Ainda sobre ciência e ética…

Eu deveria ter ficado de boca fechada, já que eu não sou cientista e sou praticante de uma religião particularmente discutível, mas… A discussão também pode ser encarada do ponto de vista do “usuário final”, ou seja, do cidadão comum que não consegue entender direito os termos técnicos e as sutilezas do linguajar dos cientistas (mais ainda quando eles partem para a matemática…), mas que emprega em seu dia-a-dia os efeitos práticos dessa ciência: os avanços tecnológicos.
Acabei me embaralhando todo em um artigo onde eu pretendia dizer uma coisa e acabei me perdendo nos meandros de tentar explicar onde as religiões tinham ido buscar seus “dogmas” e “revelações divinas”…
Então, vamos voltar à vaca-fria e, pelo processo de exposição de idéias predominante no idioma francês, começar cada parágrafo com uma assertiva e discutí-la ao longo da exposição.
Tanto a “ciência”, como a “religião”, nasceram da observação que o ser humano faz da Natureza. Só que a ciência, a partir de um certo estágio, deixou de encontrar nas “explicações” baseadas na “vontade divina” as respostas para os fenômenos observáveis e passou a confiar no que passou a se chamar “método científico”: observação do fenômeno, busca de explicações para o mesmo em hipóteses onde o “sobrenatural” não tivesse que intervir, extrapolação para hipóteses genéricas, previsões experimentáveis a partir dessas hipóteses e a realização de experiências em ambientes controlados para verificar a exatidão dessas previsões. (“Até aí morreu Neves”… calma… eu chego lá…)
Para a ciência, nada é “sobrenatural”: tudo tem uma explicação “natural”. E aí começou a “briga”. A partir deste posicionamento, uns radicalizaram afirmando que “religião é tolice”, e seus opositores querendo “tapar o Sol com uma peneira” e se recusando a admitir o óbvio: se os “dogmas” não se enquadram na realidade, provada e comprovada, o dogma é que é a tolice… Isso é particularmente verídico para a civilização ocidental (as religiões orientais não são muito afetadas pela ciência…), onde as Igrejas majoritárias insistiam (e até hoje insistem) em igualar Π a 3, porque isso consta das “Sagradas Escrituras”…
Até hoje, tanto a “ciência”, como as “religiões” têm um ponto (errado) em comum: tomam o ser humano como unidade de medida. E esse erro persiste, por mais que a ciência tenha descoberto que a Terra não é o “Centro do Universo” e que o Homo Sapiens é apenas um primata “que deu certo” (pelo menos, mais “certo” do que os outros…). Esse “paroquialismo” também é um entrave à compreensão da Natureza, porque, mesmo os céticos empedernidos, têm esse preconceito tão imbuído em sua mentalidade que até “fabricam” dados para “comprovar” essa “superioridade”, embora não exista uma só habilidade do “ser humano” que não seja encontrável em outra espécie da Terra (e, quando se afirma isto, chovem argumentos em contrário, todos eles com o mesmíssimo ranço de preconceito que os “bons cientistas céticos” atribuem aos “reacionários religiosos”…) Ninguém está disposto a conceder o “benefício da dúvida” sobre, por exemplo, a capacidade dos chimpanzés de exprimirem abstrações (coisa já demonstrada), ou de admitirem que o cérebro dos golfinhos pelo menos parece ter uma capacidade de processar informações igual ou superior à do Homo Sapiens
Todo conceito de “ética” que não possa ser resumido a “não faça aos outros aquilo que não quer que façam com você”, é apenas uma “racionalização” de algum preconceito. Só que esta noção também está tendo sua abrangência atualizada pelo progresso da ciência. A espécie humana já está começando a entender (nem que seja pelo processo mais doloroso) que seu meio ambiente não é “casa da sogra”: o princípio TANSTAAFL vale para tudo, inclusive para as modificações introduzidas, mesmo que inadvertidamente, sobre o meio ambiente. E existem muitos “efeitos borboleta” que não foram ainda adequadamente estudados… Infelizmente, a grande maioria das pessoas ainda não se deu conta disto e continua discutindo o inevitável, com base em paradigmas paroquianos e escalas de valores mesquinhos que não vão além da vaga noção de um país… As mesmas pessoas que rezam “seja feita a Sua Vontade”, não são capazes de mentalizar um “Deus” que não atenda a seus caprichos vãos, e estão certíssimas de que podem ensinar ao “Criador” a gerir sua “Criação”…
As “elites”, antes de terem qualquer “direito”, têm OBRIGAÇÕES para com seus “súditos”. Isso era um princípio básico no nascimento das “aristocracias”… (e, por falar nisso, nas religiões, também…) Os “mais fortes” têm a obrigação de defenderem os “mais fracos”. Os “mais sábios” têm a obrigação de ensinar os “menos sábios”. Os “mais rápidos” ou “mais espertos” têm o dever de servir de isca para despistar o predador. Os “mais hábeis” têm a obrigação de realizarem os serviços mais difíceis. Etc… Foi assim que esse “macaquinho metido a besta” conseguiu chegar onde chegou… Só que “tem macaco demais”… O próprio “sucesso” da espécie humana traz, em si, o germe de sua perdição: a arrogância. Um dos “Livros Sagrados” diz que “Deus” disse: “crescei e multiplicai-vos”. Deveria ter “desenhado”… A parte do “multiplicai-vos” foi bastante fácil de entender (claro!… é a mais prazerosa!…) Mas a parte do “crescei” parece que foi mal entendida. Continuamos achando que somos “filhos únicos de papai rico” e que podemos gastar sem repor, usar e abusar, sujar sem limpar e destruir aquilo que obsta nosso caminho. As pessoas ficam “adultas”; a humanidade, não… E o que começou como reverência perante o desconhecido, transformou-se em mero instrumento de dominação e, atualmente, serve de pretexto para “justificar” selvagerias e obscurantismo. A “Glória de Deus” tem limites!… Limites impostos pela conveniência dos “poderosos” e dos espertalhões… O tal “Criador” não pode ter criado um universo tão grande assim, porque, se assim for, Ele não vai perder seu tempo para ouvir os choramingos e louvaminhas dos incompetentes. Não vai ter traçado um “processo evolutivo” que não pare nestes macaquinhos arrogantes. Não vai ter criado tudo, se não for para servir de play-ground para uma espécie que apareceu ainda agora no universo e acha que todos os segredos podem ser revelados com sua “arte e engenho”…
E o que isso tudo tem a ver com “O Papel do Cientista nas Decisões Éticas”? Bom… Para começo de conversa, para lembrar aos cientistas de que eles têm algumas das perguntas e muito poucas das respostas. São seres humanos como quaisquer outros e sujeitos a erros de avaliação, inclusive quanto ao significado dos dados matemáticos que colhem. A ciência é um meio, não um fim em si. Nenhum cientista que se preze diria, como um jurista, fiat cientia, pereat mundus… E que, se há na Natureza alguma “ética”, ela nada tem a ver com as necessidades da espécie humana. O universo andou certinho, durante muito tempo, antes da humanidade aparecer. E não vai sentir a menor saudade se formos extintos… E que sua única obrigação – enquanto cientistas – é a de apresentar os fatos conhecidos. Se, a partir de seus conhecimentos, adquirirem alguma convicção quanto a questões “éticas”, se conformarem com o fato de que a grande maioria não possui estes conhecimentos e pode decidir em sentido contrário… por mais que se arrependam depois.
A informação pode estar disponível para todos. O discernimento para o uso dessa informação é que varia. E, por enquanto, nem a ciência, nem qualquer religião conhece uma “cura da estupidez”. Asimov usou como título para um de seus livros de sci-fi parte da frase (que ele atribui a Schiller): Contra a estupidez, os próprios Deuses lutam em vão…
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