desesperado, passou para a Escola Naval, fez carreira como Oficial e, com seu soldo, sustentou os estudos de seus irmãos. Ele é a excessão: todos os amigos de infância dele morreram ou entraram para o narcotráfico e contrabando na fronteira.
E a Emenda Constitucional da Heloisa Helena, incluindo a pré-escola na Educação Pública Básica, aprovada e sancionada após quatro anos na “gaveta”, só aguarda ser posta em funcionamento… Mas os recursos oficiais são poucos (principalmente para alimentar os “Caixa 2” dos partidos, governo e oposição…)
Nada a ver?… Muito ao contrário. E não sou eu que digo por “achismo”: queiram ver A importância da Pré-escola; um estudo da Universidade de Minnesota, com foco em Chicago…
(depois eu volto ao assunto… ainda tenho muito o que “espernear”…)
Discussão - 0 comentários